quarta-feira, 30 de maio de 2012

A VERDADEIRA NUDEZ

Alguns leitores perguntam como acontecem tantas coisas em minha vida, como tenho tantas histórias para contar. Na verdade só consigo captar e contar uma parte muito pequena do que está acontecendo, o resto passa despercebido. Mesmo assim, esforço-me para tentar não ser um simples assistente ou personagem do enredo que me cerca. Pequenas rotinas, comportamentos robotizados, teses definitivas causam-me espanto. Costumo querer saber por que, como, onde, quando se originaram regras, conceitos, relacionamentos, religiões, paradigmas. Acredito em vias alternativas e fico atento ao lado B dos acontecimentos, aquilo que não é percebido se não houver sensibilidade, curiosidade, treinamento e vontade de olhar em outras direções. É por estes caminhos que surgem novas histórias e por onde podemos atuar pró - ativamente por um mundo melhor. Um famoso mestre zen budista havia sido convidado para uma festa. Conforme sua forma de viver, compareceu vestindo sua modesta roupa, gasta pelo tempo e mal cuidada. O anfitrião, não o reconhecendo, expulsou-o dali. O mestre voltou para casa, trocou de roupa, vestiu um manto bordado com pedrarias e retornou para a festa. Desta vez foi recebido com toda a pompa e conduzido a um local especial reservado para autoridades. Lá chegando, tirou seu manto e colocou-o cuidadosamente na cadeira. “Não tenho dúvidas de que esperavam pelo meu manto, já que não me deixaram entrar pela porta na primeira vez que vim”. Virou as costas e foi embora. O manto é uma fachada. Portas abrem ou fecham conforme o estilo dos mantos. Quantos mantos precisamos vestir ao longo da vida? Muitos. Alguns por vontade própria, outros por imposição. Seja como for, os trajamos. Depois de um tempo, os mantos podem colar no corpo e não se consegue mais retirá-los, nem mesmo viver sem eles. Outras vezes os mantos ganham vida própria e passam a ditar os trâmites de quem os usa. Enquanto alguns precisam da roupa para freqüentar determinados locais, outros só conseguem entrar se ficarem quase nus, utilizando o corpo como degrau para a fama e ganhar um bom dinheiro. Até a mais insignificante das criaturas, tira a roupa, faz uma pose erótica e se transforma em uma deusa, bastando apenas alguns retoquezinhos no photoshop. Banalizaram a nudez a tal ponto de não causar mais espanto, não escandalizar e até mesmo, não excitar como deveria. Por incrível que pareça, alguns nus são olhados com total indiferença. Viraram fachada. Ninguém se expõe verdadeiramente estando nu. O cantor Ney Matogrosso, confessou sentir-se muito mais envergonhado durante uma entrevista, onde se encontrava completamente vestido e revelando sua intimidade, do que cantando e rebolando semi nu no palco, onde representava um personagem. Talvez a verdadeira excitação esteja, hoje em dia, em conseguir penetrar fachadas alheias e romper as próprias. Não é fácil, exige cuidado. Quando alguém nos abre a porta e permite ultrapassar as aparências, estamos pisando em local sagrado. É preciso tirar os sapatos e estar ciente de nossa responsabilidade. Para se mostrar por inteiro não é preciso ficar nu, é necessário despir a alma e se entregar. Sem medo de correr riscos, mostrar pequenos defeitos, contar segredos íntimos ou expor fraquezas. Somos muito mais que fachadas. Reduzir-se a um simples manto ou nudez é uma evasão de si próprio, uma alienação de seu eu. Contraditórios ou não, somos uma pluralidade, um infinito a descobrir. O segredo para abrir portas não é se mostrar por fora, mas sim, olhar para dentro. É assim que ficamos mais bonitos, íntegros e conseguimos enxergar além das aparências. Não vemos as coisas como são, vemos as coisas como somos.Por: Ildo Meyer

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