sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

BIPOLAR!

Segundo o DSM IV a bipolaridade ou Transtorno Afetivo Bipolar tem como característica básica “a alteração de humor com episódios maníacos e depressivos ao longo da vida”. No que se refere à bipolaridade, a psiquiatria tem como base única para o entendimento do transtorno as alterações do humor. Em Filosofia Clínica o humor está ligado ao tópico 04, as Emoções. Sendo assim, a bipolaridade pode ser entendida como a troca de conteúdos em um mesmo tópico, ou seja, ou estou emotivamente muito feliz (maníaco) ou estou emotivamente muito triste (depressivo). Segundo o próprio DSM estas alterações episódicas se dão ao longo da vida, ou seja, tanto podem se dar em poucos minutos como podem levar muitos anos. Enfim, a alteração de qualidade das emoções faz com que uma pessoa possa ser considerada Bipolar pela psiquiatria.

Não há aqui a intenção de concordar ou discordar com a nomenclatura ou o diagnóstico sintomático da bipolaridade, mas propor outros entendimentos. Até o momento se fala em bipolaridade, mas existem pessoas que são “tripolares” ou “tetrapolares”. No consultório, uma bipolaridade muito comum que encontro é a briga entre as emoções e o raciocínio. Acontece algumas vezes de encontrar pessoas que estão saindo de um casamento, e, ao falar do amor que sentia pelo marido ou esposa, a dificuldade com os filhos, a pessoa sofre, chora, fica desolada. No entanto, quando o assunto é divisão de bens, cálculo de valores, ajustes judiciais, a pessoa se ilumina, os olhos brilham, ela adora isto. 

Há ainda pessoas para as quais podemos chamar de “tripolares”: são pessoas que apresentam vivências pontuais em cada um dos tópicos. Seria o caso de uma pessoa que quando está na Igreja, rezando, se porta como o maior dos fiéis, se compromete com Deus, é um exemplo de fé. Porém, saiu da Igreja, viu seu carro sendo riscado por um rapaz, pega o mesmo e quase o espanca. Pergunta: onde está a fé? O perdão? O detalhe é que neste momento ao viver o conteúdo das emoções, no caso a raiva, ele a vive intensamente, ficando cego para a fé. Acontece que ainda chegando na delegacia para lidar com o problema gerado pela agressão ao menino ele se apresenta calmo e extremamente calculista. Agora, frente ao delegado é o raciocínio quem comanda, nem a fé da Igreja, nem a emoção do momento estão presentes, é apenas o pólo da razão que comanda agora. Os “tetrapolares” também são pessoas que tem vivências pontuais de acordo com o momento.

Outro tipo de bipolaridade se encontra nos papeis existenciais. Provavelmente você já deve ter ouvido a expressão: “Meu pai com os amigos dele é uma pessoa, em casa é totalmente outra”. E quando a pessoa se referia que seu pai era totalmente outra pessoa, estava falando de um homem agressivo, bravo, frio, calculista. Essa bipolaridade vem do exercício dos papeis existenciais, onde ele aprendeu que como amigo não tem compromisso, é momento de falar bobagem. No entanto como pai ele tem o compromisso de educar, orientar, ensinar, mostrar como o mundo funciona. A quebra que o papel existencial amigo e pai mostram, na maior parte das vezes não são compreendidos.

Quando as vivências são pontuais elas podem se apresentar como polares, ou seja, voltadas a um extremo. Provavelmente cada um de nós somos bipolares, uns mais, outros menos.

Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

AMBIÇÃO


Muitos defendem a palavra ambição com unhas e dentes alegando que todos devem ter ambição para chegar a “algum lugar na vida”. De acordo com as definições encontradas, este lugar onde se pode chegar com ambição seriam: poder, dinheiro, glória, bens materiais, etc.. Felizmente as coisas não são tão simples quanto aparentam ser, ou seja, não quer dizer que tendo ambição chegarei a “algum lugar”. Nas organizações, principalmente, a ambição é vista como algo bom, pois significa que o colaborador quer mais do que aquilo que tem, quer “subir”. Há muitos casos em que a vontade de “subir” é tão grande que a pessoa acaba pisando naqueles que estão a seu lado para chegar ao lugar que ambiciona. É justamente por causa do conceito de ambição que muitas pessoas são tidas como acomodadas, pois não querem mais do que aquilo que têm. É sobre os ditos “acomodados” que vamos fazer um pequeno exame.

Pense na seguinte situação: você entra em uma organização, começa como funcionário da produção, algum lugar como Assistente de Serviços Gerais, em outras palavras, um “faz tudo”. Com o tempo sua ambição lhe leva à faculdade, você estuda e com alguns anos de muito trabalho e dedicação encontra-se como contador. O trabalho é bom, o salário não é aquilo tudo, mas cumpre as expectativas, você decide que quer ter uma família, comprar um carro, ter casa na praia, enfim. Você não se contenta apenas em ser contador, quer ser o melhor contador, faz pós-graduação, mestrado, doutorado, está entre os melhores contadores. Apesar desta trajetória, muitos colegas podem vê-lo como acomodado, pois está na mesma empresa há vinte anos e ocupa a mesma posição. Os que pregam ambição olham o contador e veem um acomodado, mas ele mesmo se vê exatamente onde queria estar.

Um exemplo um pouco diferente pode ser ilustrado com uma pessoa que veio da roça, entrou na empresa e depois de alguns anos chegou ao cargo de supervisor. De tudo o que tinha sonhado na vida foi muito mais longe, o pouco estudo e muito trabalho compensaram as dificuldades. Olhando de fora alguém pode dizer que ele não foi muito longe na vida, no entanto para ele mesmo a caminhada já foi longa até ali. Ele vê como muito difícil continuar e tentar novos cargos, por isso ele olha a própria história e vê orgulhoso o lugar que ocupa na empresa.

A ilusão de que todos têm de ter ambição leva muitos ao “lugar” que outros disseram que ele deveria querer. Infelizmente muitas vezes o tal lugar para onde deveria chegar não tem nada a ver com a pessoa que chegou lá. São vários os casos em que a pessoa deseja ser promovida porque acredita que todos têm de ter ambição. Quando a promoção chega a pessoa assume o cargo como a coroa pela ambição, pois todos queriam estar onde ela está. Aos poucos percebe que nem ela mesma quer estar onde está, que jamais deveria ter saído de onde estava, que a ambição a levou ao lugar errado.

Ambição pode fazer com que a pessoa deixe para trás coisas das quais vai sentir muita falta, como pessoas, cargo, mulher, filhos. Eu posso me realizar onde estou, fazendo o que faço, estando com as pessoas que estou. Mudar de lugar, de cargo, de situação financeira não é a ambição de todos, mas de alguns. É possível que eu seja muito mais realizado fazendo durante vinte anos a mesma função do que alguém que mudou de cargo uma vez por ano. Ter ambição não é para todos, cada pessoa é diferente, não tenha a sua medida com relação ao outro.

Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A TARTARUGA QUE NOS HABITA

Quando comecei a correr, fazia por esporte. Mais tarde, descobri que além do benefício saúde física, a corrida me deixava tranqüilo, bem humorado e inspirado para a vida. Não sei explicar como funciona, mas a sensação que tenho é que à medida que me desloco para frente, as preocupações vão ficando para trás.

Funciona como uma terapia alternativa. Se alguma ansiedade começa a incomodar, coloco o tênis, calção, boné e saio trotando. Troco percursos, inverto o sentido das ruas, acelero o passo, desço ladeiras. Preciso estar em movimento. Quase sempre, depois de uns 30 minutos de corrida, já me sinto bem melhor, sem apreensão alguma.

Aproveitando esta experiência do bem estar promovido pela corrida, decidi fazer um movimento diferente. Uma viagem sem destino fixo, sem horários e sem data para voltar, com todas as estradas que o mundo oferece abertas. Meus únicos compromissos seriam deixar a vida me levar e dar espaço para as emoções escolherem o melhor caminho.

Juntei um bom dinheiro, arrumei a mochila e parti para a Europa. O ponto de partida seria Cascais, uma cidade litorânea em Portugal, na qual já havia estudado e tinha ótimas recordações. Reservei o mesmo hotel daquela época. Ficava em frente a praia. Uma baía que durante o dia recebia os banhistas e à noite os barcos dos pescadores.

O cheiro de peixe fresco, as aves voando sob a luz da lua refletida no mar, o chope super gelado servido no bar irlandês, a música pop ao vivo pareciam dar uma sensação de paraíso, segurança e tranqüilidade.

Mas não era nada disso, eu estava perdido. Logo percebi que correr mecanicamente com as pernas é uma coisa, viajar com as emoções é outra bem diferente. Sabia fazer programa de turista, visitar museus, parques, restaurantes, mas não tinha a menor noção de como viajar sensorialmente, absorvendo e deixando um pouco de mim em cada lugar.

Minha jornada estava ligada a movimento, mas era um tipo de ação diferente. As surpresas do caminho apareceriam quando eu menos esperasse, ou quando as percebesse. Exigiria atenção, vivência, sensibilidade. Deveria ser uma corrida diferente das que estava acostumado. Corrida com pausas, ou quem sabe até, mais pausas que movimento. 

Durante três noites seguidas freqüentei o mesmo bar. Entre um chope e outro conversava com o garçom, um senhor irlandês que escolhera aquela praia para fugir de Dublin e montar família. O bar estava quase fechando, cinco horas da manhã, o sol nascendo, mas lembro bem de quando Peter, o velho amigo/garçom entregou a conta das despesas junto com um bilhete. Apenas quatro palavras e um piscar de olhos: Release – Recover – Recharge - Remember.

Apesar do adiantado da hora e da quantidade de bebida, ainda assim, reconheci que aquilo fazia sentido com nossas conversas e poderia me ajudar. O problema é que não vinha com manual de instruções, mapa, caminho, direção. Apenas quatro palavras em inglês.

A viagem era só minha e a vida não funciona como um manual. Deveria descobrir o caminho e dar o primeiro passo. Já havia começado e nem havia percebido. Minha primeira atitude pareceu um tanto radical: abandonei relógio, telefone celular e computador. Quase ao mesmo tempo, procurei deixar as preocupações rotineiras do outro lado do Atlântico.

Mas a liberação que precisava ser feita era outra. Papel existencial, títulos, currículo, posses (coisas e status atrás das quais algumas pessoas se escondem) também faziam parte do pacote a ser descartado. Na teoria pode parecer fácil, mas na prática é como pedir para uma tartaruga deixar seu casco e andar desnuda, magrela, frágil, se expondo, sem receio de passar por ridícula.

A jornada precisava ser realizada sem adornos ou máscaras. Qualquer portal ou fachada pesariam demais na bagagem. Autenticidade era o preço da passagem.

Precisei de um tempo e algumas recaídas para me acostumar. Sentava no banco da praça e ficava observando as pessoas que por ali circulavam. O pescador voltando para casa com aspecto de esfomeado, a florista de preto arrumando os vasos, a menina de óculos sendo puxada pela coleira do cão, os estudantes fumando maconha sentados atrás da árvore. Imaginava como seriam suas vidas e o quanto representavam ou estavam sendo autênticos.

Volta e meia durante uma conversa, ainda exibia alguma façanha, ressuscitava outra sedução. O período de recuperação terminou quando senti que abandonando estas posturas não estava perdendo nada.

Pelo contrário, ficava mais leve para me recarregar, e isto envolvia deixar de observar as pessoas e passar a senti-las, colocando-me em seus lugares. Tomei coragem e sentei ao lado da florista, uma linda mulher, cabelos pretos e longos com aproximadamente 45 anos de idade. Puxei assunto, ela respondeu sorridente e logo estávamos numa animada conversa. Ela falava português e espanhol. Fácil de entender.

Ensinou-me que existem folhas que funcionam como lixas para unhas e folhas que funcionam como algodão, tamanha a suavidade. Contou-me que assim como rosas podem embelezar casamentos e cemitérios, flores também brotam e murcham proporcionalmente à energia que recebem, no entanto, flores precisam desabrochar para continuar a viver, pois reter é quase como perecer.

Convidou-me para visitar sua casa. Um verdadeiro jardim multicolorido. Paredes e móveis completamente integrados com plantas. Serviu-me um chá com pétalas e ervas que colhemos juntos, cuidadosamente para não machucar as flores. Na medida em que ia saboreando, o sabor de campo se misturava ao cheiro das flores. Tudo fazia sentido. Tudo parecia estar no lugar certo. Aquela tranqüilidade que eu não sabia se iria encontrar, ali escancarava sua imponência.

Contou-me que se vestia sempre de preto para realçar o colorido da natureza. Ensinou-me também que a beleza das flores não está na forma e sim na essência. Tapou meus olhos com uma venda preta para que pudesse sentir o perfume exalado e a maciez das pétalas e folhas. Em seguida pediu-me para imaginar a forma e cor daquela experiência.

O perfume iria marcar meu olfato e minha mente. Sempre que o sentisse, independente de estar na presença da planta, a imagem da flor criada naquele instante, brotaria em minha memória.

A noite estava começando e flores dormem cedo. Combinamos de nos encontrar na praça na manhã seguinte. Voltei caminhando para o hotel. Enquanto pensava nas flores e ainda sentia os aromas, cruzei com uma tartaruga na estrada.

Ao sentir minha presença, o animalzinho preferiu se encolher e refugiar-se dentro do pesado casco que se obriga a carregar nas costas e faz com que suas caminhadas sejam lentas, quase arrastadas. A tartaruga vive em média 200 anos escondida. Vive ou apenas existe?

Viver é a coisa mais rara do mundo, mas para desfrutar desta felicidade, melhor não alimentar demais a tartaruga que nos habita. 
Por: Ildo Meyer Do site: http://www.ildomeyer.com.br/

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

QUAL A SUA LÓGICA?

No mundo, segundo especialistas de várias áreas, existe uma lógica no processo que chamamos viver. Essa lógica, segundo os mesmos, regulamenta nossa forma de viver e faz com que sejamos quem somos. Há uma lógica na movimentação dos fluidos, há uma lógica na movimentação das massas de ar, há uma lógica para explicar as reações químicas que acontecem no cérebro. Enfim, a lógica é a parte da filosofia que cuida para que as coisas possam ter certo sentido, ou seja, para que uma argumentação possa ser conduzida corretamente das proposições ao juízo. O juízo, conclusão, só será considerado correto ou verdadeiro na medida em que respeitar as proposições. Um dos exemplos mais famosos de lógica é: Todo homem é mortal, Sócrates é homem, logo, Sócrates é mortal. Perceba que o movimento da primeira proposição até a conclusão se complementam.

Esse exemplo de lógica funciona muito bem no papel, num raciocínio matemático, algébrico, mas será que funciona tão bem assim na vida? Será que um pensamento lógico é assim tão exato na vida? O que se percebe no consultório é que não. Algumas pessoas me procuram com uma questão parecida com esta. Dizem: “Doutor, ele é ruim comigo, ele é grosseiro com minha família, ele só tem interesses em mim e eu gosto dele”. O que a moça quer dizer é: “Mesmo tendo todos os motivos para se afastar desse rapaz, ela gosta dele”. Mas, muito diferente do papel, onde o pensamento se desenvolve com base na razão, ao menos deveria, na vida utilizamos outras ferramentas para se chegar a uma conclusão que não fecha com a lógica.

Cada um tem sua lógica interna, como diz um filme, alguns seguem a lógica do amor. Pessoas estas que seguem de maneira quase que cega o que o seu coração aponta. Muitas vezes se arrebentam na vida, pois a pessoa por quem se apaixonaram não lhes quer. Outros seguem a lógica de mercado, para estes o que tem maior valor (preço) é o que orienta as suas lógicas de pensamento. Há também as pessoas que usam a lógica do prazer, muitas delas caem na vida pelo álcool, drogas, pois é o prazer quem comanda esta lógica. A lógica de cada um é o que chamo de lógica existencial e para cada um ela tem sua forma de chegar a num resultado verdadeiro.

Mas, mesmo que cada um tenha a sua lógica, às vezes, essa lógica não coincide com a lógica do outro. Veja o caso de uma menino que pensa consigo que, se ele amar muito uma menina, se dedicar integralmente a ela, ela também vai amá-lo. Só que para a menina, objeto de seu amor, um homem que tenha muitas posses, na sua cabeça é aquele que vai fazê-la feliz e não o que a ama. Para o menino é o amor, para a menina são as posses. Quando a conta não fecha é natural que em algum lugar fique aparente que algo está errado. Algumas vezes é o casamento que não dura, são lógicas diferentes tentando conviver no mesmo espaço.

Há ainda a lógica da fé, segundo a qual, se o meu relacionamento com Deus for bom, eu rezar obterei sua ajuda. Mas, para muitos fieis Deus deve ter tirado uma folga, não é fácil de entender como que alguém que rezou toda uma vida, foi muito devota, morreu esperando seu auxilio. De vez em quando se vê uma família se perguntando e perguntando a Deus sobre o assunto, a lógica não fecha.

É assim mesmo, assim como cada um de nós tem a sua lógica, Deus também deve ter a dele. Entender qual é a minha lógica torna mais fácil entender quando as contas não batem, perceber que algo está errado. Não porque esteja errado, mas por que na minha forma de pensar não é certo. Mas, mesmo assim, tenho de entender que o meu modo de se chegar a um resultado não é o único, posso estar errado.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

domingo, 26 de janeiro de 2014

DESFECHO

Esta semana lendo o jornal vi uma reportagem que falava de um grande pesquisador americano que se dedica a mostrar como o cérebro nos engana. O exemplo usado pelo pesquisador é da dieta que a pessoa diz que vai começar na segunda, mas que antes do fim de semana come mais que o normal, que compra frutas e verduras na sexta-feira, mas as deixa murchar até a segunda-feira, deixando-as de certa forma menos atrativa. Outro exemplo são de grandes objetivos que temos com relação a nós mesmos que não conseguimos alcançar porque nosso cérebro não nos deixa levar adiante. Os exemplos citados por ele mostram situações em que o cérebro não nos deixa concluir nossos objetivos, realizar uma tarefa que “queríamos” fazer.

É comum ouvir num consultório de Filosofia Clínica coisas como: gostaria de começar um regime, mas não consigo; queria voltar a estudar; nunca conseguir dizer que amo aquela garota. Cada um destes exemplos são situações em que o que eu quero, preciso, devo, enfim, o que era para ser feito, não foi. Mas o que fez com que não acontecesse o desfecho? O que travou a pessoa a ponto de ela não levar a cabo o que pretendia? Para cada um pode ser um motivo diferente, mas em cada um de nós há o que nos estimula e o que nos trava. Em Filosofia Clínica, ao estudar a história de vida da pessoa, provavelmente vamos saber o que a travou, ou seja, que não deixou a pessoa ir ao desfecho. Lembrando que algumas coisas não devem mesmo ir em direção ao desfecho, são perfeitas quando não acabadas.

Mesmo sem saber o que travou o projeto de alguém, pode-se indicar algumas maneiras de começar o que deveria levar a um fim. Para algumas pessoas o projeto não começou ainda porque não tem uma data, ou seja, a falta de estipular um início e fim faz com que ela nem inicie. Se for este o caso, pode-se ver o projeto de vida e colocar datas, tanto de início quanto de fim, com isso provavelmente ele sairá do pensamento. Alguns podem dizer: “eu já fiz isso”. Talvez sim, mas para alguns as datas não podem vir deles mesmos, precisam vir de fora. Pode-se citar um exemplo da esposa que chega para o marido e diz: “Você tem seis meses a partir da semana que vem para perder 10 quilos”. Pronto, agora, com uma data que veio de fora ele consegue colocar em prática o que há anos sozinho não conseguia.

Em outros casos o problema está no tamanho do percurso que se tem de trilhar para chegar a um fim. É como uma caminhada, enquanto o objetivo final não é visível o caminhante permanece firme e forte, sequer cansa, mas quando vê o objetivo a alguns metros parece que não vai lcançar. Para este tipo de pessoa, normalmente se diz que nadaram, nadaram e morreram na praia. Talvez se para estas pessoas a caminhada fosse dividida em pequenas etapas, é provável que cada pequeno trecho teria um peso muito menor que o todo. É como a faculdade que tem cinco longos anos, sendo que a mesma pode ser dividida em dez curtos semestres. Se o caminho tiver pequenas divisões e for completado em cada parte, ao final a pessoa terá o todo.

Há ainda as pessoas que precisam de companhia, aquelas que têm seus objetivos, mas concluí-los depende de alguém que possa fazer parte. É o caso das milhares de meninas e meninos que vão para a academia enquanto têm companhia de outros amigos. É o caso daquele rapaz que tem grandes ideias, mas o desfecho delas só acontecerá na companhia daquele amigo mais despachado, mas afoito. O desfecho, o término de um trajeto pode ser importante para algumas pessoas, para tantas outras não. Quando for importante o desfecho, o término, é preciso estudar na pessoa as ferramentas que possam levá-la até lá.
Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

CONSCIÊNCIA

Nos estudos de Filosofia Clínica, muitas vezes se ouve a expressão: “Mas é preciso que a pessoa tenha consciência do que está errado para mudar!” Sem muito esforço, quase todos os presentes na aula, palestra, conversa, concordam de pronto. Mas o que seria a consciência? Numa pesquisa rápida pela internet aparecem diversas definições, mas uma delas me atrai mais. Nesta definição a palavra consciência é dividida em duas partes, a primeira “com” que quer dizer junto, e a segunda parte é “scire” que quer dizer “saber, conhecer”. De acordo com esta definição a palavra consciência significa conhecer com outras pessoas, ou seja, aquilo que sei com os outros.

Fazendo uma busca mais ampla encontrei o significado dos livros de filosofia, onde o termo consciência traduz a capacidade de uma pessoa de ver a relação entre si e o ambiente. Para muitos filósofos existem dois tipos de consciência, a fenomenal e a consciência de acesso. A consciência fenomenal é a capacidade que a pessoa tem ou pode ter de processar os dados de sua experiência no ambiente. Simplificando, é a capacidade que você tem, de agora, enquanto lê, ouvir o som, sentir o cheiro, perceber o mundo a sua volta. Já a consciência de acesso, esta é um pouco diferente, é a capacidade que temos de entender ou não a nossa relação com o que se passa em volta. Neste caso é a capacidade que você tem de ouvir uma pessoa falar o seu nome e saber que ela fala com você.

Para transpor esse termo para a Filosofia Clinica precisamos entender o processo da consciência, ao menos o que se diz que as pessoas têm que ter. O primeiro passo é a pessoa se perceber dentro de um contexto específico, ou seja, se você está dirigindo na pista do ônibus em plena avenida, deve saber que é errado. Pode parecer estranho, mas algumas pessoas não se percebem dentro de um contexto, para elas o que importa, interessa, é que elas façam o que entendam precisam, ou querem fazer. Esse é um primeiro obstáculo para a consciência, pois, para muitas pessoas, por mais que falemos, elas sempre vão entender que elas estão certas. Tenho certeza que você conhece alguém que sempre está certo, ou, como se diz, não tem consciência do que fez.

Uma segunda questão de tantas, é a epistemologia, o conhecimento. Digamos que a pessoa se vê dentro do contexto, percebe-se na relação com as outras pessoas, mas ela não consegue conhecer o que está acontecendo. Um exemplo são as pessoas que sabem que o casamento está desmoronando, sabem que elas são as mais responsáveis por isso, mas não conseguem aprender com isso, conhecer. Parece estranho, mas acho que você já deve ter olhado o motor de um carro, até dirigido um, mas não tem a menor ideia de como funciona. Isso faz com que, mesmo você se vendo, não consiga ter consciência do que está errado, isso porque o aprendizado não acontece.

Muitas pessoas têm consciência quando estão em relação com outras, entendem perfeitamente o seu lugar em cada espaço, mas, infelizmente, não têm consciência de si próprios, são pessoas que comem mal, dormem mal, vivem mal e não tem a menor ideia que estão fazendo isso. São pessoas que aprenderam conhecer tudo, menos elas mesmas. É perfeitamente possível que você tenha fortes dores de cabeça, mas nunca aprendeu a lidar com ela, nunca tentou conhecer a sua própria dor de cabeça.
Esse tema é muito vasto, aqui apenas coloquei algumas possibilidades. Apenas ilustrei as possibilidades de se ter ou não consciência, mas gostaria de deixar uma pergunta: “Por que ter consciência?”
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

PENSAR DIALÉTICO

Inicio por lembrar que cada pessoa é um mundo, uma realidade completamente diferente de todas as outras. Isso faz com que cada um de nós seja diferente, desde nossa realidade física até a cognitiva. Digo isto apenas para salientar que, quando usar neste artigo a expressão “tipo de pessoa” estou me referindo a uma forma de se relacionar com a exterioridade que é o mundo. O mundo é tudo aquilo que é exterior a mim, ou seja, o sol, as nuvens, as árvores, etc. Além de tudo isso que existe e constitui o mundo de cada um há também pessoas, os outros. Nós, no dia-a-dia nos relacionamos, inevitavelmene, com o mundo e com os outros.

Das várias formas de se relacionar vamos nos dedicar a uma em especial, a relação dialética. A dialética enquanto método ganhou conhecimento por Hegel, mas diz-se que o pai desta teoria pode ser Zenão de Eléia ou até mesmo Sócrates, o qual se popularizou entre os gregos por levar as pessoas à verdade. O pensamento dialético cresceu, se popularizou na filosofia e foi adotado por muitos filósofos como método científico, assim como foi condenado por muitos outros como não sendo nada científico. Enfim, científico ou não, interessa em que medida essa metodologia contribui para a Filosofia Clínica.

A dialética enquanto método se realiza em três estágios: a tese, a antítese e a síntese. Na tese eu tenho aquilo que é como teoria, ou seja, tenho uma ideia já formada. Pense no conceito que você tem de você mesmo: essa ideia que você elaborou de você mesmo pode ser considerada uma tese. Num segundo momento vem uma ideia contrária a que você formou de si mesmo, essa ideia contrária é a antítese. Vamos dizer que você se considera uma pessoa bondosa e desprendida, essa é a sua tese, mas um amigo seu, muito sincero, diz que você não é bom e muito menos desprendido. Para ser mais sincero, este amigo diz que você é avarento. Agora, com a tese a respeito de você e a antítese dada por seu amigo também a respeito de você, irá surgir uma terceira e nova ideia: a síntese. A síntese é o resultado da união da tese com a antítese, não a simples negação de uma pela outra.

Pessoas que têm o pensamento dialético costumam ter uma ideia feita, pronta a respeito das coisas da vida. No entanto, no dia-a-dia, no convívio com as pessoas e com as coisas, elas podem tanto receber quanto perceber opiniões diferentes das que têm. Quando isto acontece, elas entram num processo de reflexão a respeito daquilo que sabiam com o que receberam, para então formular algo novo. Se o processo dialético foi feito por simples negação, pode acontecer o famoso oito ou oitenta, onde a pessoa aceita ou nega aquilo que veio de fora.

O processo dialético não precisa necessariamente de um agente externo, algumas pessoas fazem esse caminho sozinhas. Elas mesmas, pela maneira como se desenvolveram na vida, precisam da contradição como maneira de desenvolver o seu pensamento. Não é certo, nem errado, bom, nem mau, é apenas uma das formas de se pensar. Há tantas outras com eficácia igual ou maior e também menor do que esta.

Na relação com o outro, seja ele coisa ou pessoa, qualquer processo de conhecimento só acontece na medida em que eu recebo o outro. Alguns filósofos falaram em sair de si como processo de antítese, mas a antítese só acontecerá realmente se eu me abrir para o outro, é ele quem me trará o diferente, e não eu. Como em Heráclito, só me darei conta de que não me banho duas vezes no mesmo rio se eu deixar que o rio passe por mim e não eu por ele.
Por: Rosemiro A. Sefstrom  Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

POR QUE AMBIÇÃO E ÉTICA SÃO COMPATÍVEIS

Estranhar esta frase possui duas razões: um preconceito com relação à ambição e uma confusão entre ambição e ganância, que reforça o preconceito.

É bastante freqüente ouvirmos alguém dizer: - “Cuidado com fulano, ele é muito ambicioso”; ou, “Não gosto de tratar com pessoas muito ambiciosas, elas não têm limites”.

Para compreender que ambição e ética são perfeitamente compatíveis, basta deixar claro a diferença entre elas e as suas repercussões.
O conceito de ambição será para a nossa compreensão: “Atitude ética orientada para realizar e atingir metas e objetivos altamente significativos.” Derivada do latim a expressão que deu origem à palavra ambição tratava da ação de cercar por todos os lados as possibilidades de alcançar elevada condição.

Agora vejamos o conceito de ganância: “Atitude amoral orientada para a obtenção de ganho abusivo e antiético.”

Veja que é possível ser ambicioso sem prejudicar a ninguém, mas, todo ganancioso termina por lesar a alguém. As metas do ganancioso não são significativas no contexto social, são meramente egoístas e usurárias. Tanto é assim que a origem latina da palavra remete a agiotagem, usura (empréstimo de dinheiro a juros altos).

As vantagens e repercussões da ambição, entendida corretamente, são: 

• Foca as atitudes para a realização de metas ousadas e significativas.

• Predispõe a pessoa à busca por conquistas sucessivas e contínuas na direção de uma meta maior.

• Motiva a pessoa, porque metas de valor são perseguidas por pessoas de valor, pessoas que mantêm auto-estima elevada.

• Valoriza a vida e suas oportunidades mais dignas, propõe uma visão de carreira.

• Seus efeitos beneficiam não apenas a pessoa movida pela ambição, mas, traz conseqüências benéficas para um grupo muito maior de pessoas (aqui percebemos claramente a ética em sua tradução mais nobre).

• Pessoas ambiciosas se associam a outras pessoas ousadas com metas significativas, colecionam amigos pró-ativos e realizadores.

• Ambiciosos são freqüentemente convidados para novos projetos.

As desvantagens e repercussões da ganância, conforme definida, são:

• Mantém a pessoa presa em egoísmo profundo, buscando metas puramente individualistas.

• Foca a mente em um apetite, uma disposição a ganhar a qualquer custo.

• Caracteriza pessoas de baixa auto-estima que tentam se auto-afirmar vencendo por quaisquer meios as disputas com outras pessoas, não se importando com o que aconteça com elas.

• Gera um comportamento oportunista, ou seja, condiciona a uma utilização ilícita das oportunidades menos dignas, conduz ao carreirismo (atitude de quem utiliza métodos moralmente condenáveis para subir rapidamente).

• Seus efeitos prejudicam não apenas a pessoa movida pela ganância (que a longo prazo sempre paga um preço alto por sua ganância, sendo a solidão a exclusão do convívio das pessoas éticas o mais comum), mas traz conseqüências maléficas para um grupo muito maior de pessoas (aqui percebemos claramente a total ausência de ética face a análise das repercussões).

• Pessoas gananciosas associam-se a outras pessoas gananciosas. Quando vários egoístas se reúnem, manipulam uns aos outros para obter o que querem e uma vez conseguido o objetivo, abandonam a “vitima”. Gananciosos colecionam inimigos. 

• Gananciosos são rejeitados em novos projetos ou convidados por outros mais gananciosos que eles para servirem de trampolim.

Podemos afirmar que tudo o que se fez de grandioso no mundo se fez movido por uma ambição legítima e tudo o que de mais torpe aconteceu na história ocorreu e ocorre motivado pela ganância.

Ambição e ética são perfeitamente compatíveis. Com elas construímos um mundo melhor. Aos que preferirem apostar na ganância, apenas uma reflexão: A ganância é irmã gêmea do egoísmo, e as pessoas gananciosas, com talento e competência, são equivalentes a uma Ferrari sem freios, basta imaginar as conseqüências.

Por:Carlos Hilsdorf

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

INTERSEÇÃO


Em Filosofia Clínica a palavra Interseção designa o contato entre duas pessoas, assim como na matemática Intersecção ou Interseção refere-se aos elementos compartilhados por dois conjuntos. O contato matemático é definido por aquilo que os conjuntos compartilham entre si. Em Filosofia Clínica, esse conceito tem ainda outro desdobramento: a definição da qualidade desse contato. Em outras palavras, para um filósofo clínico, ao observar o contato entre duas pessoas ele presta atenção no que é partilhado no contato e ainda na qualidade desse contato. Sendo assim, uma Interseção pode ser positiva, negativa, confusa ou indeterminada.

O programa Super Nanny que passa na TV aberta mostra a interseção entre os pais e os filhos. A relação exposta no início do programa geralmente mostra filhos dos quais os pais não “dão mais conta”. Crianças extremamente desobedientes, boa parte das mesmas agressivas com os pais e os irmãos, geralmente usando de agressão para conseguirem o que desejam. Quando suas vontades são supridas, as crianças se acalmam até que venham a ter uma nova necessidade que deverá ser satisfeita pelos pais. Em outras palavras, a interseção com os pais é positiva para a criança enquanto ela consegue o que quer, caso contrário a interseção fica extremamente negativa.

Referente a um outro artigo chamado de “Arapuca”, onde eu falava dos pais que se tornaram reféns das necessidades dos seus filhos, recebi um comentário no qual uma pessoa disse mais ou menos assim: “Os filhos não vêm com manuais de instrução, não sabemos como eles vão receber o que damos”. O parágrafo acima praticamente responde esta questão: os filhos aprendem inclusive a receber com seus pais. Então, quando um pai entrega algo a um filho, e o dá como sendo algo sem valor como espera ele que o filho aprenda a valorizar? Pode até ser que aprenda na escola, com um vizinho, mas com certeza não aprenderá em casa. O programa Super Nanny é claro ao mostrar que desde muito cedo a criança deve aprender que ela tem direitos, mas também muito deveres e o que ganha é mérito seu.

A interseção pode ser de grande ajuda na hora da educação, uma criança que tem interseção positiva com a mãe, com o pai talvez seja mais facilmente ensinada. Diferente daquela criança que vive uma interseção confusa em que hora recebe agrados, pouco depois xingões, sem nem mesmo saber o que houve. É necessário que o pai ou a mãe sente-se junto e mostre o motivo pelo qual a qualidade da interseção ficou ruim. Aponte para a criança que quebrar os brinquedos deixa o pai e a mãe triste, mostre a ela, de um jeito que ela entenda, que deve ser diferente. Promover uma atitude consciente na relação da criança com os pais e dela com os objetos é um bom caminho para a educação.

Em muitos casos pais e filhos chegam na escola e não tem a menor ideia de como está a sua interseção. São interseções de qualidade indeterminada, nem boa, nem ruim, mas também não é confusa, é uma interseção onde a criança não sabe o que esperar do pai ou da mãe. Muitos destes casos vêm de pais que de alguma maneira não estão bem e deixam as crianças a ver navios, sob a tutela de empregados, avós. Nem sempre a interseção positiva é recomendável, algumas vezes punir o filho pode ser extremamente negativo para a interseção, mas positivo enquanto educação. Como disse Pitágoras: “Eduquem as crianças e não será necessário punir os homens”.

Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

MÉTODO X DOGMA


Durante toda a Idade Média a Igreja era a grande detentora da verdade, era ela quem determinava quais eram os conhecimentos considerados verdadeiros, assim como os falsos. Naquela época qualquer filósofo, cientista ou pensador que resolvesse propor uma verdade diferente da publicada pela Igreja estava em apuros. A estas verdades propostas pela Igreja chamamos de dogma. Muitos pensadores tiveram que se retratar dizendo que estavam errados e outros, com menos sorte, foram queimados vivos, enforcados, etc. Isso acontecia porque qualquer verdade diferente daquela publicada pela Igreja era considerada uma heresia, ou seja, uma ofensa contra a mesma. Depois desse período veio o Renascimento onde muitos artistas, filósofos, cientistas começaram a gritar a livres pulmões novas verdades, agora não mais sob a tutela da igreja. O problema que se instalou na época não era mais a liberdade de expressão, mas o quanto se poderia considerar verdade o que era dito.

Com esta preocupação vieram muitos filósofos que retomaram os gregos e foram muito além do que eles já haviam produzido. Durante a Idade Média o critério de verdade era a ligação com Deus, só podiam ser verdadeiras as verdades que Deus comunicasse aos escolhidos. Já no Renascimento e depois durante o Iluminismo nasceram vários métodos que tentaram dar ao conhecimento uma infalibilidade. Para ilustrar alguns métodos desenvolvidos naquele período pode-se citar René Descartes e John Locke.

Para René Descartes a verdade só era possível se seguíssemos o caminho da razão, para ele todo conhecimento antes de ser considerado verdadeiro deveria passar pelo crivo da dúvida. O filósofo levou tão longe sua dúvida metódica que chegou a entender que apenas por pensar é que se pode provar a existência e disso derivariam todas as verdades.

John Locke seguiu outro caminho, uniu as sensações com o pensamento. Para ele o caminho para se chegar a verdade deveria combinar o sentir com o pensar. Deste modo, o que estivesse no ambiente deveria ser recebido corretamente para que o pensamento não fosse enganado e pudesse processar corretamente as informações. Com Descartes temos a escola filosófica chamada de racionalismo e com John Locke temos a escola dos empiristas. Cada uma destas escolas trouxe colaborações inestimáveis para praticamente todos os ramos do conhecimento.

Até o momento há a ilustração prática de dogma, de racionalismo e empirismo. Até mesmo os dogmas, que são verdades existentes antes mesmo da experiência podem ser entendidos como método. O método é um caminho através do qual saio de um ponto e me desloco até outro, já o dogma vai direto ao fim do caminho sem ter que percorrê-lo. A diferença entre dogma e método está na maneira pela qual se considera algo verdadeiro ou falso, como se pode perceber até aqui.

Em Filosofia, muitos pensadores já foram e ainda são tomados como dogma. Pensadores como Platão são idolatrados e se entende tudo o que eles disseram como uma verdade. Pessoas que pegam um pensamento cristalizado e o assumem podem ser consideradas dogmáticas. Já as que pegam o pensamento de um outro autor, pensam sobre o mesmo, criticam e aproveitam somente aquilo que considerarem verdadeiro, essas são metódicas.
Em Filosofia Clínica, temos um método, um caminho para ser chegar a uma verdade, ao conhecimento. Mas, cada método tem suas falhas, suas fraquezas, como qualquer ferramenta de uma oficina. Algumas ferramentas são mais versáteis, mas ainda assim não fazem tudo. O que temos em Filosofia Clínica é um método para se conhecer uma pessoa e não uma verdade sobre um método.

Rosemiro A. Sefstrom  Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O OUTRO

“Respeito o outro, desde que ele pense, sinta e aja como eu” pode soar como um terrível discurso, de alguém extremamente rígido, dogmático; mas, infelizmente, parece ser o fundamento, ainda, de muitas ações cotidianas. Como você lida com as diferenças que se apresentam nas relações com o outro? Você costuma refletir sobre elas? Ou você costuma negá-las?" 

É tão bom quando nos aproximamos de alguém que pensa como nós, que acredita no que acreditamos, alguém com quem podemos partilhar caminhos! Ao mesmo tempo é incômodo encontrarmos alguém que nos mostre o quanto estamos equivocados; o quanto os projetos que estamos elaborando não encontram respaldo na realidade. Como lidamos com isso? Há várias formas para se lidar com isso, e elas dependem de nós, do outro, do mundo e das relações que estabelecemos entre estes vários fatores. 

Alteridade é a palavra que acompanha tais discussões. Alter significa outro; alteridade significa a qualidade de ser outro, o colocar-se como outro. Quando, no movimento de observação do outro estabelecemos a diversidade, o que é diverso, diferente, encontramos a diferença. 

Falamos muito, hoje, de diversidade, respeito às diferenças, celebrar as diferenças, alteridade, e isso não apenas no âmbito de nossas vivências coletivas, tratando das relações entre os povos, mas também em nossas vidas singulares, em nossas relações com aqueles que nos rodeiam. Ao mesmo tempo, presenciamos muitas atitudes que demonstram exatamente o oposto do discurso de respeito à diferença, quando não somos nós mesmos os agentes de tais ações. 

“Respeito o outro, desde que ele pense, sinta e aja como eu” pode soar como um terrível discurso, de alguém extremamente rígido, dogmático; mas, infelizmente, parece ser o fundamento, ainda, de muitas ações cotidianas. 
Como você lida com as diferenças que se apresentam nas relações com o outro? Você costuma refletir sobre elas? Ou você costuma negá-las? Você conversa sobre elas com o outro? Ou você já considera que ele está errado e não há o que conversar? Ou ainda, você imediatamente considera que ele está certo, porque, afinal, você sempre está errado ou, simplesmente, porque o outro deve saber mais sobre o mundo que você? Você costuma investigar as bases, as origens, os motivos para se pensar de modo diferente? Na sua opinião, é possível que duas ideias diferentes sobre uma mesma questão possam ser, ambas, verdadeiras? 

Reflitamos sobre algumas das formas colocadas. Há pessoas que costumam refletir sobre as diferenças, tentando compreendê-las, tentando ratificar ou retificar suas próprias ideias e ações. Poderíamos remontar algumas ideias presentes no pensamento de filósofos da Antiguidade. Platão, por exemplo, ao distinguir entre aparência e realidade, poderia responder a questão afirmando que uma pessoa está vendo apenas a aparência, enquanto a outra enxerga para além disso, ou que ambas estão com uma visão parcial, superficial da questão, estando ambas corretas, mas não totalmente, o que exigiria um mergulho mais profundo sobre a questão. 

Mas que recursos teríamos para que pudéssemos fazer tal mergulho, buscando maior profundidade e, consequentemente, maior compreensão? Para ele o caminho seria o diálogo investigativo, buscando a gênese de nossos pensamentos, e verificando os possíveis erros no caminho. Nada como um outro, que não sou eu, para me provocar a ver aquilo para o qual estou cega. Mas para que eu possa enxergar se aquilo que o outro apresenta, mostra, faz algum sentido, preciso estar disposta a olhar junto com ele, a pensar junto com ele, a acompanhar seu processo de construção de ideias. 

Da mesma forma, ele também deverá ter a mesma disposição para pensar junto comigo. Você conhece alguém, nas suas relações, que tem tal disposição? Você possui essa disposição? Caso afirmativo, geralmente, qual o resultado dessas conversas? 

Observe que concluir, via diálogo, que algo é o melhor caminho apenas porque os participantes da conversa chegaram à mesma conclusão é arriscado, pois todos podem estar partindo da mesma perspectiva, de uma mesma forma de ler o mundo, e que pode não estar, necessariamente, correta. Podemos estar, todos, na mesma armadilha (clique aqui e leia), criando um sistema coerente de ideias, porém equivocado. 

Obviamente, quem conhece um pouco do pensamento platônico sabe que ele não se referia a isso, porque para ele há uma realidade a ser descoberta, um “Mundo das Ideias”, no qual o conceito é o real. Mas como ter a certeza de tê-lo atingido? Além disso, nunca conseguiremos a garantia de termos explorado todas as possibilidades. Algumas poderiam nos escapar. Assim, voltamos à questão, como lidar com a diferença?

Negação é uma forma comum de se lidar com a diferença

Para alguns, o que se coloca como diferente daquilo que sou traz impedimentos, objeções a meu modo de ser. Assim, a busca de uma solução para o problema faz-se necessária. A negação é uma forma muito comum de se lidar com a questão, embora nem sempre seja a melhor. É diferente de mim? Não existe! Não pode existir. Por quê? Talvez porque pareça ser perigoso que algo diferente do que sou seja legítimo. Qual o perigo? Se apenas uma única forma for possível como verdadeira, a existência e afirmação do outro coloca em risco a existência e a afirmação daquilo que sou. 

A questão se coloca como se competíssemos o tempo inteiro para a replicação de um modo de vida. Algo similar ao que Richard Dawkins denominou vírus, e em alguns casos vermes, da mente. Olhando assim, de fora, parece uma bobagem: “Por que alguém se sentiria ameaçado só por existir um outro diferente daquilo que ele é?”. Mas, se observarmos melhor nossa história e nossa vida cotidiana, perceberemos que há muitos exemplos assim.

O próprio diferente, quando busca afirmar-se negando o outro, repete a mesma forma de lidar com a questão. Se uma “minoria” decide defender seus direitos afirmando sua superioridade sobre a “maioria”, colocam-se apenas dois modelos e a necessidade por escolher um deles, mas o problema continua o mesmo. Deleuze, em um texto recém traduzido, no qual comenta o teatro e o cinema de Carmelo Bene, Um manifesto de menos, exemplifica de modo muito preciso essa questão. Imagine se hoje fosse retirado, de sua vida, ou de nossa sociedade, os elementos centrais, “principais”, como ela seria reordenada? Como ficariam as relações? Seriam as mesmas?

No livro Diferença e repetição, Deleuze discute o quanto, de fato, nós respeitamos a diferença, ou apenas repetimos o mesmo, os mesmos modelos, as mesmas formas, mudando apenas conteúdos. Muitas vezes tentamos resolver o problema da diferença dissolvendo-a na síntese. Mas esse também não é um caminho, primeiro porque a síntese poderá ser uma nova tese, e o problema será perpetuado ao infinito. Mas principalmente porque nem sempre, diante da diferença, a solução é a síntese. 

A síntese pode conter elementos da tese e de sua antítese, mas supõe a necessidade de que se tenda sempre a uma forma única, destacando a impossibilidade do convívio com o diferente. Assim Deleuze exemplifica como a dialética hegeliana não resolve o problema da diferença, mas tenta absorver o diferente na síntese, reafirmando o modelo do “mesmo”, ou repetindo. Mas ele também exemplifica como muitas outras soluções tradicionais não o resolvem, apenas repetem o mesmo padrão.

Durante muito tempo, e ainda hoje este é considerado um caminho válido, a ciência foi responsável por apresentar as “provas” para validar determinados modelos. Pesquisas definindo os conceitos de normalidade, as médias, normas e padrões aceitáveis como o modelo vigente. Podemos observar que tais modelos se modificam. Por exemplo, diferentemente das pesquisas até então desenvolvidas, prescrevendo medicamentos para nos livrar do grande mal que é a depressão, no recém-lançado livro de Horwitz e Wakefield, A tristeza perdida, os autores discutem o papel da depressão para a sobrevivência e os perigos do uso de medicamentos em alguns desses casos, questionando o paradigma que faz da depressão a doença do século XXI. 

Como você lida com a diferença quando há provas científicas da afirmação de uma postura? Você aceita porque a ciência traz respostas objetivas ou você reflete, pesquisa outras possíveis questões?

Por outro lado, a aceitação da legitimidade do outro, a efetiva celebração das diferenças, seria um bom caminho, ou também apresentaria os seus problemas? Estaríamos nós, confundindo o respeito com o “laisser faire”. Tudo é permitido e o que sobreviver é o melhor? As formas de organização da vida, tanto singular quanto coletivamente, não estariam, por si, definindo o permitido e o proibido na medida em que “tudo é permitido, mas assim não se consegue sobreviver”? 

Como você, leitor, lida com o outro, com o diferente, com aquilo que não é você?

Por: Mônica Aiub  Do site: http://www2.uol.com.br/vyaestelar/filosofia_o_outro.htm

Referências bibliográficas: 
DAWKINS, R. O gene egoísta. São Paulo: Cia das Letras, 2007.
DELEUZE, G. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal editora, 2009.
_____. Sobre Teatro. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
HORWITZ, A.; WAKEFIELD, J. A tristeza perdida: Como a psiquiatria transformou a depressão em moda. São Paulo: Summus, 2010.
PLATÃO. Diálogos: A República. São Paulo: Nova Cultural, 2004.

PERSONAGEM


Eu sou...” Depois desse “Eu” geralmente vem uma definição que pode denunciar mais ou menos o que a pessoa tem de si mesma. Algumas pessoas ainda dizem no lugar da palavra “Eu”: as pessoas, a gente, nós, etc. São pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa, ou seja, de forma indireta definem a si mesmos. Essas definições em maior ou menor grau interferem na maneira como a pessoa conduz sua própria existência. Quando o que uma pessoa acha de si mesma se liga a um personagem existencial que ela exerce pode-se dizer que ela se identifica naquilo que faz. Um exemplo disso são profissionais como advogados ou médicos que exigem que as pessoas se dirijam a eles como Dr. Fulano, ou seja, o Dr. define a pessoa. O mesmo acontece com os professores, que mesmo em uma rodinha de conversa no fim de semana são “professores fulanos”.

A ligação entre os papeis que a pessoa vive e o que ela acha de si mesma em alguns casos acaba soldando e ela passa a ser o papel que exerce. O que ela acha dela mesma passa a estar intimamente vinculada à sua atividade. É o caso do político que é sempre político, até mesmo quando está com a esposa em casa não deixa de ser. Vai ao bar conversar com os amigos e continua sendo político, ou seja, por mais que mudem os lugares, as pessoas, os contextos, ainda assim ele será político. O problema é que em alguns casos a vida política termina e quando isso acontece a vida da pessoa também chega ao fim. Isso acontece porque ao chegar ao fim o papel existencial de político também chega ao fim o que ele acha dele mesmo. Em casos extremos a pessoa termina com a própria vida porque terminou a vida do personagem que vivia.

O eu está indexado ao personagem, colado, mas como desgrudar, caso isso seja necessário? Para descolar e voltar a ser ou exercer os mais diversos personagens existem vários caminhos. Um dos caminhos mais simples pode ser a partir da localização existencial, quando se está em casa com a esposa o personagem é o esposo. Quando está na fábrica com os colaboradores é o gerente, diretor, enfim, o lugar pode servir de referências para os predicados que orientam as práticas do personagem. Aos poucos, ao prestar atenção ao lugar que está o “Eu” começa a perceber quais são as práticas que tem a ver com o personagem que deve exercer. Um exemplo são os pais que, quando saem de casa e encontram o filho gerenciando a fábrica da qual são diretores lá se comportam como diretores e exigem do filho uma postura de gerente. 

Outra forma de descolar o personagem do “Eu” é pelas pessoas com as quais se está em contato. Quando estou com minha esposa em casa sou marido, devo me comportar como marido, mas como saber quais são as práticas do marido? Se ele é marido, é provável que exista uma esposa e esta pode conduzir a construção desse novo personagem, o marido. O mesmo pode acontecer no restante dos papeis, eu posso aprender a ser amigo, irmão, filho, neto. Não há nada de errado em ter um único personagem, mas corre-se o risco de, ao terminar a vida deste personagem, terminar a vida da pessoa por detrás dele.

A construção do Eu pode passar por um ou mais personagens que exercemos, mas legar todo o meu “Eu” em apenas um personagem é perder o carinho que só se recebe como filho. É perder os méritos que se tem como marido, de sustentar, amar, cuidar de uma família. Pode ser também deixar de aproveitar as pequenas e grandes farras que se faz só com os amigos. Viver os mais diversos papeis pode ser tornar colorida uma vida vivida em preto e branco.

Rosemiro A. Sefstrom  Do Blog: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

TRILHA


A palavra “trilhar” é apresentada nos dicionários ou na internet com vários significados. Neste artigo, seguirei o significado de trilhar como o de “construir um trilho.” O trilho é um caminho pelo qual uma pessoa passou e deixou seus rastros, marcas possíveis de se identificar. A partir de uma trilha ou caminho já percorrido, pode-se caminhar sobre as marcas de outros e chegar onde outros também chegaram. Ao trilhar, no entanto, a pessoa está a abrir novos caminhos, ou seja, construir marcas que serão trilhos para outras pessoas. Há então uma diferença entre trilhar e seguir um trilho: aqueles que trilham são pessoas que abrem caminhos, constroem rumos por onde jamais se havia caminhado. Muitas outras pessoas seguem a trilha ou trilho, caminho já feito, sendo que com boa chance de certeza sabem onde vão chegar percorrendo este caminho. 

Muitos iniciam 2014 com a proposta de fazer um ano diferente, novo. É quase uma redundância: o ano é novo. Muitas pessoas iniciaram o ano da mesma forma como iniciaram muitos anos anteriores, seguindo o trilho já percorrido em outros tempos e, ainda assim, esperam resultados diferentes. Não seria necessário, mas é interessante repetir: dificilmente se obterá resultado diferente tendo sempre os mesmos comportamentos. Ao começarem o ano, muitos já no dia primeiro projetavam o retorno ao trabalho, ou seja, eliminaram qualquer possibilidade de estarem ali, no primeiro do ano. Outros, mesmo ali, com um bom champanhe e todas as possibilidades de trilhar nas mãos estavam recuperando o ano vivido. Tanto um quando o outro não estavam vivendo aquele momento com todas as suas possibilidades, estavam para trás ou para frente daquele momento.

Agora, neste momento, enquanto lê, espera algo? Deixou algo para trás? Tanto o passado quanto o futuro tiram da pessoa a possibilidade de trilhar os diversos caminhos possíveis. Agora, neste momento, para onde é possível caminhar? Se você estiver realmente vivendo o agora há um sem número de possibilidades, inumeráveis. Deixar o ano que ficou para trás e deixar o ano que se tem pela frente é a melhor maneira de olhar agora, perceber o momento e tirar dele o máximo que ele tem a oferecer. As possibilidades não estão no futuro, mas no agora, o momento onde todos os caminhos se abrem. Desta maneira posso com boa margem de certeza concluir que a maioria das pessoas não estão aqui e agora, mas lá no passado ou lá no futuro. Essa falta de presença no momento tem implicações muito mais sérias do que se imagina, quem já ouviu um alguém dizer: “Minha vida passou e eu não vi” Onde esta pessoa estava no momento exato em que a vida passava? Muitos viviam o futuro, outros tantos o passado, mas não agora, no momento em que a vida acontece.

Viver o momento não quer dizer fazer o que dá na cabeça, se tornar um descompensado que toma decisões aleatórias. Viver o momento quer dizer seguir o curso de tudo aquilo que foi construído até o momento e perceber que o trilho construído ou percorrido até aqui se abre em tantas direções que é praticamente impossível prever a próxima estação. Trilhar, criar a possibilidade de construir por si mesmo um caminho por ninguém ainda feito, abandonar a segurança de caminhar por cima da pegada de outros não é uma recomendação, nem mesmo bom para todos. Mas muitos filhos poderiam ter vivido muito melhor se resolvessem trilhar seu próprio caminho do que seguir as trilhas dos pais, por exemplo. 

Por: Rosemiro A. Sefstrom  Do site: www.filosofiaclinicasc.com.br

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

EU


Eu sou... Num artigo anterior falei um pouco sobre a propagação do EU e a responsabilidade sobre esta propagação. Dois grandes filósofos serviram de base para falar do assunto: Heidegger e Sartre, sendo tanto um quanto o outro radicais em suas escolhas e práticas. No artigo desta semana insisto mais uma vez em falar do EU, esse ser que “vai sendo” ao longo da vida e se constituindo como tal. O outro, que recebe o EU, não sou EU, assim já disse Levinas, não faz par comigo, não é apenas alguém que não sou EU. Segundo o próprio Levinas é preciso identificar a mim mesmo na relação e somente assim, talvez chegue ao outro, sem massificá-lo. Vamos pensar um pouco sobre o assunto.

Se tiver um pequeno espelho por perto, olhe-se e veja o quanto de você é possível identificar em sua imagem no espelho. A roupa que você veste foi escolha sua ou é moda? O corte de cabelo que usa é escolha sua ou foi-lhe dito que ficaria melhor em você? A lista de pequenas coisas que pode observar no espelho e ver o que de você está nele é grande, continue por você mesmo. Agora vamos um pouco mais fundo: as pessoas com as quais você convive, são escolha sua ou são conveniência? Sei, alguns já argumentam dizendo que faz parte da vida vestir roupas que não tem a ver consigo, conviver com pessoas que não tem a ver consigo. É provável que sim, diariamente visto roupas que nada têm a ver comigo, entro em contato com pessoas que não têm a ver comigo, mas não faço isso por escolha, faço porque faz parte da vida. 

EU me constituo das escolhas que faço ou deixo de fazer, desta forma ao olhar para mim mesmo e ver o quanto sou EU é apenas um passo para saber o quanto já deixei de ser. Não há nenhum problema nisso, algumas pessoas abandonam o seu EU para viver um personagem: político, médico, atriz, marido, esposa, empresário e vivem bem com isso. Mas e as pessoas que não vivem? Você, que faz tempo que não é você mesmo, ainda sabe como voltar a ser EU ou mais EU? O problema é que isto já está tão normal que desde os mais tenros dias de vida os pais já direcionam uma existência de fachada, de mentira, fingida, falsa. Recomendo muito ver o filme “Na natureza selvagem”, no qual o personagem percebeu que ao ser massificado, perdeu sua identidade, seu EU. Para recuperar-se a si próprio fez uma grande viagem fora e dentro de si próprio, até perceber que não precisava ter ido tão longe para ver o que estava Nele.

Para recuperar o seu EU perdido volte um pouco no tempo, veja quem era você ao longo de sua história, antes de querer viver algo que não é. Alguns, para voltar ao caminho do EU precisam pegar um final de semana e ir visitar seus pais, voltar a casa onde moraram boa parte da vida, fazer uma gênese da própria existência. Essa gênese passa por entrar em contato com amigos do tempo de escola, retomar antigos e bons contatos. Para outros voltar a ser EU quer dizer ir à igreja, local onde não vai há muito tempo porque dizem que religião é coisa de pessoas sem instrução. Justamente por distanciar-se da fé é que deixou de ser EU, quem sabe você não é o tipo de pessoa que faz fé e a razão conversarem. 

Pode não ser muito fácil se manter EU numa sociedade onde o “todo mundo” é cada vez mais presente. É complicado ser EU em uma sociedade onde os últimos estudos dizem que “as pessoas” querem ser felizes. De onde vêm essas verdades? Cito um filósofo, Rousseau, que fala da fundação da sociedade civil, diz ele “o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado o terreno lembrou-se de dizer “isto é meu” e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo”. O mesmo acontece com o EU, o fundador de um padrão de ser humano foi aquele que disse “o ser humano é assim” e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditar.
Rosemiro Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

ELOGIO DA SINGULARIDADE

O homem, o que é? 
Diariamente o homem é definido, ora é um animal dotado de razão, dali a pouco já é um bárbaro que destrói o ambiente em que vive. Qual conceito seria o mais adequado para definir o homem? O foco está na palavra “conceito”, palavra de origem grega que define todo processo de descrição, classificação e previsão dos objetos do conhecimento. Conceituar o homem quer dizer descrevê-lo, classificá-lo e ter certa previsão sobre ele. Será que isso é possível? Olhe para o lado: você convive com várias pessoas no seu dia-a-dia. Pense na pessoa que você mais “conhece” e depois tente descrevê-la. Depois de descrever tente classificá-la, como seria? Boa, má, otimista, pessimista, inteligente, ignorante, quais seriam as classes que caberiam a ela, ou seria necessário criar classes para ela? Por fim, tente prever os comportamentos desta pessoa. Talvez reconheça que em alguns casos até mesmo coisas básicas não são previsíveis. Como se pode arrogar o direito de tentar definir conceitualmente o homem?

Quem sabe seja muito difícil definir o outro. Tente então conceituar a si mesmo, descrever-se, classificar-se e prever seus próprios comportamentos. Há uma gama vasta de pessoas que se espantam consigo mesmas, admiram o próprio comportamento, não sabiam que eram capazes. Como então, seria possível que eu, que não consigo conceituar a mim mesmo tenho a pretensão de conceituar todos os outros que estão ao meu redor? Um dos grandes exemplos desta dificuldade está em conceituar Deus: o que é? Quem é? Como conceituar? Vários filósofos tentaram conceituar Deus e tiveram sérios problemas, perceberam que a complexidade é muito maior que a capacidade humana de entendimento. Será que o ser humano também não é muito mais do que se tenta conceituar? Bom, mau, pecador, santo, humilde, soberbo, são todos conceitos atrelados a comportamentos e não a pessoas.

Não há nada de mau em um conceito, o problema está em ligar um conceito a uma pessoa. Quando você pega um conceito e liga-o a uma pessoa está personalizando um conceito, tornando-o palpável. A partir deste momento aquele conceito, avarento, por exemplo, passa a ser a própria pessoa e não seu comportamento. Por isso não é recomendável dizer: “Fulano é avarento”. Ao conceituar a pessoa como avarenta ela pode ser descrita como avarenta, ser classificada como avarenta e ser previsível como avarenta. O ser humano foi reduzido ao comportamento de juntar dinheiro, avarento é um adjetivo, ou seja, um atributo do substantivo. De comportamento pode-se levar para outras áreas, em alguns lugares pelo mundo o homem é reduzido à sua crença, em outros reduzido a sua cor de pele. Aqui, em nossa região o homem pode ser reduzido ao carro que tem na garagem, à casa que tem na praia ou não tem, às roupas que veste.

Cada ser é único, “inconceituável”, não é possível, por mais tempo e conhecimento que se tenha, conceituar um ser humano, quem dirá “o” ser humano. Alguns filósofos, algumas correntes filosóficas tentaram conceituar o ser humano, muitos acharam ter conseguido completar tal tarefa. Mas, ainda hoje, dois mil e quinhentos anos depois do início da trajetória o homem ainda não foi conceituado adequadamente, um dia talvez. Ao olhar para seu filho, não o conceitue, classifique ou tente prever seu comportamento, ao contrário, tente se aproximar, conhecer e, quem sabe um dia, você verá seu filho. O conceito é uma sombra nebulosa que cobre o ser e quanto mais forte for o conceito, menos se verá o ser.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

sábado, 4 de janeiro de 2014

O ERRO DE PENSAR QUE ESTOU CERTO!

Por cultura, costume, aprendizado, facilidade, de qualquer outro fator, em nosso tempo é comum as afirmações partirem com força de unanimidade. Vamos ver se você concorda comigo. Nosso mundo é um lugar de diferenças, entre o pobre e o rico, o que tem e os que não têm. Assim, cada um luta para ter o que não tem e assim gera uma luta entre as classes. Para terminar da luta entre os que têm e os que não têm sobram alguns poucos, os excluídos. Concordou com o que escrevi? Não estou sendo nada original, este pensamento data do século XIX, escrito por Karl Marx. Posso concordar com ele, discordar dele, posso nunca ter lido tal opinião, mas não muda o fato de que ele já havia falado sobre isso.

Quando penso em algo, não posso considerar este pensamento como um axioma, uma verdade antes de qualquer argumentação. Caso contrário, corro o risco de estar sempre certo, ter a visão correta do mundo, saber exatamente quem sou e assim por diante. Afirmando categoricamente sobre elementos do qual discorro estou apenas propagando uma filosofia do eu, como se eu fosse o mentor do mundo. Quando você senta à mesa, sente o cheiro da comida e diz: “Macarrão é sempre uma delícia!” Eu lhe pergunto, esse macarrão é uma delícia para todos? Acredito que não, assim como todo o restante das coisas.

Assim como o gosto, mesmo que apreendido socialmente, não podemos afirmar que todo italiano gosta de polenta, apenas por ser italiano. Assim como não podemos dizer que todo baiano gosta de acarajé, só por ser baiano. A unicidade de cada ser se apresenta justamente no ser único em cada coisa, em cada palavra, ação... Mesmo que outra pessoa tenha as mesmas atitudes, movimente-se ao mesmo tempo, tudo o que a leva fazer é, provavelmente, diferente das minhas motivações. Só é possível afirmar por mim o que quer que seja afirmado. Se digo que o mundo é feio, cruel, sujo, assim o é para mim e não para a população mundial, não importa os motivos, apenas é assim.

Em cada um existe uma história, todo um conteúdo que é reelaborado a cada instante, levando a pessoa de um momento a outro de sua vida. O seu gosto estranho por músicas antigas quando todos gostam de músicas contemporâneas é algo que podemos ver de onde vem. Há como saber de onde você veio e, provavelmente, para onde se encaminha. Sua história faz de suas opiniões únicas e por mais que existam parecidas, são resultado de outra história de vida.

a leitura de todo este artigo lembre-se de que o que pensa a respeito do que quer que seja é você que pensa. Quando você acha que, num dia de sua história machucou alguém, é você que pensa assim. Tudo aquilo que for colocado em tese sem que exista uma correspondência pode ser considerado como falso. Assim, se você olha seu velho pai aconchegado a uma cadeira, com olhos de mágoa, é você que vê assim. Em muitos casos ele ama você, está ali esperando seu retorno, mas você nunca foi perguntar o que se passava.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

MORAL E ÉTICA

Um excelente debate sobre moral e ética entre Olavo de Carvalho e o Frei Dominicano Carlos Josapha, mediado por Mario Sergio Cortela.