sábado, 30 de junho de 2012

O QUE É INTELIGÊNCIA?



MAS AFINAL, O QUE É INTELIGÊNCIA? (ISAAC ASIMOV)
(por Isaac Asimov)
Quando eu estava no exército, fiz um teste de aptidão, solicitado a todos os soldados, e consegui 160 pontos.
A média era 100.
Ninguém na base tinha visto uma nota dessas e durante duas horas eu fui o assunto principal.
(Não significou nada - no dia seguinte eu ainda era um soldado raso da KP - Kitchen Police)
Durante toda minha vida consegui notas como essa, o que sempre me deu uma ideia de que eu era realmente muito inteligente. E eu imaginava que as outras pessoas também achavam isso.
Porém, na verdade, será que essas notas não significam apenas que eu sou muito bom para responder um tipo específico de perguntas acadêmicas, consideradas pertinentes pelas pessoas que formularam esses testes de inteligência, e que provavelmente têm uma habilidade intelectual parecida com a minha?
Por exemplo, eu conhecia um mecânico que jamais conseguiria passar em um teste desses, acho que não chegaria a fazer 80 pontos. Portanto, sempre me considerei muito mais inteligente que ele.
Mas, quando acontecia alguma coisa com o meu carro e eu precisava de alguém para dar um jeito rápido, era ele que eu procurava. Observava como ele investigava a situação enquanto fazia seus pronunciamentos sábios e profundos, como se fossem oráculos divinos.
No fim, ele sempre consertava meu carro.
Então imagine se esses testes de inteligência fossem preparados pelo meu mecânico.
Ou por um carpinteiro, ou um fazendeiro, ou qualquer outro que não fosse um acadêmico.
Em qualquer desses testes eu comprovaria minha total ignorância e estupidez. Na verdade, seria mesmo considerado um ignorante, um estúpido.
Em um mundo onde eu não pudesse me valer do meu treinamento acadêmico ou do meu talento com as palavras e tivesse que fazer algum trabalho com as minhas mãos ou desembaraçar alguma coisa complicada eu me daria muito mal.
A minha inteligência, portanto, não é algo absoluto mas sim algo imposto como tal, por uma pequena parcela da sociedade em que vivo.
Vamos considerar o meu mecânico, mais uma vez.
Ele adorava contar piadas.
Certa vez ele levantou sua cabeça por cima do capô do meu carro e me perguntou:
"Doutor, um surdo-mudo entrou numa loja de construção para comprar uns pregos. Ele colocou dois dedos no balcão como se estivesse segurando um prego invisível e com a outra mão, imitou umas marteladas. O balconista trouxe então um martelo. Ele balançou a cabeça de um lado para o outro negativamente e apontou para os dedos no balcão. Dessa vez o balconista trouxe vários pregos, ele escolheu o tamanho que queria e foi embora. O cliente seguinte era um cego. Ele queria comprar uma tesoura. Como o senhor acha que ele fez?"
Eu levantei minha mão e "cortei o ar" com dois dedos, como uma tesoura.
"Mas você é muito burro mesmo! Ele simplesmente abriu a boca e usou a voz para pedir"
Enquanto meu mecânico gargalhava, ele ainda falou:
"Tô fazendo essa pegadinha com todos os clientes hoje."
"E muitos caíram?" perguntei esperançoso.
"Alguns. Mas com você eu tinha certeza absoluta que ia funcionar".
"Ah é? Por quê?"
"Porque você tem muito estudo doutor, sabia que não seria muito esperto"
E algo dentro de mim dizia que ele tinha alguma razão nisso tudo.
(tradução livre do original "What is inteligence, anyway?")




CONSCIÊNCIA

Nos estudos de Filosofia Clínica, muitas vezes se ouve a expressão: “Mas é preciso que a pessoa tenha consciência do que está errado para mudar!” Sem muito esforço, quase todos os presentes na aula, palestra, conversa, concordam de pronto. Mas o que seria a consciência? Numa pesquisa rápida pela internet aparecem diversas definições, mas uma delas me atrai mais. Nesta definição a palavra consciência é dividida em duas partes, a primeira “com” que quer dizer junto, e a segunda parte é “scire” que quer dizer “saber, conhecer”. De acordo com esta definição a palavra consciência significa conhecer com outras pessoas, ou seja, aquilo que sei com os outros. 

Fazendo uma busca mais ampla encontrei o significado dos livros de filosofia, onde o termo consciência traduz a capacidade de uma pessoa de ver a relação entre si e o ambiente. Para muitos filósofos existem dois tipos de consciência, a fenomenal e a consciência de acesso. A consciência fenomenal é a capacidade que a pessoa tem ou pode ter de processar os dados de sua experiência no ambiente. Simplificando, é a capacidade que você tem, de agora, enquanto lê, ouvir o som, sentir o cheiro, perceber o mundo a sua volta. Já a consciência de acesso, esta é um pouco diferente, é a capacidade que temos de entender ou não a nossa relação com o que se passa em volta. Neste caso é a capacidade que você tem de ouvir uma pessoa falar o seu nome e saber que ela fala com você. 

Para transpor esse termo para a Filosofia Clinica precisamos entender o processo da consciência, ao menos o que se diz que as pessoas têm que ter. O primeiro passo é a pessoa se perceber dentro de um contexto específico, ou seja, se você está dirigindo na pista do ônibus em plena avenida, deve saber que é errado. Pode parecer estranho, mas algumas pessoas não se percebem dentro de um contexto, para elas o que importa, interessa, é que elas façam o que entendam precisam, ou querem fazer. Esse é um primeiro obstáculo para a consciência, pois, para muitas pessoas, por mais que falemos, elas sempre vão entender que elas estão certas. Tenho certeza que você conhece alguém que sempre está certo, ou, como se diz, não tem consciência do que fez. 

Uma segunda questão de tantas, é a epistemologia, o conhecimento. Digamos que a pessoa se vê dentro do contexto, percebe-se na relação com as outras pessoas, mas ela não consegue conhecer o que está acontecendo. Um exemplo são as pessoas que sabem que o casamento está desmoronando, sabem que elas são as mais responsáveis por isso, mas não conseguem aprender com isso, conhecer. Parece estranho, mas acho que você já deve ter olhado o motor de um carro, até dirigido um, mas não tem a menor ideia de como funciona. Isso faz com que, mesmo você se vendo, não consiga ter consciência do que está errado, isso porque o aprendizado não acontece. 

Muitas pessoas têm consciência quando estão em relação com outras, entendem perfeitamente o seu lugar em cada espaço, mas, infelizmente, não têm consciência de si próprios, são pessoas que comem mal, dormem mal, vivem mal e não tem a menor ideia que estão fazendo isso. São pessoas que aprenderam conhecer tudo, menos elas mesmas. É perfeitamente possível que você tenha fortes dores de cabeça, mas nunca aprendeu a lidar com ela, nunca tentou conhecer a sua própria dor de cabeça. 

Esse tema é muito vasto, aqui apenas coloquei algumas possibilidades. Apenas ilustrei as possibilidades de se ter ou não consciência, mas gostaria de deixar uma pergunta: “Por que ter consciência?” Por: Rosemiro A. Sefstrom

sexta-feira, 29 de junho de 2012

O BOM SELVAGEM

A análise de uma idéia deve ser objetiva, independente de quem a profere. Caso contrário, podemos incorrer no risco de argumento ad hominem, desqualificando o autor da idéia em vez dela em si. Em certos casos, porém, faz sentido abrirmos uma exceção e julgarmos quem defendeu certa coisa, se esse estudo nos ajudar a melhor compreender sua lógica – ou a falta dela. Foi o que fez o historiador Paul Johson em Os Intelectuais, que começa a investigação sobre esse grupo de pensadores com Jean-Jacques Rousseau, considerado o primeiro dos intelectuais modernos, além de o mais influente de todos, em vários aspectos. 

Rousseau popularizou o culto da natureza, identificando e apontando a artificialidade da civilização. Uma de suas idéias mais famosas, a do “homem bom” no estado natural, depois corrompido pela sociedade, já parte de uma certa contradição, já que a sociedade é justamente formada por esses mesmos “homens bons”. Isso não o impediu de idealizar o homem, imaginando como ele deveria ser, mas ignorando como ele de fato é. Rousseau passou a considerar a competitividade um pecado que destrói o senso comunitário inato ao homem, estimulando suas características mais perversas, incluindo o desejo de exploração. Ele desconfiava da propriedade privada, julgando-a a causa da criminalidade social. Marx iria explorar sem limites tal idéia depois, com conseqüências terríveis para as cobaias da experiência. E não deixa de ser curioso que as tribos à parte da civilização, os bárbaros, costumavam mostrar doses bem mais cavalares de violência uns com os outros. Foi justamente o aumento das trocas voluntárias, calcadas no direito de propriedade privada, que permitiu um progresso pacífico jamais visto antes pela humanidade. 

As idéias de Rousseau eram pregadas em tom messiânico, e ele se autoproclamava o mais virtuoso dos homens. Sentia-se bastante diferente dos demais, e considerava sua situação singular, “sem precedente desde o início dos tempos”. Costumava apelar para a autocomiseração em busca de atenção e interesses, alimentando um egoísmo exagerado. Ele se dizia amigo de toda a humanidade, porém, desenvolveu forte predisposição para brigar com seres humanos em particular. Colecionou uma lista e tanto de inimigos e desafetos, vários desses considerados grandes amigos antes. Como dizia Nelson Rodrigues, “amar a humanidade é fácil; difícil é amar o próximo”. 

Conscientemente ou não, ele era bastante habilidoso em se autopromover. Atraía bastante atenção para si, fosse através de suas brigas ou de suas excentricidades. Sua base de negociação com as pessoas era simples: elas davam, ele recebia. E ainda por cima justificava tal atitude afirmando que aquele que o ajudasse estaria, na verdade, fazendo um favor a si próprio, visto que ele era um ser incomparável. Já não é algo comum uma pessoa virtuosa ter que espalhar aos ventos sua infinita virtude. Mas Rousseau ia além, e chegou a falar que deveria ser estrangulado aquele que observasse sua natureza, caráter e princípios morais, e ainda assim acreditasse ser ele um homem desonesto. 

Grande parte da reputação de Rousseau se deve a suas teorias sobre a educação das crianças. Creio que seria relevante então sabermos como ele realmente agia no que diz respeito ao tema. Quando sua mulher deu à luz ao primeiro filho, Rousseau a convenceu de abandoná-lo, para que “a sua honra fosse salva”. A criança foi colocada em uma trouxa e levada para o Hospital das Crianças Encontradas. Outros quatro filhos tiveram o mesmo destino depois. Rousseau passou então a transferir para o Estado a responsabilidade da paternidade, inspirado na República de Platão. Sua tentativa de se autojustificar, num comportamento claramente anormal, levaria à proposição de um Estado paternalista ao extremo. Como Paul Johson coloca, “graças a uma lógica infame, a perversidade de Rousseau como pai estava ligada a sua conseqüência ideológica futura: o Estado totalitário”.  

A defesa de um contrato social, calcado na Vontade Geral à qual todos obedeceriam por convenção, transformaria indivíduos em filhos do orfanato paterno, o Estado. Rousseau confessava ter um “certo ressentimento em relação aos ricos e bem-sucedidos, como se a riqueza e felicidade deles tivessem sido alcançadas à minha custa”. A inveja parece ser outro ingrediente nos sentimentos que levaram Rousseau à defesa de um modelo de “centralismo democrático”, similar ao imposto por Lênin posteriormente, com catastróficos resultados. Caberia ao Estado o controle até mesmo do pensamento individual, tudo em prol do conjunto da comunidade. Temos em Rousseau um ícone do coletivismo perverso que transforma indivíduos em meios sacrificáveis para outros fins. 

O caráter verdadeiro de Rousseau não passou totalmente despercebido por outros filósofos, apesar de sua dissimulação toda. Hume descreveu-o como um “monstro que se via como o único ser importante do universo”. Diderot considerou-o um “enganador, vaidoso como Satã, mal-agradecido, cruel, hipócrita e cheio de maldade”. Estes foram pessoas próximas e amigos dele. Para Voltaire, ele era “um poço de presunção e vileza”. Sophie d’Houdetot, quem ele mesmo considerou seu único amor, julgou-o, quando mais velha, como “repulsivo”, uma “figura patética” e um “louco interessante”. Não foram poucos os relacionamentos destruídos por Rousseau ao longo de sua vida. 

A história da vida de Rousseau poderia servir apenas para nos despertar pena, pois tratava-se claramente de um ser desequilibrado e perturbado. Entretanto, idéias têm conseqüências, assim como mitos. Não obstante o absurdo de grande parte de suas idéias, o mito Rousseau exerce influência até os dias de hoje, principalmente na esquerda mais romântica. As idéias de Rousseau muito contribuíram para o surgimento de Robespierre, que o considerava o “professor da humanidade”. Os sangrentos anos de terror da Revolução Francesa merecem uma boa parcela de culpa deste pretensioso reformador. 

Em vez do mundo voltar sua atenção para a verdadeira revolução, que ocorria nos Estados Unidos através das idéias infinitamente mais sensatas dos seus “pais fundadores”, eram as idéias de Rousseau que ainda despertavam fortes emoções, encontrando eco nos corações de muitos sonhadores. Para Kant, por exemplo, Rousseau tinha “uma sensibilidade espiritual de inigualável perfeição”. Parece espantoso que pessoas de tal gabarito ainda viam Rousseau desta forma idílica. A realidade é bem diferente, como Paul Johnson demonstrou muito bem. O defensor do “bom selvagem”, ao que parece, tinha muito mais de selvagem que de bom. Por: Rodrigo Constantino

quarta-feira, 27 de junho de 2012

VALE-TUDO, MORALIDADE E FILOSOFIA

A foto de Lula apertando a mão de Paulo Maluf fez a delícia da oposição e provocou desgosto no PT. Os comentaristas reconheceram a inconveniência da imagem do homem visto até então como infalível em suas decisões políticas, porque sabiam que o eleitor a veria como uma agressão à ética. Luís Veríssimo batizou o ato de realpolitikagem. E o repúdio àquelas mãos dadas, tendo sido compartilhado mesmo por quem não se interessa por política, sugere a existência de valores morais comuns à maioria das pessoas. Algumas crenças nos parecem verdadeiras, não importa o contexto cultural em que vivemos. Acredita-se no dever de cuidar dos filhos, honrar promessas e não matar, mesmo que o assassinato nos traga lucro. Embora alguns analistas vejam nessas decisões apenas o fruto da emoção, ou das convenções sociais e ilusões ideológicas, como queria Karl Marx, elas são tão comuns que parecem confirmar a objetividade da intuição moral. Situações mais complicadas testam essa objetividade. Como você responderia à seguinte questão? Você acionaria um interruptor, redirecionando um trem desgovernado, para salvar cinco pessoas numa pista, embora soubesse que, na outra pista, uma pessoa morreria em consequência da sua decisão? Um grande número de pessoas responde sim a essa pergunta. Mas o que você diria se a escolha fosse empurrar para a morte um homem da plataforma da estação, de forma a acionar o freio automático do trem, para salvar outras cinco pessoas? A maioria das pessoas acha que isso seria errado. Qual a diferença entre os dois atos? Os partidários do ponto de vista consequencialista - que derivam regras morais dos efeitos de nossos atos - não veem diferença entre as duas situações. Os resultados são os mesmos e o que importaria seria salvar o maior número de vidas possível. Mas, se isso fosse verdade, suponha que um médico mate um único paciente para usar seus órgãos em transplantes que salvariam cinco vidas. Mesmo um consequencialista convicto recusaria sua aprovação a esse cirurgião e acharia repugnante a sociedade na qual os médicos podem matar um paciente para salvar outros. No dia a dia nos viramos à custa de nossas intuições morais, cujas regras a filosofia tenta sistematizar. Ela nos oferece as três posições éticas importantes no mundo moderno: o consequencialismo, o kantismo e o contratualismo. Entre as posições consequencialistas modernas, o utilitarismo se destaca como a mais proeminente. Henry Sidgwick, um filósofo britânico, sustenta que ações e leis são corretas na medida em que maximizem o bem-estar comum. Dominando o pensamento filosófico anglo-americano durante séculos, o utilitarismo permanece influente. A teoria econômica da "escolha racional" - que guia a política econômica e, de fato, deveria se chamar "teoria da escolha consistente e autointeressada" - tem os dois pés bem fincados na filosofia utilitarista. Alguns consequencialistas mais cuidadosos argumentam que a distribuição da felicidade também é importante, incluem a criatividade e a apreciação estética na soma de bens dos quais resulta a felicidade social e lembram que a liberdade deve impor limites à maximização do bem-estar. O kantismo e o contratualismo rejeitam o consequencialismo como critério para a ética. Immanuel Kant proclamou como dever incondicional a obediência à moralidade, quaisquer que sejam nossos desejos e interesses. Seu "imperativo categórico" estabelece nunca tratar o outro apenas como meio, mas sempre como fim em si mesmo. Isso só seria possível se nos perguntássemos antes de cada decisão o que ocorreria se o mundo inteiro agisse da mesma forma que escolhemos agir. Em Uma Teoria da Justiça (1971), John Rawls estabelece os princípios do contratualismo moderno. Por meio de um experimento mental, ele deriva as regras justas para a sociedade. Elas resultam do acordo unânime entre pessoas livres, sob um "véu de ignorância", que não lhes permite conhecer os fatos de seu nascimento, porque eles poderiam influenciar a posição do indivíduo na sociedade e, portanto, suas decisões. T. M. Scanlon, filósofo de Harvard, modifica o contrato social de Rawls e o aplica aos direitos individuais. O contratualismo de Scanlon diz que devemos honrar as nossas promessas e agir para não prejudicar os outros. Ele se aproxima de Kant: o certo e o errado resultam do reconhecimento do estatuto de igualdade entre as pessoas. Ao pensar a ética como fundamentada nas relações entre pessoas e como o conjunto de direitos que devemos uns aos outros - e não como relações de pessoas com um conjunto de coisas desejáveis -, o kantismo e o contratualismo se unem em oposição ao consequencialismo. O economista tenta fugir das críticas ao utilitarismo, argumentando que sua tarefa é explicar e não justificar comportamentos. Diz que tenta entender as razões que movem as pessoas e evitar conotações morais. Mas a verdade é que, todos os dias, conscientemente ou não, faz a transição de análises causais para o uso normativo da teoria, ao ditar regras para a política econômica. Quantas vezes os políticos justificam uma lei com o argumento de que melhora o bem-estar da sociedade? Já nos acostumamos a andar de braços dados com o utilitarismo, do qual seria difícil escapar, pois parece humano colocar as consequências de nossos atos na balança, mesmo quando pesamos o que é eticamente correto e tentamos seguir a regra de Kant. Mas não acredito que tenha sido o cálculo utilitarista que motivou a indignação de Luiza Erundina ao ver Lula e Maluf de mãos dadas. Ao rejeitar o cinismo desavergonhado de muitos políticos, agiu como a maioria da população, cuja intuição moral combina de forma nem sempre consciente as teorias de Kant e do contratualismo.Por: Eliana Cardoso * PH.D. PELO MIT, É PROFESSORA TITULAR DA FGV-SÃO PAULO

CRIME CONTRA SÃO PAULO

O relato abaixo pode ser considerado em todo o território nacional, com variações por estado. A insegurança é geral com 50 mil assassinatos anuais, mais 35 mil mortes no transito.
Aloysio Tiscoski

Viajo para São Paulo em breve. Mas hoje, domingo, dia em que escrevo essas linhas, já recebi da minha tia paulistana o conselho habitual: "Meu querido, se eles pedirem, você dá tudo". Abençoada tia. Quando a viagem é para Roma ou Paris, há sempre a sugestão de um restaurante, de um museu, de uma loja ou de um parque. São Paulo é outra história: se "eles" pedem, eu dou tudo. E eu já dei: anos atrás, no lobby de um hotel a dois passos da avenida Paulista, fui assaltado à mão armada. "É só o laptop", disse-me o rapaz, uma cara amedrontada e imberbe que tremia com a pistola na mão. Nesse milésimo de segundo, lembrei da minha tia e virei o cachorro de Pavlov: ele pediu, eu dei o laptop. Sem pestanejar. Prejuízos? Nenhuns: nem físicos, nem psicológicos. O hotel pagou um novo laptop e eu ainda ganhei uma história para contar. Nos dias seguintes, em conversas com amigos, relatava o episódio com a estupefação própria de um europeu. Eles também estavam espantados: não pelo roubo, uma das atrações turísticas da cidade; mas pela ousadia do assaltante, que arriscou a vida para entrar no hotel. Raciocínio dos meus amigos: se o roubo fosse no carro ou na rua, tudo bem. Mas no hotel? Onde podem existir seguranças? Relembro hoje as minhas aventuras passadas. Não apenas porque retornarei a São Paulo na próxima semana, mas porque os assaltos em estabelecimentos deixaram de ser privilégio meu. Todos os dias leio na imprensa que um restaurante ou um bar sofreram mais um arrastão. O "modus operandi" é sempre o mesmo: entra o bando, alguém armado ameaça os presentes e depois é só fazer a limpeza. E a polícia? Segundo o site da revista "Veja", nos primeiros 20 dias de junho houve 26 casos registrados. E a polícia não parece estar demasiado preocupada com "acontecimentos menores", sem a grandeza de matanças ou sequestros. "Acontecimentos menores"? Lamento. Se a história do crime ensina alguma coisa é que "acontecimentos menores" são terreno fértil para "acontecimentos maiores". Que o digam James Q. Wilson e George Kelling, que há precisamente 30 anos escreveram sobre o assunto na revista "The Atlantic Monthly". O ensaio, intitulado "Broken Windows" ("janelas quebradas", março de 1982), virou um clássico da criminologia e influenciou profundamente a luta contra o crime em Nova York nos anos 1990. Durante as duas décadas anteriores, a "Big Apple" era considerada um caso perdido -em homicídios, estupros, assaltos e tráfico de droga. Como, então, se inverteu esse cenário? O prefeito Rudolph Giuliani e o comissário da polícia William Bratton apostaram em estratégias pesadas -mais policiais nas ruas, responsabilização direta das chefias por incidentes ou delitos em suas áreas urbanas. Mas Giuliani e Bratton aprenderam algo de mais sutil com o ensaio de Wilson e Kelling: condições de desordem só geram mais desordem. Exemplo: um bairro onde os edifícios estão degradados; as janelas quebradas; os muros cobertos de pichação são ninhos potenciais de marginalidade e crime. A primeira coisa a fazer é consertar o bairro; é não tolerar que ele seja vandalizado novamente; é punir a pequena delinquência para evitar que ela se transforme em grande delinquência. O ensaio de Wilson e Kelling, e a ação posterior de Giuliani e Bratton, revolucionou o combate ao crime. Não apenas em Nova York, mas em todas as cidades americanas onde a estratégia foi seguida. Mais: a experiência da "tolerância zero" não se limitou a cidades americanas. Na Europa, essa intransigência com os pequenos delitos acabou por ser recompensada na Holanda, na Inglaterra, na Itália. O pequeno crime e o grande crime são disruptores da vida social. E o primeiro é a antecâmara do segundo. Se as autoridades paulistanas consideram os arrastões em bares ou restaurantes "acontecimentos menores", elas deveriam ler James Wilson e George Kelling. Sobretudo estas palavras: "As estatísticas do crime medem perdas individuais, mas não medem as perdas comunitárias". E as perdas comunitárias, acrescento eu, são mais difíceis de regenerar. Moral da história? Eu até posso dar tudo quando "eles" pedem. Mas esse crime sobre mim é, na verdade, um crime contra São Paulo.Por: João Pereira Coutinho, Folha de SP

PACIÊNCIA TEÓRICA

Querido leitor, que você esteja bem. Hoje vamos refletir sobre paciência teórica. Uma vez li um pensamento que realmente não recordo a sua autoria, que dizia: “Aprender, aprender, aprender... sempre!” Confesso que achei simples e profundo e nunca mais esqueci. Tanto é que relato ao querido leitor e à querida leitora neste dia. Mas para aprender geralmente é necessária uma gama muito grande de variáveis como estar bem alimentado, ter bons professores e boa escola, ter interesse, vontade, enfim, para aprender é preciso ter paciência. Algumas pessoas, inclusive, falam que a paciência é a virtude dos sábios. E, como sabemos, nesta sociedade de neon, paciência é o que quase ninguém mais tem. Lembro-me que no livro “Compostela – Muito além do Caminho de Santiago”, escrevi um artigo intitulado “Apressaram o mundo”, onde as atividades humanas que deveriam ser feitas com prazer estão virando um frenético repetir, repetir, repetir... sempre! Lenine, na música “Paciência”, canta: “O mundo vai girando cada vez mais veloz, a gente espera do mundo e o mundo espera de nós, um pouco mais de paciência...” Parece que neste vai e vem frenético não temos mais tempo para nada e, como consequência, não temos mais paciência. Que, às vezes, brinco em dizer que se trata de paz, da palavra “paz”, acrescida de ciência, portanto, paciência pode ser paz-ciência, ou seja, a ciência da paz. A impaciência é um fenômeno, parece, que só é vivido pelos seres humanos. Se não vejamos: as abelhas continuam pacientemente fazendo o mel, o João de Barro a construir seu ninho, o peixe a desovar. Apesar da interferência do homem no meio ambiente, ainda temos as quatro estações, uma mais quente (verão) e outra mais fria (inverno), e entre elas, pacientemente, duas estações que fazem a ponte entre o calor e o frio, que é o outono, e entre o frio e o calor, que é a primavera. Apesar do exemplo natural, estamos tão absortos que muitas vezes sequer percebemos estes exemplos. Queremos tudo para ontem e já tem alguém que acredita no milagre e quer para antes de ontem. Há tempo para tudo, para preparar a terra, semear, crescer e há tempo para colher. Mas, como sabemos, o apressado como cru. Geralmente é assim. Admiramos as pessoas destacadas, que falam bem, que são poliglotas, que debatem muitos assuntos com conhecimento e domínio. Admiramos estas pessoas e queremos ser como elas, mas, em alguns casos, não nos preparamos para isso. Não temos a paciência teórica para isso. Um curso universitário, por exemplo, pode ser feito em quatro, cinco, talvez até mais anos. Muitos fazem. Com a paciência teórica, saem seres humanos melhores que entraram e isso já valeu a experiência. Mas há aqueles que, sem paciência, querem burlar o processo do aprendizado e buscam fórmulas milagrosas em cursos e palestras de duas e três horas. Querem conselhos que estão na moda para ter mais e mais. Assim, temas como liderança, relacionamento, gestão de pessoas, enfim, questões envolvendo as organizações devem ser encaradas com paciência e responsabilidade, tendo claro que não existem formas milagrosas. Existe, sim, além de outros, trabalho e paciência. Finaliza Lenine a sua música e eu este artigo: “Mesmo quando o mundo pede um pouco mais de calma, até quando o corpo pede um pouco mais de alma, eu sei, a vida não para, a vida não para”... É assim como o mundo me parece hoje. E você, como encara a paciência teórica? Por: Beto Colombo

UM MUNDO REQUENTADO?

Dizem que o mundo está aquecido. Eu afirmo que é pior: vivemos num mundo requentado. Servir uma comida requentada é sinal de preguiça; melhor seria fazer um prato novo. É como ensinar a quem acha que sabe - essa multidão que povoa o mundo. O que singulariza um universo globalizado é o excesso de meios e uma enorme carência de fins. Nele, o velho tende a retornar como novo. No mundo diário, isso surge com os homens de cabelo pintado da cor de burro quando foge. A vida é uma linha. Ela começa no nascimento, passa por um longo período de consolidação física e ética; segue para uma aliança conjugal cuja consequência é geralmente a criação de novas vidas e a responsabilidade de transformá-las em pessoas e, finalmente, ela nos leva a um ponto sem futuro (toda mudança na velhice é problemática porque não se mexe em time que está ganhando), que antecede a saída deste dramalhão barato e belo do qual tomamos parte sem termos sido convidados. Não obstante essa implacável linearidade, cada fase da vida tem seus impulsos, seus dilemas e suas regressões. Uma nova etapa não acaba automaticamente com a outra. Exceto nos rituais, e, por isso, eles são tão importantes, essas fases todas se confundem e criam dilemas dentro de dilemas e regressões (bem como saltos e rompimentos) em meio aos retornos. Continuar crescendo (dizendo não a nós mesmos) ou voltar à irresponsabilidade da infância? Caminhar sozinho na tempestade ou desistir? Como saber se o Brasil vai dar certo se ele continua e nós, um dia, partiremos? Na meio do jardim podado da velhice encontramos o menino inseguro ou o adolescente moleque; na juventude tentamos viver o idoso que fala pausadamente e imagina que sabe tudo. As fases da vida seguem como um trem de ferro, mas a composição não é fixa. Muitas vezes a locomotiva é empurrada por vagões vazios... Tenho a sensação do requentado. A Rio+20 me reitera - apesar do esforço de alguns grupos e do Sérgio Besserman - a Torre de Babel. E existe coisa mais velha do que redescobrir em meio à fanfarra da mídia e da presunção dos "chefes de Estado" que nós, humanos, não nos entendemos nem quando se trata de salvar o teatro no qual atuamos? O único modo de encontrar o acordo é saber que estamos sempre em desacordo. Geralmente, em nome de algo maior que para o outro é obviamente menor. Movidos por um enredo individualista, mas ignorando-o, queremos discutir o planeta sem nos darmos conta da força dos nossos tabus nacionais e patrióticos. O resultado é uma conta que não fecha, pois nossa maior dificuldade é justamente perceber o planeta como um englobante - como uma totalidade que tem suas razões e demandas. Há algo mais cinicamente requentada do que essa CPI Cachoeira-Demóstenes-Delta num momento eleitoral? Pode haver algo mais lamentável numa democracia do que a mentira e a mendacidade como valores políticos? O caso Demóstenes é culminante - como ter democracia sem oposição? Melhor do que isso, só o encontro de Lula com Maluf - essas criaturas da modernidade paulista -, ambos candidatos a padrinhos do candidato Haddad. Mas no meio do retorno do nosso velho personalismo, negativo e onipotente, surge uma Erundina que usa sua individualidade para dizer que sem os valores nenhum de nós é coisa alguma. E não há nada mais patético do que um ator sem texto. Eis uma pergunta que não pode calar-se: é possível fazer política - essa esfera da vida que hoje substitui a religião - permitindo tudo? O cálculo do poder pelo poder, o vencer a qualquer custo, a norma brasileira segundo a qual em política o pecado é perder e a ideia de os adversários serem canalhas são concepções vencedoras? Será que perdemos o senso e não nos importamos com a politicalha de alguns políticos? Pode-se viver democraticamente numa sociedade que tem uma multidão de leis, mas que não pune os privilegiados - os que, como Lula e Maluf e Haddad, entram no grupo do "nós somos tu e tu é nosso"? É possível conviver com o roubo aberto de bens essenciais para a nossa própria existência, como escolas, hospitais, polícia e saneamento? Nem num livro de ficção científica escrita por um cínico se encontra esta combinação que hoje permeia a cena nacional: esta divisão de tarefas na qual um monte de gente trabalha para sustentar uma aristocracia estatal que nada faz e tem a arrogância de alardear isso como algo normal, comum em todos os países. Será que vivemos num país que conseguiu encaixar nos pagamentos rotineiros da vida pública algo que vai além dos dinheiros, pois neste Brasilzinho de hoje a ideologia - que era o último reduto do altruísmo - virou também moeda corrente e sonante? "Um povo livre", escreve Karl Jaspers no seu Introdução ao Pensamento Filosófico, "sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação" - continua - "não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política." Por: Roberto DaMatta - O Estado de S.Paulo

terça-feira, 26 de junho de 2012

AMBIENTES CRIATIVOS

Querido leitor, que você esteja em paz. Nossa reflexão no Como o Mundo me Parece de hoje é sobre “Ambientes Criativos”. Esta experiência ocorreu em nossa viagem de estudo que fiz à Grécia em 2009 com um grupo de filósofos clínicos de todo o Brasil. Depois de um dia nos aprofundando no filósofo grego Sócrates e os prováveis motivos de sua morte, subimos na cobertura do Hotel Titânia, no centro de Atenas. Sentamos à mesa no restaurante e com um bom tinto nas taças. No céu, um luar “sob encomenda” e uma vista deslumbrante para a Acrópole toda iluminada. Um visual inesquecível. Envolto aquele clima, nosso professor Lúcio Packter perguntou: O que será que atraía tanta gente para cá nos 500 a.C? Aquela pergunta nos fez refletir e também filosofar por horas naquele ambiente de Jardins de Oliveira nos altos do edifício. Trazendo essa reflexão para hoje, poderíamos fazer a seguinte pergunta: Como explicar a existência de tantos arquitetos, filósofos, escultores e escritores na Atenas de Péricles? E por que houve tantos pintores, escultores, arquitetos, historiadores e poetas, todos juntos, na Florença de Médicis? Por que viveram tantos psicólogos, físicos, filósofos, escritores, pintores, designers, arquitetos e músicos, de novo, todos ao mesmo tempo, na Viena de Klint e de Musil?” Uma resposta definitiva provavelmente não exista, porém, podemos sim afirmar que ambientes criativos atraem pessoas criativas e essas pessoas criativas acabam criando lugares ímpares na nossa geografia e na nossa história. Em muitos casos, os ambientes externos influenciam pessoas, mas o inverso também pode ser dito, que pessoas podem influenciar os ambientes externos. Tenho percebido ultimamente que algumas pessoas plantam cactos e querem colher uvas. Algumas pessoas querem atrair beija-flores e esquecem de plantar flores. Outras gostariam de atrair peixes coloridos e envenenam as águas. Mais uma pergunta que cabe para esse tempo de mundo acelerado que estamos vivendo. E prometo que vai ser a derradeira pergunta no artigo de hoje. Que ambiente estamos criando para atrair bons fluídos, que tipo de pessoas queremos atrair para perto de nós? É assim como o mundo me parece hoje. E você, o que está fazendo vai atrair o que está buscando? Por: Beto Colombo

segunda-feira, 25 de junho de 2012

ENTREVISTA COM JANER CRISTALDO (parte II)

ENTREVISTA ANTIGA (II) 


Por Diogo Chiuso e Sidney Vida 


Mas nem Machado de Assis escapa? 


Quando o Machadinho estava preocupado com o tremendo drama da Capitu - se ela corneou ou não o marido - Nietzsche estava lutando a tapa contra Deus, Dostoievski estava discutindo os grandes problemas da condição humana, o assassinato, o poder, a revolução. Marx (sem entrar em seus méritos ou deméritos) já havia declarado sua guerra particular à Europa. A impressão que se tem é que Machado desconhecia esses autores. Ou, se os conhecia, preferiu ignorá-los. É muito pobre, muito tacanho. Mas Machado não tem culpa do que mais me irrita nele: é sua circulação forçada nas escolas e universidades. Sem falar que ele cometeu um pecado que não tem perdão, criou essa associação de pavões medíocres que se chama Academia Brasileira de Letras.


Essa mediocridade está clara hoje, por sermos totalmente órfãos de bons textos literários e dramatúrgicos, o que reflete, principalmente, em nosso cinema, que não tem boas estórias para transpor para as telas. Na sua opinião, por que isso acontece? 


A escassez de bons textos não é só brasileira. É como se a ficção, a força de multiplicar-se, tivesse se exaurido. O escritor tinha uma função social importante até o século XIX, até a primeira metade do XX. Era uma espécie de filósofo, maître-à-penser, o sonhador da comunidade. A indústria editorial cresceu desmesuradamente e a literatura foi se banalizando. Imprensa, cinema e televisão foram aos poucos invadindo o território antes ocupado pelo escritor. Qual a diferença entre um filme e um romance? Do ponto de vista estrutural, nenhuma. Do ponto de vista prático, no filme há imagens e sons, e além disso pode ser degustado em menos de duas horas. Em uma época em que as pessoas são pouco dadas à leitura, isto se reflete na literatura.


Houve época em que escritores promoviam revoluções. Que fez Marx, que influiu no século passado de ponta a ponta? Marx não fez nada senão escrever. Mas o mundo mudou. As revoluções hoje são feitas por cientistas e técnicos em laboratórios. A pílula anticoncepcional foi mais eficaz que milhões de palavras contra o obscurantismo. O chip de silício aproximou mais os homens que inflamados discursos em prol da solidariedade.


Pessoalmente, não leio mais ficções. Cansei. O autor leva muito tempo e muitas páginas querendo criar um clima especial, para então plantar sua tese. Sei disso porque cometi algumas ficções. Prefiro ensaios, que são mais diretos, e particularmente ensaios históricos. E adoro essa novela sem fim nem roteiro, as notícias do mundo que o jornalismo traz. Leio hoje os jornais com o prazer que um dia li ficções. Há romances para todos os paladares, sempre segundo a fórmula do antigo folhetim. Desde clássicos antigos como A Guerra dos Seis Dias, Watergate, A Guerra no Golfo, A Queda do Muro, Ex-URSS, O Conflito nos Bálcãs, até outros mais contemporâneos como A Guerra no Iraque, Intifada em Israel, Rio sem Lei, O Presidente Analfabeto. São obras surpreendentes, que autor algum, por mais imaginoso que seja, ousou conceber. 


Para você qual o melhor escritor de todos os tempos? 


Pergunta complicada. Dentro do pequeno universo que li, o que mais me toca é José Hernández, talvez por minhas origens gaúchas. Martín Fierro é minha bíblia predileta. Quanto me exilei na Suécia no início dos 70 (voluntariamente, bem entendido, afinal ninguém me obrigou a sair do país) levei no bolso um pequeno exemplar de Fierro. Invejo a capacidade de síntese de um Renan. É preciso muito talento e obstinação para montar aquele imenso quebra-cabeça histórico. Invejo também a intuição de Orwell em 1984, a meu ver a obra mais importante do século passado. Não quero dizer que estes sejam os melhores escritores de todos os tempos. São apenas os que mais admiro. Ah! Tenho também de pôr Pessoa nesta cesta básica. Foi o outro autor que levei em minha bagagem para Estocolmo. Hernández e Pessoa foram os amigos que reconfortaram naquelas noites brancas, solitárias e geladas de Estocolmo.


Fale um pouco sobre os seus livros e quais as influências literárias que você teve para escrevê-los; e aonde eles podem ser achados pelos leitores interessados? 


Meu primeiro livro foi um ensaio sobre a Suécia dos anos 70, O Paraíso Sexual Democrata. Publiquei depois vários livros em papel e eletrônicos (contos, dois romances, crônicas, ensaios) e traduzi vinte títulos do sueco, espanhol e francês, entre estes praticamente toda a obra de Ernesto Sábato. Como as publicações em papel estão todas esgotadas, o leitor pode encontrar os eletrônicos no E-books Brasil. Dois romances, Ponche Verde e Laputa. O primeiro é um romance de exílio, dez anos na vida de um grupo de gaúchos que sai de Porto Alegre e perambula por Estocolmo, Berlim e Paris. O segundo, as angústias de um professor de Letras em uma ilha tropical, leia-se Santa Catarina. Mensageiros das Fúrias é minha tese de doutorado em Letras Francesas e Comparadas na Sorbonne Nouvelle (Paris III). Nesta tese, em torno às obras de Albert Camus e Ernesto Sábato, há um capítulo que hoje não assinaria mais, é o capítulo sobre o Che Guevara. Ocorre que Sábato o tomou como personagem em Abadón, o Exterminador, e faz do assassino frio um herói generoso e sonhador. Eu endossei a proposta do autor, também tomei Che como personagem. Hoje, considero que não se pode maquiar impunemente um personagem histórico. Sábato, tenho hoje de convir, caiu na armadilha do terceiromundismo. Foi cúmplice póstumo deste mito que só tem atrasado a América Latina.


Mais os ensaios Engenheiros de Almas (sobre o stalinismo em Jorge Amado e Graciliano Ramos), Qorpo Santo de Corpo InteiroIanoblefe (ensaio jornalístico sobre essa tremenda farsa que foi o massacre de ianomâmis em 93) e A Indústria Textil, ensaios sobre a corrupção literária e universitária. Textil assim mesmo, sem acento, a indústria do texto. Em crônicas, há mais títulos: Crônicas da Guerra Fria, EleCrônicas, Flechas contra o Tempo, Ressentidos de Todo o Mundo, Uni-vos e o último, A Vitória dos Intelectuais, compilação de crônicas do ano passado. Minhas crônicas atuais, e muitas das anteriores, podem ser encontradas no Baguete, Mídia sem mascara, Brazzil.com e Jornaleco.


Influências? Os autores que mais me transformaram, já os citei. Aos leitores, recomendo minhas últimas crônicas. O jornalismo na Web não depende de grandes custos em papel, máquinas, distribuição, logo não precisa bajular o grande público. A liberdade que tenho nos jornais eletrônicos, eu jamais a teria nos jornais em papel.


Você acha que o nível das nossas universidades melhorou ou piorou nas últimas quatro décadas? Quais os motivos? Você não acha que está sendo instituída uma supervalorização do diploma universitário? 


Piorou, e piorou terrivelmente. Senti isso quando lecionei Letras na Universidade Federal de Santa Catarina. No último ano de curso, meus alunos não dominavam nem mesmo o português. Aí lembrei de meus dias de ginásio, no Colégio Patrocínio, em Dom Pedrito, pequena cidade gaúcha na fronteira com o Uruguai, na época com uns 15 mil habitantes. Completei o ginásio aos quatorze anos, com um português impecável, um excelente francês, um inglês razoável e arranhando um bom latim. Essa educação, que tive no ginásio, nenhuma universidade fornece hoje. Basta ler os jornais e ver o resultado. Jornalistas oriundos até mesmo da prestigiosa ECA já não conseguem conjugar o subjuntivo e se enredam com os verbos reflexivos. O pronome reflexivo está em vias de extinção. Urge criarmos uma Sociedade Protetora do Pronome Reflexivo, ou este pronome desaparece da língua brasileira. Os jornalistas cometem até mesmo erros crassos, como trocar a letras l (ele) por u. Sauva tua auma, como li certa vez em uma cruz de uma Igreja no interior. 


Certa vez, na Folha de São Paulo, escrevi a palavra “preito” em um texto-legenda. Escândalo na editoria. Um subeditor veio reclamar que ninguém conhecia aquela palavra, deveria ser palavra muito antiga. Ora, todas as palavras são antigas, e a imensa maioria delas são bem mais antigas que nós. Tenho dezenas dessas histórias. Isso nos dá uma idéia do nível do ensino universitário hoje.


Quanto à supervalorização do diploma: o papelucho é algo mítico para o brasileiro. Os mercadores do ensino sabem disso e as faculdades proliferam como cogumelos após a chuva. Dessa expansão descontrolada decorre o baixo nível dos cursos. Não há preocupação das universidades na seleção dos melhores. As universidades querem clientes, e quanto mais clientes melhor. Agora chegou no Brasil, tardiamente, a moda das cotas. Querem enfiar os negros à força nas universidades, mesmo quando ineptos para o ensino universitário. Se a moda pegar, vai piorar ainda mais. Todo brasileiro sabe que um marceneiro ou mecânico ganha mais do que muito profissional diplomado. Mas há quem prefira ganhar menos ou mesmo nada, desde que tenha o diploma na parede.


Como você vê a dicotomia entre o grande número de formados que saem das universidades brasileiras todos os anos com a crescente queda de oferta de empregos no mercado formal para pessoas qualificadas? 


Isto não é difícil de entender. É decorrência do que falei antes. Ninguém está preocupado com possibilidades no mercado, o que interessa é o diploma. Em minha cidadezinha, vi gente pobre, pagando o que não podia a faculdades particulares, para que os filhos tenham um diploma que não servirá para nada. Diploma é sinal de status no Brasil. Que mais não seja, sempre pode render um empreguinho público ou mesmo um casamento morganático. Só um setor tem ganhos garantidos com a expansão descontrolada do ensino superior: os mercadores de ensino superior. Em minha passagem pelo curso de Letras, vi que o magistério pode não levar a nada, mas tem suas mordomias nada desprezíveis. Bolsas no Exterior, congressos literários, intercâmbio universitário. Isto é, turismo à la farta, boa gastronomia, vida sexual mais diversificada que na província. Tudo isto às custas do contribuinte. Denunciei amplamente, na imprensa, esta corrupção na Universidade Federal de Santa Catarina, que eu chamava de UFSCTUR. Deu em nada. O reitor me processou, mas também não levou nada.


Na sua opinião o que é uma pessoa culta? 


Culto, a meu ver, é o homem que conhece história suficientemente para entender a época em que vive. Também acho que uma pessoa, hoje, para entender o mundo em torno a si, deve conhecer pelo menos uns dois ou três idiomas além do vernáculo. Idiomas são janelas abertas para o mundo e viver em ambientes fechados não é nada salutar. Não se pode admitir que um brasileiro medianamente culto não entenda espanhol, francês e inglês. Espanhol, porque é língua irmã, língua do vizinho. Francês, além de ser língua irmã, é a língua das artes. E inglês, queiramos ou não, é o esperanto que deu certo. Se não entender estas três línguas, não saiu da aldeia.


Mas qual o incentivo para estudar se você pode virar um jogador de futebol rico e famoso? 


Bom, tens de convir que o jogador de futebol tem vida mais dura que o intelectual. Transpira mais, faz mais esforço. Mas a fortuna só bafeja uns poucos. Para cada moleque de favela que sonha ser um Pelé, há milhares que não chegam sequer a um time de porte médio. A verdade é que o futebol é um meio de ascensão rápida no Brasil, para quem nasceu pobre. É como as touradas na Espanha. Ou como os seminários. A grande safra de padres no Brasil - e provavelmente no mundo todo - depende de famílias pobres, que jogam os filhos numa escola gratuita e num ofício que lhes dá alguma proeminência social. Se o objetivo é ser rico e famoso, estudar de pouco vale.


O que você acha desta busca desenfreada nos dias de hoje - principalmente dos jovens - por alguns valores como fama, poder, corpo perfeito, riqueza e sexo. Essa busca demasiada de tais valores seria característica do declínio da nossa civilização? Por que não se cultiva mais a justiça, lealdade, honra, amor, honestidade e etc., em nossa sociedade? 


Começo pela ordem inversa. Sexo é ótimo. Tens algo contra? Riqueza não é ruim, não. Quem gosta de pobreza são os católicos e marxistas. Eu adoraria ser rico. Seria pródigo, daria bolsas e viagens às pessoas que julgasse merecê-las. Bill Gates doa um bilhão de dólares por ano aos países do Terceiro Mundo. Te confesso que adoraria doar um bilhão de dólares. Infelizmente, não posso doar nem mil. Corpo perfeito é uma bela idéia, desde que não seja obsessão. O sedentarismo inerente à cidade deforma o corpo, mas que fazer? Como dizia Sócrates: a vida no campo é linda, mas os amigos estão em Atenas. Quanto a poder e fama, bom, são coisas que não me atraem. Para se chegar ao poder é preciso mentir, bajular a opinião pública. Está aí o Lula. Para chegar lá, mentiu a vida toda. Mas chegou.


Fama também exige mentir. A idéia de escrever para agradar o maior número de pessoas possível me horroriza. Daí minha ojeriza a best-sellers, sejam livros, sejam filmes. Best-seller, por definição, é algo medíocre. Se o que escrevo não irrita boa parte de meus leitores, em algo devo ter errado.


Quanto à justiça, todo mundo clama por ela. Tanto o Lalau como o Fernandinho Beira-Mar se sentem injustiçados. Lealdade é virtude muito cara aos gaúchos, mas quando falo em gaúchos me refiro àquele ser mítico já extinto, que um dia habitou Uruguai, Argentina e a Fronteira Oeste gaúcha. Lealdade é uma virtude camponesa, pouco encontradiça na urbe. Honra? Está fora de moda. Hoje vale mais saldo bancário, carro importado, roupa de grife. Amor? É um mito literário que surgiu nos poemas de Safo, de Lesbos, na Grécia, invadiu a Idade Média e hoje rende milhões de dólares a indústria cinematográfica, particularmente Hollywood. É talvez o mais lucrativo produto de exportação ianque. Honestidade? Já encontrei pessoas que me confessaram ter vergonha de serem tidos como honestos. Passam por panacas. Assim é o mundo em que vivemos. Não adianta deplorar.


Quem gosta de música, quem precisa de música, acha-a uma emoção, uma sensação, uma onda de prazer. Você não pode sentir prazer se não se permitir sentir, principalmente no caso da música erudita - o prazer de um Mozart, de um Beethoven, tem que penetrar em você suavemente, sem que você perceba, dando uma sensação de bem estar. Mas é notório que nos últimos vinte anos - sendo muito otimista -, a música erudita foi marginalizada na nossa cultura; ninguém quer sequer experimentar tais emoções. Qual a sua opinião sobre os ramos atuais da música erudita em nossa cultura? 


Vou discordar de teus pressupostos. Existe, é claro, essa massa informe que vai a megashows, curte rock, funk, reggae e barulhos do gênero. Ou essa música fajuta caipira que de caipira nada tem. São multidões, como multidões são também os leitores de Paulo Coelho ou Harry Potter. Essa gente não interessa, são mercado. Mas a música erudita não foi marginalizada, não. Tenta encontrar um ingresso para uma ópera em Paris, Roma ou Viena. Se não tentares com um mês de antecedência, só vais encontrar o "assento do ceguinho". Em Nova York, há duas salas de ópera, lado a lado, com espetáculos diários, eternamente lotadas. Conheço pessoas que economizam o ano todo para fazer circuitos de ópera em ópera no Exterior. Concertos de música erudita também são muito concorridos no mundo todo.


Eu acho espantoso - e reconfortante - que obras de Mozart, Verdi ou Bizet, escritas há séculos, ainda atraiam multidões. Não só atraiam, como também comovam. Há momentos em Carmen ou Don Giovanni que até hoje nos fazem chorar de emoção. A música erudita vem de séculos e tem excelente futuro pela frente. Considerada a população do planetinha, seus cultores são minoria. Mas é uma minoria de milhões. Outro dia, tomei um táxi com uma amiga, o taxista escutava Carmina Burana. Mal entramos, desligou. Minha amiga chiou: deixa aí. Ele ficou surpreso, disse que o CD estava sendo um sucesso entre seus passageiros. Estatisticamente, isto não quer dizer muita coisa. Mas já é algo.


Além disso, o CD e o DVD trouxeram a música erudita para mais perto de seu público. Hoje, podemos assistir dezenas, centenas de vezes, a uma ópera de Mozart. Ou as diversas encenações de uma mesma ópera. Mozart não teve essa chance.


Por que tudo se politizou no Brasil? Ou é da natureza do homem desde sempre? Não me parece que o Brasil se tenha politizado. Há setores politizados, isto sim. O povão gosta mesmo é de futebol, samba, carnaval, novelas da Globo, Ratinho e Sílvio Santos, Fórmula Um e besteiras do gênero. 


O que você acha das medidas do governo Lula? Você acha que tais iniciativas diferem das do ex-governo FHC? Acredita que até terminar seu mandato o sr. Luiz Inácio Lula da Silva finalmente cumprirá parte do ideário socialista de suas propostas iniciais? 


Lula começou com uma grande bobagem, o tal de Fome Zero. A meu ver, será este programa o fator maior de desmoralização de seu governo. É uma idéia de jerico dar de comer a uma grande massa. Há inúmeros planos assistenciais no Brasil, desde o governo Fernando Henrique. No ritmo em que vamos, teremos em breve metade do país trabalhando para sustentar uma outra metade ociosa e improdutiva. Não se constrói riqueza deste jeito. Esta é a melhor fórmula para chafurdar eternamente na pobreza.


Lula não está seguindo exatamente ao pé da letra o programa de Fernando Henrique, está indo além. Fernando Henrique tentou taxar os inativos, mas acabou desistindo. Para Lula, é uma questão de honra levar a velharada à miséria. Com o argumento de acabar com aposentadorias milionárias, que são exceção, quer tascar a mão no bolso de milhões de pessoas que estão longe de receber aposentadorias milionárias. Não importa se isto ferir um dos pilares dos regimes democráticos, o direito adquirido. O PT pode ter-se civilizado, mas dadas suas raízes stalinistas, pouco está ligando para democracia. Quer fazer caixa rapidamente. Como afirmou o presidente, nem o Congresso nem o Judiciário irão impedi-lo deste propósito. Só Deus. Quanto ao ideário socialista, ao que tudo indica, o PT, uma vez no poder, o abandonou. Ainda bem. 


Mas o Brasil não está passando por uma revolução comunista aos moldes de Antonio Gramsci? 


Não creio. Se o PT tivesse ascendido ao poder nos anos 80, quando ainda o urso soviético arrotava e fazia ouvir seu arroto no Terceiro Mundo, sem dúvida teríamos corrido o risco de virar uma gigantesca Cuba. Verdade que o socialismo serviu de bandeira para a tomada do poder. Mas, como dizia Roberto Campos, o poder é como o violino: pega-se com a esquerda e toca-se com a direita. Derrubado o Muro, desmoronada a União Soviética, não há mais clima para aventuras socialistas neste mundo contemporâneo. Se os brasileiros todos estrilam contra um salário mínimo de 75 dólares, não vejo como reduzir, nos dias atuais, o salário de um médico ou professor universitário a vinte ou trinta. O paraíso cubano, onde médicos e professores foram reduzidos a esta condição de miserabilidade, só serve de referência para militantes idosos, saudosos de suas bandeiras de juventude, e universitários sem noções da História recente, como o são geralmente os universitários hoje. O salário de um profissional liberal nos atuais países socialistas e ex-socialistas, um mendigo diligente o tira em uma semana no Brasil. Tampouco consigo imaginar os brasileiros se submetendo à tirania de um partido só.


O poder tornou o PT mais pragmático. Um dos últimos movimentos no mundo a empunhar as bandeiras do obscurantismo hoje é a guerrilha católica do MST, cujas lideranças cultuam assassinos como Mao, Lênin e Castro como paradigmas para a sociedade. Há quem desconfie do namoro dos encanecidos petistas com o regime de Cuba. Árvore velha não se curva, sob risco de quebrar. Condenar Cuba, para vetustos senhores como José Dirceu, Genoíno, Tarso Genro, seria algo como negar a própria biografia. O mesmo fenômeno vemos nas universidades, onde velhos marxistas continuam fiéis à antiga crença. Negá-la seria o mesmo que afirmar: “eu fui um idiota a vida toda e minha obra não vale nada”. A um homem já maduro, é preciso muita coragem para tal admissão, e coragem é moeda rara. O máximo que o PT conseguirá fazer é afundar um pouco mais o país na pobreza. E daí não passa. Espero.


Quanto ao Gramsci, me parece que atualmente seu maior divulgador é o Olavo de Carvalho, ao conceder-lhe créditos por esse pensamento comunizante que ora vige no país todo. Discordo. Não consigo ver a militância do PT, de Gramsci em punho, tentando encontrar em seus livros a fórmula de introduzir o comunismo no Brasil. Não é preciso ler Gramsci para concluir que, dominadas a universidade e a imprensa, tem-se o controle do que pensa a população. As esquerdas brasileiras são malandras e não precisam de maiores leituras para saber disso. O Olavo vê o mundo a partir de um prisma filosófico e pensa que atrás de todo fenômeno social deve existir um pensamento. Ora, não é bem assim. Basta apanharmos os milhares, talvez dezenas de milhares, de jovens que se dizem marxistas. Raros, raríssimos, são os que leram Marx. Nessas doutrinas messiânicas há algo de místico que não apela à razão, mas ao irracionalismo. De fato, no Brasil le fonds de l'air est rouge, como diziam os franceses em 68. Daí a estabelecer um regime comunista, vai uma longa distância. Comunismo significa miséria. Se os brasileiros já acham injusto um salário mínimo de 75 dólares, imagino que a população jamais aceitaria um regime onde um médico ganha 20 dólares por mês.


Com a falência do chamado socialismo real, surgiu o neoliberalismo (sic) como saída política e econômica para as sociedades ocidentais. Esse modelo, no entanto, já começa a dar sinais de falência. O sr. enxerga uma terceira via nesse processo ou uma saída inovadora baseada em novos princípios? 


Isso de neoliberalismo mais me soa como insulto criado pelas esquerdas para atacar o poder. Palavras como capitalismo, burguesia, classes dirigentes, tornaram-se obsoletas com a derrocada do comunismo. Era preciso criar um novo vocabulário, novos palavrões ideológicos. Conheço pensadores, teóricos e obras do liberalismo. Do tal de neoliberalismo, não conheço nada. O PT usou muito o novo palavrão em sua campanha. Agora, ao repetir o programa de Fernando Henrique, faz boquinha de siri. As sociedades ocidentais encontraram uma boa saída tanto no capitalismo como nas sociais-democracias, sistemas que aliás em pouco diferem. Isso de buscar uma terceira via é recurso retórico dos derrotados da história que não querem admitir que foram derrotados. Os petistas já andam piscando o olho para a social-democracia, que até bem pouco era considerada reformismo. Será divertido ver o PT, partido no governo de um país pobre, sendo aceito pela Segunda Internacional, movimento de países ricos. Será um vexame, algo como um penetra maltrapilho em baile da corte.


O que é ser um estadista? Você acha que houve algum em nosso país? 


Quem decide quem foi ou não estadista é a História e, no caso brasileiro, esta senhora parece não ter-se decidido por nome algum. Mas há um grande má vontade, um propósito veemente de negar a importância dos governantes militares de 64 em diante. Da mesma forma que Francisco Franco salvou a Espanha - e a Europa, eu diria - do comunismo, nossos militares salvaram o país desta peste que contaminou o século passado. Da mesma forma que Franco, foram situados como vilões. Até o século XIX, os vencedores escreviam a História. Do século XIX em diante, graças à propaganda soviética, surgiu um fenômeno novo: os derrotados passaram a escrever a História. Hoje, no Brasil, são cultuados como heróis os apparatchiks financiados por Moscou, pagos para transformar o país numa tirania comunista.


Podemos acreditar em um futuro para o nosso país? 


Futuro é claro que o país tem, já que não há perspectiva alguma de que amanhã desapareça do mapa. Como vai ser este futuro? Esta é a pergunta que se impõe. Não sou nada otimista. Com as favelas se multiplicando, com os ditos moradores de rua aumentando nas metrópoles, com o tráfico dominando e administrando comunidades inteiras, com os sedizentes sem-terra invadindo fazendas, repartições e pedágios, com um governo populista dando - ou pretendendo dar - comida em vez de trabalho e educação, não consigo ver dias lindos pela frente. Tenho mais de meio século de existência e neste curto tempo já vi países escapando à pobreza e levando prosperidade a seus cidadãos. Sem ir mais longe, aí estão a Irlanda, Espanha e Portugal, que deram um tremendo salto econômico nas últimas décadas. Se antes forneciam mão-de-obra aos demais países europeus, hoje têm de fechar fronteiras para escapar aos migrantes da África, Ásia e Leste europeu. O Brasil marcha em ritmo de ganso: um passo, uma cagada. Vivi na Europa e viajo seguidamente para lá. Cada viagem me dói na volta. Vejo países cada vez mais lindos, organizados e ricos e volto a um país cada vez mais sujo, bagunçado e pobre. 


Qual a sua mensagem para os jornalistas que estão iniciando sua carreira? 


Resumindo: antes de mais nada, aprender português. Depois, ler História.

A RIO + 20 E A CRISE GLOBAL

Duas palavras de origem grega andam juntas nos debates pré e pós Rio+20: crise e hipocrisia. O discurso ambientalista vem sofrendo reveses contínuos ao não levar em consideração que a problemática ambiental é parte de um conjunto muito maior da crise global que abrange o sistema de representação política e o sistema de financiamento da economia pelo mercado financeiro. Isso no momento em que a sociedade sofre a mais radical e dramática mudança da sua plataforma de informação, comunicação e articulação, com profundos e ainda não mensuráveis impactos em todos os processos de relação social. É este peculiar contexto que determinou a presença de participantes na Rio+20, bem como a natureza e a perspectiva futura das decisões. Em grego, a palavra crise evoca decisão, julgamento. A crise é uma decisão entre duas escolhas possíveis e implica ação. Mas, como ensina o filósofo Hegel, quem exagera no argumento prejudica a causa. Quanto mais quem erra e exagera. Ao fazer dos agricultores brasileiros seu alvo principal, tentando mobilizar a opinião pública nacional e internacional contra o agronegócio brasileiro no debate do Código Florestal, ONGs internacionais como o Greenpeace, WWF e seus aliados locais erraram de alvo e de crise. Eles atacaram o setor que mais apresentou ganhos de sustentabilidade no País, ao contrário do que ocorre no setor industrial urbano. O Brasil apresentou na Rio+20 uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta, com 47% de energia renovável - contra uma média mundial de 13% e de 6% para os países desenvolvidos -, e deve grande parte desse sucesso à agricultura. Cana-de-açúcar, florestas energéticas, óleos vegetais no biodiesel e reciclagem de resíduos garantem hoje mais de 30% da energia do Brasil. Junto com os 14% das hidrelétricas e cerca de 3% de outras fontes limpas (como a eólica), a parte renovável chega, assim, a quase metade da matriz energética. E o agro brasileiro consegue esse desempenho consumindo apenas 4,5% de energia fóssil. A economia verde ou de baixo carbono pode ser avaliada pelo quociente entre o total de CO2 emitido e o Produto Interno Bruto (PIB) das economias nacionais. Os campeões de emissões de CO2 para gerar riquezas, os menos eficientes, são Coreia do Sul (1,45), África do Sul (1,38), Cuba (1,34) e Ucrânia (1,2). O Brasil, com um quociente de 0,24, é mais eficiente do que uma centena de países: ocupa a posição de 104.º. Como destacou a presidente Dilma em seu discurso de abertura da Rio+20, nossa produção agrícola cresceu 180% com um aumento de apena 30% da área cultivada. Se a produção atual de grãos fosse com os índices de produtividade de 1975, teria sido necessário desmatar quase 60 milhões de hectares adicionais. A inovação tecnológica faz a produção crescer verticalmente, em produtividade, e não em área. O Brasil tem uma das maiores áreas protegidas (unidade de conservação e terras indígenas) do mundo: 30% de seu território, contra uma média de 10% dos maiores países. Reduziu de forma espetacular o desmatamento da Amazônia e é um dos países que mais detêm florestas em seu território. E exige, como ninguém no mundo, que seus agricultores assumam e paguem pela preservação da vegetação nativa em 20% a 80% de suas propriedades, dependendo do bioma. Se o Brasil é hoje uma reconhecida potência ambiental, deve-o também ao seu negócio agrícola, que, apesar de todas as suas conquistas, não soube se comunicar e se articular com a sociedade. O foco dos quase 200 representantes diplomáticos que prepararam o documento final dos chefes de Estado foram o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza. O processo de discussão da Rio+20 se inseriu num colar de eventos realizados em locais charmosos: Cancún, Copenhague, Durban, Rio de Janeiro. As divergências eram maiores do que as convergências. Após meses de preparação, a três dias do evento no Rio de Janeiro não havia consenso entre os países sobre mais de 60% do texto proposto. Ao assumir a coordenação, a diplomacia brasileira conseguiu um feito inédito: obteve o acordo de 100% dos representantes e fechou o texto antes da chegada dos chefes de Estado. Alguns ambientalistas, políticos e instituições multilaterais consideraram o texto pouco ambicioso, não levando em consideração o momento de tensão e dúvida em todos os sentidos que vivemos. No campo ambiental, muitos se colocam na posição de quem planeja o que não executa e avalia o que não fez, propondo muita caridade com o chapéu alheio. No que pese o Climagate, o descrédito do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), a intervenção da ONU mudando sua governança desse painel e uma série de novos resultados recomendando prudência no alarmismo do aquecimento global, um fórum climático brasileiro anunciou, alegremente, durante a Rio+20, que a temperatura na Amazônia vai subir 6 graus até o final deste século. Isso é quase um grau por década. Não são dados. São estimativas de modelos, baseados em hipóteses inverificáveis, apresentadas como certeza religiosa e alerta profético. Muito mais concretas e objetivas foram, por exemplo, as prefeituras do grupo C 40 (Climate Leadership Group), ao anunciar metas reais e não tão ambiciosas de redução de gases de efeito estufa para as 59 cidades que fazem parte da iniciativa no mundo. O contexto mundial é de uma crise duradoura. Etimologicamente, o hipócrita é quem não entende o alcance da crise e não age corretamente. Fica "abaixo" da crise. É um hipo-crise, por mais que grite e esperneie. Seus oráculos, profecias e críticas perdem o vínculo com a realidade, com as ações possíveis e necessárias, gerando ainda mais frustração entre os jovens e não contribuindo em nada para encontrarmos caminhos de solução para a crise global.Por: Rodrigo Lara Mesquita

QUAL É A VOCAÇÃO DO BRASIL?

A pergunta é importante e faz parte de nosso momento. Antigamente, ela não existia. Tínhamos todos a certeza plena de que éramos “subdesenvolvidos”, com direito a um hino e tudo. Tempos depois, a questão crítica era saber qual o rumo do Brasil – e, sabendo que ele ia para o abismo, evitar o mau passo. Em seguida, nos anos mais pesados da hiperinflação e da esperança de que havia mesmo uma fórmula capaz de resolver todos os problemas sociais do mundo e do país, perguntou-se muito se o Brasil daria certo. Alguns falavam que o país havia “perdido o trem da história”. Imagine o leitor: a dona História, personificada num elegante trem de alta velocidade, esperando numa plataforma um Brasil que, indolente e sem agenda, chegava atrasado. Um cruzamento doentio de três raças tristes: o português atrasado, cúpido e subserviente aos ingleses e, ademais, já mistura do pela ocupação árabe de 500 anos; o índio primitivo, infantil e indigente; e o negro melancólico e ignorante, cujo destino era ser escravo. Tal mistura explicaria essa preguiça. No século XIX, quando os subsociólogos europeus e americanos afirmam que a marca da Civilização (com “C” maiúsculo) eram a pureza étnica (ou“racial”, como se dizia), a homogeneidade dos costumes, a integridade linguística e a posse de um território indiscutível, tínhamos todas as unidades, menos a racial. Nosso maior problema não era como os europeus e os americanos nos viam – pobres morenos, mulatos ou negros vivendo num clima desgraçadamente tropical –, mas como nós mesmos aceitávamos esses diagnósticos e repetíamos o mantra de um país sem futuro e, por isso mesmo, dotado apenas de futuro. No afã de copiarmos o fundamentalismo ideológico europeu e americano, criamos uma teoria da miscigenação e do branqueamento que contrariava frontalmente as teorias do racismo clássico. O racismo que justificava as segregações, inspirado no livro “A diversidade moral e intelectual das raças”, escrito em 1856 pelo francês Conde de Gobineau, dizia que a diversidade humana era uma questão de “raça”. Elas seriam responsáveis por estágios de desenvolvimento econômico, social e tecnológico. Uma redução natural, o conceito de “raça” explicava não apenas a multiplicidade humana, mas também hierarquizava essa pluralidade. A “raça branca” estava no topo, e as outras – a“amarela” e a “negra” (estou usando os termos de Gobineau) eram inferiores, vocacionadas para ser civilizadas e catequizadas. Enquanto as raças se mantivessem puras, tudo correria bem. O problema era o cruzamento ou o encontro físico ou íntimo das raças. É óbvio que, por trás dessas arrogantes teorizações, estava a condenação da intimidade, da atração, do amor e do relacionamento – que engendrava como castigo os mulatos, que seriam estéreis, ou os mestiços, que combinariam, como ocorreu no mundo inteiro, mas sobretudo em países como o Brasil, traços de várias sociedades, línguas, músicas, comidas, vestimentas e sistemas de crenças. A mistura que produziria seres ou grupos inferiores e doentios era o ponto focal das teorias europeias e americanas. Tanto que Gobineau, cônsul da frança na corte de Pedro II, afirmava que, em 200 anos, o Brasil pereceria porque – como observa thomas Skidmore em seu livro “Preto no branco” – “a mistura apagaria as melhores qualidades do branco, do negro e do índio, deixando um tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental”. Tanto para ele quanto para o zoólogo Louis Agassiz, de Harvard, que também visitou o Brasil, a miscigenação levaria a um beco sem saída e a um não futuro. Quando se começou a estudar o Brasil não como raça, mas como um grupo dotado de costumes, hábitos e valores – isso que os antropólogos chamam de cultura –, começamos a sair do inexorável para entrar no terreno do possível. E o território do possível é o solo da liberdade e das escolhas, da política e da responsabilidade. Quando saímos das garras dessa falsa ciência chamada “eugenia” (a palavra significa bem-nascido) – que, na europa, produziu o nazifascismo e o Holocausto e, nos estados unidos dos livres e iguais, inventou o segregacionismo e o comitê de atividades antiamericanas –, entramos no mundo das possibilidades. E o que se começou a perceber a partir, entre outros, do Gilberto Freyre de “Casa grande & senzala”, de 1933, foi que evitar a mistura era equivalente a evadir-se do contato e do encontro humano complexo, contraditório, antagônico, mas igualmente solidário e visceral entre pessoas, comidas, músicas e moralidade, usando como instrumento o próprio corpo. Nosso mulatismo cultural nos abre ao outro, aos relacionamentos e a um estilo nacional de ser que provoca sorrisos em toda parte Pensemos no colonizador clássico. Pensemos nos ingleses na índia. Ali, a proibição da mistura – como ocorreu com John Smith e Pocahontas na América – impede de olhar o par relacionado, mas, ao mesmo tempo, tão diferenciado. No Brasil, ao contrário, tem sido a mestiçagem, com seu cinismo positivo e ceticismo exemplar, um instrumento de salvação do país e, sobretudo, de seus pobres. A mestiçagem tem sido não apenas um foco inimaginável de poder; ela é, principalmente, uma máquina de juntar opostos, de obrigar a pensar no outro e no subordinado. Tem sido um instrumento de criar beleza e harmonia. Chamo a atenção para o inesperado do mundo. O Brasil entrou no século XX como um país mestiço e condenado a ser fraco e atrasado, a menos que virasse branco. Hoje, neste século XXI estruturado em cima de paradoxos e dúvidas, nosso mulatismo cultural nos abre ao outro, aos relacionamentos e a um estilo nacional de ser que provoca sorrisos em toda parte. A abertura para o outro e para os motivos do outro como um estilo de educação sentimental é a marca brasileira. Vemos melhor do que o resto do mundo que vivemos com os outros e não contra eles. Mulatizamos o individualismo, tornando-o personalista. Um individualismo que se curva diante das relações, dos parentes e dos amigos. Isso tem produzido problemas na esfera política e administrativa, sem dúvida. Mas pode ser contrabalançado pela força de novos hibridismos institucionais e pela visão da totalidade nacional em suas carências. Não dá mais para, comos amigos e partidários, furtar o dinheiro de todos. Os racistas não previam aquilo que já estamos fartos de saber. Não há pureza no mundo. Todos precisamos uns dos outros. Não há nada como combinar temperos e músicas. Nossa vocação (e desafio) é mostrar ao mundo que é possível viver ligando fronteiras, construindo pontes e ultrapassando fundamentalismos e preconceitos. O mundo não é somente impuro. Ele é mestiço, misturado e confuso.Por: Roberto DaMatta Fonte: revista Época

A CIÊNCIA TRISTE

Proponho que a próxima conferência para economia sustentável seja em alguma reserva dos povos da floresta. Deixem que eles organizem o evento e paguem por ele, já que são sacerdotes da sustentabilidade. Todos os chefes de Estado dormindo em tendas, comendo comida da floresta, logo, muito mais sagrada e saudável. Além do fato que esses povos são imaculados e não desejam em hipótese alguma ganhar dinheiro com sua condição de "vítima social", por isso podemos confiar neles mais do que na Hillary Clinton. Os que mais atrapalham são os gurus da ecologia profunda ou contracultura verde. Gente que afirma que o que precisamos é de uma "inovação social e psicológica" e não apenas de uma economia que assimile o fato de que os recursos naturais são limitados e que as demandas humanas de bem-estar e conforto são infinitas. Não levar essa contradição estrutural a sério cria a insustentabilidade a médio e longo prazo. Essa gente acha que o mundo inteiro pode ser a Dinamarca e seus mil habitantes. Eu concordo mais com os setores que buscam soluções tecnológicas e de mercado para enfrentar esta contradição entre demanda humana infinita e recursos naturais finitos. Claro que isso implica educação e um trabalho gigantesco, mas nada disso virá de mudarmos nosso estilo de vida para o paradigma dos povos da floresta que viviam até ontem no neolítico. Ou reprimir o consumo via um estilo misto de "gestão" entre Stálin e hippies velhos. Gente assim, os defensores de "inovações sociais", crê em "soluções" como as elencadas no relatório da UNEP 2011 da ONU "Visions for Change - Recommandations for Effective Policies on Sustainable Lifestyles". Soluções no mínimo complicadas se pensarmos em sociedades complexas como as nossas com populações crescentes. Imagine nós vivermos num mundo em que cultivássemos nossa horta e criássemos nossas cabeças de gado (comer carne já é uma concessão ao "pecado da carne dos carnívoros", gente que deve desaparecer ao longo do tempo)... Se você quiser uma geladeira ou um iPad, faça em casa... É fácil pensar na Noruega assim (estou exagerando...), mas e a Somália? Claro, estes já vivem no neolítico mesmo... Outra marca da ecologia profunda que atrapalha a discussão séria sobre a contradição de nossa condição insustentável é a mistura entre sustentabilidade e demanda por erradicação da pobreza e justiça social (seja lá o que isso queira dizer...) como parte de uma economia sustentável. O problema é que a ideia da erradicação da pobreza é em si insustentável, se pensarmos para além do horizonte intelectual "teenager". Isso pode ser triste, mas é por isso que a economia é conhecida por ser uma ciência triste ("dismal science", como dizia o historiador britânico do século 19 Thomas Carlyle). Vejamos. Para erradicar a pobreza numa população crescente e ansiosa por uma vida confortável deve-se produzir riqueza contínua. Para isso, deve-se explorar recursos continuamente (o que é chamado de economia não sustentável) e aumentar o consumo, porque se as pessoas param de comprar o dinheiro para de circular. Mas os gurus da economia "teenager" falam de diminuir o consumo como quem fala "as pessoas deveriam ser mais generosas", quando eles mesmos estão prontos a brigar com os irmãos por um apê minúsculo na Praia Grande. A única solução para esses gurus (mas eles não confessam porque ficariam mal na fita) seria um regime totalitário global, o que chamo de fascismo verde, criar economias planejadas à la Lênin. O óbvio é que isso geraria pobreza em larga escala, como gerou antes. Outra solução é erradicar o crescimento populacional matando 2/3 da população ou proibir a reprodução por alguns séculos. Ou matar idosos. Puro horror, não? Enfim, problemas reais existem, mas as soluções não existem à mão de uma "cúpula dos povos". Por isso, a angústia ambiental resvala na espiritualidade verde, sempre infantil e autoritária, que acha que comendo comida orgânica os seres humanos deixarão de ser o que são: seres que buscam diminuir a dor e otimizar o bem-estar a qualquer custo. Por: Luiz Felipe Pondé, Folha de SP

domingo, 24 de junho de 2012

FANATISMO

Há fanatismos que não percebemos, são sociais. Vejam os exemplos? 

Respostas de Bertrand Russell em A Última Oportunidade do Homem. 

A essência do fanatismo consiste em considerar determinado problema como tão importante que ultrapasse qualquer outro. 

Os bizantinos, nos dias que precederam a conquista turca, entendiam ser mais importante evitar o uso do pão ázimo na comunhão do que salvar Constantinopla para a cristandade. 

Muitos habitantes da península indiana estão dispostos a precipitar o seu país na ruína por divergirem numa questão importante: saber se o pecado mais detestável consiste em comer carne de porco ou de vaca. 

Os reacionários americanos preferiram perder a próxima guerra do que empregar nas investigações atômicas qualquer indivíduo cujo primo em segundo grau tivesse encontrado um comunista nalguma região. 

Durante a Primeira Guerra Mundial, os escoceses sabatários, a despeito da escassez de víveres provocada pela atividade dos submarinos alemães, protestavam contra a plantação de batatas ao domingo e diziam que a cólera divina, devido a esse pecado, explicava os nossos malogros militares. 

Os que opõem objeções teológicas à limitação dos nascimentos, consentem que a fome, a miséria e a guerra persistam até ao fim dos tempos porque não podem esquecer um texto, mal interpretado, do Gênese. 

Os partidários entusiastas do comunismo, tal como os seus maiores inimigos, preferem ver a raça humana exterminada pela radioatividade do que chegar a um compromisso com o mal - capitalismo ou comunismo segundo o caso. Tudo isto são exemplos de fanatismo. 

Em cada comunidade há um certo número de fanáticos por temperamento. Alguns desses fanáticos são essencialmente inofensivos e aos outros não fazem mal enquanto os seus partidários forem pouco numerosos ou estiverem afastados do poder. 

Os «amish» na Pensilvânia pensam que é mau usar botões; isto é completamente inofensivo, salvo na medida em que revela um estado de espírito absurdo. 

Alguns protestantes extremistas gostariam de ressuscitar a perseguição aos católicos; essas pessoas só serão inofensivas enquanto forem em pequeno número. 

Para que o fanatismo se torne uma ameaça séria é preciso que possua bastantes partidários para pôr a paz em perigo, internamente por meio de uma guerra civil ou externamente por uma cruzada; ou quando, sem guerra civil, estabeleça uma Lei dos Santos que implique a perseguição e a estagnação mental. 

No passado, o melhor exemplo da história é o reinado da Igreja desde o século IV ao século XVI.