terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

UMA NOVA CIÊNCIA MORAL

Imagine um livro chamado "Tipologia do Canalha: Como Identificar o Seu". Puro best-seller!


Ouvi uma dessas mulheres livres, dona de seu nariz e de seu corpo, dizer: "Que falta que faz um canalha!".

Recentemente, um grande especialista e prático da alma humana, um terapeuta, me dizia se escandalizar com o fato de que mulheres inteligentes e emancipadas falam em consultórios de psicanalistas que querem que os homens as chamem de cachorras e as tratem como vagabundas na cama.

Como se escandalizar com o óbvio? Quem foi que disse que as mulheres não gostam de se sentirem vagabundas no sexo? Só quem, mui catolicamente, imaginou que querer ser tratada como vagabunda no sexo fosse fruto de opressão machista. Risadas?

O que é um canalha? Refiro-me ao conceito de canalha. Um kantiano diria "o canalha em si".

Claro, kantianos são pessoas que pensam que o mundo é o que eles pensam que é; no fundo, o kantiano é um puritano da razão aos olhos de qualquer cético. Sua "crítica da razão prática" nada mais é do que um canto monótono semelhante aos cantos das igrejas calvinistas.

Qualquer um sabe que canalhas evoluem historicamente, como tudo mais. O grande personagem Palhares, do Nelson Rodrigues, esse filósofo brasileiro, é um tipo de canalha que não existe mais: o canalha romântico e sincero (que faz falta), apesar de que ele já identificara a necessidade de o canalha evoluir. Diriam os especialistas que Palhares tinha um claro "senso histórico".

Palhares mordeu o pescoço da cunhada caçula no corredor. E cunhadas gostosas são o segredo de um bom casamento. Palhares dizia que um canalha em sua época, os anos 1960, deveria evoluir para continuar a ser um bom canalha.

No caso dele, isso significava assimilar os avanços da psicologia, levando suas vítimas para terapias de nudez e também para reuniões do Partido Comunista. Um canalha, afinal, deveria estar em dia com a sua época.

Importantíssimo, no entendimento de nosso querido Palhares, seria um canalha entender que ser católico não ajudava mais ninguém a pegar mulher porque assustaria a presa. A sinceridade do Palhares estava no fato de ele se reconhecer canalha por vontade própria.

Hoje em dia, o canalha "avançou" muito. Ele identifica "causas externas" para sua condição de canalha, ou, melhor ainda, não reconhece sua condição de canalha; julga-se apenas um homem cumprindo seu "papel social".

Imagine um livro chamado "Tipologia do Canalha: Como Identificar o Seu". Puro best-seller!

Por exemplo, o livro descreveria o canalha institucional, que é o canalha que faz suas baixarias dizendo que é em nome do coletivo. Normalmente, adora a hierarquia e a burocracia.

É o tipo que, segundo o psicólogo americano Philip Zimbardo, autor do excepcional livro "O Efeito Lúcifer" (Record), se adaptaria bem às condições de horror em sistemas totalitários com justificativa institucional. Sentiria que o horror que causa é simplesmente fruto de respeito à burocracia.

Existem também os canalhas sociais. Estes são aqueles que justificam seus atos via condições sociais em que vivem, dizendo coisas como "a escola em que estudei fez de mim um canalha, por mim seria diferente".

Conhecemos também os canalhas democráticos. Estes são aqueles que justificam seus atos porque combatem em defesa do povo. Este tipo é aquele que, por exemplo, sustenta a corrupção do Estado dizendo que está lutando pela justiça social.

Primo de primeiro grau deste último é o canalha militante, este tipo que agrediu a blogueira cubana Yoani Sánchez, acusando-a de ser paga pela CIA. A marca deste é jamais ouvir nada que discorde de sua religião.

Há também o canalha científico. Este afirma que as neurociências provaram que ser canalha é função de certa área do cérebro, resultado de herança evolucionária e genética.

Um tipo especialmente "fofo" é o canalha livre. Suspeito ser este o mais avançado de todos.

Quando indagados acerca de seu comportamento, afirmam que agem do modo que agem porque sempre foram uma minoria oprimida e agora podem exercer sua canalhice livremente. A frase lapidar deste tipo de canalha é: "Todos têm direito de ser o que são; eu tenho o direito de ser canalha". Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

domingo, 24 de fevereiro de 2013

SANTOS E PECADORES

“Todo homem vale mais que seu erro”. Li esta frase e pensei em escrever sobre os errantes, mas não com aquele olhar que enaltece o homem que erra na tentativa de descobrir algo ou acertar. Também não pretendo analisar crimes ou outros atos bestiais.

Quero falar do outro lado do erro, daquelas pessoas que sem qualificação nem designação para a função, colocam-se no lugar de juízes, criticam e decidem o que é moralmente correto ou incorreto. Levam em conta suas verdades, aquilo que aprenderam ou lhes é conveniente no momento para condenar o suposto erro do outro. Acham-se donos da verdade, santos, castos, honestos, mas nem sempre fazem aquilo que pregam, tampouco reconhecem os próprios erros.

Imaginem uma mulher que no início do século XX, teve a ousadia de se divorciar, realizando aquilo que muitas secretamente desejavam. Algumas mais destemidas chegavam até mesmo a planejar a própria morte ou a dos maridos como solução de seus casamentos infelizes. Por que motivo esta divorciada era segregada da sociedade como se tivesse uma doença contagiosa? Qual o seu crime? Quem julgava e condenava esta mulher? Arrisco dizer que os carrascos eram seus vizinhos, parentes e amigos.

A educação judaico-cristã ensina que o pecado acontece por atos ou pensamentos. A simples vontade de se separar, a intenção do divórcio, o pensamento no assassinato ou suicídio, já configuram o pecado e induzem à culpa, mesmo sem efetivação do ato. Se outra pessoa tiver a coragem de cometer aquele “pecado” que imaginei, jogo minha culpa em cima dela e deixo que as convenções sociais se encarreguem do resto. Errar é humano, colocar a culpa no outro é mais humano ainda.

Não estou julgando este tipo de pessoas. Elas também têm o direito de errar e valem mais que seus erros. No livro “Mil e uma noites” há uma passagem falando que Deus colocou juízes no mundo para julgar apenas as aparências. Somente ele é quem julgara as intenções e sentimentos, pois os fez invisíveis para ter exclusividade neste processo.

Todos têm o potencial de mentir, trair, roubar, pecar em seus genes. Existe uma batalha constante entre hipocrisia e moralidade, amor e luxúria, crueldade e compaixão, modéstia e arrogância, honestidade e mentira, preconceito e tolerância. Do ponto de vista evolutivo, o melhor que a mente humana consegue fazer é tentar se equilibrar para sobreviver às tentações de ambiente e contexto. Nosso comportamento é o produto destas forças conflitantes em nossa mente, que é falha, sujeita a armadilhas, capaz de muita contradição e todo o tipo de truques. Quem de nós já não amou errado, odiou errado, julgou errado?

A palavra caráter advém do grego, e se refere às marcas indestrutíveis impressas nas moedas para identificá-las. O caráter seria a moeda que utilizamos para julgar as pessoas e definir quem é bom, quem vale a pena, quem merece, quem será poupado. Aquele que um dia qualificamos como mau caráter, depois pode fazer o bem várias vezes e dificilmente nossa opinião mudará. Será que o contrário, ou seja, apenas uma única falha moral pode nos dar o direito de macular o caráter de uma pessoa para sempre? Quantas vezes confundimos ousadia com erro ou falha moral? A história está repleta de mártires condenados apenas porque ousaram. O simples fato de pensar diferente da maioria já isolou milhares em manicômios.

Certo e errado são apenas modos diferentes de entender nossa relação com os outros. Santos e pecadores estão afastados por uma linha muito tênue. Quem somos nós para delimitar esta transição?

O mundo mudou, estamos em pleno século XXI e cada vez mais é o sentimento, em detrimento da moralidade, quem mantém ou desfaz relacionamentos Não é preciso mais casar para morar junto. Também não é obrigação se manter casado quando o amor termina. Muitos casais, mesmo se amando, separam-se. Alguns destes reconciliam-se um tempo depois. Melhor se abster e não fazer nenhum julgamento. Quando se trata de amor, nem sempre a lógica é respeitada. Julgar sentimentos alheios é muito complicado. O casal está feliz? Prejudicaram alguém? Então liga a música e segue o baile.

Julgamento e justiça são situações completamente diferentes. O mundo precisa de menos julgamentos e mais amor. Aquele que julga o outro, não tem tempo para amá-lo. Torço para que alcancemos logo o dia em que tenhamos uma vida tão cheia de amor, que os julgamentos e tribunais, nos moldes como os conhecemos hoje, tornar-se-ão completamente desnecessários. Afinal de contas, muitos tomaram a forma de pecador para que outros pudessem se tornar santos, entretanto, “alguns elevam-se pelo pecado, outros caem pela virtude” - William Shakespeare
Por: Ildo Meyer

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

"NEM O PAPA AGUENTOU"

No dia da renúncia do papa, uma amiga minha querida, portadora de uma personalidade difícil (acha quase todo mundo bobo), mandou-me uma mensagem assim: "Nem o papa aguentou!".


Afinal, o que ele não teria aguentado? Peço licença à minha amiga nojenta para tomar sua exclamação e fazer um pouco de filosofia selvagem a partir dela.

Antes, esclareço que não sofro do comum preconceito de pessoas inteligentinhas contra a Igreja Católica. Qual é esse preconceito? Hoje em dia, num mundo em que todo o mundo diz que não tem preconceito, o único preconceito aceito pelos inteligentinhos é contra a igreja: opressora, machista, medieval...

Estudei anos num colégio jesuíta. Graças aos padres aprendi a coragem intelectual, o gosto pelas letras, o valor da liberdade religiosa, o esforço de pensar de modo claro e distinto, o respeito pelas meninas, ao mesmo tempo em que crescíamos num ambiente no qual Eros nunca foi demonizado; enfim, só tenho coisas boas para dizer sobre meus anos de escola jesuíta.

Cresci numa escola na qual, durante a semana, discutíamos como um "mundo mau" pode ter sido criado por um Deus bom. No final de semana, íamos à praia todos juntos, dormíamos lá, meninos e meninas, em paz, namorando, e enchíamos a cara. Noutro final de semana, o mesmo grupo ia a favelas ajudar doentes.

Tive, numa pequena amostra, uma prova do enorme papel civilizador da igreja e do cristianismo como um todo no mundo.

Dizer que a igreja padece de males humanos e que compartilhou de violência de todos os tipos é óbvio demais para valer a pena um minuto de reflexão.

Em jargão teológico, essa "dupla personalidade de bem x mal" não é bipolaridade moral, mas uma dupla identidade: a igreja teria um corpo mundano (pecador como o de todo o mundo) e um corpo místico (voltado a Deus, à eternidade, inserido no mundo assim como Deus encarnou num homem, Jesus).

Portanto, não sou um desses ateuzinhos que, no fundo, não passam de "teenager" bravo porque o pai não existe. Parafraseando o grande Beckett, "God does not exist --that bastard!" (Deus não existe --aquele bastardo!).

Joseph Ratzinger (Bento 16) é um homem inteligente que quis levantar o nível do debate dentro da igreja e na sociedade como um todo. Um filósofo. Resistiu bravamente à contaminação por uma teologia populista e marqueteira, mas sucumbiu à ancestral vocação humana para a mentira e para a vida burocrática.

Hoje, quase tudo no mundo é populista e marqueteiro; lembremos da máxima da grande escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís: hoje todo mundo quer agradar, até o metafísico.

Foi isso que o papa não aguentou: ele esbarrou no diagnóstico da contemporaneidade feito pela Agustina Bessa-Luís. Todo o mundo só quer agradar "seu eleitorado" e Bento 16 quis tratar seu eleitorado como gente grande.

Resultado: angariou inimigos em toda parte porque rompeu o jogo comum de "falar muito e dizer nada", típico da sensibilidade democrática em que vivemos e também da igreja na "sua base popular".

Num mundo de sensibilidade democrática, ninguém quer saber de nada a sério. A "afetação infantil" (Bessa-Luís, de novo) nos define. O "povo é sempre lindo e certo!".

Na democracia, a soberania do governo emana do povo; daí que achar que o "povo é sempre lindo" é um efeito colateral deste modo da soberania. Logo, todo o mundo só quer agradar, e Bento 16 não quis agradar, quis falar a sério.

Sucumbiu às intrigas palacianas, à inércia da estupidez do mundo de ruídos e baladas metafísicas.

As pessoas odeiam quem quer falar a sério. Não querem mais um papa, e sim um consultor de sucesso espiritual e Ratzinger não tem vocação para isso.

A maioria das pessoas quer apenas comprar, divertir-se, ter uma autoestima alta, gozar livremente, não sentir culpa alguma; enfim, ter uma vida moral de criança de dez anos de idade.

Nem o papa aguentou. Preferiu "fracassar como Sócrates" a vencer como um demagogo feliz. No início da quaresma (período em que devemos refletir sobre nossos demônios), denunciou com sua renúncia o mais velho demônio da igreja: a política. Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

DECIDIR

A palavra decidir faz parte da vida de boa parte daqueles que trabalham como administradores. Decidir, determinar, resolver, dispor, são palavras que denunciam que entre as milhares de possibilidades possíveis uma foi a escolhida. E é exatamente aqui que se encontra o real cerne da questão: saber se a decisão tomada é a melhor decisão. Para isso algumas pessoas desenvolvem métodos, um deles é famoso: “Nunca tome uma decisão de cabeça quente”. Segundo estas pessoas, decidir com a cabeça fria propicia a clareza das questões envolvidas, de modo a encaminhá-las com maior objetividade. Há também os que dizem: “Nunca decida com o coração, a razão é a melhor ferramenta para uma decisão administrativa”. Essa forma de pensar aponta para um homem cerebral, que faz contas, vê probabilidades e diante destes dados decide. Enfim, existem infinitos métodos que garantem uma decisão acertada.

No entanto, algumas vezes, ou para algumas pessoas, o método de nada vale, pois não passa de teoria que é dita ao vento. O mundo da administração e vários outros estão repletos daqueles que dizem o que lhes vêm à mente quando estão furiosos e depois se arrependem. A máxima de não decidir de cabeça quente fica para trás e depois a pessoa precisa recolher os cacos e ver o que pode ser feito. Há também os que dizem que se deve decidir com a razão, mas colocam o filho como sucessor de sua empresa porque entendem que assim podem demonstrar amor ao filho. O filho pode até se sentir amado, mas em muitas vezes será ele quem levará a empresa para a falência. Retomando a questão da decisão, diria que não é tão importante saber se a decisão foi acertada, mas que é de suma importância saber quais ferramentas cada um usa para decidir.

Em Filosofia Clínica, ao longo da terapia, descobrirmos quais são as ferramentas que uma pessoa usa para tomar suas decisões e percebemos que algumas pessoas dizem exatamente o contrário daquilo que praticam. Para citar um exemplo, há em Filosofia Clínica uma ferramenta chamada de Esquema Resolutivo que funciona usando os prós e contras de uma decisão, ou seja, se existem mais prós, a pessoa vai por esse caminho, se existem mais contra, ela recua. Essa mesma pessoa que diz pesar prós e contras pode ser a mesma que, quando tem de decidir, sai a pedir opinião e segue a opinião que tem mais peso. Assim, não há prós e contras, mas o conselho de uma pessoa que tem mais influência em sua vida.

Há também pessoas que não conseguem decidir, são aqueles ou aquelas que não conseguem definir o que acontecerá. Comumente há pessoas que entram em organizações e são ótimos no que fazem, desde que não precisem decidir. Algumas destas pessoas deixam o problema ou a questão se desenvolver e ao final, quando a decisão já está dada elas se posicionam. Não há nada de mais nisso, é uma característica, porém nada bem vista pelas pessoas que tem um apreço forte pelas tomadas de decisões. 

Uma das formas de se ajudar pessoas com problemas para decidir é usar um procedimento chamado de Roteirizar, isso quando a pessoa tiver propensão a esta técnica. Essa ferramenta cria um caminho diante da pessoa, ou seja, aponta a história toda e ao longo dessa história o que pode acontecer dependendo do que ela decidir. Para algumas pessoas, a criação do roteiro faz com que saibam quando é a hora de decidir e qual será a melhor decisão. No entanto, isso é assim apenas para algumas pessoas, muitas outras funcionam de outra maneira e têm outras ferramentas. Decidir não é necessariamente fazer, decidir consiste em apontar o caminho, para fazer é preciso ter Em Direção ao Desfecho, mas esse é assunto para um próximo artigo.

Rosemiro A. Sefstrom  Do site http://www.filosofiaclinicasc.com.br/

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

CINZAS E REPETIÇÕES

Nesta vida todo mundo, querendo ou não, é pautado. Todos somos levados, obrigados, arrolados ou dirigidos a fazer muita coisa. Algumas, impossíveis, como não mentir ou ser pusilânime. No caso do jornal, temos que escrever; no caso da vida, de seguir alguma regra ou viver com ou sem o bom senso.

Os planos para nossas vidas existem antes do nosso aparecimento no mundo. Antes do nosso nascimento, pai e mãe tinham expectativas fulminantes em relação às nossas vidas. Nossas pautas existenciais são os projetos e esquemas que figuram na nossa sociedade e cultura: instruções do tipo como comer, vestir-se, limpar-se e dormir - caminhos simbólicos e reais a serem necessária e precisamente percorridos como a escolha de certas profissões e valores religiosos e políticos; rituais de crise de vida ou de passagem celebrados em nossa honra ou para os outros, os quais temos de - querendo ou não - acompanhar. Do nascimento até a morte, seguimos esquemas precisos e implacáveis e, mesmo depois de termos partido, continuamos a segui-los, porque não há sociedade que abandone seus mortos.

As festas nos pautam coletivamente. Antigamente, como ritos obrigatórios e hoje, como feriados que nos permitem a evasão. Tal experiência acaba de ocorrer com o carnaval, que terminou ontem e, como tenho a obrigação de escrever na quarta-feira, todo ano eu tenho uma pauta suculenta sobre o que escrever: o carnaval e seus arredores que são densos, fartos, curiosos e inflamados de símbolos e textos.

As cinzas são a consumação do fogo. O fogo é sinal de vida ativa que passa de brasa a cinza. O pó para o qual tudo tende. A entropia que sinaliza o desgaste final de qualquer forma ou armadura em fluxo.

Todo ano tem carnaval que é metaforicamente fogo e que termina metonimiamente na Quarta-Feira de Cinzas. A repetição fala de algo planificado e anunciado. As celebrações são repetições que extinguem o tempo, ou pelo menos tentam lutar contra ele, como ocorre nas músicas e dramas quando o palhaço cai sempre no mesmo lugar. A mesma festa no mesmo país numa mesma época promove um sentimento único de dizer quem somos. Tudo passou e mudou, menos o momento da festa. Até mesmo a festa também mudou - seja o truísmo boboca - mas continua sendo a mesma festa. No carnaval, como sabemos, tudo cabe porque tudo é possível na celebração daquilo que não deve ser levado a sério, mas que é uma das instituições mais graves do Brasil. Aceitamos incompetências e malandragens políticas, mas não aceitamos quem ofenda o carnaval. Mudamos algumas vezes o regime e tem gente trabalhando ferozmente para mudá-lo novamente. Mas não há uma proposta para mudar o carnaval. Aliás, falar em suprimi-lo promoveria uma revolução.

Estou, pois, reiterando essa alternância de fogo com cinza, de carne com peixe, de riso com seriedade, de alegria com circunspecção, de exagero com controle que nós realizamos todo ano como carnaval sem saber de todas as suas implicações.

Tudo mudou e tudo continua na mesma. Meus amigos mais politizados estão saindo em blocos e dizem que estão revivendo um carnaval de rua que eu bem conheci. Os blocos são sintomáticos desse desejo insaciável de pertencer a um grupo fechado? Ou são, como no meu tempo, uma prova do desejo igualmente inextinguível de singularizar-se contra um outro grupo da mesma magnitude social, como ocorre nos grandes desfiles?

Do mesmo modo, num mundo de dinheiro racionalmente acumulado, de trabalho e poupança, onde o futuro tem que ser comprado ou se transforma em divida, o carnaval leva a gastar e apresenta uma estética de exagero e luxo, como definiu com propriedade Joãozinho Trinta. Rico gosta de pobreza, pobre adora luxo. Não vemos riqueza no carnaval. Vemos o luxo do desvalido vestido de deus ou deusa, espalhando riso e alegria. Um jornalista um dia me perguntou: como é que pode haver festa tão rica num país tão pobre?

Eu disse: precisamente por isso! Boas cinzas.

Por: ROBERTO DaMATTA O Estado de S.Paulo - 13/02

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

TEXTO SEM CONTEXTO


Na semana passada abri o Facebook para postar o texto da semana e percebi que fui marcado numa imagem. Abri a imagem e junto a ela havia um texto bastante longo que falava sobre as palavras imutáveis da Bíblia, ou seja, que as palavras do texto Bíblico devem ser entendidas à risca. Uma das frases do texto: “Eu tenho um vizinho que insiste em trabalhar aos sábados. Êxodo 35:2 claramente afirma que ele deve ser morto. Eu sou moralmente obrigado a matá-lo eu mesmo ou contrato alguém para fazer a vontade de Deus?” Essa é apenas uma das muitas frases que apontam a literalidade do entendimento bíblico. Cito ainda outro trecho do escrito: “Eu sei que não é permitido ter contato com uma mulher enquanto ela está em seu período de impureza menstrual (Levítico 15:19-24). O problema é: como eu digo isso a minha esposa ? Eu tenho receio que ela se ofenda comigo”. Esse texto me fez refletir sobre princípios básicos que fazem da Filosofia Clínica uma ferramenta tão objetiva.

Uma das bases essenciais para o entendimento de qualquer pessoa para a Filosofia Clínica é a historicidade, ou seja, para os filósofos clínicos todo ser humano é dotado de história. A história é contada pela própria pessoa ao terapeuta que apenas ouve atentamente a construção de uma auto biografia. É claro que ao longo da narrativa alguns dados serão omitidos, outros mentidos, talvez distorcidos, aumentados, mas esta foi a maneira como a pessoa relatou. A história de vida da pessoa faz com que tudo que ela vive hoje ganhe contexto.

O contexto segundo o Dicionário de Filosofia de Abbagnano (2007) é o “Conjunto dos elementos que condicionam, de um modo qualquer, o significado de um enunciado”. O contexto pode ser considerado o que em Filosofia Clínica chamamos de Exames Categoriais, ou seja, Assunto, Lugar, Tempo, Relação e Circunstância. Com as categorias, um filósofo pode identificar elementos que ao envolverem o enunciado podem significá-lo, pode dizer de onde aconteceu, em que tempo histórico, quais as relações, suas circunstâncias. Um texto sem contexto não é nada. Usando uma analogia pergunto: Como seria se você andasse de carro de boi? Bom, nada de anormal, mas se perguntasse um pouco melhor: Como seria se você andasse de carro de boi no centro de Criciúma? Isso pode lhe parecer muito estranho, mas é o que acontece com quem toma um assunto fora de seu contexto. O que se deve fazer é atualizar os dados de forma que eles possam se enquadrar nos novos contextos e aí sim ver se os assuntos ainda tem validade ou não.

Voltando ao caso da Bíblia, sem favorecer nenhuma religião, suas verdades são tomadas como imutáveis, ou seja, conteúdos atemporais. Em clínica muitas pessoas fazem o mesmo: pegam conteúdos de suas histórias e os tornam atemporais. Assim acontece quando o pai trata sua filha como uma menina indefesa, não esquecendo que o pai tem por volta de oitenta anos e sua filha cinqüenta. É assim que acontece quando uma mãe olha para um filho como o maior monstro do mundo por ele ter sido uma criança sapeca. Os dados históricos da vida dessas pessoas cristalizaram e com estes dados as suas práticas. Para não cometer o erro de tratar a pessoa com conteúdos caducos, o filósofo clínico precisa, além de fazer o Exame das Categorias, prestar atenção aos dados padrões e aos dados atualizados.

Os dados padrões são aqueles que indicam como normalmente a pessoa funciona, quais são os caminhos rotineiros no seu estado de ser. Já os dados atualizados indicam o que ao longo do tempo vem se transformando ou até mesmo o que mudou de uma semana para outra. Se os pregadores de verdades imutáveis abrissem os olhos aos dados padrões poderiam sim ver que há coisas que não mudam, mas há outras em que há muito não são as mesmas. Aquele pai que olha a filha como uma menina indefesa pode sim olhar para a filha como ela é, mas precisa atualizar dados como tempo, lugar, relação, circunstância. Entender que as práticas do passado estavam rodeadas de elementos que as condicionavam, que davam significados a elas. Se trouxermos as práticas do passado sem atualizarmos os elementos vizinhos elas podem ter um significado muito diferente do que se deseja. 

Por fim gostaria de render os méritos do texto bíblico, segundo a postagem do Facebook, a Jodan Campos.

Rosemiro A. Sefstrom do site http://www.filosofiaclinicasc.com.br/

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

AMANDO UMA MULHER INTELIGENTE

Hoje é Carnaval. Carnaval é um saco. Morei muitos anos na Bahia, falo de cátedra. Não existe festa mais autoritária do que o Carnaval e a devastação que causa em nome de sua alegria barulhenta.


Mas gosto não se discute, lamenta-se. Por isso, hoje vou falar de coisa mais séria; vou falar de amor romântico e de um filme maravilhoso para quem gosta do tema e também de filosofia: "O Amante da Rainha, filme dinamarquês dirigido por Nikolaj Arcel , com Mads Mikkelsen (o amante) e Alicia Vikander (a rainha) no elenco.

Você acredita no amor romântico? Dito assim parece uma pergunta idiota. Alguns dirão que pessoas maduras sabem que o amor não existe. Outros, que é diferente de paixão, sendo esta passageira, enquanto o amor seria algo mais sólido, dado a parcerias de longa duração.

Nada mais pernicioso para um casamento de longa duração do que a expectativa de amor romântico depois de um certo número de anos, diriam os "maduros". Expectativas assim seriam "coisa de mulher", o que também é uma besteira. Homens sonham com momentos de paixão com suas mulheres no dia a dia. "Ter uma mulher" significa exatamente isso.

Supor que os homens são animais de cerveja, futebol e sexo é não entender nada sobre os homens. Pensar que os homens só pensam em cerveja, futebol e sexo é a mesma coisa que pensar que mulher é um ser menos inteligente.

A suposta simplicidade masculina é tão falsa quanto a também suposta irracionalidade feminina.

O tema encanta, apesar de alguns teóricos afirmarem que o amor é uma mera invenção da literatura europeia medieval (como o Papai Noel), universalizada, de modo equivocado, pelos autores românticos dos séculos 19 e 20.

Digo "equivocada" porque, para os medievais, nem todo mundo seria capaz de viver ou suportar tal forma de amor avassalador. Já para os românticos, modernos, todo mundo poderia viver essa forma de encantadora doença da alma.

Eu não acredito que o amor romântico seja uma invenção da literatura, mas concordo com os medievais: muita gente passa pela vida sem experimentá-lo. Uma pena, pobres miseráveis...

A narrativa medieval descreve essa "maladie de la pensée" (doença do pensamento, do espírito), dito no original provençal (um tipo de francês comum na Idade Média), como um modo de obsessão que arrasta o homem e a mulher, fazendo com que fiquem presos no desejo de estar um com o outro e atormentados quando não podem se encontrar, quando não podem se tocar.

Segundo os medievais, ele ficará horas imaginando o que ela estaria fazendo, pensando, sonhando, com o desejo de penetrar em todos os segredos de sua alma e de seu corpo ("Tratado do Amor Cortês", de André Capelão, publicado pela editora Martins Fontes).

A estrutura ideal supõe o amor impossível, no qual a morte espera os dois ou um dos dois --e a desgraça do que sobrevive. Quando o amante é amigo fiel do marido dela, a estrutura dramática encontra seu modo mais perfeito de impasse.

Dirão os especialistas que o amor romântico cantado nos séculos 18 e 19 fala da destruição de qualquer forma de vida que não a interesseira, típica da burguesia e sua alma de "merceeiro", como diria Marx.

"O Amante da Rainha" tem exatamente essa estrutura. O amante é médico e confidente do rei e se apaixonará enlouquecidamente, e será correspondido, pela rainha.

Esse médico, chamado de "o alemão" pelos dinamarqueses (o personagem é alemão), é um iluminista (leitor de Rousseau e Voltaire) que crê na superação da barbárie pelo uso da razão e da ciência. Ela também.

O amor dos heróis não é apenas construído a partir de "sentimentos" mas, também, do encontro entre suas almas inquietas com o mundo a sua volta. Ambos são filósofos de uma época em que a filosofia se revoltou com a estupidez do mundo (o filme se passa na segunda metade do século 18). Aliás, a filosofia sempre se revoltará, porque o mundo será sempre estúpido.

Além de belas pernas e belos seios, a delícia de partilhar inquietações filosóficas com uma mulher que amamos pode ser uma das maiores formas de amor romântico que existe. Infeliz aquele que não sabe disso. Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

RELOJOEIRO CEGO

Você vai ao médico, ele pede um exame de sangue e você descobre que seu filho terá síndrome de Down. O que você faria?


Pensará nos custos? Você não é uma pessoa excepcionalmente egoísta, mas, em meio a sua agenda, como conseguirá lidar com uma criança assim? A agenda já é pesada com trabalho, sexo top (lembre-se: gostosa sempre!), estudos na pós-graduação (afinal, hoje em dia é imperativo agregar valor à vida profissional e pessoal), férias...

Quem tomará conta da criança? Você tem alguém com quem possa contar? Irmãs, mãe, marido? Escola especial? Psicoterapeuta, psicopedagoga?

Claro que essa questão não diz respeito a quem tem já filhos com esse quadro clínico, mas sim àqueles que um dia passarão por isso. Tampouco cabe aqui o argumento de que aqueles que já têm um filho assim o amam e aprenderam a conviver bem com essa situação. Enfim, não se trata de amar ou não os filhos que já se tem, mas sim de escolher os filhos que teremos.

No Brasil, sendo o aborto ilegal numa situação como esta, a tendência, com a chegada até nós desse tipo de exame, é o aumento do aborto ilegal.

A ciência vive pressionando a ética: trata-se aqui da ampliação do poder de escolha informada. Aumentando os recursos técnicos da medicina pré-natal, aumenta-se proporcionalmente a possibilidade de se evitar determinados tipos de gravidez. O nome disso, segundo o filósofo americano Francis Fukuyama, é "design babies" (bebês de prancheta, na tradução brasileira): bebês ao portador, com grau máximo de saúde.

Católicos dirão que a vida pertence a Deus. Quem não crê nisso tem diante de si a seguinte questão: por que devo me submeter ao mero acaso? Afinal, a criança não foi fruto de um orgasmo (masculino, no mínimo)? Se o acaso decidiu qual óvulo e espermatozoide que estariam a postos, por que devo eu me submeter a tamanho capricho cego?

Não seria essa criança apenas uma carta triste no baralho, baralho este criado por um relojoeiro cego? Explico: a teoria do design inteligente (Deus criou o universo) afirma que sendo o universo organizado, não seria possível imaginar que ele teria surgido sem um criador inteligente (o relojoeiro criador).

Ateus em geral, ironizando, até aceitam que exista uma ordem, mas esta ordem seria fruto do acaso cego, daí o "relojeiro cego" que fala o darwinista Richard Dawkins em seu livro "Blind Watchmaker" (relojoeiro cego).

Se não devemos nada a ninguém, por que não tomarmos nosso destino nas mãos e ter o "melhor filho" possível? Tomar o destino em nossas mãos é optarmos pelos ganhos técnicos à mão, ou seja, a artificialização da vida.

Quanto aos crentes, em tempo abraçarão a causa, dirão que Deus nos fez inteligentes para tomarmos decisões inteligentes. A Igreja Católica, mais lenta, 500 anos depois também aceitará, como aceitou Galileu.

O processo de ampliação de escolha informada implica, num prazo de tempo não muito preciso, a crescente artificialização da atividade reprodutiva humana. Isso é tão inevitável como a ampliação dos direitos civis, tais como voto das mulheres, casamentos gays, direitos da mulher sobre seu corpo, e afins.

Se você vê um dia um homem aparentando 60 anos, mas com corpo e disposição de 40, correndo no Ibirapuera ao lado de uma gostosa de 25, você talvez não imagine quantos remédios ele tomou quando acordou, entre eles, um Viagra.

Isto é a artificialização da vida. Dito assim, parece um absurdo do cinema de ficção científica, mas na prática, é banal como tomar vitaminas e vacinas.

Num futuro próximo, ter filhos pelo método do acaso será como negar vacinas aos filhos. Um ato de irresponsabilidade reprodutiva. Empresas de seguro cobrarão mais caro por apólices de crianças geradas pelo relojoeiro cego. Ou simplesmente recusarão estas apólices.

ONGs farão campanhas para criminalização da reprodução não assistida pela medicina pré-natal genética em nome da sustentabilidade social das crianças geradas e dos custos de saúde pública.

Vejo mesmo o comercial: "Dê a seu filho o que você tem de melhor, Bradesco Biotecnologia". Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

domingo, 10 de fevereiro de 2013

AS REGRAS DO BEM VIVER

A polidez excessiva é diretamente proporcional à violência do desejo que ela mascara e contém

Um pré-adolescente me contou que ele sempre deixa as mulheres passarem primeiro nas portas, nas catracas e em todos os limiares da circulação social, segundo ele foi instruído pelos pais e pelos avós.

No entanto, esse gesto cavalheiro é acompanhado por um pensamento que ele não consegue evitar e que, um dia, ele receia, poderia explodir como um grito indomável, impossível de ser mais uma vez reprimido.

Deixo você imaginar as consequências que esse grito teria, pois, a cada vez que ele, nobremente, estende a mão para convidar uma mulher (moça ou idosa, tanto faz) a passar antes dele, o que insiste na sua mente é a frase: "Empina a bunda, sua vaca!".

Não acho estranho: as boas maneiras existem, provavelmente, para reprimir pensamentos, condutas e desejos, que, se liberados, tornariam desagradável a nossa convivência social.

Não conheço estudos sobre o costume de deixar as mulheres passarem primeiro. Algumas más línguas dizem que nasceu como uma precaução masculina, caso houvesse assassinos esperando o homem do outro lado da porta. Outras más línguas afirmam que era um jeito de os homens controlarem as mulheres, pois, se elas fossem autorizadas a ficar atrás, fugiriam na primeira ocasião.

No que me toca, aprendi que a mulher deve passar sempre antes do homem, salvo na descida de uma escada, quando o homem, indo na frente, tapa a perspectiva inconveniente de quem, a partir do piso inferior, procurasse olhar por baixo da saia da mulher. Esse deve ser um preceito recente, de quando as saias se encurtaram, mas a própria regra de deixar a mulher passar primeiro tampouco é antiga.

Seja como for, há uma distância notável entre, no meio de um saque, jogar a mulher em cima do ombro e levá-la embora, para estuprá-la mais tarde, com calma (quem sabe, entre amigos) e, no extremo oposto, abrir a porta para a mulher passar primeiro. Como ilustra a dificuldade do jovem que mencionei, a polidez excessiva é diretamente proporcional à violência do desejo que ela mascara e contém.

Em suma, as regras de boas maneiras podem parecer risíveis e são quase sempre hipócritas, mas, justamente por isso, elas são úteis e necessárias -porque não poderíamos conviver sem repressão e hipocrisia.

Norbert Elias escreveu "O Processo Civilizador" (Zahar) em 1939. Pobre, exilado em Londres no momento da maior barbárie do século 20, Elias procurou e encontrou a origem da subjetividade e da liberdade modernas logo nos tratados de boas maneiras.

Isso porque as regras de etiqueta nos ensinam a domesticar os impulsos mais perigosos e, mais ainda, porque a preocupação com o olhar do vizinho de mesa nos obriga a sermos minimamente graciosos.

Chato? Talvez. Mas a novidade moderna é que a elegância é uma qualidade social permitida a todos -basta querer. Se o requisito é a elegância (e não a nobreza, que não depende da gente), qualquer um pode ter o que precisa para ser convidado a qualquer jantar.

Engraçado: criticamos as aparências e a etiqueta como se fossem leviandades, sem pensar que seu triunfo nos libertou das barreiras intransponíveis de uma divisão social decidida pelo berço no qual cada um tinha nascido.

Parêntese: estou lendo "Consider the Fork: A History of How We Cook and Eat" (pense no garfo: uma história de como cozinhamos e comemos, Basic Books), de Bee Wilson, que conta muito bem como fomos transformados pela evolução dos costumes de cozinha e de mesa.

Enfim, estava no meio dessas reflexões quando, sábado passado, fui assistir a "As Regras da Arte de Bem Viver na Sociedade Moderna", de Jean-Luc Lagarce, no Sesc Ipiranga, em São Paulo (imperdível, e atenção: só nos próximos três sábados, às 19h30). A atuação de Lorena da Silva é perfeita. E o texto, francamente engraçado, é uma pérola de inteligência.

Lagarce nos lembra os usos e costumes dos rituais da vida, do nascimento até a morte, passando por batismo, casamento, bodas de prata etc. Ele escreveu "As Regras" em 1993, dois anos antes de morrer de complicações relacionadas à Aids; pelo destino que o espreitava, ele poderia ter sido sarcástico com a suposta "frivolidade" de nossos rituais. Mas ele tomou outro caminho: ele fez, sim, que as regras básicas de nossa etiqueta nos parecessem estranhas e eventualmente hipócritas, mas sem que a gente perdesse de vista que elas são a própria trama de um mundo que amamos -e do qual ele já devia sentir saudade.
Por: CONTARDO CALLIGARIS FOLHA DE SP - 07/02

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

CRITÉRIO


Há pouco tempo iniciei um projeto que leva o trabalho de Filosofia Clínica do consultório para a empresa, ou seja, o trabalho terapêutico que tem por objetivo resolver questões existenciais neste caso é voltado como ferramenta para a dissolução de questões organizacionais. Um dos vários propósitos de se inserir a Filosofia Clínica nas organizações é levar para a administração o entendimento de que cada ser humano é único, além de se fazer entender que os recursos humanos precisam ser entendidos como mais precioso que qualquer outro recurso econômico. Explico: numa empresa, a matéria prima recebida é analisada e usada de acordo com suas propriedades e o mesmo deveria ser feito com o ser humano, ou seja, respeitar sua singularidade. 

Em determinado atendimento realizado numa organização, o problema apontado por um funcionário em cargo de gerência foi o seguinte: o gerente relatou que estava com peso por ter demitido um de seus funcionários e que cada vez que precisava demitir, isso lhe causava grande sofrimento. Em posse de sua historicidade (aos filósofos clínicos lembro que é: Historicidade, Exames das Categorias, EP, Submodos Informais, etc.) iniciei um trabalho de divisão. Divisão é um procedimento clínico por meio do qual o filósofo leva o partilhante a separar seus conteúdos de acordo com alguns critérios. Perguntei ao referido gerente se havia algo em específico que lhe causava este sofrimento. O partilhante respondeu que o que lhe causava sofrimento era saber a situação difícil que vivia o funcionário que havia demitido, mas que ao mesmo tempo sabia que precisava demiti-lo visto que o funcionário não dava resultado mesmo após várias chances.

Percebe-se que o partilhante apresenta um choque na Estrutura de Pensamento entre as Emoções e a Razão, choque que lhe causa sofrimento no desempenho de sua função. Para sanar este choque, com o conhecimento prévio do funcionamento do partilhante por meio da historicidade, foi encaminhado um processo de divisão. Esse processo começou com base em pequenas questões sobre o processo de seleção dos candidatos à vaga e como eles eram contratados. Ao longo desse processo, o partilhante percebeu que eram critérios racionais que mostravam se o candidato à vaga seria contratado e o mesmo era feito para a demissão de um funcionário. Ele percebeu que assim como a admissão, a demissão também é feita com base em critérios e não em gostos, que a demissão não é feita por ele, mas pelos critérios que inviabilizam a permanência do membro na equipe. 

Outra situação foi a de uma coordenadora que recebeu a sugestão de demitir um funcionário de sua equipe por não estar cumprindo as metas. A mesma observou os critérios utilizados para avaliar e percebeu que deveria flexibilizá-los com a pessoa em questão. A coordenadora reconheceu que o tempo de aprendizado de cada um dos membros da equipe é diferente e resolveu esperar. Ao fazer isso, ela tornou os critérios singulares, ou seja, os critérios se aplicam a cada um de acordo com o seu jeito, sua singularidade. Os critérios são linhas que definem dentro e fora, certo ou errado, mas que podem ser utilizados de maneira singular.

Tanto no primeiro quanto no segundo caso há uma divisão, sendo que, não são as pessoas que demitem as pessoas, mas os critérios que dizem quem está dentro ou fora. A proposta da Filosofia Clínica é apresentar critérios que se flexibilizem, critérios que avaliem cada um como ser único. Sabe-se que são as pessoas que fazem os critérios e elas mesmas os aplicam, mas a falta deles pode encaminhar uma instituição à falência, processos judiciais, desagregação, conflitos, etc.

Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://www.filosofiaclinicasc.com.br/

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O PROBLEMA DO MAL

O mal, mais ainda um mal tão sem sentido, comprova-se a exceção.


A Teodicéia, também conhecida como “o problema do mal”, é um tema filosófico constante. A melhor resposta a este problema é que o mal é a exceção, a desordem, a ausência de bem, como o escuro é a ausência de luz e o frio, a ausência de calor.

Assim como no frio nos lembramos do calor e no escuro desejamos a luz de uma vela, a presença do mal acaba levando a uma percepção mais aguda de que há um Bem, e que este Bem predomina.

Pude perceber isso em dois planos radicalmente diferentes, nestes dias. No desimportante plano pessoal, um susto com a saúde me fez cruzar as portas de um hospital, o que sempre tento evitar. Recebi centenas de mensagens de apoio; amigos de todos os credos, do Daime ao calvinismo, do catolicismo ao ateísmo, expressaram de alguma forma uma intenção de unir-me ou recomendar-me ao Bem maior.

Pouco depois, a horrenda tragédia que ceifou centenas de vidas em Santa Maria suscitou uma resposta proporcionalmente maior, mas na mesma direção. Ao contrário do que ocorrera comigo, contudo, não foi a preexistência de afeto pessoal que comoveu os orantes, dentre os quais se contou até mesmo uma cantora mais conhecida por suas blasfêmias.

Foi a intensidade do mal, a escuridão avassaladora, o frio absoluto de uma tragédia tão sem sentido que fez com que multidões, no mundo inteiro, voltassem os olhos ao Bem.

O mal, mais ainda um mal tão sem sentido, comprova-se a exceção. E a exceção não só confirma a regra – quantas multidões se reúnem pacificamente, sem mortes, sem tragédias? – como a torna mais forte e atrai a ela. A ausência do bem faz perceber seu valor e sua ubiquidade.

Minha filha, ainda pequena, estava triste por alguma coisa de criança. Andava pelo quintal, fazendo bico. Pouco depois minha irmã a encontrou sorrindo, e perguntou-lhe se a tristeza já havia passado. Respondeu-lhe a pequena que havia visto uma linda borboleta azul, que levara a tristeza embora.

Essas “borboletas” mágicas, com o dom de iluminar os cantos escuros da nossa alma, sempre estão ao nosso redor: no sol que nasce, no carinho dos amigos, no gosto bom de um cálice de vinho.

O difícil é encontrá-las, abraçá-las, reconhecê-las. Por vezes, é só a escuridão absoluta de uma tragédia que nos faz ter a força de voltar o olhar para a luz. Alguma luz. Qualquer luz.

Nada pode preencher o vazio da perda de um filho, de alguém que se ama. Mas ao redor deste vazio ainda há, sempre, reflexos do Bem. E é isso o que se expressa nas orações sinceras dos desconhecidos. Que elas sejam sempre ouvidas.

Carlos Ramalhete é professor. Publicado no jornal Gazeta do Povo.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

LINCOLN, OBAMA E BONO


Obama não tem nada a ver com Lincoln. Ele quer se vender como o Lincoln negro, mas é festivo demais para sê-lo. Ele é um Carter que tem a sorte de ser negro. Obama é um presidente fraco, demagogo e oportunista. O Chávez dos EUA (apesar de que Chávez tem mais "cojones" do que Obama). Compará-lo a Lincoln é uma piada. Obama está mais para Bono Vox, que ganha muita grana com fotos de crianças da África, dizendo coisas "legais" para gente que tem uma visão de mundo de 12 anos de idade, coisa em voga hoje.

Lincoln foi um presidente que levou os Estados Unidos a uma guerra que matou cerca de 2 milhões de americanos, uma "sangueira patriótica", como dizia o crítico Edmund Wilson. A Guerra de Secessão, o Norte contra o Sul, não foi uma disputa ao redor da abolição da escravidão nos EUA. O que estava em jogo não era a escravidão acima de tudo, era o Sul querer sair da União. Era o Sul querer ser livre para seguir seu modo de vida pré-moderno. Mesmo se os confederados (o Sul) tivessem aberto mão dos escravos, Lincoln os teria devastado, porque o que estava em questão era o controle político e militar do território e a expansão do modo moderno de economia e sociedade.

Incrível como o pensamento público cai nesse papo de Lincoln "liberal". Ser abolicionista na época não era ser liberal; no Brasil, o conservador Joaquim Nabuco foi abolicionista. A "inteligência liberal" deve deixar Lênin, Stálin e Fidel, nada festivos, muito irritados. Lincoln está mais para Bibi Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, do que para Obama. Lincoln invadiria os territórios palestinos e os anexaria. A guerra foi o modo pelo qual o Norte, industrializado, capitalista, cético, materialista, portanto, moderno, invadiu e destruiu a civilização aristocrática, rural, tradicional, pré-moderna sulista. Os "ianques" (o Norte) conquistaram o Sul, assim como espanhóis, portugueses, ingleses e franceses conquistaram as Américas e a África. Os confederados queriam a independência. Lincoln disse "não, o Sul também é nosso", e levou os EUA à guerra que fez do país definitivamente uma nação moderna. Lincoln era um cabra macho. Os "ianques" massacraram o Sul, roubaram suas terras, mataram seus homens, violentaram suas mulheres. Soldado sempre foi para guerra para ganhar dinheiro e violentar as mulheres dos vencidos. Foi nessa guerra que inventaram a metralhadora, para matar mais gente de modo mais eficaz.

Obama não seria capaz disso porque ele gosta de coquetel beneficente e falar para jovens sobre música afro-americana. Ele jamais tomaria uma decisão como essa, ele é fraco demais (paralisou os EUA no Oriente Médio), preocupado em agradar o marketing liberal americano ("liberal" é "progressista" nos EUA) e passar para a história como o cara mais legal da América. O máximo que ele faria seria levar os americanos para um show do Bono Vox. Se Obama não fosse o primeiro presidente negro da história, não teria sido reeleito, e depois de 48 horas do término do seu mandato seria esquecido na lata de lixo da história. Sua relação com Lincoln é a ideia de que ele seria um presidente a deixar uma América "liberal", assim como Lincoln. Mas Lincoln não era "liberal", ele não queria que os EUA perdessem território e grana. Acho importante que as pessoas sejam iguais perante a lei, pouco importa se são héteros ou homos. 

Minha crítica ao Obama não está em seu possível legado "progressista" (que não é dele, mas dos Kennedy) em termos políticos, mas sim a sua ideia errada de que os EUA devam seguir um modelo europeu centralizador. Os EUA são o que são porque nunca foram centralizadores, e o governo nunca esmagou o cidadão comum fazendo dele um retardado mental econômico e moral como no Estado de bem-estar social europeu. O problema com Obama é sua têmpera "liberal". Esta têmpera, cozida em campus acadêmico, gosta de festa, greves de estudantes e professores (ninguém está nem aí para esse tipo de greve porque a sociedade no seu dia-a-dia passa muito bem sem alunos e professores universitários) e boa vida.

Por Luiz Felipe Pondé - Folha de SP - 28/01/2013

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

ESPÍRITO E PERSONALIDADE

Pessoas que pensam muito são, só por isso, chamadas de “intelectuais”, mas isso é errado: a vida do intelecto só começa na fronteira em que o pensamento se apaga para dar lugar ao vislumbre da verdade.

O espírito é aquilo que só chega a nós pelo pensamento, mas que o pensamento, por si, não pode nem criar nem alcançar. O espírito é a verdade do pensado, a qual, por definição, está para além do pensamento, mesmo nos casos em que este cria o seu próprio objeto. Quando, por exemplo, criamos mentalmente um triângulo, este já traz em si todas as suas propriedades geométricas que o pensamento, nesse instante, ainda ignora por completo; e quando ele as tiver descoberto uma a uma, ao longo do tempo, terá de confessar que estavam no triângulo em modo simultâneo antes que ele as apreendesse. E mesmo quando ele apreende uma só, apreende algo que está no triângulo e não nele próprio.

Não há, na esfera do mental, nenhuma diferença entre pensar o falso e pensar o verdadeiro. O pensamento só se torna veraz quando toca algo que está para além dele, algo que não se reduz de maneira alguma ao ato de pensar e nem ao pensamento pensado. Esse algo é o que chamamos “verdade”. Como se vê no exemplo do triângulo, a verdade está para além do pensamento até mesmo quando o objeto deste é criado pelo próprio pensamento: o pensamento não domina e não cria a veracidade nem mesmo dos objetos puramente pensados. A verdade só aparece para além de uma fronteira que o pensamento enxerga mas não transpõe. A verdade é o reino do espírito.

A verdade é espírito, mesmo quando apreendida num objeto material. Nossos sentidos podem apreender a presença de um objeto, mas não podem, por si, decidir se essa presença é real ou imaginária. O pensamento tem de intervir, colocando perguntas que completem e corrijam a mera impressão. Ele o faz em busca da verdade do objeto, mas, quando chega a tocar nela, sabe que ela está não apenas para além dos sentidos, mas para além dele próprio, caso contrário não seria verdade de maneira alguma e sim apenas uma impressão modificada pelo pensamento.

A verdade é sempre transcendente à esfera do pensamento, das sensações, das emoções, de tudo quanto constitui o “mental”. Os testes de QI não medem a quantidade da atividade mental, mas a sua eficiência em transcender-se, em apreender a veracidade do objeto -- a sua capacidade de vislumbrar, para além da esfera do pensado, o reino do espírito. Essa capacidade não se chama “pensamento”, mas inteligência. Ela é inteiramente alheia à quantidade, intensidade ou elegância formal do pensamento. “De pensar, morreu um burro”, diz o ditado. Pensar falsidades dá tanto trabalho, e às vezes até mais, do que chegar à verdade. O pensamento bom não é aquele que se compraz na riqueza dos seus próprios movimentos, mas aquele que se recolhe humildemente para dar passagem à inteligência, à percepção da verdade.

A correção formal do pensamento pode ser importante, às vezes, mas o pensamento, por si, não tem como apreender sequer a verdade da sua própria correção formal. Tomar consciência da correção formal de um silogismo não é um pensamento: é a percepção instantânea -- intuitiva, se quiserem -- de um nexo necessário entre dois pensamentos. Se não fosse assim, seria apenas um terceiro pensamento, cujo nexo com os outros dois teria por sua vez de ser provado silogisticamente, e assim por diante até à consumação dos séculos. Mesmo a mera veracidade formal é veracidade, e transcende o pensamento.

Pessoas que pensam muito são, só por isso, chamadas de “intelectuais”, mas isso é errado: a vida do intelecto só começa na fronteira em que o pensamento se apaga para dar lugar ao vislumbre da verdade.

Tanto o pensamento quanto as impressões, a memória ou as emoções não fazem senão acumular motivos para que a verdade surja, depois, numa percepção instantânea. Essa acumulação pode ser longa e trabalhosa, mas ela não é nunca a finalidade, a meta de si própria.

Toda educação da inteligência deveria ter essas obviedades em conta, mas isso se tornou quase impossível numa época que virou as costas à própria noção da verdade – para não falar do espírito --, substituindo-a pela de projeção subjetiva, adequação, utilidade, interesse de classe, criação cultural, etc., como se todas estas noções não afirmassem implicitamente a sua própria veracidade e não restaurassem assim, meio às tontas, aquilo que desejariam suprimir.

No curso da sua evolução temporal, o indivíduo chega a ter uma “personalidade intelectual” quando a submissão do seu pensamento ao espírito se tornou um hábito adquirido e se integrou na sua alma como reação usual e quase inconsciente.

Em sentido estrito, conduzir o estudante a essa passagem de nível seria o objetivo de toda educação superior, mas a redução das universidades à condição de escolas profissionais ou de centros de adestramento ideológico para militantes veio a tornar esse objetivo inteiramente utópico, elitizando em vez de democratizar o acesso aos bens superiores do espírito como prometem fazê-lo todos os governos do mundo.

O caminho, decerto, não está bloqueado para os estudantes que tenham iniciativa pessoal e alguns recursos. O problema é que a conquista de uma personalidade intelectual num ambiente que desconhece a mera existência dessa possibilidade humana – o caso, sem dúvida, do meio universitário brasileiro hoje em dia -- é fonte de inumeráveis dificuldades psicológicas para o estudante, a começar pela quase impossibilidade de encontrar pessoas do mesmo nível de consciência com as quais possa ter diálogo e amizade. A personalidade intelectual só pode ser compreendida desde outra personalidade intelectual: o diálogo com indivíduos desprovidos dela é uma transmissão sem receptor, a ocasião de malentendidos e sofrimentos sem fim.Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

O FILHO EXEMPLAR


Há em Filosofia Clínica um tópico chamado Buscas. Esse tópico se ocupa em identificar na história das pessoas seus direcionamentos existenciais. Há também um tópico da Estrutura do Pensamento chamado Termos Unívocos e Equívocos. Este tópico trata da clareza como as informações são expressas e o quanto são entendidas. Se uma informação sai de uma pessoa e é plenamente entendida pelo outro, esta é unívoca, caso não seja entendida ou seja mal interpretada, diz-se que a informação é equívoca. Se pensarmos no caso de uma pessoa que une buscas com termos equívocos, pode-se dizer que estamos diante de alguém que quer chegar a algum lugar, mas não tem clareza de onde quer chegar. Quando isso acontece, a pessoa aponta para várias direções ao longo da vida, a cada tanto inicia uma nova jornada de busca sem chegar a lugar algum. Muitas pessoas padecem por não conseguirem decifrar claramente qual seria a melhor direção existencial, sofrendo por não saberem se caminham em direção ao que parecem querer.

Agora imagine que essa equivocidade, essa falta de clareza, não aconteça com você, mas com seu pai, que ele seja equívoco no que busca. Pense que este pai tem como objetivo de vida educar seus filhos para que sejam responsáveis, sinceros, justos, trabalhadores, estudiosos, enfim, que sejam pessoas que ele considera de caráter. Pode acontecer que este pai deseje esse modelo de educação para seu filho, mas faça exatamente o contrário na prática. Algumas ilustrações podem deixar claro como isso pode acontecer e quanto sofrimento pode provocar. Colocarei alguns relatos que já ouvi no trabalho como terapeuta.

Uma jovem moça me falou que seus pais sempre disseram que queriam formar uma mulher responsável, que queria que ela fosse um exemplo. No entanto, ouvindo sua história de vida, pode-se perceber que seus pais fizeram tudo ao contrário do que desejavam. Desde cedo a menina não tinha hora para acordar, nem hora para ir dormir, quando lhe era exigido arrumar o quarto ela chorava, esperneava e assim era dispensada da tarefa. Quando mais jovem ia à escola e tinha um comportamento já bem rebelde, seus pais chamaram a atenção dos professores em sua frente, dizendo que eles deveriam saber o que fazer com seus alunos. Com essas e outras situações criaram alguém que não corresponde aos seus objetivos.

Outro rapaz me contou um dia que seu pai queria que ele fosse um jovem trabalhador, empenhado em resultados. Porém, ao longo de sua história, percebe-se que seu pai desde cedo desobrigava o rapaz das tarefas do lar. Em casa quando ele bagunçava seu quarto, era a empregada que limpava, quando queria qualquer soma em dinheiro, facilmente conseguia, os trabalhos de escola eram feitos pela mãe. Quando foi convidado para trabalhar com seu pai não tinha horário para chegar, assim como não tinha para sair. Quando entendia que não precisava ir ao trabalho, simplesmente não ia, sequer dava satisfação, deixando toda uma equipe desfalcada. Para o pai isso era coisa da idade, agora ele está com quase trinta anos e ainda não chegou à idade responsável.

Os casos citados são de pais que cobram dos filhos o que nunca lhes foi ensinado, queriam que os filhos fossem pessoas com determinadas características, mas não lhes ensinaram a ser. Alguns queriam filhos exemplares, mas não lhes ensinaram a ser os exemplos que desejavam. Muitos dizem: “Não quero para o meu filho o que eu passei”. Estes mesmos não se dão conta que muito do que passaram foi o que ajudou a formar o que são hoje. Estes pais buscam equivocamente que o filho seja como eles, sem educar para que o sejam. Filhos exemplares, na maior parte dos casos, foram frutos de uma educação exemplar.

Rosemiro A. Sefstrom  Do site http://www.filosofiaclinicasc.com.br/

PARA ALÉM DO BELO E DO FEIO - A MORTE DA ARTE NO BRASIL

Uma das frases que mais encanta os brasileiros é “gosto não se discute”. Parece que toda vez que alguém a pronuncia faz na verdade uma profissão de fé. Demonstra, não importa como, que se diferencia de uma verdadeira “legião de fanáticos”: pessoas retrógradas e de “direita” que sustentam que a música, a pintura, o cinema e a literatura (só para citar alguns exemplos) tem regras próprias cujo domínio exige por parte do artista uma atividade disciplinada e, em certo aspecto, racional. Proclama-se orgulhosamente que a chamada “inspiração” não tem regras, coisa que me faz recordar gente que, substituindo turismo por estudo, julga-se grande conhecedora de países estrangeiros. É cômico (para não dizer triste) observar aqueles que,transformando ateliers e estúdios de gravação em consultórios de psicanálise, misturam os conceitos de beleza e democracia de uma forma tão desonesta.


O objetivo deste pequeno texto é uma ligeira reflexão sob o conceito de beleza e da própria arte no Brasil dos dias de hoje. Antes de começar; algumas rápidas observações. Estética é um campo próprio da filosofia. Seu domínio está muito além da capacidade de alguém que aborda o assunto como amador porque encontrou na Medicina uma profissão e na Filosofia um hobby. Decorre daí a necessidade de um aviso – que ninguém perca tempo achando que vai aqui uma definição clara daquilo que é ou não é “arte verdadeira”. O enfoque é muito mais modesto. Trata-se de apresentar a confusão existente entre os conceitos de beleza e justiça e sustentar que, uma vez proprietária do discurso que diz o que é a verdade na História, uma “elite cultural” passou também a definir o que é ou não a verdadeira Arte. 

Foi na década de 1960 que isto ocorreu. Na filosofia imperava a desconstrução. Derrida, Deleuze, Foucault, entre outros questionando a própria linguagem, reduziram aquilo que havia de racional na comunicação a uma simples manifestação de uma verdade maior – uma verdade simbólica incapaz de ser alcançada tanto pelo homem comum quanto pelo intelectual “não engajado”. Só era considerada arte aquela manifestação capaz de promover “transformação social”. Foi dessa linha de pensamento que surgiram as condições necessárias para que Sabiá, em 1968 fosse vaiada por uma plateia que preferiu um hino maoísta, Para não dizer que não falei de Flores, como vencedor do Terceiro Festival Internacional da Canção. Esse foi, na minha opinião, um momento crucial na história da arte brasileira. Ao vaiar a obra-prima de Tom Jobim, o público brasileiro fazia uma profecia – dali em diante poderia se esperar de tudo: desde Valesca Popozuda até o Bonde do Tigrão abriu-se a lata de lixo da MPB. Ao mesmo tempo agonizavam o cinema, o teatro e as artes plásticas. A geração de 1968 conseguiu acabar com toda necessidade de recolhimento e do esforço de um verdadeiro artista quando pretende alcançar o belo e desde aquela época até hoje o que se assiste num país com a riqueza cultural do Brasil é um festival de obscenidades e uma mediocridade incrível que prima por chocar e agredir. 

Essa “nova geração”, sendo incapaz de saber o que o belo, define de forma magistral o que é o feio. Ex-prostitutas, assaltantes e traficantes lotam estádios inteiros com o charme de pertencerem “a comunidade”, “ao mundo real”, e de cantarem e atuarem “sem preconceitos” porque são “gente do povo” - como se isso fosse pré-requisito mínimo para “ser artista”. Cantam, não as ruas, mas o lixo delas nas grandes cidades porque fazem a apologia da maconha, do crack e da iniciação sexual precoce da mulher brasileira. 

Nossa literatura toda prima pela pornografia e desabafos de escritoras que fracassaram no casamento e na criação dos filhos. Nossos “grandes escritores” são uma vergonha num país que deu ao mundo gente como Machado de Assis, Érico Veríssimo e Mário Quintana, além de pensadores como Gilberto Freire ou Mário Ferreira dos Santos. Seu único dado de currículo é literalmente terem sobrevivido ao uso fanático de drogas e as tais “experiências místicas” dos anos 60. Nossos artistas plásticos flertam com a esquizofrenia a ponto de, ao entrarmos em uma exposição, não sabermos o que é a “obra” e o que pertence a parte do ambiente onde não passou o serviço de limpeza. Na mesma linha, o cinema nacional leva as telas a vida de uma prostituta viciada em cocaína como alguém que “venceu na vida”. 

Tudo lixo...tudo mentira..e pior financiado por um Governo Federal corrupto que insiste em promover esse tipo de gente sempre, é claro, roubando tudo que pode, inaugurando todo tipo de obra com cantoras nordestinas de minissaias tão curtas quanto suas ideias e bobalhões com cabelo moicano cheio de gel cantando com sotaque de Ribeirão Preto.

Encerro aqui meus amigos. Que vergonha ser brasileiro nessa hora! Nietzsche achava que deveríamos buscar uma vida além do bem e do mal. Ele jamais conseguiu e morreu louco por causa disso mas o Brasil alcançou algo impressionante – uma arte além do belo e do feio, uma imundície tão grande que não representa nada mais do que a morte da própria arte. 
Por: Milton Pires é médico em Porto Alegre - RS

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

IGREJAS ARRECADAM R$ 20 BILHÕES NO BRASIL EM UM ANO

Em um país onde só 8% da população declaram não seguir uma religião, os templos dos mais variados cultos registraram uma arrecadação bilionária nos últimos anos.

Apenas em 2011, arrecadaram R$ 20,6 bilhões, valor superior ao orçamento de 15 dos 24 ministérios da Esplanada --ou 90% do disponível neste ano para o Bolsa Família.

A soma (que inclui igrejas católicas, evangélicas e demais) foi obtida pela Folha junto à Receita Federal por meio da Lei de Acesso à Informação. Ela equivale a metade do Orçamento da cidade de São Paulo e fica próxima da receita líquida de uma empresa como a TIM.

A maior parte da arrecadação tem como origem a fé dos brasileiros: R$ 39,1 milhões foram entregues diariamente às igrejas, totalizando R$ 14,2 bilhões no ano.

Além do dinheiro recebido diretamente dos fiéis (dos quais R$ 3,47 bilhões por dízimo e R$ 10,8 bilhões por doações aleatórias), também estão entre as fontes de receita, por exemplo, a venda de bens e serviços (R$ 3 bilhões) e os rendimentos com ações e aplicações (R$ 460 milhões).
Sérgio Lima/Folhapress 
Lucilda da Veiga paga dízimo com cartão de débito em igreja evangélica de Brasília


"A igreja não é uma empresa, que vende produtos para adquirir recursos. Vive sobretudo da doação espontânea, que decorre da consciência de cristão", diz dom Raymundo Damasceno, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

Entre 2006 e 2011 (último dado disponível), a arrecadação anual dos templos apresentou um crescimento real de 11,9%, segundo informações declaradas à Receita e corrigidas pela inflação.

A tendência de alta foi interrompida apenas em 2009, quando, na esteira da crise financeira internacional, a economia brasileira encolheu 0,3% e a entrega de doações pesou no bolso dos fiéis. Mas, desde então, a trajetória de crescimento foi retomada.
Editoria de Arte/Folhapress 


IMPOSTOS

Assim como partidos políticos e sindicatos, os templos têm imunidade tributária garantida pela Constituição.

"O temor é de que por meio de impostos você impeça o livre exercício das religiões", explica Luís Eduardo Schoueri, professor de direito tributário na USP. "Mas essa imunidade não afasta o poder de fiscalização do Estado."

As igrejas precisam declarar anualmente a quantidade e a origem dos recursos à Receita (que mantém sob sigilo os dados de cada declarante; por isso não é possível saber números por religião).

Diferentemente de uma empresa, uma organização religiosa não precisa pagar impostos sobre os ganhos ligados à sua atividade. Isso vale não só para o espaço do templo, mas para bens da igreja (como carros) e imóveis associados a suas atividades.

Os recursos arrecadados são apresentados ao governo pelas igrejas identificadas como matrizes. Cada uma delas tem um CNPJ próprio e pode reunir diversas filiais. Em 2010, a Receita Federal recebeu a declaração de 41.753 matrizes ou pessoas jurídicas.

PENTECOSTAIS

Pelo Censo de 2010, 64,6% da população brasileira são católicos, enquanto 22,2% pertencem a religiões evangélicas. Esse segmento conquistou 16,1 milhões de fiéis em uma década. As que tiveram maior expansão foram as de origem pentecostal, como a Assembleia de Deus.

"Nunca deixei de ajudar a igreja, e Deus foi só abrindo as portas para mim", diz Lucilda da Veiga, 56, resumindo os mais de 30 anos de dízimo (10% de seu salário bruto) à Assembleia de Deus que frequenta, em Brasília.

"Esse dinheiro não me pertence. Eu pratico o que a Bíblia manda", justifica. Por: FLÁVIA FOREQUE DE BRASÍLIA  Folha de SP