quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

MUNDO PERDIDO

Quando saia da infância e passava para adolescência o mundo estava em trânsito, ou pelo menos parte dele. Esta parte que estava em trânsito saia do "socialismo", que muitos chamam de economia planificada ou tentativa fracassada da aplicação das teorias marxistas. Seja como for, estávamos saindo disso para o capitalismo, o restante do mundo já era capitalista. O Brasil, no mesmo período, fim da década de 80, início dos anos 90 também saia de uma ditadura e passava para a democracia. Assim, na minha transição da infância para a adolescência, o mundo também estava passando de um modelo para outro, ao menos o meu mundo. Os que já eram capitalistas desmereciam os socialistas, dizendo aos outros e a sui próprios que estavam certos e que todos deveriam fazer parte do seu modelo de vida. Nesta parte parece que nasci no tempo certo, num Brasil democrático e capitalista, mesmo que seja um país pseudo democrata e pseudo capitalista.


Depois da transição vieram os ajustes, alocando cada coisa no seu lugar. Para que isso acontecesse foram necessárias algumas guerras, boa parte delas no Oriente Médio, terra já castigada historicamente. A Ásia tem lá seus encantos com um boa guerra, mas não foi dessa vez, acabou ficando de fora, mas a ameaça de uma Coreia do Norte se faz presente nos pensamentos estadunidenses. No Oriente Médio os discípulos de Maomé, orientados sob o Alcorão também entendem que o mundo deve viver à luz de sua verdade, do seu modelo de vida. Aliando política e religião tornaram o Estado uma ferramenta de imposição religiosa, já fizemos isso e não deu certo. Talvez eles entenda e cedo ou tarde deixem essa ideia de lado. Talvez no intuito de mostrar esse erro os Estados Unidos interviram em alguns casos e instalaram a "democracia", o modelo politicamente correto. Ao menos é o que dizem. Esses ajustes onde cada país foi se adaptando ao novo mundo capitalista e democrático já executou muita gente e ainda vai executar.

O caminho que parece estar sendo trilhado, agora que cheguei a idade adulta, é aquele onde os grandes dão as mãos e impõem o seu ponto de vista aos pequenos. Pode ser que esteja errado, mas cada passo dos grandes percebe-se uma única corrente de pensamento. Desde a Rússia até os EUA, passando pela Europa, todos começam aos poucos a falar um mesmo idioma político e econômico. Parece que entenderam haver entre si uma certa interdependência, onde a minha desgraça é a sua desgraça. A formação de um governo único não é descartada, ao menos na teoria, já que as práticas parecem dar conta de que ainda muitas diferenças precisam ser ajustadas até chegar a este ponto. Meu país ainda não escolheu um lado, historicamente caminha entre um e outro lado tentando encontrar o seu próprio caminho. Talvez não seja uma boa hora para mostrar-se indeciso ou decidido pelo lado errado. 

O que vem pela frente é algo interessante, é algo que aqueles que trabalham com gente já perceberam, o desaparecimento da individualidade e o surgimento da consciência coletiva. Não no sentido de pensar no outro, no planeta, ma no sentido de que cada vez menos se pensa por si próprio, mas se pensa coletivamente. O desaparecimento do indivíduo facilita criação de doenças, criação de modelos de beleza, assim como outras questões que tendem a ser assumidas como verdade sem a devida reflexão. A morte anunciada do indivíduo já observada por algumas organizações é parcamente atacada com políticas de bem estar, que nada mais são que afagos ao ego de alguém que nem sabe direito o que lhe faz bem. Parece que passei de um mundo onde as pessoas lutavam pelo que queriam para uma massa uniforme que não tem uma visão de mundo sua, não parece que seja falta de informação, mas falta de conhecimento, coisas diferentes. Reconhecer-se ignorante sobre o que está em andamento pode ser um passo para se dar conta de que o Eu está morrendo.

Aos colegas filósofos clínicos do país, está é uma narrativa que tem base forte no tópico 01, (Como o mundo me parece). Não que ela seja certa ou errada, boa ou ruim, é um relato de como a pessoa vê o mundo ao seu redor. Pode ser que nem seja assim, mas é assim para quem o descreve. Se a opinião que ela tem sobre o mundo tiver peso subjetivo maior, isso relativo ao conteúdo dos outros tópicos, pode orientar a forma como ela age sobre o mundo, as pessoas e ela mesma. 
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

A LUZ QUE CEGA!

Há uma obra de José Saramago publicada em 1995 com tradução em várias línguas, chamada “Ensaio Sobre a Cegueira”. Esta obra tornou-se filme em 2008 pelas mãos do diretor Fernando Meirelles e também pode vista nos teatros. A história conta de um japonês que, por não conseguir enxergar, pede ajuda até que alguém o leva até em casa e acaba por roubar o seu carro. No dia seguinte o japonês e sua esposa vão ao oftalmologista para saber o que está acontecendo e aos poucos uma epidemia se alastra e, com exceção da mulher do oftalmologista, todos ficam cegos. Devido ao alastramento da epidemia o governo decreta quarentena e separa as pessoas cegas das outras, mas mesmo assim a epidemia continua se alastrando.

Presos em uma construção, confinados a uma convivência sem a visão, os internos formam dois grupos e pouco a pouco a convivência se torna insustentável. Até que chega ao ponto em que um dos grupos, por questão de sobrevivência acaba por incendiar o lugar e fugir, mesmo às cegas. Já em casa, depois de uma longa e exaustiva caminhada, cada um faz um pedido, o que gostaria naquele momento. O interessante é que, mesmo sem enxergar, nenhum deles pedem o retorno da visão, cada um pede coisas simples, em sua maior parte o que dá o conforto à alma. Enquanto não enxergavam, os personagens diziam ver uma luz branca. Por vezes não é o escuro que cega as pessoas, mas a claridade.

No dia-a-dia em contato com pessoas de diferentes áreas de formação, status econômico, religião ou religiosidade, filosofia de vida e tantas outras diferenças podemos escutar: “Há uma luz no fim do túnel”. Estas pessoas estão vivendo o aqui e o agora, mas o seu pensamento está tão focado num futuro que “vai chegar” que o que veem é uma luz. Esta luz que veem é diferente para cada uma, para alguns a luz no fim do túnel é o dinheiro para pagar as contas no mês que vem. Para outras, a luz no fim do túnel é o emprego que desejam para si. Existem ainda pessoas para as quais a luz no fim do túnel é o relacionamento que um dia pode dar certo. Apenas para fechar as possíveis luzes, pense em qual será a luz no fim do seu túnel.

Olhando fixamente para esta luz estas pessoas passam dias, semanas, meses, anos caminhando naquela direção. Todo o tempo que caminham um pensamento é recorrente: “Quanto eu chegar lá...” Esta luz os dá força, alimenta sua alma e faz com que caminhem em passos largos, firmes e decididos, voltados para a claridade que é onde colocaram seus objetivos. Estão tão resolutos em sua caminhada e olham tão fixamente para a luz que tudo o que está na sombra passa despercebido, ou seja, ao olhar fixamente para a luz não conseguem enxergar o que está à sombra dela.

Esta luz, a claridade intensa que foi colocada como objetivo de vida pode cegar a pessoa para as vivências do presente. Quando chegar ao objetivo, conquistar a tão buscada luz no fim do túnel, pode olhar para trás iluminado pela claridade e perceber que muitas coisas boas ficaram pelo caminho. Ao focar a claridade do tão sonhado emprego a família pode ter ficado na sombra e quando se chega ao objetivo e olha-se para trás, ela já pode não existir mais. Ao ganhar o dinheiro que queria para pagar as contas e ter um tanto para guardar no banco, o amor da vida pode ter ficado na sombra pelo caminho. Ao se fixar atentamente ao relacionamento que pode dar certo pode acontecer que a sombra cubra o outro que está nesse relacionamento.

Não há nada de errado em ter objetivos e buscá-los diariamente, colocar pontos de luz na vida que possam alimentar a alma durante os períodos difíceis. Mas estes pontos devem irradiar claridade para todo o restante da vida e não cegar. Seria interessante pensar se não são os seus filhos que estão à sombra da luz que você observa no fim do túnel.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

CAMUFLAGEM

“Não sou eu!” Esta é uma expressão que ouvi algumas vezes ao longo dos anos no consultório. As situações são variadas, mas em todas elas o que acontece é que a pessoa não se identifica nos comportamentos que tem. Uma destas pessoas dizia que não se reconhecia como fumante, no entanto fumava regularmente e em boa quantidade. Outra dizia não ver-se na pessoa dura e fria que era enquanto gerente do setor onde trabalhava, chegava a espantar-se consigo mesma. Em outro caso a pessoa dizia não se reconhecer no que os outros diziam dela, enquanto os outros ao seu redor falavam de uma mulher forte, com garra, objetivos, ao contrário, ela se via fraca, pouco persistente e sem objetivos. Em muitos casos esta falta de identificação da pessoa consigo mesma ocorre porque ao longo da vida ela criou uma camuflagem, aprendeu a ser o que se esperava dela.


Este fenômeno pode acontecer por muitos motivos. Por exemplo, a primeira pessoa que fumava e não se reconhecia fumante começou a fumar por participar de um grupo que fumava. Assim, o comportamento de fumar foi adquirido via interseção, ou seja, a depender da pessoa com as quais teve interseção tendeu a se adaptar. Já a segunda pessoa, a gerente, não se reconhece em outro papel existencial, este é um caso de como algumas pessoas criam papeis com os quais não se identificam. Nesta mesma linha podemos citar uma mulher que engravida, mas não consegue se colocar no papel de mãe, não se reconhece como mãe. Já a última pessoa não conseguia se reconhecer nas referências externas, isso pode acontecer quando a pessoa utiliza o espelho errado, o reflexo vem distorcido e não tem crédito.

Diferente destes, alguns criam a si mesmos de outras formas, criam camuflagens para ganhar distância das outras pessoas ou situações. Numa organização alguns se tornam especialistas em camuflagem, sabem exatamente onde estar para não aparecer ou ser visto como querem ser vistos. Assim pode ser o gerente que lidera sua equipe de forma inadequada, não atinge os objetivos, mas é bem visto pelas avaliações de clima. A boa interseção, amizade, que tem com as pessoas com quem trabalha garante que tenha boas avaliações, e é isso que lhe garante permanecer onde está.

Camuflar-se é colocar uma vestimenta que diga algo sobre você que não é verdade, mas que cumpre certa função. Ao gestor cabe, a partir do que conhece de cada colaborador, saber se as pessoas com quem trabalha são elas mesmas ou estão camufladas. Uma organização onde pessoas camufladas trabalham é um ambiente perigoso, você não sabe com quem está lidando. O gestor bonzinho, aquele que agrada seus colaboradores, que se coloca a disposição para ouvir seus problemas pode ser aquele que repassa todas as informações e causa sua demissão. A camuflagem de servidor dá a ele a oportunidade de acertar o ponto fraco da pessoa, infelizmente isso existe.

Alguns camuflam-se por tanto tempo que acabam por confundir-se com a própria camuflagem. Quando isso acontece, a pessoa pode começar a perder a própria identidade frente ao personagem que usa como camuflagem para seus propósitos. Como ilustração, trago a frase emblemática de William Shakespeare "Ser ou não ser, eis a questão" (no original em inglês: To be or not to be, that is the question) a qual vem da peça A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca. Alguns, depois de se camuflarem como ovelha por muito tempo, não sabem mais ser lobo e outros, depois de serem lobos, não conseguem mais ser ovelha. A recomendação é ter cuidado. Camuflar-se, optar por deixar de ser você mesmo em prol de algo pode não ter volta.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

VIVER DA MORTE

Há pouco tempo ficamos sabendo que um grande amigo estava doente, acompanhamos a distância todo o seu tratamento e o sofrimento da família. Depois de certo tempo estava ele recuperado de um grave problema no fígado, era assim que parecia. Pouco tempo depois o problema retorna e agora somente um transplante pode realmente mantê-lo vivo. Diante desta situação sua esposa comenta em uma conversa: “é ruim imaginar que alguém deve morrer para ele viver”. Para ela não é um dilema vazio, mas a dura realidade de que alguém vai ter de morrer para que seu marido continue vivo. Para ela, o fato de o marido viver da morte de outra pessoa é algo que desconforta, incomoda. Depois de refletir um pouco sobre sua situação pensei na minha própria, de terapeuta. Por natureza um terapeuta é alguém que vive do sofrimento de outras pessoas, ou seja, se não houvesse sofrimento, dor, provavelmente não haveria ganhos. Há, muito provavelmente, muitos outros profissionais que vivem da morte do outro, do sofrimento alheio.


No entanto, quando uma pessoa chega ao ponto de precisar de transplante, por qualquer motivo que seja ela está dando ao órgão da pessoa que faleceu a chance de continuar vivo. Por exemplo, morre um jovem em um acidente de automóvel, seus órgãos estão em perfeito estado, a pessoa que precisa destes órgãos pode dar a eles continuidade de vida. Já houve alguns casos em que a família do doador vê na pessoa que recebeu o órgão a continuidade da vida, alguém com quem estabelecem um vínculo para o resto da vida. Por mais que a pessoa que precisa de transplante espere pela morte de alguém para continuar vivendo não é ela quem diz quem e quando vai morrer para obter o que precisa. É ela o receptáculo para a continuidade, a oportunidade que um órgão tem de continuar vivendo, como uma parte de uma pessoa que continua sua jornada em outro lugar.

Na terapia não é muito diferente: o terapeuta é aquele que, mais do que muitas outras pessoas, consegue trabalhar com a dor do outro. É ele a pessoa que tem as condições para, mesmo com toda a dor que compartilha com a pessoa, encontrar um caminho onde não exista dor ou sofrimento. Não é o terapeuta quem provoca ou deseja a dor, mas sim aquele que estuda, se prepara, para estar diante de alguém como um caminho. Muito ao contrário do que parece, não vive ele da dor das pessoas que lhe procuram, mas da alegria de suas realizações, do encantamento de seus sonhos, do brilho ainda existente em cada olhar. Quando não consegue auxiliar uma pessoa em seu caminho também se chateia, chora, sofre a dor de não ter conseguido.

Assim, profissionais que pretensamente vivem da morte do outro, assim como pessoas que esperam pela morte do outro para a doação do órgão, são as oportunidades de a vida continuar. É muito provável que um médico não tenha como sonho ver as pessoas doentes, mas que elas estejam bem, saudáveis. A dor e a doença fazem parte da vida de cada um, assim como os profissionais que abraçaram a causa de estar junto nos momentos mais difíceis. Muitos destes profissionais dedicam suas vidas para que os outros possam continuar vivos, dedicam sua saúde para que outros possam permanecer saudáveis, dedicam sua sanidade para que outros permaneçam sãos. Não se vive da morte do outro, mas se dá oportunidade do outro continuar vivo em mim.
Por: Rosemiro A. Sefstrom  Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

domingo, 30 de novembro de 2014

VIVER FORA DA CAIXA!

Uma das perguntas comumente ouvidas num consultório é: “Doutor, isso é normal?” A pessoa que faz esta pergunta o faz para que alguém, no caso o terapeuta, possa lhe dizer se ela está ou não dentro dos padrões. O padrão é uma medida associada ao que está ao se redor, por exemplo, hoje é um padrão pagar pelo trabalho de alguém, quem não o faz está cometendo um crime, salvo as exceções para este exemplo. Entretanto, há pouco mais de cem anos o padrão era comprar alguém que fazia os trabalhos de uma casa, ou seja, era padrão ter escravos em casa. O padrão é portanto uma medida que toma por base o que tem ao seu redor. O padrão serve muito bem para questões práticas, para calcular o valor de um carro, para saber se o salário é adequado, para ver se o espaço de moradia está de acordo com a região onde se mora. Mas medir uma pessoa aquilo que há ao seu redor é a pior forma de se fazer isso.


Diferente de um carro, o salário e até mesmo a moradia, uma pessoa apresenta estruturas totalmente diferentes, únicas. Padronizar o ser humano é como pegar os galhos das árvores de uma floresta e querer que todos sejam iguais. Pior do que isso, fazer com que aqueles que não estão dentro do desejado sejam cortados e jogados fora como algo sem valor. Assim como as árvores, cada ser humano tem uma forma única de se estruturar, e essa estrutura tem diferentes formas de se manifestar. Muitas pessoas, por medo, por necessidade ou por conveniência, se mostram como os outros querem que elas sejam vistas. Assim é para a menina que aos seus quinze anos reúne os amigos e faz um lindo baile de debutantes, quando esse padrão nada tem a ver com ela. Infelizmente para a sociedade ela sente que precisa se homogeneizar, ter uma aparência que se espera dela, namorar um namorado que dizem ser o melhor, enfim, ser normal.

A estrutura de uma pessoa, assim como de uma casa ou as raízes de uma árvore têm um formato, suportam um peso diferente. Para uns a base é sua emoção, tudo o que vivem é suportado pelas emoções, são as alegrias, tristezas, ódios, amores, que as fazem suportar a vida ou viver. Em outras pessoas é a razão a base que sustenta toda essa estrutura: suas contas, porquês e lógicas aguentam o prédio que está em cima. Acima do alicerce há toda uma construção que se apóia nesta base, sendo que, para algumas pessoas, a estrutura padronizada é pesada demais para sua base. Pode-se citar o exemplo do filme “Na natureza selvagem”, onde o rapaz tinha a base de sua estrutura na sua identidade. A vida padronizada se fez tão pesada que a base não agüentou e ele perdeu a referência até de si mesmo, ou seja, não sabia mais quem ele era.

Há um exército de seres humanos tratados como máquinas que não suportam a estrutura padronizada que está sobre suas bases. Cada um ao longo da vida deveria construir sua estrutura de acordo com a base que tem, isso seria o recomendável. Em busca da normalidade, algumas pessoas constroem pirâmides que nada têm a ver consigo, mas com o que o padrão recomenda. Padrão este que tem cor certa, roupa certa, música certa, casamento certo, filhos certos, enfim, que acaba por normatizar via Inmetro um ser único. Não há como pregar normalidade quando o próprio padrão está mais próximo da doença.

O seu jeito de ser, as bases sobre as quais você construiu a sua vida indicam como pode ser a estrutura que será edificada. O padrão pode ser um guia, pode ser uma medida de comparação, mas não uma medida de construção. Você é uma pessoa completamente diferente de qualquer outra, isso porque a sua estrutura é única e por mais que se tente encaixotá-la, ela sempre mostrará que não é possível viver na caixa.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

VIVER NÃO É PRECISO

Há alguns dias conversava com uma pessoa quando ela citou-me Fernando Pessoa, dizendo uma de suas célebres frases: “Navegar é preciso; viver não é preciso”. Por muito tempo me detive no poema e pensava que o autor dizia, como fala na frase logo abaixo do poema que viver não é necessário, mas criar. No entanto, neste dia, a pessoa com quem conversava se referiu a um outro sentido para a mesma frase. O que mais achei interessante foi que não foi necessário mudar se quer uma palavra para darmos um sentido totalmente novo a frase. Apenas trocarmos o preciso de necessidade, ou seja, aquilo que precisamos para alguma coisa por objeto de uso para preciso de precisão. Assim, o preciso que era necessidade se torna o preciso de acerto, metodologia que garante um resultado. 

Depois dessa troca de significado da palavra começamos a divagar a respeito da precisão da navegação e da vida. Para isso perguntei-lhe se a vida não era precisa, ou seja, exata. Ao que me respondeu com um grande sorriso: “Não, como poderia, a vida é cheia de inexatidões, voltas e revoltas!” No entanto a mesma pessoa que se referia a vida de uma maneira tão aberta, livre era a mesma que pensava e vivia muitas verdades lineares.

Junto com ela muitas outras pessoas pensam na vida como um lugar de liberdade e escolhas, mas na realidade fazem da vida uma encenação onde palco e roteiro já estão definidos. Algumas vezes ouvi o discurso que se segue como testemunho de um roteiro: “Com tantos anos iniciei minha vida escolar, portanto, quando eu tiver com tantos anos devo estar na faculdade e assim, com tantos anos devo ter o mestrado. Bom, não posso esquecer da vida pessoal. Quando estiver na faculdade vou arrumar uma namorada (o) e provavelmente logo depois da formatura faremos o casamento. Dois anos de casado teremos filhos e organizaremos o planejamento de como será nossa velhice...”

Não há problema nenhum em planejar, orientar a própria vida ou até mesmo esquadrinhar as possibilidades de futuro, mas tornar-se refém de um planejamento... para a navegação a precisão é o que garante o destino correto. Mas, quanto a nossa vida, temos como garantir que nossa bússola aponta para a direção certa? Não temos nenhuma dúvida? Não há a possibilidade de errarmos no caminho? Não são poucas as pessoas que nos dias atuais sofrem porque não são o que planejaram ser, mas nunca pensaram se não são o que deveriam ser. Será que não estamos no lugar e na hora em que deveríamos estar?

A precisão matemática é importante para lidarmos com números, proporções, economia, geografia, mas na vida...
Por: Rosemiro A. Sefstrom  Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

VOCÊ DEVERIA MUDAR!

No consultório de um filósofo de vez em quando aparecem pessoas que querem mudar, achando que o seu modo de viver é errado. Estas pessoas entendem que a maneira como vivem ou agem diante das situações da vida está errada e por isso precisam mudar. No entanto, não raras vezes, depois que o filósofo colhe os dados da historicidade da pessoa descobre que não há nada de errado. Na verdade o que acontece é que o pai, a mãe, o tio, um amigo, uma pessoa que a encontrou em um curso de final de semana, lhe disse que ela estava equivocada no seu jeito de ser. Ao ouvir a sentença do outro sobre seu jeito de ser, a pessoa entende que seria ideal mudar, pois ela não quer estar errada se há um jeito certo.

Em Filosofia Clínica, um dos princípios básicos é a singularidade, ou seja, para um filósofo clínico cada pessoa é única. Por isso, ao receber uma pessoa em seu consultório ele nada mais sabe do que aquilo que se apresenta em sua frente, se a pessoa é alta, baixa, magra, gorda, loira, morena, enfim. Esse entendimento faz com que o terapeuta filosófico olhe para cada pessoa como um fenômeno único, que jamais se repetirá, ou seja, é singular. Com base nesse princípio, quando ele ouve uma pessoa, entende que seu modo de ser é assim por uma série de razões, que muitas vezes a própria razão desconhece.

Mas, para muitas pessoas acostumadas a verem a novela das sete, os filmes de Hollywod, A Fazenda, Big Brother, para estas existe um padrão social do qual todos são reféns e têm de se adaptar. Por isso escutam-se muitas vezes cursos e livros anunciando, por exemplo, “receita para uma mulher poderosa”, onde existe uma lista de predicados necessários a uma mulher para fazê-la poderosa. No entanto estes textos deixam de lado a singularidade, levam em conta um padrão, um modelo estereotipado de mulher poderosa. Imagine você, o que seria uma mulher poderosa: pode ser que seja uma mulher alta, curvilínea, imponente, sedutora, falante, expressiva, será que essa é uma mulher poderosa? Pode ser que seja apenas uma fachada escondendo uma mulher tímida que sofre muito pode ter de fazer de conta ser alguém que não é.

De acordo com a história de vida de cada pessoa pode-se ver que algumas mulheres são tímidas porque aprenderam que homens gostam de mulheres mais recatadas. E, do seu jeito aprenderam a lidar com sua timidez, dominam o lar, o marido e os filhos, mesmo com a timidez. É básico em Filosofia Clínica e até mesmo para a vida entender que, em cada contexto características peculiares podem ou não ser bem vindas. Imagine que essa mulher tímida, pouco expressiva, quase invisível se torne uma mulher poderosa, faça um curso que mude a sua vida. Agora ela é uma mulher poderosa, mas uma péssima mãe, deixa o marido de lado, perde os valores do casamento e assim por diante. O poder que ela acumulou de um lado, fez dela uma mulher fraca de outro, o que era para ser uma qualidade acabou por se mostrar seu mais novo defeito.

Mas, não se pode dizer que não se deve mudar, claro que se pode mudar, mas ao fazer isso, cuidar para que você se torne cada vez mais você mesmo. Para isso invista naquilo que é seu, que faz parte de você, deixe de pensar que o jeito do outro é o correto ou melhor. Quando alguém lhe recomendar que você deve mudar, antes de mais nada, veja se essa pessoa é um bom exemplo naquilo que diz. Mais ainda, veja se o seu estilo de vida combinaria com o dela ou se a sua história de vida é igual a dela. Provavelmente cada um tem sua história, seu jeito de ser, sua singularidade e se precisa mudar, não é para ser um marionete social.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

DIFICULDADE

Para os que não são professores começo contextualizando o artigo de hoje. A cada final de bimestre, trimestre ou semestre os professores se reúnem para falar do desempenho dos alunos e avaliar possíveis estratégias para os próximos períodos. Muitos alunos, têm notas baixas. Alguns por falta de interesse, outros por excesso de conversa, outros porque não entregam os trabalhos, mas há uma parcela que são aqueles que se diz que “têm dificuldade”. Mas o que seria ter dificuldade? Ao consultar o dicionário há diversas definições para o termo Dificuldade, dentre os significados pode-se destacar: O que impede a realização de alguma coisa; aquilo que estorva ou atrapalha o desenvolvimento de algo; impedimento ou obstáculo: preciso ultrapassar aquela dificuldade. Então, de acordo com a definição do dicionário dificuldade é o que impede a realização de algo, um dia de chuva, por exemplo, pode ser uma dificuldade para secar a roupa.

Em Filosofia Clínica quando uma pessoa relata sua historicidade e usa termos como: não posso; não consigo; não é possível; não dá; estou impedido e afins, está denunciando uma Armadilha Conceitual. Uma Armadilha Conceitual pode ser definida como algo que tem a capacidade de impedir, travar, bloquear o movimento existencial em determinada direção. Então, quando alguém diz que tem dificuldade, está dizendo que há algo que trava ou dificulta a caminhada em determinada direção. Quanto a um aluno de Ensino Médio do ensino regular, qual ou quais poderiam ser as dificuldades que ele teria para tirar boas notas? É importante ter em conta que não é possível que eu atribua uma Armadilha Conceitual ao outro, ou seja, não tenho como dizer que o outro tem dificuldade, somente ele pode fazê-lo.

As dificuldades que existem somente podem ser anunciadas pela pessoa que vive a dificuldade. Se um colega de trabalho demora para fazer um trabalho ou não está fazendo bem feito não se pode dizer que ele está com dificuldades, não consegue ou não tem capacidade. Isso porque o demorar ou não fazer bem feito pode ser a maneira como o colega de trabalho encontrou para protestar contra o seu gestor. O mesmo acontece com um aluno em sala de aula, tira notas baixas, mas qual será o real motivo para estas notas, onde estarão as dificuldades? Os que trabalham em sala de aula sabem que muitos alunos melhoram suas notas apenas quando recompensados pelos pais. Sabem também que alguns alunos somente estudam o que gostam. Outros ainda apenas tiram notas altas quando passam a gostar do professor.

Se alguém pode dizer que tem dificuldades para tirar boas notas é o próprio aluno, ele é quem pode dizer o que lhe impede ou torna mais árduo obter bons resultados. Esta é uma lição que dificilmente se vai aprender enquanto o outro for não for visto com um indivíduo. Ele não é um funcionário, não é um aluno, mas é o João, o José, o Marcos, a Rita, a Bruna, enfim, é uma pessoa que diz por si mesmo do que padece. A proposta que fica é de que aquele que percebe que o resultado está abaixo do esperado ou desejado que vá até a pessoa e converse com ela. Ao conversar mostre os resultados e veja o método que a pessoa está seguindo para chegar ao resultado. Em muitos casos o aluno não tem dificuldades, mas está estudando de maneira inadequada. O mesmo acontece com um funcionário que não segue o procedimento e faz sua atividade de forma incorreta. É ainda preciso estar atento, pois a “dificuldade” pode ser apenas uma forma de esconder o real problema. (http://www.dicio.com.br/dificuldade/, acesso: 10.10.2014)
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

terça-feira, 25 de novembro de 2014

ADULTO

Algumas pessoas deitaram-se aos dezessete anos e acordaram aos quarenta, cinquenta anos, olharam para si mesmas e não se reconheceram. Olham o espelho e não conseguem se identificar na mulher ou homem que se tornaram, olham a casa, os filhos e as responsabilidades e se entendem estranhas em meio a tudo isso. Olham para os filhos, sabem que são seus filhos, mas sentem-se incapazes de serem pais ou mães. Chegam ao trabalho, sobre a mesa repousa um crachá onde se lê “gerente”, mas não entendem como chegaram até a gerência! O estranhamento consigo mesmo se deu após uma visita na casa dos pais em que a mãe, uma senhorinha muito simpática anunciou à filha, já com seus quarenta e cinto anos: “Minha filha, quem diria que um dia você seria essa mulher forte, corajosa, mãe de dois filhos, gerente de uma empresa. Enfim, uma mulher adulta”.

Não foi intencional, mas a mãe colocou a filha diante do espelho, algo que até então ela não tinha feito. O interessante é que ao se ver, ela não se reconheceu como uma mulher com quarenta e cinco anos, mãe de dois filhos e gerente de uma empresa. O que ela vê dela mesma é aquela menina que terminou o ensino médio, a menina que recém começou o namoro, que queria ser advogada. O que aconteceu para que, ao ser colocada diante de si mesmo tivesse este estranhamento? Como que desde os dezessete até os quarenta e cinco anos não houve esse estranhamento? Ocorre que ao longo desses vinte e oito anos a menina apenas seguiu o curso das coisas. Pouco tempo depois de arrumar o namorado acabou por engravidar e o sonho de ser advogada foi abortado em detrimento ao filho que nasceu. Seu namoro com o que parecia ser o amor de sua vida durou o suficiente para ter mais um filho, exatamente dez anos.

Essa mulher de quarenta e cinco anos agora tem uma crise de identidade e idade, primeiro, porque ela não tem a idade que tem e depois porque não é quem a mãe descreveu. Diante desta crise vem parar na terapia, porque alguns dias depois de se reconhecer como uma menina de dezessete anos em um corpo de quarenta e cinco a mãe de dois filhos começa a se comportar como uma adolescente. Natural, o que ela reconhece dela mesma tem dezessete anos, mais nova que sua filha mais nova que tem dezoito. A filha estranha as novas roupas da mãe, principalmente o comportamento sexual da mãe, que agora namora um rapaz muito mais jovem, fez uma tatuagem de borboleta e agora fala gírias. Na vida profissional a situação fica interessante, ela volta a estudar, vai fazer direito, nada de estranho, vai retomar de onde parou. Mas e a vida adulta que ela tinha até dias atrás?

A grande dificuldade para esta mulher pode ser entrar num consenso entre a idade que ela voltou a ter, dezessete, e a idade que realmente tem, quarenta e cinco. Em Filosofia Clínica o que se faz para que esta pessoa consiga equacionar todos os elementos que entraram em movimento com os que já estavam em movimento chama-se atualização. A mãe de dois filhos pode buscar elementos da juventude dela que ela pode viver hoje, adaptando-os à realidade atual. Esta adaptação se faz necessária para que os elementos de sua adolescência possam compor com os elementos de sua vida adulta. A partir da história de vida desta mulher, o filósofo buscará os elementos da juventude e junto com ela irá adaptá-los a sua vida adulta. A questão não é deixar de viver aos quarenta coisas da juventude, mas de viver a juventude do jeito que é possível aos quarenta. Algumas pessoas não se tornam adultas, mas acordam um dia adultas e precisam equacionar o jovem que tem dentro de si com o adulto que precisam ser.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/



segunda-feira, 17 de novembro de 2014

APOSTA

Se você tivesse certeza de que iria perder, em qualquer tipo de jogo, apostaria? Uma aposta é o comportamento de colocar algo em jogo contra alguma ou algumas pessoas, na dependência de que algo aconteça. Quando esse algo acontecer tende a favorecer um dos apostadores em detrimento de outros. Assim, se você aposta cem reais que o resultado do jogo de seu time será de dois a zero contra o time do seu amigo, se o resultado for o que você previu, você é o ganhador e ele é o perdedor. No entanto, dificilmente alguém apostaria somente por apostar, provavelmente quem aposta espera ganhar. O problema do termo aposta é a falta de controle sobre os elementos pelos os quais se aposta, caso contrário, diz-se que o jogo está “viciado” ou que houve trapaça. Apostar é colocar-se diante de algo sobre o qual não se pode controlar e que pode ou não dar o resultado esperado.


Em alguns momentos da vida apostar pode ser necessário, como aquele jovem de vinte e poucos anos que recebe a proposta de se associar ao amigo e abrir uma pequena empresa. Um investimento pequeno de tempo e dinheiro. Ele pode ou não apostar no sucesso da ideia, mas tanto ele quanto o amigo controlam os fatores que determinam o sucesso ou o fracasso do negócio. Esse controle, ainda que seja precário, faz com que o que o rapaz fez não seja uma aposta, mas um investimento de risco. Por mais que ele tenha riscos, ele os conhece e pode se prevenir deles e inclusive sair do investimento quando lhe parecer oportuno. Numa aposta, depois de apostado, somente quando o resultado sair, até lá você está nas mãos da sorte.

Em outros departamentos da vida o investimento é diferente e apostar pode ser muito perigoso. Imagine que este mesmo jovem rapaz, que obteve sucesso em sua sociedade com o amigo, encontrou uma moça, uma menina desconhecida. Da mesma forma que fez em seu negócio, ele vai apostar no relacionamento com a moça, apostar ou investir? Assim como na sociedade com o amigo, o compromisso com o sucesso da organização deve ser mútuo, o negócio até pode fazer sucesso com o trabalho de apenas um, mas qual será o tamanho do investimento? No relacionamento que o rapaz tem com a moça não é muito diferente, tanto ele quanto ela estão investindo na relação. Pode dar certo com os investimentos de somente um dos dois, mas até quando será sustentável?

A diferença entre aposta e investimento é que na aposta existe algo que condiciona o ganho ou a perda. Além do que numa aposta somente um ou alguns ganham enquanto todos os outros perdem. Num investimento todos os envolvidos têm interesse no mesmo resultado, não há divisão entre ganhadores e perdedores. Outro elemento importante do investimento é que num investimento o resultado positivo faz de todos ganhadores. Retornando ao negócio e ao relacionamento do rapaz, se ele investir de forma responsável e com pessoas que queiram o mesmo que ele, suas chances de sucesso aumentam. Se, no entanto, ele investir com pessoas com ideias ou ideais diferentes das suas ou seus, o risco é grande de que ambos saiam perdendo.

Num negócio e num relacionamento cada um coloca algo não para perder ou ganhar, mas como forma de multiplicar. Se você coloca no seu investimento amor, carinho, sinceridade, tempo, dedicação e do outro lado a pessoa também investe elementos como amor, carinho, compreensão, as chances do investimento dar frutos são boas. Mas se há uma aposta, um coloca amor e o outro coloca segurança, ao fim do girar da roleta, quem ganhar leva os dois, o amor e a segurança.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

LÍDER DE DIREITO E LÍDER DE FATO

O termo Direito pode ser entendido de diversas formas. A definição mais comum pode ser encontrada na internet, citada como a palavra que deriva do latim directus que significa: “que segue regras pré-determinadas ou um dado preceito”. O Direito se divide em muitas áreas, e cada uma delas tenta ajustar as relações para que cada um cumpra o seu papel sem ferir ao outro. Em casos onde uma pessoa ou instituição vai além dos seus limites e acaba por ferir uma pessoa ou outra instituição, o Direito entra como mediador para reparar ou penalizar quem passou dos limites. O outro termo citado é Fato, o qual também tem muitas traduções e a depender do seu uso pode ser significado de modos diferentes. Fato é entendido como algo evidente, ou seja, que pode ser verificado na prática. Você está vivo, isto é Fato, pode ser verificado por saber que está lendo este artigo.

Depois de um bom tempo de pesquisa em Filosofia Clínica no ambiente organizacional, verifica-se que os líderes podem ser divididos em apenas dois tipos: os líderes de Direito e os líderes de Fato. Um líder de direito é aquele designado pela organização para desempenhar o papel de gestor de pessoas e processos em uma área específica da organização. A palavra direito quer dizer que cabe a ele organizar as pessoas de modo que cada uma cumpra o seu papel sem ferir o outro com quem trabalha. Um líder de direito é organizacionalmente instituído, recebe um salário diferenciado para exercer sua liderança, tem cor de uniforme diferente e crachá. O direito de liderar foi adquirido de acordo com os requisitos estabelecidos pela organização.

Diferente do líder de direito existem os líderes de fato, que são aqueles que naturalmente tomam o controle da situação e começam a gerir pessoas e processos. Este tipo de líder surge de diversas formas e por diversos motivos. O que se sabe é que eles têm a capacidade envolver as pessoas e direcioná-las criando nelas um espírito de coletividade. Diferente do líder de direito, o líder de fato não é organizacionalmente instituído, não recebe salário diferenciado, não tem cor de uniforme diferente, nem nome em crachá diferenciado. O fato de liderar foi conquistado de acordo com os requisitos necessários para agregar as pessoas em sua volta, requisitos estes que são diferentes para cada organização.

O melhor dos mundos é quando uma organização consegue ter um líder de Direito que também é líder de Fato. Um líder de fato é aquele que consegue impregnar nas pessoas que estão ao seu redor o seu estilo de vivenciar a organização. Assim, um líder de fato que tem como ponto forte a ligação com as pessoas, tende a formar uma equipe onde as pessoas são o ponto mais importante. Já um líder de fato que tem como ponto principal os resultados, formará uma equipe onde os resultados se sobrepõem ao restante das questões. A liderança exercida de fato é muito mais do que orientar as pessoas de acordo com os interesses da organização: trata-se da capacidade em fazer com que as pessoas que estão ao seu redor tenham o mesmo padrão de comportamento.

De forma grosseira um líder de fato consegue tracionar a Estrutura de Pensamento das pessoas com quem trabalha para que tenham, em linhas gerais, uma mesma estruturação. Essa estruturação formada a partir da Estrutura de Pensamento do líder em contato com as pessoas é o que chamamos de Estrutura de Pensamento Coletiva. Quando uma organização tem um líder de direito e as características do grupo abaixo desta liderança não correspondem ao seu “jeito de ser” é porque, provavelmente, existe um líder de fato que está direcionando as pessoas e formando a Estrutura de Pensamento do grupo.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

PARA COMPREENDER KANT

Kant escreveu em 1762: "Eu me veria a mim mesmo como mais inútil do que um simples trabalhador manual se não acreditasse que esta ocupação (a filosofia) pode acrescentar valor a todas as outras e ajudá-las a estabelecer os direitos da humanidade."

Homem de maturação lenta, aos trinta e oito anos ele descobria o que viria a ser a meta constante do resto da sua vida: "estabelecer os direitos da humanidade", demolir a autoridade da tradição e do hábito, criar a sociedade racional governada por um Estado racional educador de seres humanos racionais, prontos a agir sob o ditame de regras universais em vez de seguir seus instintos como os animais ou os padres como um camponês medieval.

Tudo o que ele fez desde o momento daquela declaração de princípios foi para servir a esse objetivo, ao qual mesmo os feitos filosóficos mais notáveis que ele realizou ao longo do caminho se subordinam como meios para um fim.

Ele acreditava que esse fim não somente era desejável, mas estava inscrito na própria evolução histórica da humanidade como uma meta final a que tudo tendia de maneira tortuosa e problemática, mas constante e irreversível. Quando Kant reconhece que os seres humanos podem falhar em atingir essa meta, ele deixa claro que nenhuma outra existe: assim, entre a sociedade racional kantiana e a barbárie," tertium non datur".

A obra filosófica de Kant, no seu conjunto e nas suas partes, se dirige invariavelmente à consecução de metas que afetarão toda a sociedade, toda a cultura, toda a política, a moral, a religião, o direito, a educação, as relações familiares, a vida humana, enfim, na sua totalidade.

Kant não foi, de maneira alguma, um pensador isolado, extramundano, desinteressado, envolvido em abstrações que só atraem um número insignificante de estudiosos especializados. Tanto quanto Platão, Lutero ou Karl Marx, ele foi um reformador da humanidade, um reformador do mundo. Foi isso o que ele quis ser, e foi isso o que ele se tornou. Nada do que ele escreveu e ensinou pode ser compreendido fora desse projeto grandioso – ou, se quiserem, megalômano.

O que pode encobrir essa realidade ao ponto de torná-la inapreensível são três fatores:

1 Na maior parte das suas obras, Kant faz uso de um vocabulário especial tão inusitado e de uma linguagem tão abstrusa, que parece empenhado antes em limitar o círculo dos seus leitores às dimensões de uma seita esotérica do que em influenciar o público maior.

2 Algumas partes especiais da sua filosofia são tão complexas, tão dificultosas e tão brilhantemente realizadas, que tendem a aparecer como monumentos isolados, remetendo a um discreto segundo plano os objetivos mais amplos a cujo serviço foram construídas.

3 Por isso mesmo, muitos estudiosos do kantismo, e entre eles alguns dos mais competentes, tenderam a descrever a estrutura do pensamento de Kant tomando esses monumentos como centros articuladores do conjunto, reduzindo tudo o mais à condição de opiniões periféricas ou mesmo a episódios de valor puramente histórico-biográfico.

Contra esses três fatores, resta o fato incontestável de que o próprio Kant proclamou repetidas vezes, até a extrema velhice, os mesmos objetivos gerais, constantes e finais que o inspiravam. Nenhuma interpretação engenhosa de uma filosofia deve obscurecer o modo como o próprio filósofo a compreendia.

É verdade que esses objetivos aparecem somente em escritos menores, e não nas “obras-primas” como a Crítica da Razão Pura, a Crítica da Razão Prática e a Crítica do Juízo, mas o fato de que Kant continuasse a reiterá-los longo tempo depois da publicação dessas obras mostra que ele jamais perdeu de vista as metas que desejava alcançar, e que nem muito menos se deslumbrou com seus sucessos parciais ao ponto de permitir que eles, por si só , tomassem o lugar da ambição maior.

Bem ao contrário, se ele concedeu uma longa e concentrada atenção a determinados problemas específicos, não foi porque tivesse se desviado dessa ambição, mas porque entendeu que esta não poderia ser realizada no mundo histórico-social sem que esses problemas fossem resolvidos antes.

Quando, no empenho de submeter o destino humano ao império da Razão, ele se dedica ao exame crítico desta última e de suas limitações em vez de exaltar acriticamente as virtudes da potência racional, Kant mostra apenas que é um guerreiro sério, que não entra em combate sem ter avaliado meticulosamente as possibilidades e limites do equipamento bélico que carrega. E, quando restringe o alcance da razão em vez de estendê-lo até o infinito, não faz senão concentrar as forças do seu exército em vez de dispersá-las.

É isso precisamente o que o seu contemporâneo Napoleão Bonaparte aprenderá a fazer no campo de batalha.

De todos os reformadores do mundo, Kant foi talvez o mais sutil e engenhoso. Evitando dirigir-se à massa popular, restringindo o seu público aos intelectuais "high brow", salvou-se de ataques grosseiros que nunca faltaram a Lutero e a Marx e se impôs ao mundo com uma aura de respeitabilidade inatacável, como uma divindade misteriosa e distante.

Sobretudo, o fato de tratar os seus ideais não como verdades dogmáticas e sim como fontes de problemas, contradições e dificuldades sem fim, permitiu que sua influência se alastrasse para muito além de grupos de aderentes explícitos e se espalhasse anonimamente por toda parte, até adquirir aquilo que Antonio Gramsci sonhava obter para o Partido Comunista: "o poder onipresente e invisível de um imperativo categórico".
Por: Olavo de Carvalho é jornalista, ensaísta e professor de Filosofia

terça-feira, 28 de outubro de 2014

VOCÊ SABE LER?

Se parassem você pela rua e lhe perguntassem se você sabe ler, qual seria sua resposta? Provavelmente, pela leitura que está fazendo neste momento, seria de que sim, sabe ler. Mas se perguntássemos se você entende os signos que forma o significado do que você lê? Agora já ficou um pouquinho mais complicado, mas acredito que muitos ainda diriam que sim. Essa afirmação encontra fundamento no fato de que, quando lê o texto você o compreende, ou seja, entender o significado do conteúdo do texto. Mas se perguntasse se você saber ler símbolos, ou seja, a junção entre vários signos que formam um significado de caráter convencional? Estudando filósofos como Ferdinand de Saussure e Charles Sander Peirce e outros nos pegamos com alguns problemas de ordem do entendimento da linguagem.

Quando você lê um livro, você se pergunta se entendeu o que o autor quis dizer? Interessante, esta é a mesma pergunta que as professores de interpretação de texto fazem muitas vezes aos seus alunos. O interessante é que depois que cada aluno expõe sua idéia sobre o que o autor quis dizer a professora corrige e classifica em certos e errados. Mas se eu perguntasse a você o que quero dizer com a frase: “Amo acordar e sentir o cheiro do orvalho pela manhã”. Não passou pela sua cabeça que quero dizer exatamente isto, “amo acordar e sentir o cheiro do orvalho pela manhã”. Se eu pedir a você que interprete o que disse, o que quiseres interpretar estará correto, pois solicitei que unisse o seu conteúdo ao que eu disse. Não teria como dizer que está errado o que pensou a respeito do que disse, uma vez que é interpretação sua. Quantos problemas seriam resolvidos se simplesmente levássemos ao pé da letra o que está escrito.

Se me colocar na posição de quem tem de interpretar o que o autor escreveu, meu filho disse, minha mulher pintou, o jardineiro construiu, estou construindo um mundo de significados. Se olhar para sua esposa e ouvir o que ela diz talvez você entenda que ela está cansada, que precisa de ajuda, que quer mais sua presença. Não é preciso interpretar as notas ruins de seu filho na escola, basta perguntá-lo e, provavelmente, ele lhe responderá. É dispensável interpretar o que seu chefe quis dizer quando falou que seu trabalho precisa melhorar, basta fazer o que exatamente foi dito, melhorar.

Retomo a pergunta que fiz no início, você saber ler? Se você está escutando o que não foi dito, vendo o que não foi mostrado, percebendo o que não foi insinuado, provavelmente sua leitura está muito ruim. A abertura dos ouvidos, olhos, nariz, boca, dos poros para ouvir o outro é uma atitude de leitura nobre. Colocar-se diante do livro e ver o que ele disse é uma postura de quem valoriza as páginas de quem escreveu para dizer e não para ser interpretado.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/





sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A AMBIÇÃO FILOSÓFICA

O que caracteriza e distingue a filosofia no meio de tantos outros empreendimentos humanos é a peculiar sofisticação, riqueza e precisão dos meios intelectuais que ela põe a serviço do seu projeto.


Não existe filosofia modesta. Toda filosofia é uma intervenção de longo prazo e larga escala no mundo dos acontecimentos humanos. Enquanto os decretos dos governantes passam e se desfazem em pó no esquecimento, as filosofias permanecem ativas e influentes decorridos séculos ou milênios do falecimento dos seus criadores, afetando ou modelando o curso das discussões científicas, morais, políticas e religiosas. Revelam, nisso, uma força auto-revigorante quase miraculosa. Milhares de biografias de Napoleão e Júlio César não trariam de volta os seus impérios, mas às vezes basta um debate erudito ou um ensaio de reinterpretação para que uma filosofia que parecia esquecida ressurja das cinzas e, adornada ou não do prefixo “neo”, venha interferir na vida contemporânea como se tivesse sido publicada ontem.

Não imaginem que esse fenômeno se deva somenteao zelo de admiradores e discípulos tardios que, à revelia e sem a mínima participação de seus mestres e inspiradores mortos, não deixam que a chama se apague. Ao contrário, foram esses mestres e inspiradores mesmos que, concebendo metas de longo prazo e colocando a serviço delas as mais complexas e poderosas estratégias cognitivas, deixaram aberta ou fomentaram conscientemente a possibilidade de sucessivos renascimentos.

Em algumas filosofias a meta ambicionada é tão evidente que não precisa nem ser declarada. Ninguém pode duvidar de que Sto. Agostinho, Sto. Tomás ou Pascal sonhavam apenas em expandir o domínio hegemônico da Igreja Católica e converter, se possível, a humanidade inteira. Isso transparece em cada linha que escreveram. Os três divergem somente nas estratégias intelectuais com que planejam realizar esse objetivo, as quais escapam ao assunto deste artigo.

Em outros casos – Marx, por exemplo, ou Nietzsche --, o objetivo é tão enfaticamente reiterado que basta citar esses nomes para que venha imediatamente à memória do público a imagem da utopia socialista ou a do Super-Homem que emerge soberanamente livre no deserto do nada após a destruição de todos os valores.

Porém mais interessante é o caso daqueles filósofos que sussurram seus objetivos tão discretamente, quase em segredo, que estes podem passar despercebidos ou ser negligenciados durante décadas ou séculos por estudiosos que nada mais vêem nas obras deles senão a poderosa arquitetura dos meios, chegando a tomá-la como se fosse o fim.

A mais mínima hesitação do filósofo em colocar a declaração de fins bem visível no pórtico ou no topo da sua filosofia pode levar a esse resultado. Porque os fins, em si mesmos, são por assim dizer anteriores à filosofia e, determinando-lhe a forma de conjunto, não são por ela afetados exceto no que diz respeito aos seus meios de realização. Os fins de uma filosofia não são exclusivos dela: podem ser compartilhados por uma multidão de não-filósofos que talvez nem tenham o vigor intelectual necessário para compreendê-la. O exemplo mais didático, nesse sentido, é o já citado de Agostinho, Tomás e Pascal. Eles queriam expandir o cristianismo? Sim. É esse o objetivo que norteia todo o seu esforço filosófico? Sim. Mas quantos homens não queriam o mesmo sem ser filósofos?

O que caracteriza e distingue a filosofia no meio de tantos outros empreendimentos humanos é a peculiar sofisticação, riqueza e precisão dos meios intelectuais que ela põe a serviço do seu projeto. Enquanto outros pregam os fins e tentam realizá-los na prática ou morrem por eles no campo de batalha, o filósofo se empenha em remover os mais árduos obstáculos cognitivos que se interpõem entre a humanidade presente e a consecução desses fins, erguendo novos arcabouços intelectuais que a viabilizem. Esses obstáculos podem consistir de crenças do senso comum, erros de percepção ou de raciocínio, doutrinas religiosas, científicas ou mesmo filosóficas equivocadas, símbolos inadequados ou mal interpretados que bloqueiam a imaginação, fraquezas da psique humana etc. etc.

Josiah Royce distinguia, com razão, entre o “espírito” de uma filosofia e a sua “realização técnica” – o ideal inspirador e a forma acabada da sua cristalização em obra filosófica. Tão ampla é a esfera dos problemas envolvidos na “realização técnica”, tão árdua a tarefa de resolvê-los, tão complexo o equipamento intelectual que tem de ser usado (e às vezes criado) na sua construção, e não raro tão dificultosa a sua absorção pelo leitor, que, se não advertido quanto aos fins e ideais subjacentes, este pode prolongar o exame da maquinaria indefinidamente até o ponto de tomá-la como se ela fosse a finalidade de si mesma. Sem contar, é claro, o prazer vaidoso que o pedantismo erudito pode extrair do destrinchamento interminável de miudezas técnicas, em que as questões fundamentais são adiadas para o dia de são nunca em nome de uma aparência de “rigor”. Para piorar as coisas, muitos elementos da “realização técnica” têm mesmo um valor autônomo, que permite integrá-los em outros projetos filosóficos alheios ou hostis aos fins originários a que serviram. Não é preciso ser tomista nem marxista para tirar proveito de parcelas inteiras do tomismo ou do marxismo.

É claro, no fim das contas, que o desvio de foco se comete menos facilmente com os filósofos que declararam abertamente os seus fins, ou com aqueles onde estes são auto-evidentes, do que com os tipos ambíguos e escorregadios que, por medo do escândalo ou por aversão a polêmicas, preferiram ser mais discretos ou obscuros.

Cometem-se menos desatinos por fuga do essencial na interpretação de Marx, de Sto. Tomás de Aquino ou de Pascal que na de Maquiavel, Kant ou Descartes.
Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

AS FILOSOFIAS E SUA ESTRUTURA

A estrutura de uma filosofia é o que ela tem de mais patente e de mais oculto ao mesmo tempo. Patente, porque está presente em todas as suas partes, mesmo as mais ínfimas e humildes, as quais nada são fora dela. Oculto, porque só está presente no fundo, como chave de travamento do conjunto, e jamais como parte ou tema explícito em qualquer das partes. O filósofo que tomasse como tema a estrutura da sua própria filosofia, para discorrer sobre ela, já a estaria, nesse mesmo momento, inserindo como parte numa estrutura maior.



Uma das conseqüências disso é que a estrutura jamais pode ser revelada por nenhuma “análise de texto”, por mais meticulosa e bem cuidadinha que seja, a qual só leva à estrutura da exposição, ou da obra escrita, cuja relação com a estrutura da filosofia propriamente dita é sempre variada e ambígua.

O método para apreender a estrutura de uma filosofia tem de partir dos seguintes princípios:

(1) Toda filosofia, por abstrata e desinteressada que pareça, é uma intervenção no curso dos negócios humanos. Visa sempre a modificar ou reforçar o estado de coisas na sociedade, na cultura, na ciência, na religião, nos costumes, ou mesmo na condição humana em sua totalidade,

(2) Para esse fim, ela procede a um exame em profundidade dos obstáculos, cognitivos ou de qualquer outra ordem, que impedem ou dificultam a sua consecução, tentando criar os meios intelectuais e práticos para removê-los.

(3) Sua estrutura, portanto, define-se como uma articulação de fins e meios: Qual a meta histórico-cultural proposta e qual a estratégia, a um tempo cognitiva e persuasiva, usada para legitimá-la e viabilizá-la?

Dito de outro modo, a estrutura de uma filosofia só se revela quando o discurso em que ela se expressa é examinado não como um puro sistema de idéias e doutrinas, mas como uma ação humana, a intervenção de um indivíduo intelectualmente privilegiado na vida dos seus semelhantes supostamente menos dotados que estejam dispostos a ouvi-lo.

Ora, o exame de um discurso como modalidade de ação humana é o campo especializado dos estudos retóricos, da arte da persuasão. Para apreender a estrutura de uma filosofia, a articulação dos seus fins com os seus meios, é preciso portanto examiná-la desde o ponto de vista retórico, considerando-a como esforço de persuasão destinado a produzir, através de modificações na esfera cognitiva, determinados efeitos na vida histórico-social ou até na vida humana em geral.

O que faz com que essa obviedade seja freqüentemente esquecida é que a exposição das idéias filosóficas se faz em geral por meio de um discurso lógico-dialético que despreza o apelo à persuasão retórica e pretende situar-se no campo da demonstração estrita, das certezas intelectuais imunes aos atrativos da oratória.

Acontece que esse discurso, enquanto tal, não é “a” filosofia, mas apenas o conjunto ou sistema de meios intelectuais pelos quais ela busca realizar os seus fins. Se o examinamos “em si mesmo”, sem subordiná-lo aos fins a que deve servir, perdemo-nos numa infinidade de “problemas filosóficos” ou acidentes de percurso, sem jamais atinar com a estrutura da filosofia em questão, a qual estrutura consiste precisamente na articulação dos fins com os meios.

No empenho de discernir essa estrutura, é portanto necessário compreender o discurso lógico-dialético como parte e instrumento de um esforço de persuasão, isto é, de um empreendimento que, visto no conjunto, não é e não pode ser senão de ordem retórica.

O método, portanto, para descobrir a estrutura de uma filosofia reside na análise retórica do seu discurso, discernindo nele os quatro elementos que nos tratados clássicos definem todo discurso retórico: a “situação” de discurso, isto é, o quadro histórico, social, cultural e psicológico onde ele emerge e no qual pretende intervir; o “juiz”, isto é, o público em especial a que se dirige e sobre o qual pretende influir; o “objetivo” ou meta, isto é, a modificação específica que pretende introduzir no quadro; e por fim o “discurso” mesmo, isto é, o conjunto de meios de argumentação, prova e persuasão colocados em ação para realizar esse fim.

Felizmente, o objetivo ou meta – o “para quê”, em última análise, o filósofo está fazendo o que faz – vem explicitamente declarado na maior parte das filosofias. Basta procurá-lo. A dificuldade reside em que nem sempre ele consta das partes consideradas mais importantes ou mais nobres da obra filosófica – às vezes só aparece em cartas pessoais ou trabalhos menores --, de modo que o estudioso, especialmente quando adestrado numa tradição de ensino que privilegia sobretudo a análise dos textos enquanto tais e se concentra por isso nos de maior prestígio, pode se perder num emaranhado de dificuldades de percurso e não chegar jamais a perguntar-se para onde, afinal, o filósofo o está levando com tudo isso. É assim que a mais requintada sofisticação dos meios de análise pode se tornar uma apurada técnica de não entender nada.

Embora eu não conheça nenhum caso em que o objetivo tenha permanecido totalmente oculto, o filósofo pode ter um bom motivo para mantê-lo discreto, quando o considera perigoso ou revolucionário demais para poder, sem escândalo, ser exibido em público nas partes mais nobres e vistosas da sua obra escrita. Neste caso é necessário procurá-lo em escritos menores e de ocasião, cuja importância estratégica no conjunto escapa à atenção do analista vulgar, deslumbrado ante o prestígio das “grandes obras”.

É esse, precisamente, o caso de Immanuel Kant, de Descartes e de Maquiavel.
Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.


terça-feira, 14 de outubro de 2014

COMO NÃO SER ESMAGADO PELA CRUZ DO DIA A DIA?

A vida do homem sobre a Terra é marcada por dificuldades. Com os cristãos não é diferente. A cruz do dia a dia parece, às vezes, ser muito pesada e, para não ser esmagado por ela, é preciso mudar a perspectiva em relação à própria vida. É preciso ter uma visão sobrenatural da própria existência.


Na vida espiritual não é incomum ocorrer uma certa ondulação, ou seja, alternar períodos de grandes consolações com períodos de aridez espiritual. O problema se dá quando as alterações são muito bruscas, elas denotam uma visão carnal da vida. É preciso, então, olhar para a própria vida com o olhar de Deus. Perceber, nas mais diferentes situações da vida, mesmo aquelas injustas, inesperadas, dolorosas, a ação de Deus ou uma oportunidade de oferecer o sofrimento a Ele.

A perspectiva da salvação das almas, da eternidade muda completamente o modo de avaliar os acontecimentos. Uma injustiça que esteja acontecendo pode ser encarada de duas maneiras por aqueles que possuem a visão transcendente: se existe solução, por meio da luta, a ação; mas, se não existe, a aceitação, a resignação, fazendo uma leitura espiritual, enxergando tudo a partir de Deus.

Viktor Frankl, médico psiquiatra judeu, fundador da Logoterapia, enxergou uma realidade que a Igreja Católica conhece há muitos séculos: quando uma pessoa é visitada pelo sofrimento e infere a ele um sentido, torna-se mais fácil suportá-lo.

Dar um sentido sobrenatural às situações adversas torna-as aceitáveis, pois retira delas o absurdo. É o que diz Santo Agostinho: "Deus onipotente, sendo sumamente bom, não deixaria mal algum em sua obra, se não fosse tão poderoso e bom que pudesse tirar até do mal o bem..."(conf. Enchir. 11,3).

Assim, de cada cruz que visita o homem advém uma ressurreição. Depende apenas do modo como percebemos as situações. O transcendente faz com que não se enxergue apenas o prejuízo de uma realidade adversa. Quando se olha para os fatos da vida sob a perspectiva divina, tudo se inverte, tudo muda e, assim, de vítima, o homem se torna vencedor, como experimentou São Paulo quando afirmou: "em Cristo somos mais que vencedores." (conf. Rm 8, 37)
Por: padre Paulo Ricardo

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

VALOR NÃO TEM PREÇO!

Quando você entra numa loja, pede por um produto e pergunta por aquilo que será cobrado, está falando em valor ou preço? Este é um tema aparentemente fácil de resolver, mas é preciso investigar um pouco melhor antes de atribuir juízos. Um filósofo que pode ajudar a pensar melhor sobre isso é Max Scheler, filósofo alemão que trabalhou com profundidade esta questão, criando inclusive uma tabela que define uma escala de valores. Para ele o valor é anterior ao objetvo, ou seja, a escala de valores é objetiva e independe do objeto em questão.


Quando você chega numa loja e pergunta pelo valor de um produto está cometendo um engano, pois quem atribui valor é você. Caso pergunte sobre o preço, essa sim é a maneira certa, pois quem atribui o preço é o dono do produto. O proprietário estabelece o preço de acordo com uma série de custos que ele tem para produzir e leva em conta ainda a lei da oferta e da procura. Para o proprietário não existe uma hierarquia de preços, cada produto terá uma margem de lucro, algumas maiores, outras menores. O valor é individual e geralmente se dá em escala, ou seja, a pessoa tem uma ligação com o produto, pessoa, conceito, havendo uma ligação entre pessoa e objeto em escala de importância.

A maneira como cada um elabora sua escala de importância depende de vários fatores, mas pode-se resumir dizendo que depende da história de vida da pessoa. Algumas pessoas aprenderam que tem valor aquilo que elas não têm. Para elas, tudo o que elas não tiverem será valorado. Há outras pessoas que aprenderam que tem valor o que os outros dizem que tem valor, assim a elas terá valor o que a televisão disser que tem valor, por exemplo. Há casos de pessoas que dão valor ao que a fé diz que tem valor, sendo assim, o que estiver fora dos conceitos da fé, não terá valor. Existem tantas formas de valorar quantos existem pessoas sobre a terra, nenhuma certa e nenhuma errada, cada uma com o seu jeito.

Há um mito, algumas vezes já relatado, mas não custa relembrar. Midas, rei grego, homem muito ganancioso, queria ser o homem mais rico do mundo. Em certa oportunidade Zeus, rei dos deuses gregos, perguntou-lhe porque não distribuía sua riqueza aos pobres. Midas, por sua vez, disse que se pudesse transformava tudo o que tocasse em ouro. Logo que chegou em casa pediu um banquete, mas não conseguia comer porque tudo o que tocava virava ouro. Enquanto jantava chegou sua filha. O rei a tocou e ela logo se tornou uma estátua de ouro. Esta é apenas uma das centenas de versões que existem.

Midas aprendeu a duras penas a diferença entre dinheiro e valor.. Há um tempo um amigo me contou uma história. Dizia ele que um amigo, muito rico tinha vários carros na garagem, mas os filhos não dirigiam nenhum deles. Não porque não soubessem dirigir, não tivessem carteira ou a permissão do pai, todos eles estavam livres para pegar qualquer um dos carros, mas mesmo assim não os dirigiam. Quando foram questionados sobre o motivo de tal comportamento, relataram que aqueles carros era o que, na vida, o pai mais dava valor. Nenhum deles sentia-se à vontade de dirigir uma coisa que não tinha preço.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Publicado no site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

FAÇA VOCÊ MESMO!

Por um acaso você corta seu próprio cabelo? Você consegue pintar perfeitamente a unha da mão direita com a mão esquerda? Você consegue coçar o meio das suas costas sozinho? Consegue roer a unha do próprio pé? Consegue fazer curativos nas próprias feridas? Em cada um destes casos, é necessário, ao menos para a maioria das pessoas, que alguém que lhe possa auxiliar para que ela possa realizar a atividade. Para a pessoa que coça as minhas costas, nada de mais, provavelmente ela estará atrás de mim e facilmente pode coçar. Para o barbeiro que corta o meu cabelo, simples, ele pode dar uma volta inteira ao redor de mim e ainda ver a minha cabeça de cima. Para outros casos acontece o mesmo: a pessoa que desempenha a atividade entende ser muito fácil o que está fazendo, mas para quem recebe parecia impossível fazê-lo sozinho.


Na vida, algumas pessoas, quando encontram problemas, pela posição em que se colocam na situação não conseguem localizá-lo exatamente. Pior ainda, algumas pessoas se colocam em uma posição de modo que o problema pareça inatingível, muito distante delas. Há também os casos nos quais o problema é muito forte e a pessoa entende que ela sozinha não tem capacidade de resolver. Existem ainda centenas de cenários diferentes para o posicionamento de uma pessoa frente a um problema. Mas, o que fazer quando o problema se apresenta de um modo que não tenho como resolver sozinho? Peço ajuda, ao menos seria o aconselhável, mas não é o que acontece em muitos casos.

O mais comum é ver por aí pessoas que estão pintando as próprias unhas, cortando os próprios cabelos, fechando as próprias feridas. Estas pessoas, ao fazerem isso se dão por autossuficientes, não precisam de outra pessoa para lhes ajudar, elas podem fazer sozinhas. Claro que sim, provavelmente um contorcionista existencial consiga coçar o meio de suas costas, mas seria muito mais fácil e certeiro se outra pessoa o fizesse. Esses autossuficientes agem como um velho desenho que eu costumava assistir quando criança, o “Ursulão”. O personagem era famoso por tentar fazer as coisas por ele mesmo, segundo ele, economizaria “quinhentas pratas”. Mas, invariavelmente, pela sua falta de habilidade, falta de conhecimento e muitas vezes de sorte mesmo, acabava fazendo uma enorme confusão e gastando muito mais do que deveria.

Muitas pessoas se apresentam pela vida apontando nossas fragilidades e a facilidade com que poderíamos resolver, mas nem todas saberiam como nos ajudar. É bem provável que qualquer um possa olhar minha cabeça em volta e de cima, mas nem todos sabem cortar o meu cabelo. Claro que ao barbeiro parece fácil, visto que ele se preparou para isso. O ideal é que eu procure o profissional adequado para que ele possa fazer o melhor por mim. Não é porque sou médico que me atenderei a mim mesmo, posso fazê-lo, mas não sei se terei clareza para realmente ver o diagnóstico.

Para sua casa, o seu carro, os seus dentes, você procura os profissionais competentes, e para ajudá-lo existencialmente? Você faz como o Ursulão, economiza quinhentas pratas fazendo por você mesmo o que os outros fariam, na maior parte das vezes, muito melhor? Nem sempre é fácil pagar, mas eu não confiaria meu carro a uma pessoa qualquer, nem a mim mesmo, prefiro um mecânico. Na vida também pode ser assim, quando eu não estiver bem, posso procurar alguém que me ajude a ficar melhor. Quando eu procuro ajuda não estou sendo fraco, mas estou sendo forte o suficiente para fazer algo por mim mesmo. Claro que isso é assim para algumas pessoas, para outras tantas é bobagem.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Publicado no site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

VERDADE OU CONSEQUÊNCIA

Verdade, aletheia, véritas, emunah. Todas estas palavras referem-se à correspondência entre o que foi dito e o que se apresenta. Na terapia, ao longo do tempo tenho me deparado com muitas verdades, ou seja, fatos apresentados pela pessoa que lhe são tão evidentes a ponto de não gerar dúvidas. Um dos casos que me chama atenção é quando uma pessoa relata que fica ao lado de alguém por não ter escolha, porque se entende responsável pelo outro. Uma pessoa que relata isso justifica dizendo que o outro precisa dele financeiramente, porque sozinho não saberia se virar, porque é frágil emocionalmente, cairia em depressão. Em cada uma das justificativas a verdade é clara: é preciso ficar porque o outro depende desta pessoa.


Numa das consultas ouvi uma história que há muito tempo não ouvia. A história conta de um caixeiro viajante, vendedor que ia de cidade em cidade vendendo produtos que comprava diretamente na fábrica. Havia numa vila um menino que tinha uma grande admiração pela profissão e sempre que o caixeiro passava na cidade ele queria ir junto. Quando tinha certa idade pediu aos pais e com o consentimento destes partiu com o caixeiro fazer vendas pelas cidades vizinhas. Numa determinada cidade o caixeiro viu uma família muito pobre que tinha uma vaca muito bonita e que dava muito leite. O caixeiro combinou com o menino: “Vamos pedir pouso aqui e durante a madrugada roubamos a vaca, o lucro de sua venda dividimos meio a meio”. O menino concordou e foi assim que o fizeram, acordaram de madrugada e levaram a vaca da família. Foram até uma cidade vizinha e a venderam, o dinheiro foi dividido tal como o caixeiro tinha dito, mas aquilo começou a incomodar o menino. Pensava ele: “Mas era a fonte de alimento e recurso da família, bebiam o leite, vendiam o queijo, como ficarão sem a vaca?” Quando o menino chegou novamente em casa decidiu não seguir novamente em viagem, guardou o dinheiro com o intuito de ir devolver, mas não conseguia ir.

Depois de muito tempo, quando atingiu a maioridade, agora homem, decidiu que não viveria mais com aquele peso. Pegou suas coisas, o dinheiro que entendia ser justo devolver pelo mal causado e partiu. Chegando ao local onde havia a pequena cabana viu uma casa grande, plantações, pomares. Vendo isso o remorso bateu forte. Mesmo assim tocou a campainha da casa para pedir informações sobre as pessoas que moravam na cabana que ali ficava. Foi recebido pelo dono. Perguntou sobre uma família que vivia numa cabana que ficava no mesmo local. O dono da grande casa lhe disse que ele mesmo morava ali, que eram muito pobres, tinham como único bem uma vaquinha. Certa noite, depois que um caixeiro viajante e seu ajudante passaram por ali a vaquinha fora roubada. Com isto ele pegou o pouco dinheiro que tinha e comprou algumas sementes, cultivou e assim começou a prosperar até chegar ao ponto atual. E disse ainda que era grato ao ladrão que o libertou da dependência daquela vaca.

Em muitos casos uma pessoa entende que não pode partir porque o outro depende dela, mas a verdade é que a sua permanência reforça a dependência. Em outras palavras, um marido que não termina o casamento porque a mulher depende dele a mantém dependente continuando ao seu lado. Uma mãe que vai ao apartamento do filho para fazer a limpeza porque o filho precisa pode estar criando dependência. O fato é que muitos não querem encarar a verdade de que são eles que tornam as pessoas próximas dependentes, ou seja, a sua verdade é na realidade uma consequência.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Publicado no site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

SER - HUMANO

Há em filosofia alguns termos ou formas de se abordar as relações. Tais termos foram trabalhados nos últimos artigos. O tema das relações está presente em nosso cotidiano, reforçado por determinadas notícias que se espalham pela televisão, internet e outros veículos de comunicação. Sendo assim, acredito ser pertinente, por exemplo, a notícia que apareceu numa terça-feira, dia 07 de fevereiro de 2012, referente à troca de casais que está ocorrendo num programa de televisão. Parece que aos poucos a relação entre uma pessoa e outra pessoa está se tornando uma relação entre uma pessoa e um objeto. É interessante observar que este comportamento não se vê só lá na televisão, também se vê no dia-a-dia, em casa, na escola, no trabalho, etc.


Nos artigos anteriores, talvez a linguagem usada, por se tratar de filosofia, tenha ficado um tanto inacessível. No presente artigo, usarei argumentações muito simples. Em Filosofia Clínica, há um termo chamado Interseção de Estruturas de Pensamento, ou seja, a relação que se dá entre dois seres vivos, a relação que se dá como troca. A Interseção de Estruturas de Pensamento supõe que eu entre em contato com o outro na medida em que ele entra em contato comigo, o outro pode ser uma pessoa ou mesmo meu animal de estimação. O outro na interseção é alguém que, como eu, contribui na relação e não é objeto dela. Uma interseção de EP, como é mais comumente conhecida, pode ser positiva, negativa, variável ou indefinida.

Desenvolver uma interseção, ou seja, amarrar laços com outra pessoa é se colocar e receber o outro num espaço de construção coletiva. Esse espaço normalmente não depende somente de uma das partes, mas das duas partes. Se, pela manhã você vai até a padaria comprar pães e é gentil com o vizinho que mora duas casas além da sua na direção da padaria, será que lhe será grosseiro? Ainda que ele o seja, a parte para a construção de uma interseção positiva partiu de você. Uma relação agradável na qual tanto eu quanto o outro estejam bem é uma interseção positiva.

Quanto você sai nervoso pela manhã, entra em seu carro e se transforma, fica grosseiro, mal educado, será recebido com gentileza? Neste exemplo, caso a interseção ocorra de maneira negativa, partiu de você. Este tipo de interseção se dá quando uma ou as duas partes não se sentem bem na relação.

Uma relação na qual você está com a pessoa e hora está bem, hora está mal, tanto para você quanto para ela, é uma interseção variável. E há ainda interseções que acontecem e que não se pode dizer se são positivas ou negativas, sendo caracterizadas provavelmente por indefinidas.

Mas veja, em todo o caso, as interseções se dão entre seres com vontade própria, com arbítrio sobre suas ações, pelo menos até certo ponto. Em se tratando de pessoas, não é você e nem ele o culpado, mas vocês. Mas, e numa relação com objetos inanimados, quem é o culpado quando o objeto estraga? Quem é o culpado pelo mal uso de um objeto? Diferente de uma interseção, onde você e o outro têm vida, numa relação em que você coloca o outro como algo separado, este outro se tornou objeto. Você, por si mesmo, pode se fazer objeto quando não entrar em interseção consigo mesmo como pessoa.

Ser: uma palavra que define movimento, indica o que cada um é agora, mas isto a partir de si mesmo e do outro. Uma interseção, ou seja, uma relação entre dois seres deve ser construída num espaço comum aos dois seres. Relacionar-se com coisas é se colocar acima delas, ter o poder de fazer nascer e morrer, talvez. O entendimento de que você não é objeto e o outro não é objeto deveria fazê-lo compreender que a sua vida está diretamente ligada a do outro, seja ele quem for.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site:

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

SER E APARECER

História de vida, o que é isto? Quanto você olha para o passado e o faz reviver faz com os olhos do presente, mesmo que tente fazê-lo a partir do ponto de vista que tinha no passado ainda assim ele é presente. Esse olhar sempre atual da própria história de vida precisa de certo treinamento, sendo que o primeiro deles é entender que a história de vida não é a pessoa, mas um registro daquilo que viveu, por onde esteve. Se ao longo da vida você por um acaso cometeu “erros” isso não quer dizer que você seja uma pessoa errada, mas uma pessoa que cometeu erros. O contrário também é válido, fazer coisas boas não torna ninguém uma pessoa boa, mas uma pessoa que faz coisas boas. As atitudes de cada pessoa não necessariamente refletem o que ela é, mas sim o que ela faz com aquilo que ela é.


Certa vez conheci um jovem senhor de 70 anos, uma pessoa que cuidava das crianças do bairro, encaminhava para o escotismo, circo, cinema, leitura, enfim, cultura. Por muito tempo me pareceu uma pessoa muito boa, uma pessoa com uma história que dizia que ele era um homem muito bom. Cresci e tive a oportunidade de conversar com este mesmo homem anos depois, já em faze terminal, disse a ele que ele era um homem bom, exemplo de pessoa. Sua resposta me deixou confuso na época, hoje entendo perfeitamente o que ele disse. Disse ele: “Não sou um homem bom, vivi minha vida para mim, fiz sempre o que quis, sou orgulhoso, mesquinho, arrogante, prepotente. Quando vocês eram pequenos eu via em vocês bichos do mato e me achava muito melhor, por isso mostrava um mundo “melhor” para vocês, queria poder dizer para mim mesmo que fui eu quem os salvou da ignorância. Dei-me o direto de achar que o que viviam na pequena vila deveria ser mudado, a começar pelas crianças, por isso me arroguei o direito de intervir. Eu me achava a melhor das pessoas, porque ninguém ao redor sabia o que eu sabia, tinha viajado o que eu tinha viajado, por isso não escutava, falava, dava conselhos”.

Passei anos discordando, entendendo que se ele fez coisas boas é porque era uma pessoa boa. No entanto, anos mais tarde, depois de muita filosofia percebi que, ele via em suas atitudes a intenção por detrás delas. Filosoficamente a questão fica bem complicada, pois será que interessa o mérito interior de uma boa ação? Os mais religiosos provavelmente dirão que sim, mas e a história de fé sem obras é morta, será o oposto também é verdade? Que obras sem fé também são mortas? Voltando ao caso citado, esse homem mostrou e, mesmo depois de seu falecimento, ainda mostra que as atitudes de uma pessoa não mostram quem ela é.

Por isso, quando olhar para a própria história, com suas escolhas, acertos e erros, é necessário perceber que suas atitudes não são você, mas o que você faz com o que você é. Aos que cometeram erros ao longo da vida e sentem-se julgados pelos outros, basta lembrar que estes outros têm suas histórias. Podemos não ter orgulho de algumas escolhas que fizemos, mas podemos nos orgulhar das escolhas que são feitas agora, neste momento.

Por isso, se sua história contém coisas das quais você não se orgulha, veja o que pode ser feito deste momento em diante para se orgulhar. Se sua atitude no casamento mostra uma pessoa que você não é, pode ser feito diferente. Há uma única coisa que não pode se feita: legar a responsabilidade ao outro pelo passado que tenho, pois mesmo quando outorgo ao outro a escrita da minha história sou responsável por ela. Meu amigo fez muitas cosias boas mesmo se achando mau, uma pessoa pode fazer muitas cosias más se achando boa.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: 


segunda-feira, 29 de setembro de 2014

AS PEQUENAS RAPOSAS QUE DESTROEM A VINHA

Na luta pela santidade, é preciso tomar cuidado com os pecados veniais, que entravam a união da alma com Deus e dispõem a alma para os pecados mais graves.


O apóstolo João escreve que “ omnis iniustitia peccatum est, et est peccatum non ad mortem – toda injustiça é pecado, mas existe pecado que não conduz à morte” [1]. Trata-se da conveniente distinção dos pecados quanto à sua gravidade. Não é verdade, como insinuam alguns intérpretes desautorizados das Escrituras, que todos os pecados são iguais. Algumas faltas extinguem imediatamente a chama da caridade, fazendo perder a bem-aventurança eterna; outras, no entanto, embora desordenadas, “conservam a ordenação para o último fim” [2]: assim, um pecado de adultério – está claro – é muito mais grave que uma palavra suja.

É preciso, no entanto, refrear o perigo de ter em pouca conta os pecados veniais, já que eles não só atrasam o nosso progresso na vida de santidade, como são sumas ofensas contra Deus.

Antes de explicar como o pecado venial não só impede nossa união como Deus, como dispõe nossa alma para a prática das faltas mais graves [3], é preciso lembrar a altíssima vocação para a qual fomos chamados e à qual, infelizmente, poucas vezes correspondemos devidamente: Nosso Senhor comprou-nos com o Seu sangue para que, pelo auxílio de Sua graça, nos tornássemos santos. A meta de muitos cristãos, levados pela onda de relaxamento de nossa época, tem beirado a mediocridade. Ao invés de buscarem a cada dia mais a presença de Deus, vivendo conforme a Sua vontade, muitos têm se conformado com a ideia de “reservar um lugar no purgatório”, esquecendo que o trabalho da salvação deve ser feito “ cum metu et tremore – com temor e com tremor” [4] e que Nosso Senhor pede de nós nada menos que a perfeição de vida: “Estote ergo vos perfecti, sicut Pater vester caelestis perfectus est – Sede, portanto, perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito” [5].

No caminho para a perfeição, não se chega ao cume do “Monte Carmelo” enquanto não se elimina o afeto às criaturas. É o que ensina São João da Cruz, quando diz que, “enquanto houver apego a alguma coisa, por mínima que seja, é escusado poder progredir a alma na perfeição. Pouco importa estar o pássaro amarrado por um fio grosso ou fino; desde que não se liberte, tão preso estará por um como por outro” [6].

Além disso, o apego aos pecados veniais não só entrava a subida da alma para Deus, como a prepara para os grandes pecados. É o que diz o Espírito Santo no livro do Eclesiástico: “ Qui spernit minima, paulatim defluit – Quem despreza as coisas pequenas, aos poucos cairá” [7], e o que Nosso Senhor indica quando afirma: “Qui fidelis est in minimo, et in maiori fidelis est; et, qui in modico iniquus est, et in maiori iniquus est – Quem é fiel nas pequenas coisas será fiel também nas grandes, e quem é injusto nas pequenas será injusto nas grandes” [8]. O livro dos Juízes narra o castigo que Deus aplicou aos filhos de Israel porque, ao invés de exterminarem os seus inimigos, fizeram aliança com alguns deles [9]. São João da Cruz, comentando essa passagem, preleciona que:

“Deus procede justamente assim com muitas almas. Tirou-as do mundo, matou os gigantes dos seus pecados, exterminou a multidão dos seus inimigos que são as ocasiões perigosas encontradas neste mundo, a fim de lhes facilitar o acesso à terra da Promissão da união divina. Mas, ao invés de responderem a tantos favores do Senhor, elas fazem amizade e aliança com a plebe das imperfeições, em lugar de exterminá-la sem piedade. À vista de tal ingratidão, Nosso Senhor se enfada, deixando-as cair nos seus apetites de mal a pior.” [10]
Chega a ser injurioso referir-se aos pecados veniais como “leves”, quando se tratam de ofensas a Deus. Interroga Santo Anselmo: “Quem terá a ousadia de dizer: isto é só um pecado venial, e, portanto, não é um grande mal? Se Deus é ofendido, como se poderá afirmar que isso é um pequeno mal?” [11]. Por isso, São Domingos Sávio repetia incessantemente: “Antes morrer do que pecar”, decretando guerra também contra os pecados veniais.

“Capite vulpes parvulas, quae demoliuntur vineas – Caçai as pequenas raposas que destroem a vinha” [12], diz o autor sagrado. “Estes pecados, que chamamos leves, não os tenhas por insignificantes”, exorta Santo Agostinho. “Se os tens por insignificantes quando os pesas, treme quando os contas. Muitos objetos leves fazem uma massa pesada; muitas gotas de água enchem um rio; muitos grãos fazem um monte” [13].

Por Equipe Christo Nihil Praeponere  Do site: padrepauloricardo.org