segunda-feira, 30 de março de 2015

QUAL A DIFERENÇA ENTRE CORPO, ALMA E ESPÍRITO?

No Novo Testamento a distinção entre corpo, alma e espírito aparece somente uma única vez. São Paulo assim diz na I Carta aos Tessalonicenses: “Que o próprio Deus da paz vos santifique inteiramente, e que todo o vosso ser - o espírito, alma e o corpo - seja guardado irrepreensível para a vinda do Senhor Jesus Cristo! (5,23). O Catecismo, por sua vez, explica essa passagem:


Por vezes ocorre que a alma aparece distinta do espírito. Assim, São Paulo ora para que nosso “ser inteiro, o espírito, a alma e o corpo”, seja guardado irrepreensível na Vinda do Senhor. A Igreja ensina que esta distinção não introduz uma dualidade na alma. “Espírito” significa que o homem está ordenado desde a sua criação para o seu fim sobrenatural, e que sua alma é capaz de ser elevada gratuitamente à comunhão com Deus. (367)

Atualmente existe uma tendência dos teólogos em dizer que o ser humano não possui alma, pois isto seria uma visão dualista, platônica e que não corresponderia ao pensamento bíblico, judeu. Nada mais equivocado.

No Antigo Testamento, durante muito tempo não se falou em “ressurreição dos corpos”. pelo contrário, cria-se que a pessoa vivia no “sheol”, eram “refrains”, cuja existência era sombria, até mesmo umbrátil.

Aos poucos, Deus foi revelando que aquelas “sombras” na verdade continuavam tendo personalidade e que os bons eram abençoados e os maus punidos. A ideia de que ao término de sua vida a pessoa era recompensada - embora ainda não se falasse em ressurreição - estava bem clara no Antigo Testamento como um segundo passo, já na época dos Profetas.

O terceiro passo começar a surgir. Após a morte, no fim dos tempos, o corpo e alma irão se unir e haverá a ressurreição dos mortos. Logo após vem o Novo Testamento.

Nosso Senhor Jesus Cristo diz ao Bom Ladrão na Cruz: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso”(Lc 23,3). Ora, o “hoje” a que Ele se refere só pode dizer respeito à alma do Bom Ladrão, pois o corpo, evidentemente, seria sepultado, assim como o corpo de Jesus também o foi.

No Novo Testamento quando uma pessoa morre existe uma punição eterna ou uma recompensa eterna e no final dos tempos haverá também a ressurreição dos mortos. É uma distinção clara entre o corpo e a alma.

O Catecismo ensina que o corpo e a alma são uma só natureza humana, não são duas naturezas que se unem, mas uma só realidade e, com a ruptura dessa realidade única chamada morte, algo terrível acontece, algo que não estava nos planos de Deus. Mesmo assim o homem é corpo e alma, material e espiritual respectivamente.

Por que, então, São Paulo fala de “corpo, alma e espírito”? Recordando que a Igreja ensina com toda clareza que não são duas almas, mas corpo e alma. Existe, contudo, na única alma humana, o lugar onde Deus habita. Trata-se do “espírito”, ou seja, uma realidade sobrenatural que existe nos homens.

Assim, aqueles que são filhos de Deus batizados - corpo e alma - pelo fato de serem templo de Deus, possuem um “lugar” onde Deus habita. É possível dizer também que o lugar onde Deus habita enquanto Espírito Santo é que o se chama de “espírito”.

A alma como um todo é responsável por diversas coisas: inteligência, vontade, fantasias, etc., mas nem tudo isso é o lugar onde Deus habita. Este é lugar mais profundo do homem, onde ele é ele mesmo de tal forma que não é mais ele e sim Deus. “Interior intimo meo”, como definiu Santo Agostinho.

O ser humano não foi abandonado a si mesmo, natureza pura. Dentro de sua natureza existe uma outra natureza, o sobrenatural, a presença de Deus. A natureza agraciada por Deus (nos pagãos é a graça de Cristo). Mas os batizados possuem uma consistênvia ainda maior, pois podem e devem reconhecer que são filhos de Deus, templos do Espírito Santo. 
Por: Padre Paulo Ricardo Do site: https://padrepauloricardo.org

segunda-feira, 23 de março de 2015

A PRUDÊNCIA

O mundo atual padece de uma grave epidemia: a falta de rumo. As pessoas, em geral, não têm ideia de qual é a sua finalidade última. A falta de direção atinge não somente as pessoas, mas a própria Igreja como um todo e isso tem uma causa muito clara: a imanentização do fim último do ser humano.

Parece ser algo muito difícil de se compreender, mas não é. Primeiro é preciso recordar que a finalidade da vida humana está na vida eterna, da mesma forma que a finalidade da história está na meta-história, a finalidade do mundo está fora dele e assim por diante [01]. Todavia, por causa da acusação marxista de que falar de vida eterna, de céu, inferno etc., é alienante, atualmente ninguém mais fala sobre esses temas, temendo justamente ser tachado de “alienado". A imanentização, portanto, é centrar-se no hoje, naquilo que pode ser experimentado. É o agora.

Ocorre que deixar de falar da finalidade última do homem destrói a vida espiritual como um todo e até mesmo as virtudes que se tenta ordenar tornam-se sem sentido por falta de direção. Por isso, é preciso potencializar justamente a virtude que permite a ordenação de todas as outras: a virtude da prudência.

Na linguagem comum, a palavra “prudência" significa uma espécie de cautela, esperteza… mas, na tradição da filosofia perene, de Santo Tomás de Aquino, é a virtude que dispõe os meios para se alcançar o fim. Ora, o ser humano em seu agir tem uma finalidade, uma direção, diferentemente dos animais, por exemplo, que quando amanhece, esperam pelo anoitecer e quando anoitece, pelo amanhecer e assim dia após dia. Eles não têm uma meta, não têm uma vocação. Mas o agir humano tem essa meta, tem sede de realização, isso é inegável e pode ser comprovado apenas com um olhar para dentro de si mesmo.

A partir disso, o homem passa a determinar os meios que precisará dar para alcançar o seu fim último, a sua realização. Ora, estando num ambiente de Igreja, por exemplo, em que ninguém mais fala do céu, da vida eterna, mas, ao contrário, conclamam para trabalhar e fazer uma “sociedade mais justa", “um mundo melhor" o que ocorre é que claramente mudou-se o fim. Nesse momento, todo o edifício mora e, toda espiritualidade caem por terra.

Jean Lauand, em sua obra “Prudência, a virtude da decisão certa", afirma que “para Tomás de Aquino, sem a prudência não há nenhuma virtude"[02]. Trata-se de uma afirmação bastante grave e o autor cita Tomás em outra frase não menos chocante, retirada do “Comentário às sentenças", quando diz que “sem a prudência, as demais virtudes quanto maiores fossem, mais danos causariam." Ora, se uma pessoa é casta, mas a finalidade de sua castidade não é o céu, essa pessoa simplesmente não é casta. A sua castidade não é virtude, é cosmético, boas maneiras, mas não virtude.

Diante disso é possível vislumbrar a tragédia que assola a Igreja Católica. O silêncio a respeito do céu, da vida eterna, do fim último está levando ao esvaziamento das virtudes. Na Suma Teológica, Santo Tomás responde à pergunta: “Pode haver prudência nos pecadores?"[03] dizendo:

A prudência pode ter três sentidos. Há, com efeito, uma prudência falsa, ou por semelhança. Com efeito, dado que o homem prudente é aquele que dispõe acertadamente o que deve ser feito em vista de um fim bom, todo aquele que dispõe, em vista de um fim mau, algumas coisas conformes a este fim, possui uma falsa prudência na medida em que toma como fim não um bem verdadeiro, mas uma semelhança de bem; (...)
A segunda prudência é verdadeira porque enconra os caminhos adequados ao fim verdadeiramente bom, mas é imperfeita por dois motivos. Primeiro, porque este bem que ela toma como fim não é fim comum de toda vida humana, mas de alguma coisa especial. (...) O segundo motivo, é que falta aqui o ato principal da prudência. É o caso daquele que delibera com acerto e julga exatamente, mesmo a respeito daquilo que concerne à vida inteira, mas não comanda eficazmente.

A terceira prudência, verdadeira e perfeita ao mesmo tempo, é aquela que delibera, julga e comanda retamente em vista do fim bom da vida toda.

Ora, a epidemia mencionada reside justamente na alta incidência de prudência imperfeita, pois as pessoas não escolhem realizar o fim último de suas vidas, que é a vida eterna. E, infelizmente, a prudência imperfeita, diz Santo Tomás, “é comum aos bons e aos maus, sobretudo aquela que é imperfeita em razão de seu fim particular".

O que se vê comumente é que as pessoas procuram a direção espiritual para resolver problemas próximos, imediatos e, sim, é possível resolvê-los topicamente, contudo, se não for ordenado o fim último (céu, santidade, servir a Deus etc.), as virtudes de que se dispõe de nada adiantam, pois não são verdadeiramente virtudes, conforme já visto.

Uma distinção importante acerca da prudência deve ser feita também, pois existe a prudência adquirida e a prudência infusa. Quem explica é o Padre Reginald Garrigou-Lagrange em sua obra “As três idades da vida interior", volume III, capítulo 8, quando diz que aquele que possui a prudência verdadeira escolhe o que em filosofia clássica de denomina fim honesto, em vez do fim útil que pode até ser bom, mas não é o verdadeiro. Já o fim honesto pode ser alcançado de duas maneiras: pela razão, quando então é chamada de prudência adquirida que é boa, necessária e deve ser cultivada; e pela fé, denominada prudência infusa, pois a revelação, a graça propicia ao homem enxergar melhor certas coisas.

O Pe. Garrigou-Lagrange ensina que promover o fim honesto racional é procurar viver a castidade, a humildade e a paciência, pois essas três ações colaboram para que atitudes prudentes sejam tomadas. De forma clara, significa usar a inteligência para colocar em ordem os apetites: concupiscível com a castidade, irascível com a paciência e a vontade com a humildade.

Mas isso só não basta: quando o homem conhece a caridade, a cruz de Cristo enxerga que há algo mais. Uma outra prudência nasce e diz que o seu fim último não é somente aquele que a razão alcança, mas um que foi revelado. A partir da caridade, a virtude da prudência passa a crescer de forma extraordinária, tal como a dos santos. E ela se torna princípio de ação, enquanto que a falsa prudência - epidêmica - faz com que as pessoas não decidam nada.

A prudência infusa é iluminada pela fé e faz com que o homem viva em sintonia com a caridade, com o amor de Cristo, levando-o cada vez mais a se doar, como os santos, de tal forma que, aos olhos humanos, certas atitudes podem ser tomadas até mesmo como imprudentes, mas no fundo são atos de verdadeira prudência, pois é como Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou: “quem quiser se salvar vai se perder, mas quem se perder por amor a mim, vai se salvar"[04]. Essa é a verdadeira prudência.
Referências
Direção Espiritual: Como descobrir a minha vocação?
LAUAND, Jean, “Prudência, a virtude da decisão certa - Santo Tomás de Aquino", Ed. Martins Fontes.
Suma Teológica, II-II, q. 47, a. 13
Mc 8, 35
Por: Padre Paulo Ricardo  Do site: https://padrepauloricardo.org

FILOSOFAR COMO OS ANTIGOS

O que é mais importante na filosofia? Infelizmente, muita gente acha que é decorar nomes, conceitos e períodos históricos. Não é.

Quando estava no primeiro ano de medicina, perguntei a um professor como um paciente terminal se via diante do nada. Ele me disse o seguinte: "O senhor está na aula errada, deveria estar na aula de filosofia".

Levei cinco anos para seguir seu conselho. Não por falta de coragem (desculpa mais fácil de dar, afinal trocar uma carreira de medicina pela de filosofia é uma loucura), porque sou passional no que faço e isso facilmente se assemelha à coragem. Gostava do conhecimento médico mesmo.

A filosofia para mim sempre foi mais da ordem da experiência do que da teoria. Absurdo, a priori, num mundo dominado pela Senhora Capes e sua alma de capitalismo chinês.

Devido a essa preferência pela experiência em detrimento da teoria, depois de fazer a experiência cética, nunca mais consegui viver sem respirá-la.

Estudar filosofia é mais parecido com a atividade de ruminar um texto (como faziam os monges no início do cristianismo e ainda o fazem), lendo-o atentamente e várias vezes, procurando nele "seu próprio texto", do que simplesmente defender um doutorado. A burocracia mata tudo, inclusive a filosofia.

Sim, sei que minhas palavras parecem românticas. Não o são se você conhecer filosofia antiga e a obra de Pierre Hadot. Na realidade, a "filosofia como arte de viver" (título de um dos seus livros) é coisa para quem tem repertório sólido, e não apenas conhecimento burocrático sobre autores, épocas e conceitos (apesar de que tudo isso é importante também).

"Antes formar os espíritos do que informar." Essa é a definição que Arnold I. Davidson dá para hipótese de Hadot sobre a filosofia antiga: a filosofia antiga era um exercício espiritual.

Davidson é professor de filosofia da religião e literatura comparada da Universidade de Chicago e parceiro de Pierre Hadot em suas pesquisas sobre filosofia antiga.

Ele faz o prefácio da edição dos "Exercícios Espirituais", de Pierre Hadot, recém-publicado pela É Realizações, essa editora que tem feito um trabalho belíssimo no Brasil, trazendo para nós títulos que são verdadeiras pérolas do pensamento clássico.

Segundo Hadot, muitas das contradições que encontramos em obras estoicas e epicuristas são fruto do fato de que seus autores não estavam preocupados em defender hipóteses meramente "claras e distintas" acerca de problemas teóricos, mas pensavam a filosofia como modo de enfrentamento da existência, por isso ele toma "existencial" como sinônimo de "espiritual".

Devo viver segundo as demandas da matéria ou existirão outras? Devo viver segundo os critérios do mundo ou cuidar para que ele não me iluda e, consequentemente, me frustre demasiadamente? Como responder a questões do tipo "Devo viver segundo o que penso e sinto ou devo levar em conta o que o grupo considera essencial"?

O silêncio é para os sábios. Falar demais na vida é sempre um sinal de vaidade e fraqueza? Como enfrentar o fato de que o mundo é o lugar da mentira? Vale a pena se dedicar aos vínculos afetivos ou não?

"Espiritual" aqui não significa apenas religioso mas intelectual, sensorial, imaginativo, afetivo e moral. É o termo que Hadot usa para reunir todas essas dimensões da condição humana.

Nesse sentido, a ética para ele não é apenas uma discussão sobre normas (ética exterior), mas também o combate interno (ética interior) entre o bem e o mal, a experiência dessa luta no silêncio da alma. O vai e vem entre a incerteza da decisão e a certeza da dúvida.

Filosofia como exercício espiritual é uma pedagogia para a sutileza. E a sutileza é um milagre num mundo em que a grosseria reina. Ar puro no mundo do ruído que é o nosso.

É nesse contexto que penso o ato de ensinar filosofia. E por isso, espero ajudar meus alunos a exercitarem seus espíritos e, assim, encontrarem "seu próprio texto".

E, com eles, rever o meu, para assim, quem sabe, talvez, "transfigurar o cotidiano", que, segundo Hadot, é a função suprema da filosofia.
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP.

segunda-feira, 16 de março de 2015

NOAM CHOMSKY: ESTAMOS À BEIRA DA TOTAL AUTO-DESTRUIÇÃO?


Existem mais processos de longo prazo apontando na direção, talvez não da destruição total, mas ao menos da destruição da capacidade de uma vida decente.


O que o futuro trará? Uma postura razoável seria tentar olhar para a espécie humana de fora. Então imagine que você é um extraterrestre observador que está tentando desvendar o que acontece aqui ou, se imagine como um historiador daqui a 100 anos - assumindo que existam historiadores em 100 anos, o que não é óbvio - e você está olhando para o que acontece. Veria algo impressionante.

Pela primeira vez na história da espécie humana, desenvolvemos claramente a capacidade de nos destruirmos. Isso é verdade desde 1945. Agora está finalmente sendo reconhecido que existem mais processos de longo-prazo como a destruição ambiental liderando na mesma direção, talvez não à destruição total, mas ao menos à destruição da capacidade de uma existência decente.

E existem outros perigos como pandemias, as quais estão relacionadas à globalização e interação. Então, existem processos em curso e instituições em vigor, como sistemas de armas nucleares, os quais podem levar à explosão ou talvez, extermínio, da existência organizada.

Como destruir o planeta sem tentar muito 

A pergunta é: O que as pessoas estão fazendo a respeito? Nada disso é segredo. Está tudo perfeitamente aberto. De fato, você tem que fazer um esforço para não enxergar. 

Houve uma gama de reações. Têm aqueles que estão tentando ao máximo fazer algo em relação à essas ameaças, e outros que estão agindo para aumentá-las. Se olhar para quem são, esse historiador futurista ou extraterrestre observador veriam algo estranho. As sociedades menos desenvolvidas, incluindo povos indígenas, ou seus remanescentes, sociedades tribais e as primeiras nações do Canadá, que estão tentando mitigar ou superar essas ameaças. Não estão falando sobre guerra nuclear, mas sim desastre ambiental, e estão realmente tentando fazer algo a respeito.

De fato, ao redor do mundo - Austrália, Índia, América do Sul - existem batalhas acontecendo, às vezes guerras. Na Índia, é uma guerra enorme sobre a destruição ambiental direta, com sociedades tribais tentando resistir às operações de extração de recursos que são extremamente prejudiciais localmente, mas também em suas consequências gerais. Em sociedades onde as populações indígenas têm influência, muitos tomam uma posição forte. O mais forte dos países em relação ao aquecimento global é a Bolívia, cuja maioria é indígena e requisitos constitucionais protegem os “direitos da natureza”.

O Equador, o qual também tem uma população indígena ampla, é o único exportador de petróleo que conheço onde o governo está procurando auxílio para ajudar a manter o petróleo no solo, ao invés de produzi-lo e exportá-lo - e no solo é onde deveria estar.

O presidente Venezuelano Hugo Chávez, que morreu recentemente e foi objeto de gozação, insulto e ódio ao redor do mundo ocidental, atendeu a uma sessão da Assembléia Geral da ONU a poucos anos atrás onde ele suscitou todo tipo de ridículo ao chamar George W. Bush de demônio. Ele também concedeu um discurso que foi interessante. Claro, Venezuela é uma grande produtora de petróleo. O petróleo é praticamente todo seu PIB. Naquele discurso, ele alertou dos perigos do sobreuso dos combustíveis fóssil e sugeriu aos países produtores e consumidores que se juntassem para tentar manejar formas de diminuir o uso desses combustíveis. Isso foi bem impressionante da parte de um produtor de petróleo. Você sabe, ele era parte índio, com passado indígena. Esse aspecto de suas ações na ONU nunca foi reportado, diferentemente das coisas engraçadas que fez.

Então, em um extremo têm-se os indígenas, sociedades tribais tentando amenizar a corrida ao desastre. No outro extremo, as sociedades mais ricas, poderosas na história da humanidade, como os EUA e o Canadá, que estão correndo em velocidade máxima para destruir o meio ambiente o mais rápido possível. Diferentemente do Equador e das sociedades indígenas ao redor do mundo, eles querem extrair cada gota de hidrocarbonetos do solo com toda velocidade possível.

Ambos partidos políticos, o presidente Obama, a mídia, e a imprensa internacional parecem estar olhando adiante com grande entusiasmo para o que eles chamam de “um século de independência energética” para os EUA. Independência energética é quase um conceito sem significado, mas botamos isso de lado. O que eles querem dizer é: teremos um século no qual maximizaremos o uso de combustíveis fóssil e contribuiremos para a destruição do planeta.

E esse é basicamente o caso em todo lugar. Evidentemente, quando se trata de desenvolvimento de energia alternativa, a Europa está fazendo alguma coisa. Enquanto isso, os EUA, o mais rico e poderoso país de toda a história do mundo, é a única nação dentre talvez 100 relevantes que não possui uma política nacional para a restrição do uso de combustíveis fóssil, e que nem ao menos mira na energia renovável. Não é por que a população não quer. Os americanos estão bem próximos da norma internacional com sua preocupação com o aquecimento global. Suas estruturas institucionais que bloqueiam a mudança. Os interesses comerciais não aceitam e são poderosos em determinar políticas, então temos um grande vão entre opinião e política em muitas questões, incluindo esta. Então, é isso que o historiador do futuro veria. Ele também pode ler os jornais científicos de hoje. Cada um que você abre tem uma predição mais horrível que a outra.

“O momento mais perigoso na história”

A outra questão é a guerra nuclear. É sabido por um bom tempo, que se tivesse que haver uma primeira tacada por uma super potência, mesmo sem retaliação, provavelmente destruiria a civilização somente por causa das consequências de um inverno-nuclear que se seguiria. Você pode ler sobre isso no Boletim de Cientistas Atômicos. É bem compreendido. Então o perigo sempre foi muito pior do que achávamos que fosse.

Acabamos de passar pelo 50o aniversário da Crise dos Mísseis Cubanos, a qual foi chamada de “o momento mais perigoso na história” pelo historiador Arthur Schlesinger, o conselheiro do presidente John F. Kennedy. E foi. Foi uma chamada bem próxima do fim, e não foi a única vez tampouco. De algumas formas, no entanto, o pior aspecto desses eventos é que a lições não foram aprendidas.

O que aconteceu na crise dos mísseis em outubro de 1962 foi petrificado para parecer que atos de coragem e reflexão eram abundantes. A verdade é que todo o episódio foi quase insano. Houve um ponto, enquanto a crise chegava em seu pico, que o Premier Soviético Nikita Khrushchev escreveu para Kennedy oferecendo resolver a questão com um anuncio publico de retirada dos mísseis russos de Cuba e dos mísseis americanos da Turquia. Na realidade, Kennedy nem sabia que os EUA possuíam mísseis na Turquia na época. Estavam sendo retirados de todo modo, porque estavam sendo substituídos por submarinos nucleares mais letais, e que eram invulneráveis.

Então essa era a proposta. Kennedy e seus conselheiros consideraram-na - e a rejeitaram. Na época, o próprio Kennedy estimava a possibilidade de uma guerra nuclear em um terço da metade. Então Kennedy estava disposto a aceitar um risco muito alto de destruição em massa afim de estabelecer o princípio de que nós - e somente nós - temos o direito de deter mísseis ofensivos além de nossas fronteiras, na realidade em qualquer lugar que quisermos, sem importar o risco aos outros - e a nós mesmos, se tudo sair do controle. Temos esse direito, mas ninguém mais o detém.

No entanto, Kennedy aceitou um acordo secreto para a retirada dos mísseis que os EUA já estavam retirando, somente se nunca fosse à publico. Khrushchev, em outras palavras, teve que retirar abertamente os mísseis russos enquanto os EUA secretamente retiraram seus obsoletos; isto é, Khrushchev teve que ser humilhado e Kennedy manteve sua pose de macho. Ele é altamente elogiado por isso: coragem e popularidade sob ameaça, e por aí vai. O horror de suas decisões não é nem mencionado - tente achar nos arquivos.

E para somar um pouco mais, poucos meses antes da crise estourar os EUA haviam mandado mísseis com ogivas nucleares para Okinawa. Eram mirados na China durante um período de grande tensão regional.

Bom, quem liga? Temos o direito de fazer o que quisermos em qualquer lugar do mundo. Essa foi uma lição daquela época, mas haviam outras por vir.

Dez anos depois disso, em 1973, o secretário de estado Henry Kissinger chamou um alerta vermelho nuclear. Era seu modo de avisar à Rússia para não interferir na constante guerra Israel-Árabes e, em particular, não interferir depois de terem informado aos israelenses que poderiam violar o cessar fogo que os EUA e a Rússia haviam concordado. Felizmente, nada aconteceu.

Dez anos depois, o presidente em vigor era Ronald Reagan. Assim que entrou na Casa Branca, ele e seus conselheiros fizeram com que a Força Aérea começasse a entrar no espaço aéreo Russo para tentar levantar informações sobre os sistemas de alerta russos, Operação Able Archer. Essencialmente, eram ataques falsos. Os Russos estavam incertos, alguns oficiais de alta patente acreditavam que seria o primeiro passo para um ataque real. Felizmente, eles não reagiram, mesmo sendo uma chamada estreita. E continua assim. 

O que pensar das crises nucleares Iraniana e Norte-Coreana

No momento, a questão nuclear está regularmente nas capas nos casos do Irã e da Coréia do Norte. Existem jeitos de lidar com essa crise contínua. Talvez não funcionasse, mas ao menos tentaria. No entanto, não estão nem sendo consideradas, nem reportadas.

Tome o caso do Irã, que é considerado no ocidente - não no mundo árabe, não na Ásia - a maior ameaça à paz mundial. É uma obsessão ocidental, e é interessante investigar as razões disso, mas deixarei isso de lado. Há um jeito de lidar com a suposta maior ameaça à paz mundial? Na realidade existem várias. Uma forma, bastante sensível, foi proposta alguns meses atrás em uma reunião dos países não alinhados em Teerã. De fato, estavam apenas reiterando uma proposta que esteve circulando por décadas, pressionada particularmente pelo Egito, e que foi aprovada pela Assembléia Geral da ONU.

A proposta é mover em direção ao estabelecimento de uma zona sem armas nucleares na região. Essa não seria a resposta para tudo, mas seria um grande passo à frente. E haviam modos de proceder. Sob o patrocínio da ONU, houve uma conferência internacional na Finlândia dezembro passado para tentar implementar planos nesta trajetória. O que aconteceu? Você não lerá sobre isso nos jornais pois não foi divulgado - somente em jornais especialistas.

No início de novembro, o Irã concordou em comparecer à reunião. Alguns dias depois Obama cancelou a reunião, dizendo que a hora não estava correta. O Parlamento Europeu divulgou uma declaração pedindo que continuasse, assim como os estados árabes. Nada resultou. Então moveremos em direção a sanções mais rígidas contra a população Iraniana - não prejudica o regime - e talvez guerra. Quem sabe o que irá acontecer?

No nordeste da Ásia, é a mesma coisa. A Coréia do Norte pode ser o país mais louco do mundo. É certamente um bom competidor para o título. Mas faz sentido tentar adivinhar o que se passa pela cabeça alheia quando estão agindo feito loucos. Por que se comportariam assim? Nos imagine na situação deles. Imagine o que significou na Guerra da Coréia anos dos 1950’s o seu país ser totalmente nivelado, tudo destruído por uma enorme super potência, a qual estava regozijando sobre o que estava fazendo. Imagine a marca que deixaria para trás.

Tenha em mente que a liderança Norte Coreana possivelmente leu os jornais públicos militares desta super potência na época explicando que, uma vez que todo o resto da Coréia do Norte foi destruído, a força aérea foi enviada para a Coréia do Norte para destruir suas represas, enormes represas que controlavam o fornecimento de água - um crime de guerra, pelo qual pessoas foram enforcadas em Nuremberg. E esses jornais oficiais falavam excitadamente sobre como foi maravilhoso ver a água se esvaindo, e os asiáticos correndo e tentando sobreviver. Os jornais exaltavam com algo que para os asiáticos fora horrores para além da imaginação. Significou a destruição de sua colheita de arroz, o que resultou em fome e morte. Quão maravilhoso! Não está na nossa memória, mas está na deles.

Voltemos ao presente. Há uma história recente interessante. Em 1993, Israel e Coréia do Norte se moviam em direção a um acordo no qual a Coréia do Norte pararia de enviar quaisquer mísseis ou tecnologia militar para o Oriente Médio e Israel reconheceria seu país. O presidente Clinton interveio e bloqueou. Pouco depois disso, em retaliação, a Coréia do Norte promoveu um teste de mísseis pequeno. Os EUA e a Coréia do Norte chegaram então a um acordo em 1994 que interrompeu seu trabalho nuclear e foi mais ou menos honrado pelos dois lados. Quando George W. Bush tomou posse, a Coréia do Norte tinha talvez uma arma nuclear e verificadamente não produzia mais.

Bush imediatamente lançou seu militarismo agressivo, ameaçando a Coréia do Norte - “machado do mal” e tudo isso - então a Coréia do Norte voltou a trabalhar com seu programa nuclear. Na época que Bush deixou a Casa Branca, tinham de 8 a 10 armas nucleares e um sistema de mísseis, outra grande conquista neoconservadora. No meio, outras coisas aconteceram. Em 2005, os EUA e a Coréia do Norte realmente chegaram a um acordo no qual a Coréia do Norte teria que terminar com todo seu desenvolvimento nuclear e de mísseis. Em troca, o ocidente, mas principalmente os EUA, forneceria um reator de água natural para suas necessidades medicinais e pararia com declarações agressivas. Eles então formariam um pacto de não agressão e caminhariam em direção ao conforto.

Era muito promissor, mas quase imediatamente Bush menosprezou. Retirou a oferta do reator de água natural e iniciou programas para compelir bancos a pararem de manejar qualquer transação Norte Coreana, até mesmo as legais. Os Norte Coreanos reagiram revivendo seu programa de armas nuclear. E esse é o modo que se segue.

É bem sabido. Pode-se ler na cultura americana principal. O que dizem é: é um regime bem louco, mas também segue uma política do olho por olho, dente por dente. Você faz um gesto hostil e responderemos com um gesto louco nosso. Você faz um gesto confortável e responderemos da mesma forma.

Ultimamente, por exemplo, existem exercícios militares Sul Coreanos-Americanos na península Coreana a qual, do ponto de vista do Norte, tem que parecer ameaçador. Pensaríamos que estão nos ameaçando se estivessem indo ao Canadá e mirando em nós. No curso disso, os mais avançados bombardeiros na história, Stealth B-2 e B-52, estão travando ataques de bombardeio nuclear simulados nas fronteiras da Coréia do Norte.

Isso, com certeza, reacende a chama do passado. Eles lembram daquele passado, então estão reagindo de uma forma agressiva e extrema. Bom, o que chega no ocidente derivado disso tudo é o quão loucos e horríveis os líderes Norte Coreanos são. Sim, eles são. Mas essa não é toda a história, e esse é o jeito que o mundo está indo.

Não é que não haja alternativas. As alternativas somente não estão sendo levadas em conta. Isso é perigoso. Então, se me perguntar como o mundo estará no futuro, saiba que não é uma boa imagem. A menos que as pessoas façam algo a respeito. Sempre podemos.
Tradução: Isabela Palhares
Fonte:http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Noam-Chomsky-estamos-a-beira-da-total-auto-destruicao-/6/32713

segunda-feira, 9 de março de 2015

A FONTE DA CRIAÇÃO

O pensamento e a literatura não se constroem na universidade, que se tornou, ao contrário, a institucionalização do mediano


Toda verdade que se espalha por muitos ouvidos logo se torna um lugar-comum, uma fórmula repetida mecanicamente, esvaziada da sua substância intuitiva originária. É ainda uma verdade “material”, mas não “formal”, diriam os escolásticos -- isto é, um conteúdo verdadeiro apreendido de maneira falsa.

O conhecimento da verdade, no seu sentido pleno, material e formal ao mesmo tempo, é um privilégio da consciência individual humana. Pode ser repassada de um indivíduo a outros, mas cada um tem de fazer por si mesmo o esforço de apreendê-la. Não existe verdade comunitária.

Todo professor confirma isso diariamente. Um aluno isolado pode compreender a explicação que escapa totalmente ao resto da classe, mas é impossível que a classe como um todo apreenda algo que nenhum dos seus membros entendeu individualmente.

A civilização inteira do Ocidente nasce com a proclamação dessa ideia: Abraão guarda no segredo da sua alma a instrução que recebeu de Deus. Moisés sobe sozinho ao Monte Sinai. Cristo no alto da cruz encarna a Verdade solitária, incompreensível aos que O rodeavam – até mesmo, em determinada medida, aos Seus discípulos mais próximos.

Em ciência, a colaboração entre vários pesquisadores prossegue no escuro até que um deles enxergue o que os outros não enxergaram.

Ninguém em volta compreende o que se passa na alma do artista quando ele transfigura a pedra informe na Pietà ou as palavras do dicionário na Divina Comédia.

No entanto, é certo que a consciência individual, para chegar a essas alturas, precisa da ajuda da comunidade, que a protege, a estimula e a nutre de conhecimentos até que ela possa alçar seu voo solitário. E mesmo então ela continua precisando do diálogo com outras consciências, nas quais se reconhece e das quais se distingue pouco a pouco na individualidade irredutível da sua solidão criadora.

A tensão entre a independência individual e a participação numa comunidade de inteligências afins é um dos traços mais constantes da História ocidental. Sócrates busca sua audiência entre os jovens da aristocracia ateniense, mas foge dela quando eles, na sua fragilidade de moços, repousam da filosofia, entregando-se a jogos e prazeres indignos de um filósofo.

Sto. Tomás adestra sua inteligência nas disputas universitárias, mas, quando obtém por fim as respostas mais altas que desejava, sabe que vai levá-las sozinho para a vida eterna, sem poder dizer mais uma palavra sequer. Goethe busca a perfeição do caráter na agitação do mundo, mas a do talento na solidão. 

O equilíbrio dinâmico esboroa-se, porém, quando a atividade intelectual e criativa se padroniza ao ponto de identificar-se com a participação numa determinada categoria profissional.

William Faulkner ou Henry Miller ririam se alguém lhes pedisse um currículo universitário ou uma carteira sindical de escritor. Hoje, nos EUA, a literatura, para não falar da filosofia, foi quase que integralmente absorvida pelas profissões universitárias correspondentes.

Por isso não há mais nenhum Henry Miller ou William Faulkner, apenas uma profusão de talentos médios ou sofríveis. Nenhum aprendizado universitário substituirá jamais a densa experiência da vida, as “impressões autênticas” de que falava Saul Bellow.

Por isso mesmo, o que há de mais vigoroso na literatura americana das últimas décadas vem de tipos marginais e extravagantes, como John Kennedy Toole ou Hubert Selby Junior. E Thomas Pynchon salvou seu talento ao escapar da carreira acadêmica a que tudo parecia destiná-lo.

Na França, o caso de Emil Cioran é exemplar. Talvez o mais poderoso artista da língua francesa na segunda metade do século XX, nasceu na Romênia e, ao fugir para Paris, evitou cuidadosamente não só meter-se ali em instituições acadêmicas, mas exorcizou toda identidade profissional concebível: durante décadas viveu espremido num sótão, comendo diariamente no restaurante da Aliança Francesa e renovando ilegalmente, até à velhice, uma bolsa de jovem estudante.

Justamente na época em que o governo Pompidou seduzia a intelectualidade inteira com cargos universitários, enquadrando até os rebeldes de 68 e estrangulando com um cordão de ouro o mais animado ambiente de debates que já existiu, ele se manteve ferozmente à margem de toda vida oficial, recusando até mesmo prêmios literários.

No Brasil, é notório que a crítica literária morreu ao ser absorvida pela universidade. Com ela, foi para o túmulo também a literatura de ficção. E décadas de empombadíssima filosofia universitária não nos deram um Mário Ferreira dos Santos, um Vilém Flusser, um Vicente Ferreira da Silva, um Miguel Reale, que nada deveram à universidade. O exemplo brasileiro ilustra com perfeição o aforisma de Nicolás Gomez Dávila: “Un diploma de dentista es respetable, pero uno de filósofo es grotesco.”

Sim, um escritor, um pensador, um artista precisa de companheiros, de diálogo. Mas nada substitui os encontros espontâneos, os círculos de convivência informal, a amizade fundada na comunidade de sonhos e valores, longe de todo enquadramento burocrático, de toda organização profissional. O tipo de convívio que não estrangula a individualidade no garrote vil dos regulamentos e dos planos de carreira, mas a preza e estimula.

Foi justamente nesses círculos que se formou a mais talentosa geração de escritores que o nosso país já produziu, aquela que ingressou na vida literária na década de 30 e dominou o panorama até os anos 70 do século XX. Tudo o que veio depois, trazido nos braços da universidade, é lixo em comparação.

Quando Bellow definiu a missão do escritor como o registro das “impressões autênticas”, e Martin Amis como “a luta contra o clichê”, disseram ambos a mesma coisa: só o apego irredutível à liberdade da consciência individual, contra todo compromisso deformante, liga um ser humano à fonte da experiência viva de onde nasce toda grande literatura, toda grande arte, todo grande pensamento.
Por: Olavo de carvalho Publicado no Diário do Comércio


quinta-feira, 5 de março de 2015

ALEMANHA E GRÉCIA: EXAME DAS CATEGORIAS

Falar de política e economia não é algo tão simples quanto parece, usualmente são pegos alguns dados que servem de base e sobre eles edificam-se as opiniões do articulista. A ideia não é construir uma opinião, mas como elas são construídas. Lendo há pouco um artigo escrito por Sérgio Aníbal com o título “Milagre econômico alemão teve ajuda de perdão de dívida” é possível ter uma ideia do que não se fala, a história. O artigo aponta o perdão de dois terços da dívida externa alemã, além da adequação das condições de pagamento à situação econômica vivida pela Alemanha. Os credores, EUA, Inglaterra e França, não só perdoaram, mas estruturaram condições de pagamento que condiziam com a situação do país. Depois disso o autor levanta a discussão entre dois outros autores, um que defende o perdão da dívida grega pela Alemanha e outro que é contra. A discussão entre os autores passa pelo valor já emprestado aos gregos, onde a soma é muito maior do que foi emprestado ou perdoado aos alemães. Outra análise que pode ser feita foi a intenção com a qual foi concedida à Alemanha essa benesse em 1953, também levantada pelo autor do artigo. Havia entre os países da troika a preocupação de não cometer o erro que os levou a uma Segunda Guerra Mundial.


O cenário atual da Grécia, aqui falo na Categoria Circunstância, é bem diferente. Em primeiro lugar o país não foi devastado por uma guerra levando consigo boa parte da mão de obra e dos parques fabris. O país tem a população economicamente ativa que mais trabalha na Europa, de acordo com pesquisas recentes, no entanto conta com a baixa produtividade por hora trabalhada. Essa é uma conta simples de fazer, trabalham muito e ganham pouco. No período em que a Alemanha estava endividada, dados da OCDE, os alemães trabalhavam em torno de 2156 horas anuais, contra as 2037 dos gregos nos dias atuais. Um cenário não muito diferente. Hoje, 2015, aqui falo na categoria tempo, a velocidade da economia é diferente. O dinheiro roda o mundo em poucas horas, um pouco diferente de 1953, assim a confiabilidade faz com que os recursos tanto entrem quando saiam mais rapidamente do país. Quanto a confiabilidade, falo da Categoria Relação, é algo imprescindível para que se tenha não só o perdão de uma dívida, mas a possibilidade de pagamento. Há também a questão de que a Alemanha, em 1953, era o “patinho feio” da Europa. A Grécia nos dias atuais conta com uma série de benefícios por fazer parte da Zona do Euro. Retomando ainda o artigo de Aníbal, onde ele diz que além do perdão de parte da dívida, a ajuda do Plano Marshall, a capacidade dos alemães de criar produtos com sucesso no mercado mundial fez com que conseguissem pagar a dívida antes do tempo estipulado. Mesmo com sua população economicamente ativa e o parque fabril em ordem a Grécia não tem produtos que possam chamar a atenção. Nisso a relação com os países credores fica negativa, pois não há perspectiva. No que diz respeito ao espaço físico ocupado pelos gregos, falo da categoria lugar, além de não haver expressividade no que diz respeito a recursos minerais a posição geográfica também não ajuda. A Grécia está muito mais próxima do Oriente do que do Ocidente e seus vizinhos ocidentais são ex-soviéticos também procurando seu lugar ao sol. Um pouco diferente da Alemanha, mesmo sendo um país com poucos recursos minerais está entre grandes produtores. Sua posição geográfica é privilegiada, próxima a polos de desenvolvimento e tecnologia.

Agora, depois de ter visto de forma resumida um exame categorial da situação grega, pode-se voltar ao assunto da dívida, para os filósofos clínicos Assunto Imediato. A dívida grega em si é o que traz a discussão, não é o Assunto Último, ou seja, o que realmente precisa ser resolvido. O Assunto Último em torno da dívida grega pode ser o real interesse que existe na permanência de um país com tais características na Zona do Euro. É, de fato, interessante ao grupo de países continuar mantendo uma relação de fraternidade com a Grécia? Aparentemente não. Deixar que os gregos sigam o seu caminho, tentem uma revolução socialista, indo contra os princípios do capitalismo é uma das formas de encaminhar a saída do país deste grupo. Pode ser que não seja essa a questão, pode ser que estejam considerando a abertura de um precedente, pois ao perdoar os gregos estariam considerando a hipótese de perdoar outros países do grupo. Pode não ser isso também, pode ser o fato de que ao perdoar a dívida dos gregos os alemães estejam assumindo que alguns de seus bancos venham a falir e recuperar banco com dinheiro público alemão não é uma opção. Pode não ser também, pode ser que a postura da própria população em apostar num modelo de governo que vai contra o modelo vigente europeu não deva ser apoiada. Enfim, podem ser tantas coisas, existem tantos fatores, que uma análise histórica e atual com dados parciais conduza a muitos possíveis motivos, mas com um único resultado atual, a dívida não foi perdoada.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

terça-feira, 3 de março de 2015

O QUE FAZER COM A INVEJA?

Todo homem possui dentro de si um apetite sensível que o faz desejar coisas agradáveis que não possui. Este apetite em si mesmo não é prejudicial nem pode ser considerado pecado. O problema surge quando o desejo saudável passa a ser “avidez”, pois ela remete ao pecado da inveja. O décimo mandamento: “não cobiçar as coisas alheias”, trata justamente dessa desordem do querer.


A inveja é a tristeza de ver o outro feliz, de ver o outro agraciado. E a tristeza também é um pecado, pois, onde existe tristeza, existe um deus morto. Diz o Catecismo da Igreja Católica que:

A inveja é um vício capital. Designa a tristeza sentida diante do bem do outro e do desejo imoderado de sua apropriação, mesmo indevida. Quando deseja um mal grave ao próximo, é um pecado mortal: “Santo Agostinho via na inveja o pecado diabólico por excelência. Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pela desgraça do próximo e o desprazer causado pela sua prosperidade.” (São Gregório Magno)” (CIC 2539)

Com a inveja evidencia-se ainda um outro pecado: o da idolatria, pois o invejoso coloca-se no lugar de Deus e quer que o verdadeiro Deus esteja sujeito às suas veleidades. É por isso que enxergar em tudo a mão divina, em tudo o sustento da mão poderosa do Senhor e agradecer por isso é a melhor maneira de curar-se desse mal.

O homem moderno acredita que a justiça de Deus significa que todos devem ser iguais, o que não é verdade. Deus distribui seus dons de modo que uns precisem dos outros sempre. Para a luta contra a tristeza, contra a inveja e contra a idolatria a melhor arma é a ação de graças.

“Quereríeis ver Deus glorificado por vós? Pois bem, alegrai-vos com os progressos de vosso irmão e imediatamente Deus será glorificado por vós. Deus será louvado, dirão, porque seu servo soube vencer a inveja, colocando sua alegria no mérito dos outros.” (São João Crisóstomo)

Portanto, agradecer a Deus sempre e por todas as coisas é sair do estado de esquecimento produzido pela inveja. É ter em mente que nada é merecido, que Deus não é devedor de absolutamente nada, mas que cada um é AGRACIADO por Ele, que é o Sumo Bem e a Suma Bondade.
Por: Padre Paulo Ricardo Do site: https://padrepauloricardo.org

segunda-feira, 2 de março de 2015

A AVE E O OVO

A filosofia, enfim, só aparece quando cumpridas determinadas condições culturais, tanto na sociedade em geral quanto na mente do filósofo individual.


Volta e meia reaparece, em jornais e blogs, a idéia de “ensinar filosofia às crianças”. Não é coincidência que isso aconteça justamente num país sem filósofos em número suficiente para preencher uma página da lista telefônica e com crianças em quantidade bastante para lotar várias nações da Europa. A proposta baseia-se na radical incompreensão do que seja filosofia e na ânsia desmedida de tirar proveito da mais dócil, indefesa e numerosa massa de manobra que um demagogo poderia desejar. 

O argumento-padrão é que meninos e meninas raciocinam sobre “problemas filosóficos” desde a mais tenra infância, perguntando, por exemplo, se o mundo é real ou apenas um sonho, se as coisas cessam de existir quando fechamos os olhos, se existe apenas um universo ou vários, o que nos acontece depois que morremos ou onde elas próprias estavam antes de haver nascido.

Eu mesmo, rotulando-me ironicamente “filósofo mirim”, registrei algumas peripécias cognitivas em que me envolvi aos cinco ou seis anos de idade (http://www.olavodecarvalho.org/blog/), mostrando que dali se originaram certas questões das quais vim a tratar mais tarde nos meus livros e cursos.

Evidentemente não fui o primeiro a relatar acontecimentos desse tipo. Ocorrem-me, no momento, a Histoire de Mes Pensées de Alain, o Éssai d’Autobiographie Spirituelle de Nicolai Berdiaeff e a Anamnesis de Eric Voegelin. Nem menciono, por óbvias demais, as Confissões de Sto. Agostinho e de Rousseau.

Mas em todos esses exemplos, seja encontrados na vida real ou na literatura, uma obviedade deveria ter logo saltado à vista do observador sensato. Se essas perguntas ocorrem às crianças espontaneamente e sem qualquer estímulo cultural patente, elas são simplesmente naturais e universais. Expressam a curiosidade humana na sua forma mais direta e primitiva, tal como aparece em todas as épocas, lugares e culturas. Sem essa curiosidade, certamente, a filosofia não existiria. No entanto, se ela bastasse, já não digo para constituir uma filosofia, mas para deslanchar o processo da especulação filosófica como atividade culta, esta seria também natural e universal em vez de ter surgido historicamente numa data bem tardia, num local bem determinado e numa moldura demográfica das mais modestas. Muito menos teria essa atividade levado um milênio para se expandir para o Oriente Médio, e dois para o restante do planeta.

Deve, portanto, existir uma diferença profunda e insanável entre a filosofia e as interrogações espontâneas que ocorrem a adultos e crianças em toda parte, simulando “questões filosóficas”. Essa diferença é a seguinte: a filosofia, quando surge na Grécia e tal como se desenvolve até hoje, não consiste em simplesmente pensar sobre essas questões, mas em refletir metodicamente sobre o conjunto das respostas existentes, surgidas da especulação espontânea, das tradições e mitos religiosos, das obras literárias ou de qualquer outra fonte publicamente conhecida. Foi por isso que Julián Marías disse que a fórmula esquemática de toda e qualquer afirmação filosófica não é simplesmente “A é C”, mas “A não é B e sim C”, e Benedetto Croce ensinou que para compreender uma filosofia é preciso saber a quê ela se opõe.

Para que o filósofo reflita sobre as respostas correntes, é preciso que elas existam e que ele as conheça. Três requisitos são necessários para que essas condições se cumpram: (1) é preciso que as crenças básicas da comunidade tenham evoluído até poder expressar-se em fórmulas verbais estáveis, conhecidas por toda a população adulta; (b) é preciso que essas fórmulas tenham se tornado problemáticas, entrando em choque umas com as outras ou com a realidade da experiência, para que possa surgir a simples idéia de fazer delas o objeto de uma reflexão organizada; (3) é preciso que o filósofo as tenha estudado bem, isto é, domine em máxima medida possível a cultura do seu tempo e da sua sociedade, de modo a poder introduzir na discussão um upgrade diferencial e decisivo: a análise filosófica.

Aristóteles, é claro, diria que a diferença específica entre a filosofia e as especulações espontâneas de crianças e adultos não está na matéria ou assunto de que tratam, mas na forma da análise filosófica, que se distingue daquelas mais ou menos no mesmo sentido em que a ciência da zoologia se distingue de uma visita ao jardim zoológico. Aliás foi o próprio Aristóteles quem criou o primeiro jardim zoológico, e com certeza não confundia a curiosidade dos visitantes com as investigações zoológicas que ele e seus estudantes empreendiam com base no mesmo material ali observado.

A filosofia, enfim, só aparece quando cumpridas determinadas condições culturais, tanto na sociedade em geral quanto na mente do filósofo individual. A primeira tem de estar madura para aceitar uma discussão sobre suas crenças mais queridas, a segunda tem de haver adquirido conhecimentos suficientes para que sua voz reflita a das correntes culturais existentes e não somente suas impressões pessoais isoladas.

Por isso foi que Hegel afirmou: “A ave de Minerva só levanta vôo ao entardecer.”

Pessoas com uma cultura filosófica e histórica deficiente ou nula podem-se deixar confundir pela semelhança material entre a pergunta de uma criança e a questão filosófica formulada por um pensador maduro, mas a diferença entre elas é grande ao ponto de que a primeira diz algo por si mesma, podendo reaparecer idêntica em milhares de cérebros infantis (ou mesmo adultos), ao passo que a segunda nada significa fora da “ordem das razões”, o lugar preciso que ocupa no esquema total do pensamento daquele filósofo em particular.

Nesse sentido, todo estudante de filosofia tem a obrigação de saber que não existem propriamente “questões filosóficas”, mas questões que, sob certas circunstâncias muito complexas, emergem do terreno geral da curiosidade humana e, graças a um tratamento muito especial que recebem, se tornam questões filosóficas.

Por isso mesmo eu disse não ser coincidência que a idéia besta da “filosofia para crianças”, malgrado toda a óbvia dificuldade prática de realizá-la (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/granel.htm e http://www.olavodecarvalho.org/semana/rhabito.htm), ressurja de novo e de novo, como uma obsessão incurável, num país que tem pouquíssimos filósofos, mesmo ruins, e onde os bons se contam nos dedos das mãos. A proposta invariavelmente vem de pessoas cujas realizações no campo da filosofia são inexistentes, cujos conhecimentos filosóficos não chegam ao nível dos de um estudante secundarista na França ou nos EUA e cuja cultura geral não permite sequer participar utilmente de discussões jornalísticas, quanto mais filosóficas. Jogam um ovo para o ar e acreditam que é o vôo da ave de Minerva.
Por: Olavo de carvalho  Publicado no Diário do Comércio. http://olavodecarvalho.org