segunda-feira, 28 de abril de 2014

QUAL O TAMANHO DO PAVIO?

Uma das alegorias mais comuns sobre o temperamento das pessoas é o pavio. Às pessoas que tem paciência e agüentam grande carga de problemas sem reclamar ou “explodir” com outras pessoas, são chamadas de pavio longo. Já aquelas pessoas que por pouco, quase nada “explodem” com quem estiver por perto, recebem o termo “pavio curto”. Esse processo de encher acontece com pessoas que usam o procedimento que chamamos de adição, ou seja, elas somam o que acontece durante o dia.


A adição, ou processo de soma, pode acontecer de muitas maneiras, uma delas é a adição de coisas ruins. É fácil sentar em um banco pela cidade e ficar meia hora ouvindo as conversas e perceber que algumas pessoas contam muitos eventos ruins. Algumas pessoas ouvem estas informações dos jornais, por exemplo, e esquecem logo em seguida. Mas muitos dos que ouvem podem fazer o processo aditivo, somar um assassinato, com um assalto, com uma briga, com o aumento da gasolina, com a inflação e tudo o que fizer parte da conversa. Essa pessoa provavelmente terá muito conteúdo ruim para trabalhar, uma vez que adicionou tudo que lhe foi dado. Muitas pessoas têm o hábito de adicionar o que é ruim, e as coisas boas que passam perto sequer são identificadas.

Coloquemos este processo aditivo em uma relação de marido e mulher. Imagine que sua esposa faz o processo de adição, mas é um processo muito curto, em alguns dias ela se incomoda com as coisas e logo briga, chora, grita. Você, com o tempo acostuma e a cada tanto ela faz esse processo, mas logo depois tudo volta ao normal, à rotina. No entanto, o marido faz um processo aditivo muito mais longo, leva algum tempo, um , dois, dez anos até atingir o limite e explodir. Quando a explosão acontece é algo tão fora da realidade da esposa, que nunca viu tal evento que ela pode significar como falta de amor.

A explosão se refere ao momento em que a pessoa chegou ao seu limite e termina por colocar toda sua insatisfação para fora. Utilizei o termo explosão por ser um comportamento geralmente descontrolado, no qual a pessoa grita, bate, chora, algumas vezes simplesmente desmaia. É importante perceber que em muitos casos a explosão acontece com quem nada tem a ver com o ocorrido. Como a esposa que espera o marido em casa, depois de um dia cansativo, o marido chega em casa e percebe algo que lhe desagrada. Naquele momento ele explode, diz coisas que jamais diria se não fosse naquelas condições.

O conteúdo da explosão em muitos casos em nada tem a ver com o que aconteceu no momento, uma vez que a pessoa adiciona elementos diferentes. Quem acompanha este processo, deve entender que pode não ter a ver com o que está acontecendo e que a pessoa está simplesmente descarregando de forma bruta. O conteúdo elaborado, bonitinho, socialmente correto, nessas horas fica de lado. Pode não ser fácil, mas seria ideal se houvesse a compreensão por parte de quem acompanha a explosão que percebesse que pode não ter a ver com o acontecido. Mas que a pessoa precisa jogar todo aquele lixo que guardou para fora.

O tamanho do pavio de cada um tem a ver com quanto conteúdo é possível de se adicionar. Para algumas pessoas o processo de adição e nada é a mesma coisa, elas esquecem, simplesmente deixam para trás e seguem seu caminho. Mas as pessoas que o fazem vivem sob a pena de catalogar e alocar cada conteúdo vivido. Aqueles que convivem com estas pessoas devem prestar atenção ao processo e perceber que tipo de conteúdo é adicionado e como isso acontece. Basta prestar atenção às expressões como: “Outra vez; de novo; mais um dia; está me enchendo; parece que vou explodir.” E tantas outras expressões que denotam a operação de soma.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


quinta-feira, 24 de abril de 2014

EU SOU O MEU PARADIGMA!

É difícil quem ainda não ouviu falar da palavra “paradigma”, principalmente se estiver na área acadêmica. Ela se tornou moda na década de noventa, e em muitos lugares continua sendo muito utilizada. Paradigma é uma palavra que designa modelo. Um modelo é uma representação a ser seguida, ou seja, uma visão de mundo que servirá de modelo. Inicialmente, a palavra paradigma era utilizada apenas para designar um modelo no que diz respeito à gramática. O uso se dava no sentido de mostrar uma relação específica estrutural entre os elementos da linguagem. Isso segundo Ferdinand de Suassure.


Mas a visão que mais me chamou atenção a respeito do que quer dizer paradigma foi a visão de Thomas Kuhn, filósofo estadunidense. Diferente de Suassure, Kuhn utilizou o termo paradigma, com uma nova definição, para designar o trabalho da ciência na produção do conhecimento. Para o filósofo, o termo descreve um modelo elaborado a partir de uma série de pesquisas e debates que servem mais como uma forma de criar escolas do que de resolver as questões. O modelo de visão paradigmático elaborado por cada escola se apresenta como uma possibilidade de ver e também de entender os problemas do mundo. Um paradigma, então, não é uma possibilidade de resolução de um problema, mas um novo modelo de estruturar o problema.

Ao longo da história da humanidade, cada instituição procurou elaborar um modelo estrutural de homem, e a partir deste modelo elaborou as suas questões. O modelo de homem elaborado pela religião é de que ele é filho de Deus e por isso deve se direcionar a Deus para encontrar a salvação de sua alma. Na ciência, o homem é um corpo e deve cuidar deste de maneira que possa viver mais e melhor. Já a psicologia entende o homem como um ser dotado de uma psique e esta tem um modelo que pode diferenciar o normal do doentio. Não é de estranhar que um médico, o qual cuida do corpo, pense que todos os males sejam de origem física, este é o modelo que ele tem. O mesmo serve para cada uma das áreas. Vale lembrar Pitágoras, para quem tudo era número.

Segundo Thomas Kuhn, as ciências elaboram paradigmas para as máquinas, para o mundo e, a partir deles estudam os problemas. Para as coisas, talvez um modelo possa ajudar na compreensão, mas como entender o ser humano a partir de um modelo? Pense em você mesmo: se você escrevesse um livro dizendo como é o ser humano, o que é certo, errado, bom, mau, como seria este livro? É interessante pensar nisso, pois geralmente ouvimos um autor, filósofos ou marqueteiros falando e apenas pela forma eloquente com a qual ele fala, acreditamos realmente que ele está certo.

Imagine se homens como Rousseau tivessem razão: para ele, o homem é bom e a sociedade o corrompe. Quem leu seu livro percebe que ele é muito convincente. Posso também citar como exemplo Thomas Hobbes, para quem “o homem é o lobo do homem”. Há um mais antigo, Sócrates, para o qual o homem só fazia coisas erradas porque não sabia que era errado.

Proponho uma visão diferente, onde eu seja o paradigma de mim mesmo. Na Filosofia Clínica eu construo o paradigma do outro por ele mesmo, através de sua história de vida. Não há bom ou mau, certo ou errado, mas uma série de conteúdos e movimentos que formam o paradigma que cada um é em si mesmo. Eu sou o meu paradigma.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


terça-feira, 22 de abril de 2014

QUEM SOMOS!

Em nossa vida, nem sempre somos os primeiros, nem precisamos ou até mesmo queremos ser. Assim acontece no consultório, lugar onde a vaidade de achar que se sabe alguma coisa sobre o homem, as pessoas, o ser, cai por terra trinta segundos depois de olhar para o outro. Quando olhamos no fundo dos olhos, não interessa a idade, sabemos que aqueles olhos, além de tudo que se possa dizer, nos trazem uma representação de mundo. Além dos olhos temos ainda todos os outros cinco sentidos, além daqueles que ainda não conhecemos, mas podemos conhecer na singularidade existencial. É no consultório e com este outro, diferente de mim, com quem vou construir uma caminhada, longa ou curta, tanto faz, mas uma caminhada que leve o outro à paradeiros por mim ainda desconhecidos.


Quando a pessoa senta-se diante de mim, numa sala de aula, numa conversa, no consultório, sei profundamente que não sei nada além daquilo que sei. Devo estar profundamente aberto, por meio dos olhos, ouvidos, olfato e todos os outros sentidos, para poder acompanhar a pessoa em sua caminhada. As minhas ferramentas, apenas teorias, quem me dá é o outro, pessoa da qual terei de tirar a experiência para poder vencer o caminho que ela me propôs quando começou a partilha comigo. A coragem, o ser destemido, nada além de boatos, sou como um ser qualquer, que tem medo, chora e erra, mas ao lado daquele outro preciso ser mais forte que ele ou ser mais fraco, para que ele seja forte.

Depois de um tempo caminhando juntos me sinto ambientado, acho até que posso perguntar algumas coisas, conhecer de maneira interessada o que ainda não está claro para mim. Mas mesmo quando pego e tomo a direção da conversa faço de maneira singela, simples, de acordo com a caminhada do outro. Com minhas perguntas conheço um pouco melhor os porquês, significados, lembranças, sentimentos, verdades, enfim, conheço um pouco melhor o caminho e a maneira de caminhar deste outro. Quando percebo que minhas perguntas causam dor, procuro parar e retomo o mesmo assunto por outras veredas, que causem menos sofrimento.

Caminhando junto aprendo a seguir o ritmo do outro, seu tempo. O meu de nada serve. De nada me adiantaria entrar no mundo do outro e caminhar à frente dele, pois não veria o que ele vê. Sigo seu passo, marco a passada e caminho junto, se possível respiro no mesmo ritmo, quem sabe assim sentirei como é estar no lugar dele. A cada paisagem que acompanho olho atentamente, não para o que gostaria de ver, mas para aquilo que o outro quer me mostrar. Olho o seu mundo pelos seus olhos, durante esta caminhada deixo meus olhos guardados para as minhas coisas.

Quando a caminhada já está avançada, conhecendo bem o caminho e o caminhante, com minhas ferramentas sugiro formas mais adequadas de se caminhar, ferramentas mais eficientes ou até mesmo eficazes para o trajeto que o outro caminha. Agora, com todo o percurso que percorremos juntos, sou tão próximo dele que algumas vezes posso retirar um obstáculo do caminho antes mesmo que ele escolha caminhar por aquela estrada.
Sei profundamente que não sou eu o ator principal nesta caminhada, e sim, o outro. Sou um coadjuvante, aquele que aparece bem no fundo das cenas. Não é para ser o primeiro, nem o último, mas é para estar sempre ao seu lado que sou o que sou e faço o que faço. Eu sou um Filósofo Clínico e trabalho com gente.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


segunda-feira, 21 de abril de 2014

MAIOR PARTE DE MIM

Vivemos em um mundo que pode ser extremamente estimulante, podendo nos orientar nas mais variadas direções. Muitos de nós têm televisores em suas cozinhas e logo que acordamos já podemos ser levados a viver em São Paulo, Rio de Janeiro, sem sequer ter tomado café. Saindo de casa ligamos o cd do carro e acabamos nos deslocando ao tempo de nossa juventude, ouvindo músicas de quando íamos para a discoteca. Se preferirmos ouvir alguma rádio podemos nos surpreender longe, pensando em como será a eleição deste ano ou a copa do mundo. Numa conversa desinteressada com meu colega de trabalho posso viajar para os Estados Unidos e reviver minha última visita ao lugar, lembrar inclusive o desejo de voltar. 


Todos estes movimentos têm algo em comum: são movimentos que faço sem sair do lugar, são movimentos que se processam unicamente na minha mente. Esta capacidade de poder viajar sem sair do lugar que parece muito interessante, em muitos casos é um grande problema. É o caso das pessoas que se perdem do próprio corpo ao longo de sua história ou em casos episódicos. Alguns relatos peculiares mostram quando isso acontece: são exemplos os casos em que a pessoa toma banho e ao final não se lembra se lavou o cabelo ou passou hidratante. Semelhante é o caso das pessoas que saem de carro, seguem para algum lugar e ao chegar não se lembram do caminho. Nestes casos o corpo era a menor parte da pessoa, era apenas um veículo para a mente.

Quando a mente é a maior parte alguns fenômenos podem ser tornar comuns, como por exemplo, estar sempre acelerado. Imagine que você está tomando banho, logo que acordou, mas não sente o banho, na verdade já está indo para o trabalho, pensando no trânsito, na chegada ao trabalho e naquela conversa com o gestor. Outro fenômeno ainda é perda de medidas, pois o pensamento pode rapidamente se deslocar, seu corpo nem tanto. Por exemplo, quando você está a 140 km/h e ainda se percebe lento. Pode por vezes perder a medida dos alimentos, pois como não sente o gosto ou se sacia come em demasia, com muito tempero. Em outros casos ainda a pessoa perde a noção do tempo, ou seja, fica alguns minutos em algum lugar e tem a impressão de ter passado horas, assim como pode ter ficado muito tempo e achar que se passaram alguns minutos.

O retorno ao corpo pode ser feito de diversas formas e em cada um acontece de maneira diferente. Algumas pessoas somente conseguem retornar ao corpo quando entram em contato com a natureza, são aquelas que precisam de um final de semana no sítio, cercados de mata, pássaros, sons da natureza. Outras pessoas precisam fazer um curso de degustação de vinhos, onde o foco sensorial é extremamente necessário. São vários os casos em que a pessoa para fazer o retorno ao próprio corpo precisa fazer um curso de culinária, cheirar os temperos, sentir o gosto dos molhos. Outra sugestão são trabalhos manuais;várias pessoas voltam ao corpo quando fazem trabalhos com argila, escultura, pintura, origami. Voltar ao corpo é vivê-lo à sua maneira, não há duas experiências de vida de corporeidade iguais, meu corpo é vivido do meu jeito.

Tornar meu corpo a maior parte de mim faz com que seja possível viver os prazeres do corpo de modo completo e não apenas protocolar. Tomar um bom vinho se faz com os sentidos e não com o pensamento, vinho bebido com o pensamento não tem gosto, tem reflexão. Viver o corpo pode nos libertar dos nossos próprios pensamentos.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

sábado, 19 de abril de 2014

SER - HUMANO

Há em filosofia alguns termos ou formas de se abordar as relações. Tais termos foram trabalhados nos últimos artigos. O tema das relações está presente em nosso cotidiano, reforçado por determinadas notícias que se espalham pela televisão, internet e outros veículos de comunicação. Sendo assim, acredito ser pertinente, por exemplo, a notícia que apareceu hoje, terça-feira, dia 07 de fevereiro de 2012, referente à troca de casais que está ocorrendo num programa de televisão. Parece que aos poucos a relação entre uma pessoa e outra pessoa está se tornando uma relação entre uma pessoa e um objeto. É interessante observar que este comportamento não se vê só lá na televisão, também se vê no dia-a-dia, em casa, na escola, no trabalho, etc.


Nos artigos anteriores, talvez a linguagem usada, por se tratar de filosofia, tenha ficado um tanto inacessível. No presente artigo, usarei argumentações muito simples. Em Filosofia Clínica, há um termo chamado Interseção de Estruturas de Pensamento, ou seja, a relação que se dá entre dois seres vivos, a relação que se dá como troca. A Interseção de Estruturas de Pensamento supõe que eu entre em contato com o outro na medida em que ele entra em contato comigo, o outro pode ser uma pessoa ou mesmo meu animal de estimação. O outro na interseção é alguém que, como eu, contribui na relação e não é objeto dela. Uma interseção de EP, como é mais comumente conhecida, pode ser positiva, negativa, variável ou indefinida.

Desenvolver uma interseção, ou seja, amarrar laços com outra pessoa é se colocar e receber o outro num espaço de construção coletiva. Esse espaço normalmente não depende somente de uma das partes, mas das duas partes. Se, pela manhã você vai até a padaria comprar pães e é gentil com o vizinho que mora duas casas além da sua na direção da padaria, será que lhe será grosseiro? Ainda que ele o seja, a parte para a construção de uma interseção positiva partiu de você. Uma relação agradável na qual tanto eu quanto o outro estejam bem é uma interseção positiva.

Quanto você sai nervoso pela manhã, entra em seu carro e se transforma, fica grosseiro, mal educado, será recebido com gentileza? Neste exemplo, caso a interseção ocorra de maneira negativa, partiu de você. Este tipo de interseção se dá quando uma ou as duas partes não se sentem bem na relação.

Uma relação na qual você está com a pessoa e hora está bem, hora está mal, tanto para você quanto para ela, é uma interseção variável. E há ainda interseções que acontecem e que não se pode dizer se são positivas ou negativas, sendo caracterizadas provavelmente por indefinidas.

Mas veja, em todo o caso, as interseções se dão entre seres com vontade própria, com arbítrio sobre suas ações, pelo menos até certo ponto. Em se tratando de pessoas, não é você e nem ele o culpado, mas vocês. Mas, e numa relação com objetos inanimados, quem é o culpado quando o objeto estraga? Quem é o culpado pelo mal uso de um objeto? Diferente de uma interseção, onde você e o outro têm vida, numa relação em que você coloca o outro como algo separado, este outro se tornou objeto. Você, por si mesmo, pode se fazer objeto quando não entrar em interseção consigo mesmo como pessoa.

Ser: uma palavra que define movimento, indica o que cada um é agora, mas isto a partir de si mesmo e do outro. Uma interseção, ou seja, uma relação entre dois seres deve ser construída num espaço comum aos dois seres. Relacionar-se com coisas é se colocar acima delas, ter o poder de fazer nascer e morrer, talvez. O entendimento de que você não é objeto e o outro não é objeto deveria fazê-lo compreender que a sua vida está diretamente ligada a do outro, seja ele quem for.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


sexta-feira, 18 de abril de 2014

É MESMO!

A expressão do título do presente artigo é muito utilizada quando conversamos com outra pessoa e concordamos com ela. Geralmente ela é utilizada para dizer que estamos de acordo com o que o outro diz. É como e eu lhe dissesse: “O dia está lindo hoje!”, e você, para dar continuidade sem se estender pode dizer: “É mesmo!” Veja, ao concordar comigo você torna parte de você a minha afirmação, ou seja, como se fosse você mesmo que tivesse dito que o dia está lindo. Do mesmo modo funciona para todas as outras coisas, segundo Emmanuel Levinas. Quando você olha uma bela paisagem e fica com aquela imagem em sua mente, a partir daquele momento ela já não é mais ela mesma, paisagem, agora é você.

Este “é”, uma pequena palavrinha do verbo “ser” designa algo no seu estado atual. Assim, quando se diz que algo é, está se falando da atualidade. Mas, muito mais do que isso, se fala de uma longa discussão filosófica em torno do ser. Essa discussão acontece porque boa parte dos filósofos que já passaram por sobre a terra se dedicaram a entender ou definir o que é o ser. Muitas pessoas já se perguntaram: “Quem sou?” Os filósofos se perguntam: “Quem somos?” Para se perguntar sobre isso eles falam em ser, ou seja, quem é o ser. Eu, você, seus filhos e tudo o que existe é ser, porque está, de alguma forma, sendo. Assim, aquele pequeno pedaço de um galho de árvore que se desprende e cai ao chão “é” graveto.

Diferente de um graveto que por acidente se torna graveto ao se desprender de um galho maior, nós podemos decidir, até certo ponto, o que somos. Você ao sentar em algum canto e ler este pequeno ensaio é um leitor, não por um acidente qualquer, mas por escolha. Aí é que vem uma das grandes contribuições de Heidegger, pois segundo ele o verbo ser não diz de uma coisa parada, mas de algo em contínuo movimento. Então o “é” da filosofia quer dizer, pelas mãos de Heidegger, “estar sendo”. Como você, que ainda lê, está sendo um leitor.

Este contínuo movimento do ser ou, como dito anteriormente, esse “estar sendo” que o filósofo diz abre uma profunda lacuna filosófica. Até o momento, muitos filósofos acreditavam nesse ser que “é”, ou seja, algo parado, estático, sendo assim de fácil apreensão e compreensão. Por isso criaram uma área da Filosofia chamada de ontologia, que se dedica a estudar o ser, tentar circunscrevê-lo. Mas, um filósofo chamado Emmanuel Levinas pega a ideia de Heiddeger e avança, dizendo que esse movimento do galho que se transforma em graveto e do trabalhador em leitor é que esconde o caminho para a origem do ser.

Para Levinas o “é mesmo” é o movimento que leva os conteúdos de fora para dentro. Esta expressão é a prova de que quando você, ao concordar comigo tornou seu tudo o que escrevi até aqui. Pode-se dizer que o é mesmo é a prova de que tudo o que estiver fora pode se tornar parte de mim. Esse movimento que leva os conteúdos de fora para dentro também pode trazer os conteúdos para fora, ou seja, o ser, seu ser. Eis o ponto mais difícil, porque é neste momento que Levinas vai mostrar que eu, você e qualquer outro ser somos inatingíveis. Somos inatingíveis porque o nosso ser está muito mais longe do que aparece. Você pode ser e é muito mais do que uma imagem refletida no mundo. É mesmo!
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


quarta-feira, 16 de abril de 2014

O MELHOR!

Recentemente houve uma confraternização de formatura de uma turma de formação em Filosofia Clínica. Neste tipo de evento é costume apresentar aos colegas o melhor aluno. Dias antes da formatura, a pessoa responsável pelo curso pediu ao professor que colocasse dentro de um envelope o nome do melhor aluno para que o mesmo fosse homenageado. O envelope seria aberto no dia da formatura, ou seja, até mesmo a pessoa que conduziria o evento não saberia o nome do melhor aluno. Durante a cerimônia, a mestre pediu o envelope do professor para revelar diante de todos o nome do contemplado. Ela olhou para o envelope e depois olhou para o professor, o qual abanou com a cabeça certificando o que estava escrito. Assim, um a um ela falou o nome de todos os alunos da turma e, por fim, a mensagem: “Em Filosofia Clínica não existem melhores ou piores, cada um à sua maneira, foi o melhor. Foi o melhor em participação, foi o melhor em presença, foi o melhor em comportamento, foi o melhor em aproveitamento. Não há medida igual para duas pessoas, como disse Protágoras: "O homem é a medida de todas as coisas". Assim, cada um com sua medida foi nosso melhor aluno”.


Antes de ler foi pedido que cada aluno, quando chamado, ficasse de pé para receber a homenagem dos colegas. Assim, iniciando pelo primeiro nome, cada um dos alunos foi chamado. O primeiro nome causou espanto, também o segundo, mas do terceiro em diante os alunos entenderam a mensagem. Perceberam que ao longo de um ano de caminhada juntos o professor prestou atenção em cada um, percebeu seus potenciais e soube aproveitá-los. As metas estabelecidas, os padrões, os critérios de avaliação são quantificadores, não qualificadores. Infelizmente nos dias atuais para qualificar primeiro se quantifica, uma pessoa é boa quando mais dinheiro ela tem, uma pessoa é capacitada quando mais cursos ela tem. É uma lista infindável de quantificações para poder qualificar uma pessoa.

Eu sou o melhor, você é o melhor, seu filho é o melhor, sua esposa é a melhor, se pensarmos a partir das capacidades e limitações deles e nossas. Medir por comparação, estabelecer critérios cada vez mais rígidos de medição para poder qualificar uma pessoa, absurdo! Seu filho, com dificuldades de aprendizagem para matemática pode não ter essa acuidade, assim como você também não teve, mas não é porque os outros têm, que ele tem que ter. “Se não tem nenhuma limitação orgânica ele tem de aprender, porque é “igual” a todos os outros”, afirmam alguns pais. Não, ele não é igual, ele é único e assim deve ser tratado, pode ser que ele seja o melhor em outras coisas, mas não em matemática.

Há um bom tempo atrás fui seminarista e na congregação havia uma história muito bonita. São Leonardo Murialdo recebeu na porta do abrigo para menores uma mãe que pedia ao padre que cuidasse de seu filho. Ele, sem ter condição para receber o menino, mas comovido com o pedido da mãe disse que ficaria com o menino se ele fosse bom em algo. O menino olha o padre e diz: “Mas padre, não sou bom em nada”. O padre se compadece do menino e diz: “Vamos fazer o seguinte, apostamos uma corrida”. Assim foi, o padre e o menino correram, o menino ganhou a corrida e ouviu do padre: “Viste, és bom em algo, em correr”. Assim ele recebeu mais um menino entre tantos outros que tinha em sua casa de assistência profissional. Cada um, à sua medida, é ou pode ser o melhor.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


segunda-feira, 14 de abril de 2014

CRÍTICA CONSTRUTIVA

Recebi via e-mail esta semana a seguinte pergunta: “O que tu achas quando uma pessoa diz: “Vou fazer uma crítica construtiva?”” Para responder a esta pergunta, devemos retornar ao significado das palavras envolvidas na questão, para podermos dizer o que se traduz por “crítica construtiva”. O temo “Crítica” é uma palavra que quer dizer análise, ou seja, ela tenta desenvolver um parecer técnico a respeito do que está em questão. Por ser uma análise técnica, como uma crítica de cinema, uma crítica de arte e até mesmo de um restaurante não tem como ser classificada como boa ou má. É apenas uma análise, que busca emitir um parecer e este tem por objetivos apontar pontos positivos e negativos do material em questão. No entanto, outra vertente diz que “crítica” é uma opinião desfavorável, como uma censura ou condenação. Já a palavra construtivo significa algo que serve para construir, como palavras que ajudam pessoas a viver melhor. Ainda quanto ao significado de construtivo pode-se dizer que é algo positivo, eficaz do ponto de vista prático.


Uma análise fria das palavras combinadas em uma mesma ideia pode dar a impressão de que estamos fazendo algo certo, uma análise eficaz, um estudo com finalidade prática. Se assim for entendida, parece viável, mas também pode ser entendida como uma condenação construtiva. Essa segunda forma de combinar os significados pareceu mais estranha, de certa forma até contraditória. As combinações e explicações em torno do uso dos termos e seus significados podem seguir num sem fim de combinações que funcionam e outras que simplesmente se contradizem.

Em Filosofia Clínica, quando uma pessoa usa uma frase como esta não sabemos o que significa antes de saber como a pessoa elaborou o que está nos dizendo e qual o significado para ela. Do meu jeito, posso interpretar como quiser e geralmente, pela região que estamos, uma “crítica” é algo ruim e não pode fazer par com algo bom. Seria como dizer ao filho que você está batendo nele batendo para que ele tenha um futuro melhor. Ele até pode entender, mas bater e educar parecem caminhos diferentes. Mas como faremos para saber o que a pessoa quer nos dizer com “crítica construtiva”? O caminho mais fácil de chegar a essa conclusão é perguntando à pessoa, como fazemos na clínica filosófica. Perguntaríamos à pessoa: “Você disse uma crítica construtiva, como assim?” Não preciso perguntar o que significa, com esta pergunta a pessoa me dará o que ela quer dizer com isto. Em muitos casos quem ouve está querendo ser literal e dizer que o que a pessoa expressou com o que disse foi tal e tal coisa. Pelo contrário, ela mesma ao analisar o que a outra pessoa disse está fazendo uma interpretação.

Em cada um de nós as palavras ganharam seus significados de acordo com nossa história, enquanto para uns a tal “crítica construtiva” é possível, para outros é simplesmente impensável. Cada palavra, cheiro, som, gosto pode estar ligado a uma série de conceitos que estão guardados em nosso intelecto. Quando nos expressamos, são estes conceitos que estão saindo, significados ao nosso jeito, da nossa maneira e segundo nossa história de vida. Então, se me perguntasse o que acho de uma crítica construtiva, não sei, teria de saber o que a pessoa que vai me criticar entende por “crítica construtiva”.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


sábado, 12 de abril de 2014

APENAS PALAVRAS

Palavra pode ser entendida como um conjunto de letras que significam algo. Ao longo da história da linguagem a palavra aos poucos deixou de ser ação: do primeiro grunhido primata às palavras mais bem elaboradas dos dias atuais o que se percebe é a distância entre a ação e a reflexão. Nos primeiros idiomas, por exemplo, entre os egípcios, a palavra era construída com símbolos retirados da realidade como uma águia, uma perna, uma pedra. Anos mais tarde os Sumérios desenvolveram a escrita Cuneiforme, que eram marcas feitas com um palito em uma tábua de argila. Depois destes vieram os Fenícios que desenvolveram o primeiro alfabeto, o qual continha apenas as consoantes. Os gregos, aproveitando-se deste alfabeto, inserem as vogais e constroem o alfabeto que é a base para o idioma que hoje falamos, o português.


Essa breve história do alfabeto mostra que no início o homem tinha a palavra vinculada aos objetos reais, já nos dias de hoje a letra “A”, por exemplo, só existe enquanto pensamento. Entre os gregos ainda a palavra era considerada uma ação, tanto que entre os gregos falar mal de um deus era atentar contra seu deus sob o risco de ser punido. Entre os cristãos os Dez Mandamentos também consideram a palavra uma ação, tanto que o segundo mandamento diz: “Não falarás o Santo nome de Deus em vão”. No entanto, não é isso que acontece nos dias de hoje. Concorda com isso o pensador Zygmunt Bauman que fala sobre as relações entre as pessoas via Facebook. Hoje, diferente dos dias em que a palavra era considerada uma ação, a palavra vale cada vez menos, sendo uma das grandes provas disso a crescente busca pelos cartórios para firmar acordos. O que antigamente, como se diz no Rio Grande, era no “fio do bigode”, hoje só vale se for preto no branco, se estiver especificado por escrito, levando em conta todas as armadilhas jurídicas possíveis.

As relações antes tinham uma base firme por meio do diálogo, em que um tinha plena confiança no que o interlocutor dizia, pois a palavra era uma verdade, um compromisso. Hoje as relações continuam sendo construídas sobre a palavra, mas estas agora já não servem mais como verdade, porque posso, por exemplo, postar no “Face”, mas logo depois apagar. O que para Sócrates era impensável, dizer algo que fosse inverdade para sustentar-se vivo, hoje é feito por muito menos. Para Sócrates o que ele dizia fazia parte dele, definia a ele mesmo, enquanto pregava estava falando de si mesmo enquanto pensador, enquanto pessoa. De certa forma este pensador, assim como muitos outros, têm clareza de que o que dizem define a si próprios.

O jovem que cria sua pagina no “Face” e ali começa a divulgar suas músicas, filmes, assuntos, fotos, não percebe que está definindo a si mesmo. Muitos destes jovens criam no ambiente virtual uma pessoa que não existe de fato, é um ser apenas reflexivo. Uma pessoa com quem se pode relacionar apenas via “Face”, pois no mundo real ela não existe e qualquer um que a conheça “face” a “face” perceberá a distância entre o ser virtual (reflexivo) e o ser real (ação). A ação já não é mais valorizada como foi entre os filósofos que davam suas vidas pelo seu discurso, facilmente hoje pode-se apagar um comentário na internet.

A palavra já não é mais entendida como base para a verdade, pois não é mais considerada uma ação. Hoje a palavra tem um valor tão pequeno que só tem valor se houver provas de sua veracidade. O jovem criado a partir das próprias palavras tem cada vez menos crédito, justamente por não dar crédito às próprias palavras.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


quinta-feira, 10 de abril de 2014

ENTRADAS E SAÍDAS

“Não joga fora não, um dia posso precisar para alguma coisa”. Existem pessoas que juntam tudo o que podem e guardam com a justificativa de que um dia podem precisar. Elas guardam desde pequenos objetos, que realmente podem ter uso até objetos que não terão serventia alguma. Existem casos extremos em que chegam a guardar alimentos, sementes, pedaços de madeira, tecidos, ou qualquer outro objeto. Os objetos que elas juntam ocupam espaços, precisam de um lugar para serem alocados na casa e pela falta de arrumação acabam por servir de esconderijo para insetos, ratos e outras coisas. Por serem objetos velhos, muitos deles sujos, logo começam a criar mofo e espalhar doenças. Quem convive com pessoas assim logo nota que sua “mania” não é saudável e tentam intervir para mostrar os males que podem decorrer disso. Esse procedimento de juntar recebe o nome de adição em Filosofia Clínica, a pessoa soma uma coisa a outras que já existiam naquele local.


Assim como algumas pessoas trazem coisas para casa justificando sua utilidade futura, também existem aqueles que levam coisas pela vida que não precisariam levar. Na casa existe uma quantidade possível de se guardar, tendo em vista o tamanho do local, assim também é com as pessoas. Cada um tem um espaço interno para guardar o que soma pela vida até que tenha de colocar para fora para que outras coisas possam ocupar o lugar. Em alguns o espaço de adição é muito grande, elas levam muito tempo neste processo até que precisem descarregar. Do outro lado existem as pessoas com um espaço para adição muito pequeno e pouco depois de começarem as adições precisam colocar para fora. Tanto os que adicionam pouco quanto os que adicionam muito, cedo ou tarde precisarão arrumar um destino para este conteúdo. Em algumas pessoas o lugar onde o conteúdo será descarregado é o corpo, ele será o receptáculo para o que foi guardado durante um tempo. Outras pessoas descarregam tudo nas suas abstrações e tendem a caminhar em direção às ideias complexas, em outras palavras, desconectar-se do mundo.

A adição é como uma conta matemática qualquer e qualquer conteúdo pode ser somado. Como o ser humano é muito rico em vivências, ele tanto pode somar jóias, dinheiro, como mágoas, ressentimentos, raiva. Algumas pessoas passam pela vida como lixeiras existenciais, vivem com um propósito, coletar e catalogar o que há de ruim em seu caminho. Estas pessoas, de um dia que viveram, guardam o sol que não saiu, a roupa que não secou, a casa que ficou suja, o negócio que não deu certo, a ofensa de um amigo. Vivem como lixeiros existenciais, guardam tudo aquilo que deveria ser jogado fora. Aos poucos adoecem existencialmente, o que não é de estranhar pois guardam rancor, mágoa, ódio, tristeza. Poderiam amanhecer e ver o nascer do sol, sentir o amor da esposa, ver a bondade de um amigo, viver a fé em deus, acumular coisas boas.

Depois de um tempo somando é hora de colocar para fora este conteúdo. Se passou a vida juntando sofrimentos, dores, agonias, maus pensamentos é provável que quando for colocar para fora é isso que saia. Se isto for sair em direção ao corpo pode aparecer como uma úlcera estomacal, afta, dores de cabeça, alergias, e tantas outras coisas ruins. Mas, se passou o tempo juntando coisas boas, amor, alegria, amizade, bons filmes, músicas, quando este conteúdo for em direção ao corpo será uma pele lisa, vitalidade, disposição. Em algumas pessoas o conteúdo é despejado no corpo, em outras pode ser as ideias, o mundo, no que acha de si mesma, etc.

É importante lembrar que algumas pessoas não fazem adição, fazem outros processos para gerenciar seus conteúdos. Aos que fazem a adição, não há nada de errado, mas é preciso prestar um pouco de atenção ao que tem somado nos últimos tempos. Não é de espantar que pessoas que somem coisas ruins e suas vidas não pareçam boas.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


terça-feira, 8 de abril de 2014

VISÃO ECONÔMICA

Estamos no período de festas, época de Natal e Ano Novo, Carnaval, Páscoa, época em que as famílias se reúnem e festejam o final de um e o inicio de outro ano. Mas também é a época do ano em que muitos trabalham dobrado, pessoas cujos dias começam muito cedo e terminam muito mais tarde. As reflexões feitas a respeito deste período em sua maioria são otimistas e mostram um mundo perfeito, mas nem todos vivem este mundo perfeito. Um dos filósofos que se ocupou de mostrar uma das mazelas vividas até os dias atuais é Karl Marx, acompanhado por seu amigo Engels.


Marx é um filósofo com uma bibliografia muito extensa e dizer resumidamente como foi o seu pensamento é certamente incorrer em erro. Dizem que sua extensa obra esteve em evolução durante toda a sua vida, sendo dividida em novo e velho Marx. Outros dividem sua produção do jovem humanista ao materialismo histórico. A vida do filósofo era muito simples, passando por vezes dificuldades econômicas muito sérias, das quais era tirada por seu amigo Engels. Já no final de sua vida completou sua obra falando de economia, uma parte da história até então ignorada pelos historiadores.

A mazela a que me referia no início deste escrito é a exploração de uma classe social por outra e a falsa impressão de liberdade na escolha da profissão, estilo de vida, lugar onde se vai morar, etc. Sabe-se que toda a riqueza produzida vem do trabalho e se uma classe é mais rica que outra é porque uma classe está abusando da riqueza da outra. Em outras palavras a riqueza da classe A é fruto da exploração da riqueza da classe B. Esse fato faz com que a relação entre as pessoas no capitalismo aconteça de forma que não há mais relação entre pessoas, mas entre objetos.

Assim como o trabalhador, o trabalho também se torna um objeto que é vendido em troca de salário, o qual em maior ou menor escala vai garantir a subsistência da família. O capitalista, por sua vez, trabalha para produzir lucro, ou seja, controla os meios de produção para que se tenha lucro. Através do controle, o capitalista obtém a mais valia, que é aquilo que o trabalhador produz além do que é pago. Então, a mais valia, ou seja, o que o trabalhador faz a mais do que recebe é o lucro do capitalista. Quanto mais o trabalhador fizer, maior será o lucro. Para Marx este entendimento só é possível porque o ser social das pessoas é que determina sua consciência.

Para Marx e muitos outros filósofos o mundo é que determina a forma como o ser humano pensa, mas isto é uma verdade que se aplica a ele, Marx. Muitas pessoas olham pela janela e não olham seu trabalho sendo vendido a um patrão, mas veem o dia de sol, sentem o perfume das flores, conversam com as pessoas e fazem aquilo que gostam. Trabalhar, assim como outras coisas da vida pode ser muito mais que obrigação, venda, troca, mais valia, pode ser a realização pessoal. Olhar a vida como uma relação de comércio é torná-la muito pobre. Aqui fiz apenas um pequeno recorte do pensamento de Marx, o qual é muito usado como justificativa para ser ou fazer determinadas coisas. É importante ter em mente que uma frase de um autor não reflete o pensamento e o trabalho de uma vida inteira.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


segunda-feira, 7 de abril de 2014

O FILHO EXEMPLAR

Há em Filosofia Clínica um tópico chamado Buscas. Esse tópico se ocupa em identificar na história das pessoas seus direcionamentos existenciais. Há também um tópico da Estrutura do Pensamento chamado Termos Unívocos e Equívocos. Este tópico trata da clareza como as informações são expressas e o quanto são entendidas. Se uma informação sai de uma pessoa e é plenamente entendida pelo outro, esta é unívoca, caso não seja entendida ou seja mal interpretada, diz-se que a informação é equívoca. Se pensarmos no caso de uma pessoa que une buscas com termos equívocos, pode-se dizer que estamos diante de alguém que quer chegar a algum lugar, mas não tem clareza de onde quer chegar. Quando isso acontece, a pessoa aponta para várias direções ao longo da vida, a cada tanto inicia uma nova jornada de busca sem chegar a lugar algum. Muitas pessoas padecem por não conseguirem decifrar claramente qual seria a melhor direção existencial, sofrendo por não saberem se caminham em direção ao que parecem querer.


Agora imagine que essa equivocidade, essa falta de clareza, não aconteça com você, mas com seu pai, que ele seja equívoco no que busca. Pense que este pai tem como objetivo de vida educar seus filhos para que sejam responsáveis, sinceros, justos, trabalhadores, estudiosos, enfim, que sejam pessoas que ele considera de caráter. Pode acontecer que este pai deseje esse modelo de educação para seu filho, mas faça exatamente o contrário na prática. Algumas ilustrações podem deixar claro como isso pode acontecer e quanto sofrimento pode provocar. Colocarei alguns relatos que já ouvi no trabalho como terapeuta.

Uma jovem moça me falou que seus pais sempre disseram que queriam formar uma mulher responsável, que queria que ela fosse um exemplo. No entanto, ouvindo sua história de vida, pode-se perceber que seus pais fizeram tudo ao contrário do que desejavam. Desde cedo a menina não tinha hora para acordar, nem hora para ir dormir, quando lhe era exigido arrumar o quarto ela chorava, esperneava e assim era dispensada da tarefa. Quando mais jovem ia à escola e tinha um comportamento já bem rebelde, seus pais chamaram a atenção dos professores em sua frente, dizendo que eles deveriam saber o que fazer com seus alunos. Com essas e outras situações criaram alguém que não corresponde aos seus objetivos.

Outro rapaz me contou um dia que seu pai queria que ele fosse um jovem trabalhador, empenhado em resultados. Porém, ao longo de sua história, percebe-se que seu pai desde cedo desobrigava o rapaz das tarefas do lar. Em casa quando ele bagunçava seu quarto, era a empregada que limpava, quando queria qualquer soma em dinheiro, facilmente conseguia, os trabalhos de escola eram feitos pela mãe. Quando foi convidado para trabalhar com seu pai não tinha horário para chegar, assim como não tinha para sair. Quando entendia que não precisava ir ao trabalho, simplesmente não ia, sequer dava satisfação, deixando toda uma equipe desfalcada. Para o pai isso era coisa da idade, agora ele está com quase trinta anos e ainda não chegou à idade responsável.

Os casos citados são de pais que cobram dos filhos o que nunca lhes foi ensinado, queriam que os filhos fossem pessoas com determinadas características, mas não lhes ensinaram a ser. Alguns queriam filhos exemplares, mas não lhes ensinaram a ser os exemplos que desejavam. Muitos dizem: “Não quero para o meu filho o que eu passei”. Estes mesmos não se dão conta que muito do que passaram foi o que ajudou a formar o que são hoje. Estes pais buscam equivocamente que o filho seja como eles, sem educar para que o sejam. Filhos exemplares, na maior parte dos casos, foram frutos de uma educação exemplar.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


sábado, 5 de abril de 2014

COMPOSIÇÃO

Tirar fotografias é um hobbie que faz parte da vida de muita gente. Nos dias de hoje com o advento da tecnologia fotográfica muitas pessoas têm acesso ao equipamento, desde os mais simples embutidos em um celular até os profissionais. A primeira fotografia conhecida veio ao mundo pelas mãos do francês Joseph Nicéphore Niépce em 1826, lembrando que a invenção da fotografia não pode ser atribuída a Joseph, pois foi um longo processo que envolveu muitos outros pesquisadores. As primeiras fotografias necessitavam de mais ou menos oito horas de exposição à claridade para que se pudesse obter a imagem no papel. Há pouco tempo ainda era necessário fotografar e esperar pela revelação para ver se o efeito esperado apareceria no papel. Muitas vezes a tão esperada foto “queimava”.


Por mais que seja fácil fotografar, produzir um bom material já não é tão simples. Existem algumas regras que fazem com que o resultado seja agradável aos olhos e não apenas um registro do momento. A primeira regra básica é preencher os espaços, basta olhar fotografias consagradas e podemos perceber que não aparecem espaços vazios, o assunto que interessa preenche o espaço. Uma segunda regra é perceber se o fundo tem a ver com o tema principal, observar se as cores, formas e claridade estão de acordo com o assunto mais importante da foto. Outra dica interessante é planejar com antecedência, é necessário ao fotógrafo criar o ambiente da fotografia, observar os elementos e dispô-los de maneira a produzir o efeito desejado. Por fim recomenda-se enquadrar bem, perceber se o tema da foto não está muito longe, muito perto, se está de acordo com o que propõe a temática.

Em nossa vida o dia-a-dia não está muito longe de uma fotografia, observe. Por exemplo, sua esposa pergunta como foi o seu dia, ou seja, de tudo o que você viveu ela espera de você em algumas palavras uma composição. Como a pergunta foi pelo seu dia, o tema é livre, pode falar do trabalho, do almoço, do caminho até o trabalho, dos pensamentos, enfim. Como o seu dia tem muitas coisas você vai escolher algo para ser o seu tema, o elemento que vai preencher sua narrativa. Deste modo, você pode contar os horríveis buracos que têm na Avenida Centenário na Próspera e utilizar como fundo o bom dia de trabalho que teve. Pode ainda usar como tema o belo dia que teve e usar como fundo o projeto de um passeio no fim de semana. O tema que você escolher vai determinar com o que você está entrando em contato, alimentando-se, compondo.

O fundo do dia-a-dia de cada um é diferente. Para alguns o tema é a grande história de amor que vivem, mas usam como pano de fundo dívidas, brigas, traições. Parece estranho, mas usam elementos que não combinam numa mesma foto, percebem que não está legal, mas não entendem exatamente o quê. Há casos ainda em que a pessoa vive uma terrível depressão e usa como pano de fundo os filhos na faculdade, o marido em um bom emprego. O fundo não combina com o tema principal, a composição pode gerar ansiedade, confusão. Lembrando que o tema é aquilo com o que você entra em contato, o fundo são as condições em que isso acontece.

Planejar com antecedência é selecionar o que vai entrar e o que vai ficar de fora da minha fotografia. Eu posso incluir na minha fotografia os buracos da Avenida Centenário lá na Próspera, assim como posso incluir os pergolados da Praça Nereu Ramos. O que é tema e fundo, eu posso definir, não preciso ser refém dos elementos, posso compor com eles. Já enquadrar bem, isso seria colocar o tema central na posição que ele merece, no terço que lhe cabe no cenário planejado. A composição narrativa do seu dia para a sua esposa mostra com quais elementos está compondo a sua vida.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


quinta-feira, 3 de abril de 2014

EU REAL

Durante uma conversa com um líder de uma organização, entramos no assunto sobre as representações, sendo que o líder em questão entendeu que cada pessoa é vista de maneira diferente pelas outras que estão ao seu redor. O estalo veio no momento em que ele se deu conta de que inclusive ele mesmo tem uma visão parcial de si. Esta conclusão o levou fazer uma pergunta realmente filosófica: “Se cada um tem uma representação sobre mim, inclusive eu mesmo, onde está o Eu Real?” Por alguns instantes fiquei observando o nascimento de uma pergunta filosófica de fato, depois fiz a mesma pergunta a mim mesmo. Para levar o leitor a fazer esta pergunta a você mesmo vamos construir a argumentação tal como o líder estabeleceu.


O ponto de origem da conversa foi a proposta de se melhorar como pessoa e como liderança, para tanto lhe foi proposto que observasse as referências externas como modo de se avaliar internamente. Em outras palavras, seria necessário escutar as queixas do pai no seu comportamento enquanto filho, também da sua mãe sobre o seu comportamento enquanto filho. De modo diferente deveria observar o que seu diretor fala sobre o seu papel de gerente, o que seu colaborador fala sobre seu papel como líder. Assim, a partir destas várias referências, observar o que precisa melhorar em cada um dos papeis. Ao que perguntou: “Mas como saber quem está falando algo que realmente precisa ser melhorado?”

A primeira dica sobre este aspecto é sempre ter mais de uma referência, observar várias pessoas e compor com elas a informação. Pode acontecer que ainda assim as informações não sejam fidedignas, não existe mágica. Uma segunda maneira de saber para qual informação dar crédito é ter pessoas específicas que lhe conhecem de longa data, estas pessoas podem ter maior clareza. Assim como a quantidade, a qualidade das pessoas também está suscetível ao erro. Com base nestas opções o líder ainda comentou que pode acontecer que a pessoa tenha clareza sobre si mesmo em cada um dos contextos e saiba o que precisa melhorar. Ainda assim podem haver erros, pois a representação que a pessoa tem de si mesmo pode estar incorreta. E agora? Então como ver o Eu Real?

Se você fosse falar quem você é, esse seria o seu eu real. No entanto esse mesmo eu não existe para os seus pais, para a sua esposa, para seus amigos, para seus sócios ou colaboradores. A realidade depende de cada um com quem convivemos, é o exemplo da pessoa com quem você trabalha oito horas por dia e que lhe “conhece” melhor que sua esposa. O que acontece é que ela tem muito mais tempo de convívio o que lhe permite ter mais informações para elaborar uma ideia a seu respeito. Não necessariamente esta ideia é verdadeira, mas é a conclusão a que ela chegou a respeito de quem você é. Mas então, voltando ao início, como saber o que melhorar se cada um tem uma ideia diferente a respeito de você?

As diferentes representações não mudam o fato de que existe uma realidade consensual na qual você está inserido. Um filho em uma família, um homem em uma cultura, um líder em uma organização, cada um destes papeis exercidos está inserido em um contexto. A partir do contexto em que está inserido vem a realidade consensual que serve de base para avaliar o que precisa melhorar. Enquanto líder, participando da realidade consensual de uma organização posso saber como me aprimorar. Como homem numa cultura ocidental também tenho os parâmetros de como posso melhorar. Os parâmetros consensuais unidos aos subjetivos são guias que podem mostrar como o Eu Real pode ser aperfeiçoado.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

terça-feira, 1 de abril de 2014

CORPO OU OBJETO?

Há no Brasil um fenômeno que começou por Santa Catarina, o leilão da virgindade. Começou porque já há uma segunda candidata ao mesmo ato, uma paulistana que afirma fazer esse sacrifício para ajudar sua mãe. Não há o interesse em lidar com abertura de precedentes, com questões éticas, mas de se ver com outros olhos a abertura de concorrência pública para retirada da virgindade. O interesse em especial na concorrência está na forma como o acontecimento é tratado, pela forma como os próprios veículos de comunicação que abominam, ao mesmo tempo divulgam. O fato é, uma moça, no uso de sua liberdade individual decidiu abrir concorrência pública, ou seja, estimulou a livre concorrência para a venda de seu produto.

Pode ser novidade para muitos o que estão vendo pela televisão, mas não faz muito, uma novela de horário nobre passava uma mãe tratando a virgindade da filha como um produto. Naquela novela a mãe tratava a virgindade da filha como um produto de barganha que deveria ser utilizado para tentar obter um futuro financeiramente garantido. A diferença é que ali estava na novela, inserido num contexto onde a “novela imita a vida”, segundo os próprios autores. A realidade é assim também, realidade em que muitas meninas fazem de si mesmas produtos que são colocados na vitrine esperando um bom comprador. Algumas, que se mantém dentro dos padrões da moda conseguem bons compradores, outras não tem a mesma “felicidade”. Lembrando que a compra dá o entendimento de propriedade, ou seja, aquele que paga pode fazer uso da maneira que lhe aprouver e quando não quiser mais, joga fora.

Para os mais velhos que se espantam com a indecência dessas moças que leiloam a virgindade, pensem num homem antigo que casava. Ela, muitas vezes se mantinha intocada para um grande casamento, na verdade era um péssimo marido. O negócio dela de se manter virgem era para arrumar um bom marido, um homem decente, muitas conseguiam péssimos maridos, ou seja, se manter virgem foi um péssimo negócio. A relação que se está estabelecendo é de negócio, de uma pessoa que tem um produto que muitos querem, simples assim.

O que assusta muitas pessoas é o fato de uma moça ter vindo a público e leiloado sua virgindade, o problema para elas é o público. Segundo muitos isso é uma questão pessoal, mas estes mesmos que apregoam uma moral de certo e errado, de público e privado, assistem o Big Brother e torcem por cenas de sexo ao vivo. Qual seria a diferença entre essa menina que ganhará muito bem pela sua virgindade e aqueles que também ganharam muito bem por transarem ao vivo? Demonizar ou justificar o que está acontecendo seria um tanto arriscado, mas que tal tentar entender?

A relação que cada um estabelece com o que chamamos de corpo é diferente. Para muitos e muitas o corpo não passa de um produto, que pode e deve ser modificado para atender às necessidades e expectativas do mercado. O corpo esse de carne e osso pode ser a menor parte da pessoa e justamente por isso ela não se importa, pode simplesmente vender, leiloar, trocar por uma voltinha de carro, bebidas caras, camarotes e tantas outras coisas. O problema é que algumas pessoas não entendem que produto só tem valor enquanto estiver do agrado do cliente.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/