quarta-feira, 8 de abril de 2015

A FILOSOFIA NÃO É UMA CIÊNCIA, É UMA TÉCNICA.

Se uma ciência busca recortar um conjunto homogêneo de fenômenos e reduzi-lo a uma clave explicativa comum que possa ser confirmada ou impugnada por todos os pesquisadores interessados, o resultado dela é necessariamente uma série de sentenças articuladas entre si por nexos lógicos e referida ao mundo da experiência por um sistema de procedimentos de verificação.

Uma técnica, ao contrário, reúne várias correntes causais autônomas e heterogêneas, irredutíveis a princípios comuns e unificadas tão somente pelo resultado a obter. Nenhuma técnica, por mais simples que seja, se reduz à aplicação de um princípio científico único. Nenhuma técnica, a rigor, se deixa explicar totalmente pela ciência. A técnica tem sua racionalidade própria, interseccionada com a da ciência mas não redutível a ela.

O resultado do trabalho científico são afirmações abstratas válidas para um certo domínio previamente recortado segundo uma homogeneidade hipotética, que a investigação científica, se bem sucedida, transfigurará em homogeneidade tética, ou positiva, fundamentando na experiência, retroativamente, o recorte adotado de início.

O resultado da obra técnica é um produto concreto (de con cresco, “crescer junto) obtido pela articulação real, não ideal, de diferentes concreções parciais.

A filosofia é uma técnica porque o resultado a que ela visa não é um conjunto de afirmações abstratas sobre esta ou aquela parte da realidade, nem mesmo sobre a “realidade como um todo”: é a capacitação do sujeito cognoscente humano individual para a apreensão concreta dos nexos entre conhecimento e realidade, apreensão sem a qual nenhum conhecimento, cientifico ou não, pode estar seguro de que faz sentido, nem de que seu objeto corresponde a algo no mundo real.

Diante de qualquer conhecimento, a filosofia busca esclarecer:

· Sua inteligibilidade

· Sua significação

· Sua realidade

· Sua posição na ordem geral conhecida

· Seu valor para a autoconsciência individual, para a cultura e para a civilização

Os componentes essenciais da técnica filosófica são:

1. A anamnese pela qual o filósofo rastreia a origem das suas idéias e assume a responsabilidade por elas.

2. A meditação pela qual ele busca transcender o círculo das suas idéias e permitir que a própria realidade lhe fale numa experiência cognitiva originária.

3. O exame dialético pelo qual ele integra a sua experiência cognitiva na tradição filosófica, e esta naquela.

4. A pesquisa erudita pela qual ele se apossa da tradição.

5. A hermenêutica pela qual ele torna transparentes para o exame dialético as sentenças dos filósofos do passado e todos os demais elementos da herança cultural que sejam necessários para a sua atividade filosófica.

6. O exame de consciência pelo qual ele integra na sua personalidade total as aquisições da sua investigação filosófica.

7. A técnica expressiva pela qual ele torna a sua experiência cognitiva reprodutível por outras pessoas.

Todos os grandes filósofos do passado praticaram esse conjunto de técnicas e muitos se referiram a elas em suas obras, mas nenhum se ocupou em fazer delas uma exposição abrangente e sistemática. Fornecer um resumo dessa exposição, abrindo para os estudos de filosofia uma porta antiqüíssima que a maioria dos professores de filosofia ignora por completo, tal é o objetivo do presente encontro.
Por: Olavo de carvalho Do site: http://www.seminariodefilosofia.org



quinta-feira, 2 de abril de 2015

POR QUE DEIXAMOS DE SENTIR PRAZER PELA VIDA

É pela comparação com a cultura grega antiga que Fernando Muniz traça um perfil do prazer em nossa sociedade contemporânea no novo livro “Prazeres Ilimitados”, que será lançado nesta quinta-feira, às 19h, na Livraria da Travessa, em Ipanema. Segundo o filósofo, apesar de vivermos em um mundo hedonista – onde a busca do prazer é o mote principal -, estamos incapacitados de senti-lo.


Glamurama: O que é o prazer hoje?

Fernando Muniz: O prazer saiu de cena e se tornou uma certa compulsão, uma coisa que nunca se realiza. A sociedade exige sempre mais e mais, projeta para o futuro uma coisa que nunca ocorre. E essa antecipação provoca ansiedade, que vai adiando o momento da realização, e o prazer nunca acontece. O que existe é a voracidade, o consumo de tudo em volta, mas que não traz saciedade. O mundo contemporâneo está, ao contrário do que se pensa, mais afastado do prazer. Quando o prazer passa a perder a importância, a vida passa a ser ameaçada. Muito do mal estar contemporâneo está ligado a essa incapacidade de viver o prazer.

Glamurama: Qual é o lugar do prazer na nossa vida?

Fernando Muniz: Apesar de vivermos em mundo hedonista, não temos nenhuma reflexão profunda sobre o prazer. O prazer hoje é tido como uma coisa que todo mundo acha que sabe. Como o prazer já é um dado, uma coisa óbvia, ele deixa de ser um problema, e, consequentemente, deixa de ser um objeto de reflexão. Já na Grécia antiga, o prazer foi objeto de muito questionamento.

Glamurama: O que as pessoas buscam para obter prazer?

Fernando Muniz: Uma nova relação amorosa, ter mais dinheiro, poder, fama, um corpo mais perfeito. Ou seja, o que você impõe a você mesmo, esvazia a própria possibilidade de você ter uma vida plena e satisfeita, sempre projetada para um futuro inacessível. Isso gera uma histeria de tanta incitação.

Glamurama: Por que não conseguimos ter prazer de fato?

Fernando Muniz: Essa perda não é uma questão individual. Você não decide ter ou não ter um comportamento compulsivo. As sociedades estão organizadas desta forma. A incitação ao consumo, ao que vem depois, faz com que as relações humanas sejam provisórias. A fila está sempre andando. O que você acabou de comprar já não tem importância alguma. As necessidades que você jamais teve, vai ter amanhã. Você não tem mais prazer nem com pessoas nem com coisas. Isso gera um buraco no mundo contemporâneo. É uma situação de frustração constante. Você vê, por exemplo, a ex-namorada do Mick Jagger, a L’Wren Scott [morta em março do ano passado]. Um dia ela está linda, namorando um cara famoso, e no outro, está enforcada. No mundo contemporâneo, a distância entre o sofrimento profundo e a alegria excessiva é quase nenhuma. A pessoa que dá uma gargalhada pode cair no choro.

Glamurama: Mas as pessoas parecem estar mais felizes hoje em dia, pelo menos nas redes sociais.

Fernando Muniz: É. Todo mundo parece feliz. As pessoas acham que elas precisam parecer assim, mas acabam parecendo mais histéricas do que felizes. Sem entrar nos aspetos positivos das redes sociais, as pessoas acabam expondo somente o que querem que as outras saibam dela. É sempre narcísico. As pessoas entendem que a vida delas tem valor porque ela mostra. É um esvaziamento da própria vida, uma incapacidade de se encontrar sentido. Já que as coisas não tem sentido, é preciso postar. A vida se dá pelas reações: se alguém curtiu ou não curtiu.

Glamurama: As redes acabam então preenchendo esse vazio?

Fernando Muniz: É um jeito de lidar com o esvaziamento, mas é provisório. A pessoa precisa postar outra coisa, e depois outra. Ela pode achar um namorado e, sem saber o que ela o quer, posta uma foto dele. Então, ela começa a ver se aquilo pode fazer algum sentido, dependendo das reações dos outros. O valor é dado de fora e não por ela mesma.

Glamurama: Estamos passando por uma espécie de doença coletiva?

Fernando Muniz: Acho que sim. É uma espécie de patologia cultural, uma doença da nossa própria cultura. Não encontramos ainda os meios para que as pessoas se tornem satisfeitas.

Glamurama: E quais seriam os meios?

Fernando Muniz: São muitos. Os gregos faziam uma reflexão constante. No mundo contemporâneo já existe o caminho. Não existe a pergunta: “Como a minha vida pode ser maravilhosa?”. Isso não é uma questão. Para os gregos, era. Para você encontrar a justificativa da sua existência acho que a reflexão é o primeiro passo. Eu proponho no livro uma volta aos gregos, no sentido de recuperar as questões sobre o que é o prazer, qual é o lugar que ele tem na nossa vida e o que ele significa.
Por Denise Meira do Amaral 
Fernando Muniz passou seis meses escrevendo “Prazeres Ilimitados” nos Estados Unidos
Do site: http://glamurama.uol.com.br