sexta-feira, 26 de abril de 2013

CASCAIS

República Portuguesa, ou apenas Portugal como conhecemos é um país soberano localizado no sudoeste da Europa, na Península Ibérica e em arquipélagos no atlântico norte. Com área total de 92.090 km quadrados, fazendo limite com a Espanha ao norte e leste e ao sul e oeste com oceano atlântico. Parte do território fica no continente e parte nos arquipélagos de Açores e Madeira. A parte continental é dividida pelo seu principal rio o Tejo. Ao norte a paisagem é montanhosa com planaltos intercalados por áreas mais planas que permitem o desenvolvimento da agricultura. Ao sul, até Algarve, o relevo é caracterizado por planícies. Outros rios principais são o Douro, o Minho e Guadiana, que tal como o Tejo, nascem na Espanha. Entre os rios que tem todo o seu percurso em território Português temos o Vouga, o Sado e o maior deles, o Mondengo, que nasce na serra da estrela, a montanha mais alta de Portugal Continental com 1993 metros de altura máxima e a segunda mais alta de Portugal, apenas atrás da montanha de Pico , nos Açores com 2.351 metros de altura. O queijo da serra da estrela, considerado o imperador dos queijos é produzido nesta região. 


A costa portuguesa é extensa, com 1230 km apenas no continente com belas praias, variando entre falésias e areais. 

Portugal tem um clima mediterrânico com temperatura média anual que varia de 13 graus no interior montanhoso até 18 graus no sul mais plano. O outono e inverno são tipicamente ventosos, chuvosos e frescos. A Primavera e verão são ensolarados e as temperaturas são altas durante os meses secos de julho a agosto, podendo ocasionalmente chegar a 40 graus

O nome Portugal provém de sua segunda maior cidade, cujo nome latino é Portus Cale, mas há quem afirme que deriva de Portogatelo, nome dado por um chefe oriundo da Grécia (Também diz-se ser Egípcio) chamado Catelo, ao desembarcar e se estabelecer junto do atual Porto. 

A primeira vez que o nome Portugal aparece é em uma carta de doação da Igreja de São Bartolomeu de Campelo por D. Afonso Henriques em 1129. 

O território nas fronteiras atuais da República Portuguesa tem sido povoado continuamente desde os tempos pré-históricos: ocupado por celtas, gálicos e os lusitanos. Foi parte integrante da República Romana e mais tarde colonizado por povos germânicos, como os suevos e visigodos. No século VIII as terras foram conquistadas pelos mouros e reconquistadas pelos cristãos, quando foi formado o Condado Portucalense, inicialmente como parte da Galícia e depois integrado no Reino de Leão. O estabelecimento do Reino de Portugal em 1139, cuja independência foi reconhecida em 1143 e a estabilização das fronteiras em 1249, tornou Portugal o mais antigo Estado-Nação da Europa. 

Nos séculos XV e XVII como resultados do pioneirismo na era dos descobrimentos, Portugal expandiu a influência ocidental e estabeleceu um império que incluía possessões na África, Ásia, Oceania e América do Sul, tornando-se a potência econômica, política e militar mais importante do mundo, no período citado. 

Foi assim, o primeiro império global da história e também o mais duradouro dos impérios coloniais europeus, abrangendo 600 anos de existência, desde a conquista de Ceuta no estreito de Gibraltar, em 1415 até a transferência da soberania de Macau para a China em 1999. Não obstante sua importância internacional tenha sofrido redução durante o século XIX, especialmente após a independência do Brasil, sua maior colônia. 

Após a revolução de 1910, a monarquia foi deposta e iniciada a primeira República Portuguesa, cuja instabilidade culminou com a instauração de um regime autoritário, o Estado Novo. A democracia representativa foi instaurada após a revolução dos Cravos, em 1974. Nesta oportunidade suas províncias ultramarinas tornaram-se independentes, sendo as mais importantes, Angola e Moçambique. 

Portugal é atualmente um país desenvolvido com índice de desenvolvimento humano (IDH) considerado elevado, sendo classificado na décima nona posição em qualidade de vida. Possui um dos melhores sistemas de saúde e uma das nações mais globalizadas e pacíficas do mundo. É membro fundador da Organização das Nações Unidas (ONU) e da União Europeia dentre outros. 

A língua oficial da República Portuguesa é o português, adotado em 1290 por decreto do rei D. Dinis. Com mais de 210 milhões de falantes nativos, o português é a quinta língua mais falada no mundo e a terceira mais falada no mundo ocidental. É o idioma oficial de Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, e idioma oficial com outros idiomas também oficiais em Timor-Leste, Macau e na Guiné-Equatorial, sendo também falada na Índia. 

A língua portuguesa é uma língua romântica (do grupo ibero-romântico), tal como o castelhano, catalão, italiano, francês, romeno, reto-romanche (Suiça) dentre outros. 

Conhecida como “a língua de Camões”, autor de Os Lusíadas, a última flor de Lácio, expressão usada no soneto Língua Portuguesa de Olavo Bilac ou ainda a doce língua por Miguel de Cervantes. 

As principais cidades de Portugal são: Lisboa sua capital, Porto, Braga, Chaves, Coimbra, Guimarães, Évora, Setúbal dentre outras. 

Na grande Lisboa com seus 3 milhões de habitantes encontramos Cascaes, local este em que um grupo de filósofos clínicos vão se hospedar e farão a semana de estudos, entre os dias 26 de abril e 05 de maio, liderados pelo professor Lúcio Packter. 

Cascais é uma vila portuguesa no Distrito de Lisboa, região de Lisboa e sub-região da Grande Lisboa com cerca de 35 mil habitantes. Situada a poucos quilômetros da foz do rio Tejo, entre a baia de cascais e a majestosa serra de Sintra. 

Cascais foi em épocas passadas um elegante retiro de verão da monarquia portuguesa e um porto seguro para a realeza europeia durante a segunda guerra mundial, pelo estatuto de neutralidade do país. A cidade modificou-se para se tornar um refinado polo de cultura, com vibrante vida noturna e qualidade de vida invejável. 

O esplendor e os ícones do seu apogeu marítimo mantem-se até os dias atuais através dos faróis, fortalezas e a cidadela do século XVII. 

O Largo de Camões no centro histórico é uma das zonas favoritas dos habitantes locais e dos turistas. O seu ambiente animado, criado pelos inúmeros bares e restaurantes, transforma a praça num local encantador, um lugar especial para sair à noite. Há também pequenos centros comerciais, e as famosas feiras de Cascais são excelentes oportunidades para adquirir peças de artesanato e boas pechinchas. 

Saindo do centro em direção à costa, com um pouco de sorte, pode-se encontrar pescadores costurando suas redes ao lado dos seus barcos coloridos, na Praia dos Pescadores. Em contraste com esta cena quase bucólica fica a vizinha Marina, um cenário moderno e sofisticado, onde podemos apreciar os iates de luxo, degustar delícias gastronômicas em restaurantes requintados ou entrar nas boutiques e bares. Cascais é também um polo de atração para os notívagos, oferecendo um leque de opções, nos acolhedores bares de jazz e discotecas da moda. 

As dunas selvagens e o mar indomável da Praia do Guincho são parte integrante do Parque Natural de Sintra-Cascais. Situada perto da exclusiva Quinta da Marinha, com o seu campo de golfe e espaços de lazer, o Guincho é a praia favorita dos surfistas e de qualquer amante de desportos aquáticos, sendo também conhecido pelos seus bares de praia, as bicicletas de aluguel e a roulote de cachorros. Monumentos, museus e todo o gênero de eventos culturais são uma constante, desde concertos de música clássica a exposições de arte, etc. 
A Vila de Cascais é desde finais do século XIX um dos destinos turísticos portugueses mais apreciados por nacionais e estrangeiros, uma vez que o visitante pode desfrutar de clima ameno das praias, das paisagens, da oferta hoteleira e gastronomia variada. 

Situada junto à costa, muito do seu patrimônio monumental relaciona-se com a defesa e a navegação. Como tal, em termos de arquitetura destacam-se os muitos fortes, situados entre a praia do Abano e São Julião da Barra (já em Oeiras) e que foram, até ao século XIX, de extrema importância para a defesa de Lisboa. Além destes, destacam-se as muitas ruínas romanas e visigóticas (vilas e necrópoles), igrejas e capelas, bem como casas senhoriais da antiga nobreza portuguesa que, a partir dos finais do século XIX, começou a utilizar esta costa como área de veraneio.

Lisboa fica a cerca de meia hora de automóvel de Cascais e do Estoril ao longo da panorâmica estrada marginal. A viagem é maravilhosa e permite a descoberta da costa do Sol, onde a beleza única de Cascais se funde com o patrimônio histórico de Lisboa. 

Viajar à Portugal é para nosso grupo uma grande oportunidade para conhecermos belos lugares, arquitetura característica e a origem da cultura dominante em nosso país. 
Por: Aloysio Tiscoski




quinta-feira, 25 de abril de 2013

PENSAR E SENTIR

O ser humano foi desmembrado por Platão quando ele separou as sensações das abstrações. Essa cisão, da qual já falei em outra oportunidade, mostrou que o ser humano pode viver dois tipos de conteúdos. Um dos conteúdos que pode ser vivido é o conteúdo das abstrações, o que chamamos de pensamento. O outro conteúdo que o ser humano vive é o conteúdo das sensações, aqueles conteúdos que provém dos cinco sentidos. É possível que o ser humano viva mais as sensações ou o pensamento, mas um está intimamente ligado ao outro, pois todo o conteúdo do nosso pensamento teve uma primeira origem nas sensações, ao menos é isso que diz o filósofo empirista David Hume. O que muitas pessoas não sabem é que podemos escolher se queremos viver as sensações ou o pensamento. 


Num dia de inverno você senta na varanda e vai longe no pensamento, ligado às questões da empresa, aos trabalhos dos alunos na escola, às contas que tem para pagar na segunda. O corpo está ali na varanda, todos os sentidos estão ali, mas o foco está no pensamento, ou seja, a pessoa não consegue controlar o pensamento e ele voa para longe do corpo. O problema é que para muitas pessoas a vida nos pensamentos é muito ruim, eles vão para o que a vida tem de pior: dívidas, brigas, medo, etc. Em Filosofia Clínica é possível tirar a pessoa dos pensamentos e levá-la Em Direção às Sensações, ou seja, tirá-la das ideias e reconectá-la ao corpo. A pessoa que estava na varanda perdida nos pensamentos pode voltar para o corpo ao sentir o cheiro do orvalho das primeiras horas da manhã. A partir do cheiro do orvalho a pessoa sente a brisa fria, o arrepio do friozinho que gela as orelhas, assim como a sensação reconfortante do casaco quentinho. Para muitas pessoas, sair do pensamento e ir “em Direção às sensações” é se livrar da angústia, do medo, é reduzir a velocidade do tempo, para muitos sentir é viver de verdade.

Há, no entanto, algumas pessoas que têm problemas no corpo, têm dores, sofrem de enfermidades que fazem do corpo um péssimo lugar para se estar. Assim como não há prisão que prenda uma pessoa no pensamento, também não há prisão que prenda uma pessoa no seu corpo, nas suas dores. Quando isso acontecer é possível afastar a pessoa do corpo levando-a “em Direção às Ideias Complexas”. Aqui o movimento é contrário: enquanto o anterior leva a pessoa de volta para o corpo, esse retira a pessoa dele. Uma pessoa pode sair do corpo quando escreve um livro, como no filme “O escafandro e a borboleta” ou podem sofrer terrivelmente as mazelas do corpo como o filme “Jhonni vai à guerra”. Para sair do corpo é necessário observar o que leva a pessoa para o pensamento, mas também é preciso observar para quais pensamentos levamos a pessoa. 

Trazer uma pessoa de volta a seu corpo ou levá-la para as ideias pode ser um caminho para melhorar a qualidade de vida. Se suas ideias não são boas, se seu corpo não lhe faz bem, não é necessário ficar preso ao corpo ou às ideias, você pode se mover entre estes dois extremos ou vivenciar um meio termo. Mais do que saber viver o corpo ou o pensamento, a arte é saber em quais momentos o pensamento é necessário, assim como saber quando é necessário viver o corpo. Por: Rosemiro Sefstrom

quarta-feira, 24 de abril de 2013

O SILENCIAR

Usar palavras para falar sobre o silêncio poderá parecer mais umas das tagarelices epistemológicas. Lembrei-me, então, de uma frase de Rubem Alves: “Falamos palavras a fim de não ouvir a palavra que brota do silêncio”. Como falar do silêncio com palavras, senão convidando a todos a um instante de silenciar.


Sei que se torna quase impossível falar do silêncio, pois é do próprio silenciar que surgem as palavras. O silêncio não é mudez, nem verbalização que se cala. Nosso eu superficial precisa calar e se acalmar sem a ansiedade do ter que fazer e dominar.

Silenciar não é fugir da vida, pelo contrário, é fluir na plenitude da vida. Silenciar é mergulhar na existência a fim de colher da vida tudo que ela nos oferece de sublime. Silenciar é comungar com tudo e todos. Silenciar é graça e beleza gratuita.

“O silêncio puro fica para além das palavras, dos sentidos, das ilusões; o silêncio verdadeiro inaugura-se logo que o eu superficial desfalece” diz Moratiel. O silêncio diz muito mais que alguém pode dizer. As palavras podem limitar, enquanto o silêncio pode revelar.

O silenciar nos convida ao caminho das não-palavras, sem julgamentos, interpretações, previsões e conjecturas. Por isto transforma-se numa grande rebelião contra nossa desordem própria.

Quando silenciamos derrubamos muros que nos separam da vida, pois o silêncio não é prisão, mas sim um respirar livre e profundo. Assim posso conectar com meu eu interior, pois muitas vezes não sei o que sou. Silenciando posso possuir-me e saborerar-me.

Não basta calar a boca para que o silêncio aconteça. Estamos cheios de gestos, de ruídos interiores, tagarelices. Muitas vezes pegamos um livro, ouvimos uma música, quando o silêncio se apresenta. Não é só a palavra que emudecer. O repouso precisa ser absoluto. Importante calar o corpo, imobilizar até as células.

O silêncio brota do coração. Ele acontece naturalmente da consciência unificada. Não tem como impormos o silenciar. Podemos sim treinar o aquietar corpo e psique.

Para mim, silenciar é primeiro esvaziar. Esvaziar as palavras que transitam pelos pensamentos. Como é difícil esvaziar? Meditação é a tentativa de esvaziamento. Não mais brigar com as palavras do pensamento. Ser apenas observadora sem interpretações e julgamentos.

No cotidiano agitado, sedutor, midiático, se não treinarmos bastante o aquietar ficará difícil para experimentar o silenciar que é uma atitude natural do humano. Fomo-nos perdendo frente aos excessos de sons e palavras. O silêncio não se compreende, pratica-se, pois é ação.

Agora por exemplo, estamos calados, mas as palavras se fazem presentes e distanciam o silenciar. “O silêncio é tarefa artesanal. É arte de aprender a estar onde se está. Ë uma atitude que exige de nós toda a atenção. Ë uma espécie de entrega e oferta à presença.”

Quando o silenciar acontece, perdemos a necessidade de procurar seja o que for. Silenciar é um encontro com o vazio que nada mais é que nossa plenitude. Não alcançamos o silêncio com conceitos. Não temos nada a esperar, mas apenas que acolhê-lo.

O silenciar nos faz apreender através de tudo que é dito. Existem mensagens indizíveis. Se nos prendermos a palavra expressa corremos o risco de perder o essencial da unidade profunda que a diversidade das palavras tenta mostrar.

Sair da Banalidade e velocidade grotesca não é tão fácil assim. Até a filosofia torna-se muitas vezes instrumento de barulho.

Perseguindo os rastros do silêncio fui passando por práticas orientais e fui conduzida ao filósofo Plotino. Em Plotino a busca do silêncio se revela e muito nos orienta ao mergulho. Ele revela-nos a dist6ancia entre O Um e a existência. Com ele aprendi que a “busca do silêncio”só é burburinho e que o silenciar é a única via para o silêncio, pois silêncio é presença que ocupa todos os lugares não estando ausente de nada. Nós é que não nos colocamos no lugar de percebê-lo. Plotino não fala do silêncio mas nos conduz a ele.

Segundo Plotino é importante à prontidão para a escuta, que depende de nossa disponibilidade em nos livrarmos de todos os demais sons, a fim de escutar o som que vem do alto – O silêncio. O silêncio em Plotino é caminho. Todo nasce do silêncio, as formas, a alteridade e o movimento. Ele diz; ”O universo produz seu objeto no silêncio. A natureza é uma contemplação do silêncio”.

Para fins didáticos penso nos silêncios que encontramos emm nós e nos outros.

Existem silêncios que não brotam do coração, são os falsos silêncios:

Silêncio do medo – quando sentimos coagidos, tímidos, sem saber o que fala. Inseguros sobre como e o que falar.

Silêncio da angústia – sufoco e peito apertado. Muitas vezes não há o que falar por se estar confuso interiormente.

Silêncio da culpabilidade _ evito falar porque preocupo com o que vão pensar…. Evito falar porque vão me culpar…

Silêncio da debilidade – não sei o que dizer. Calo por impotência.

Silêncio da indiferença – sinto aborrecido. Estou alheio de tudo. Não me importo com nada; nada me interessa.

Silêncio da inveja – acabam os elogios, apoios e comentários positivos que dão entusiasmo. Silêncio perigoso, pois tenta destruir o outro.

Silêncio do Orgulho – sinto-me melhor que você. Coloco hierarquia.

Estes silêncios nos adoecem e vão matando a comunicação.

Mas há os silêncios positivos:

Silêncio da Humildade- Silêncio do respeito. Ouvidor. Acolhedor. Amoroso.

Silêncio da admiração – Silêncio da atração . O olhar diz tudo. Os gestos revelam.

Silêncio maravilhado: Silêncio que do encantamento. Se perguntarmos algo se quebra o silêncio. Silencio da criança, pureza simples.

Silêncio da alegria: Coração pulsante. Felicidade. Êxtase.

Silêncio do amor: Silêncio da pura comunhão. Olhar que tudo revela. A presença que preenche tudo.

2-Silenciar no encontro com o outro.

Outro que esta a minha frente. O Silêncio meu e silêncio do outro. Primeiro encontro. Desconhecidos um para o outro. O outro ansioso por saber se pode compartilhar com ele de suas dores, angústias e dúvidas. E eu no silêncio que espera, espera ouvir. Silêncio ouvidor. Silêncio sem a onipotência do saber/poder. Silêncio de quem quer realmente estar com o outro por inteiro. Silêncio que olha sem julgamento. Silêncio aprendiz.

Silêncio que ensina sobre o outro a minha frente. Silêncio que permite o outro se pensar e se sentir.

O meu silêncio no encontro com o outro é exercício de muito treinamento. Treino de se esvaziar das vaidades e dos orgulhos. Treino de se esvaziar das teorias e regras. Treino de não tentar colocar o outro dentro de regras e normas pré-estabelecidas. O outro não é uma coisa, mas gente muitas vezes sofrida e em dor. Treino de se fazer apenas ouvidor de almas. Treino de amar o humano na sua singularidade.

O silenciar na escuta, sem interpretar, no apenas ouvir. Quanto treino se faz necessário! Escutar não só com os ouvidos, mas com o coração e corpo inteiro. Silenciar na escuta atenta de cada palavra, gesto e sentimento que brota do outro a minha frente. Eu, vazia dos meus pensamentos, aberta ao outro que anseia por falar de si. Pura escutatória.

No exercício de aprender a ser terapeuta, quantas vezes me encontrei tentando interpretar? Quantas vezes caí na armadilha de buscar uma solução para o outro? Quantas vezes parei de ouvir o outro e fiquei a voar em meus pensamentos? Quantas vezes agendei e enraizei? Cada vez que percebia que longe estava da minha proposta de silenciar e escutar o outro mais ia aprendendo o ser terapeuta. Fui me libertando da culpa de errar na compreensão que a jornada do ser terapeuta é longa, com esforços múltiplos e treino contínuo. Na vida é a mesma coisa. Com amigos, com filhos, com o amante…

Na jornada de ser terapeuta, fui compreendendo que o silêncio diz muito.

Silêncio como pausa no convite à escuta plena. Mas não precisa ser terapeuta para aprender a grande arte de silenciar, escutar e encontrar o outro. Este é o grande segredo do amor. Este é o grande segredo da vida viva.

No esvaziar e silenciar ia cada vez mais mergulhando no labirinto junto com o outro. Mergulhando em suas palavras e em suas pausas. Junto com ele caminhando em parceria, possibilitando o outro a se ouvir e se compreender. Tornando-me um espelho por onde ele, o Outro, refletia sua historicidade, sua vida. Belo desafio este de compartilhar dores e alegrias! Só silenciando e ouvindo.

No silêncio do encontro com o Outro, vou me permitindo:

ü Estar com o Outro por inteiro

ü Consciente que o Outro quer ser ouvido e compreendido

ü Coração aberto

ü Mente observadora

ü Humildade de aprendiz

ü Vazia de mim

ü Perceptiva ao corpo, que no seu silêncio diz muito.

No silêncio, pura escutatória. Rendo-me ao Outro. O outro vai me ensinando os caminhos que vou trilhar com ele. Neste instante não há teoria, não há regras, nem normas, há apenas o silêncio que tudo diz

Ah! Mas quando o outro silenciava, quanta ansiedade brotava em mim. No início queria por palavras para fugir do vazio e da incomodação do silêncio. A ansiedade não permitia deixar o silêncio do Outro acontecer. Só mais tarde fui compreendendo que era exatamente neste silêncio que brotavam as estranhas palavras que precisavam ser ouvidas.

O silêncio, muitas vezes, incomoda, pois traz à tona palavras que se escondem e fogem, para não ser ouvidas. Fugimos, muitas vezes, do silêncio para não confrontar com a realidade. Tagarelamos para ludibriar as verdades que nos faz doer.

O silêncio do Outro pode estar dizendo dos seus medos, de sua timidez, dos seus disfarces, do seu desinteresse, de suas repressões e de suas mil e uma coisas difíceis de revelar para si mesmo, quanto mais para um estranho – terapeuta- a sua frente. Ou o silêncio pode ser um grande desafio. O silêncio pode dizer muitas coisas que as palavras não conseguem dizer. Este silêncio pode falar da profunda angústia ou do profundo amor.

Este é um dos pontos mais delicados do encontro, pois interpretar pode destruir toda a magia do encontro. Cria uma distância. A interpretação pode agendar e destruir a possibilidade do Outro se descobrir.

Nos encontros devemos prestar atenção para:

O silenciar-ausência:

ü Silenciar teatral, que é fingido pela técnica aprendida.

ü Silenciar medo de se revelar.

ü Silenciar desinteresse, o que o outro fala é monótona para mim.

A silenciar-máscara:

ü Silenciar no Calar as palavras, mas as expressões falam o não dito.

ü Silenciar com rosto boneco de cera que tenta esconder sentimentos e pensamentos.

ü Silenciar falsas expressões.

O silenciar-inteireza:

ü Silenciar natural, puro interesse.

ü Silenciar coragem de deixar vazios no fluir angústias.

ü Silenciar interesse verdadeiro pelo outro.

ü Silenciar amoroso do gostar de gente.

Como se torna perigoso a tendência interpretativa diante do silenciar do outro!

Onipotência. Vale aqui a lembrança do nosso velho sábio Sócrates: – Só sei que nada sei. Diz Fernando pessoa: -Que sei eu?

Que sei eu do outro a minha frente? A história de cada um é única. Não posso reduzir o Outro a uma tipologia como se fosse ‘coisa’ a ser catalogada.

Cada um é um mistério a ser revelado. Cada um é um enigma a ser decifrado.

Cada um é humano a ser compreendido. Que direito tenho eu de invadir o espaço do outro com meu saber/poder?

Só nos resta agora silenciar. Respirar fundo e sentir as vastas possibilidades que a quietude pode nos oferecer para qualificar não só nossa vida, mas os encontros com os Outros.

O Silêncio é um caminho.

Caminho do encontro verdadeiro e pleno.

Caminho da psique.

Silêncio é encontro.

Encontro sublime do eu comigo mesmo

E do meu todo entregue ao Outro

Outro que pode simplesmente ser agora: Você

Por: Rosângela Rossi

segunda-feira, 22 de abril de 2013

ANDRÉIA O

Sim, Andréia O. Mas não "O" como em Anna O, a paciente histérica de Freud. "O" como no livro "História de O", de Pauline Réage (nascida Anne Desclos e depois denominada Dominique Aury).

Andréia estava lendo este livro. Dado a ela por uma amiga sua, amante de um homem casado. Este homem, aliás, era casado com uma grande amiga em comum delas duas. Formavam um trio inseparável desde a faculdade, Andréia, a amante e a esposa traída pela amiga. Bebiam juntas sempre. Amigas fiéis.

Andréia nunca imaginara que sua amiga J. seria capaz de ser amante do marido de M. (manteremos as iniciais para garantir o segredo da identidade de J. e de M.). Seria mesmo verdade que somos destinados a repetir as mesmas histórias mesmo depois de nos tornarmos mais evoluídos?

Afinal, seus professores e colegas de trabalho (Andréia trabalhava numa produtora) sempre diziam que somos "narradores de nossos corpos e de nossas vidas". Mas, Andréia temia que corpo fosse destino e que seu sexo estava acima de suas escolhas.

Pessoas legais diziam que nem o sexo era mais sexo, mas sim construção social. Andréia, no fundo, sempre achou essa ideia de sexo como construção social coisa de gente que se sentia mal com o sexo com o qual nascera, mas não dizia nada para não pensarem que ela era reacionária.

Mas se somos todos livres para nos inventar e por isso podíamos nos inventar como pessoas "melhores", como sua amiga tão bacana podia fazer sexo oral no marido de sua outra amiga também bacana, no banheiro do S. (de novo, iniciais para resguardar a identidade, aqui no caso, do restaurante em questão, muito conhecido neste mundo de gente bacana) em meio a uma conversa sobre o filme "Argo" e a violência desnecessária no Oriente Médio?

Não que Andréia estivesse de verdade surpresa com este fato. Há muito percebera que seria capaz de qualquer coisa caso seu desejo estivesse envolvido. Já passara pela sua cabeça fazer algo semelhante, mas nunca chegara a tanto. Um dia talvez? Mas somente por uma boa causa.

Aliás, era disso que tratava o livro que ela devorava à noite ("História de O"), antes de ficar se virando na cama gemendo de calor. Será que ela era mesmo como Pauline/Anne/Dominique (três nomes para uma só mulher, que escreveu um livro traindo o grande segredo de toda mulher) afirma em seu livro que toda mulher é? Ou melhor, será que ela também queria o que nossa autora diz que toda mulher quer?

Impossível. Muito vulgar. Mais do que isso: machista. Andréia resistira a ler o banal "50 Tons de Cinza" porque se tratava de um best-seller e pessoas inteligentes não leem best-sellers.
Mas mais do que isso. "50 Tons" se tratava de um livro para mulheres sem vida sexual real, sufocadas por casamentos e filhos por décadas, que precisavam de estímulos idiotas para se sentirem mulheres.

Ela, Andréia, do alto de sua beleza e inteligência (ainda que chegando àquela idade na qual toda certeza vira quase certeza) sabia que não precisava de estímulos assim. Sua vida sexual era como tudo mais em sua vida: resultado de ser uma mulher dona de si mesma.

A história com seu antigo chefe (não vamos voltar a ela agora) passara, graças a Deus. Nunca mais se deixaria levar pelo desejo de usar saias justas diante de um homem com poder. Que banal que ela foi ao desejar um homem mais velho e rico.

E qual era essa verdade horrível sobre seu desejo, desejo de toda mulher, segundo nossa autora traidora?

Paciência, cara leitora e caro leitor. A paciência é uma virtude necessária quando lidamos com pessoas acima da média, porque elas facilmente nos fazem perder a paciência.

Será que ela, Andréia, queria mesmo, no fundo do seu coração, que seu amante (quando tivesse um, por enquanto achava os homens todos uns frouxos) trouxesse um chicote quando a encontrasse?

A traição de Pauline/Anne/Dominique era justamente esta: ela contara que toda mulher gosta de ser submetida. Mas Andréia era inteligente e a autora também. A questão aqui não era o universal "toda mulher tal e tal", mas sim a pergunta: a quem ela se submeteria com gosto? Medo... Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

domingo, 21 de abril de 2013

DEUS, EINSTEIN E OS DADOS

Talvez o leitor tenha já ouvido falar da famosa frase de Einstein em carta ao físico Max Born, de 4 de dezembro de 1926, popularizada como "Deus não joga dados". Que dados e que Deus eram esses?

Einstein referia-se à física quântica, que explica o comportamento dos átomos e das partículas subatômicas, como elétrons, prótons e fótons, as "partículas de luz".

Os "dados" aqui aludem a probabilidades, ao fato de no mundo quântico ser impossível determinar onde um objeto vai estar. No máximo, podemos calcular a probabilidade de ele ser encontrado aqui ou ali, com esta ou aquela energia.

Isso era bem diferente da física anterior, na qual ao saber a posição e velocidade de um objeto era possível, em princípio, determinar sua posição futura com precisão limitada só pelo instrumento de medida.

Para Einstein, uma física não determinista não podia ser a última palavra na descrição da natureza.

Outra versão, mais abrangente, deveria explicar as probabilidades e os paradoxos do mundo quântico. Aparentemente, Einstein estava equivocado. Deus joga dados sim.

A versão completa da frase de Einstein é um pouco diferente: "A mecânica quântica é certamente impressionante. Mas uma voz interior me diz que não é ainda a coisa real. A teoria diz muito, mas não nos traz mais perto dos segredos do Velho. Eu, pelo menos, estou convencido de que Ele não joga com dados".

O "Velho" aqui é uma figura metafórica representando não o Deus judaico-cristão, mas o espírito da natureza, a essência da realidade.

Para Einstein, a função da ciência é desvendar essa estrutura.

Por outro lado, ele tinha plena consciência de que nossas formulações científicas eram meras aproximações do que realmente ocorre: "Vejo a natureza como uma estrutura magnífica que podemos compreender apenas imperfeitamente e que deveria inspirar em qualquer pessoa com capacidade de reflexão um sentimento de humildade".

O que incomodava Einstein era a interpretação da mecânica quântica, que diferia da sua visão de mundo. Em parte, foi ele mesmo o culpado, ao propor que a luz podia ser interpretada como onda (como todos já sabiam em 1905) ou partícula. Essa dualidade era inusitada.

A coisa piorou quando a equação descrevendo elétrons em torno de núcleos atômicos, a "mecânica ondulatória" que Erwin Schrödinger propôs em 1926, descrevia algo imaterial. Em vez de uma onda normal, a equação descreve uma "função de onda" cuja interpretação, proposta por Born, era muito estranha: o quadrado (para os experts, valor absoluto) da função dava a probabilidade de medirmos a partícula em determinada posição ou com determinada energia.

Ou seja, a equação fundamental da matéria não descrevia matéria! Nesse caso, a essência da natureza não era algo concreto, mas uma abstração matemática. A teoria funcionava, mas sua interpretação era um mistério. Esse era o problema que Einstein tinha com o Deus que joga dados. Até hoje, quando físicos pensam no assunto, não conseguem evitar certa ansiedade, mesmo com o sucesso da física quântica. Por: Marcelo Gleiser Folha de SP

quinta-feira, 18 de abril de 2013

FOCO


Durante a vida cada um de nós presta atenção em algumas coisas, assim como deixa de lado outras tantas. Ao prestar atenção em alguma coisa específica diz-se em Filosofia Clínica que a pessoa está indo Em Direção ao Termo Singular, ou seja, de tudo o que ela vive está prestando atenção em algo específico. Outro movimento que acontece é o de abertura do leque existencial, que acontece quando a pessoa abre o foco e vai Em Direção aos Termos Universais. Esse movimento leva a pessoa de um ponto específico em direção ao todo. Tanto o foco específico quando o movimento em direção aos universais são comuns no dia-a-dia, porém, mal utilizados por muitas pessoas.

Uma das muitas formas de se utilizar Em Direção ao Termo Singular é quando se tem problemas. Há pessoas que quando tem problemas concentram toda a sua atenção no problema criando um hiperfoco, ou seja, tudo desaparece e fica só o que está incomodando. Por exemplo: você sai pela manhã e lembra que abril é o mês do imposto de renda. Você vai ao contador, ele lhe apresenta uma soma razoável a ser paga até o final do mês. A partir desse momento o único assunto que ronda sua cabeça é o imposto de renda, você não come direito, não dorme direito, não se relaciona direito, etc. 

Já o uso de Em Direção aos Termos Universais pode acontecer num momento de discussão com a esposa. O casamento já não anda aquelas coisas e em algum ponto do mês a esposa diz que não dá mais. Digamos que você associe isso ao fato de que seu assunto é exclusivamente imposto de renda. Você diz a ela que vai parar falar sobre o assunto, que fará cara de paisagem e falará sobre outras coisas. Mas ela começa a dizer que essa é apenas a gota d’água, que ela não se sente mais amada, que não tem sua atenção, que a sexualidade ficou de lado, que não tem mais conversas de qualidade. Enquanto você vai Em Direção ao Termo Singular ela caminha Em Direção ao Termo Universal. 

Alguns de nossos grandes mestres dizem que onde estiver nosso foco aí estará nossa grande felicidade assim como o nosso inferno. Como é que é isso? Para onde está voltada sua atenção? Caso você tenha uma atenção focal no seu casamento dali podem vir todas as alegrias, assim como podem vir também todas as suas tristezas. A fixação do foco pode lhe alienar, como uma pessoa que se tranca dentro de casa e sai depois de vinte anos. Durante este tempo o foco foi só a casa, dali vinham as alegrias, mas também as tristezas.

Pessoas que caminham em direção aos universais têm como característica observar o todo, mesmo que vejam as partes o todo é que tem relevância. A questão é que algumas pessoas têm uma tendência a ver as coisas ruins da vida, sendo que para elas o que há de bom são pequenos pontos, enquanto a vida é um mar de lágrimas. Outras aprenderam a ver as coisas boas da vida e os problemas que elas encontram na caminhada são pequenos pontos escuros na grande foto.

Um caminho interessante a ser feito por muitas pessoas é aprender a utilizar foco para o que precisa de foco e universais para o que precisa ser entendido no todo. Seria assim: supomos que você saia de casa, vá até o contador e lá diante do contador toda sua atenção se volte ao Imposto de Renda, mas saindo de lá sua atenção volte novamente ao todo, ou seja, ao carro que está no estacionamento, às compras que sua mulher pediu do supermercado, ao amigo que pediu uma visita. Não recomendo usar uma lupa para olhar uma paisagem, mas é uma boa pedida para ver uma formiga mais de perto.

Rosemiro A. Sefstrom  Do site: http://www.filosofiaclinicasc.com.br/

quarta-feira, 17 de abril de 2013

FRANCISCO E A RAZÃO DE ESTADO

A passagem de Bento XVI para Francisco na Sé romana faz recordar a diatribe de Dupanloup sobre os liberais do século 19. "Vocês nos falam",diz ele,"de progresso, liberalismo e civilização como se fôssemos bárbaros (...), mas estas palavras sublimes que vocês desnaturam fomos nós que lhes ensinamos, que lhes demos o verdadeiro sentido e, melhor ainda, a realidade sincera. (...) O dia em que este sentido perecer, perecerá todo progresso real, todo liberalismo sincero, toda civilização verdadeira". As palavras do bispo são claras para quem estuda a hierarquia eclesiástica. Elas defendem dois textos pontifícios contra a modernidade: o Syllabus (coleção de erros modernos condenados pela doutrina católica), adendo à encíclica Quanta Cura. Estranho notar que Dupanloup integra as hostes modernistas. Na França e na Alemanha os liberais católicos formaram minorias combativas que resistem ao controle pontifício. Tivemos repercussões de sua militância no Brasil. Rui Barbosa traduz o livro O Papa e o Concílio (Rio de Janeiro, 1877).O autor original é Döllinger, líder dos católicos liberais alemães.Analistas até hoje se espantam com a defesa feita por Dupanloup de escritos pontificais que proíbem o liberalismo católico. É preciso ver o contexto da brochura: ela une dois eventos diversos, mas presos à razão de Estado e à razão da Igreja. Vejamos o título:A convenção de 15 de setembro e a Encíclica de 8 de dezembro. Em 15 de setembro (1864)Victor Emmanuel assina um tratado com o imperador Napoleão III em prejuízo do Vaticano. Em 8 de dezembro o papa lança a Quanta Cura, na qual o secularismo político é condenado. Impossível ignorar o elo entre os eventos.Contra a Real politik o pontífice endurece princípios. Dupanloup, embora favorável a mudanças na ordem eclesiástica, não pode abandonar normas que permitem à Igreja resistir ao secularismo político, pois elas convocam as massas católicas na Europa e no mundo contra o Estado agnóstico ou ateu. O "verdadeiro"liberalismo, segundo Dupanloup, encontra-se na Igreja, mesmo que ela siga uma rota que leva a sendas espinhosas. Após a Quanta Cura a política disciplinar vaticana doma os liberais católicos na Alemanha, na França e... no Brasil. Depois da Questão Religiosa é impossível achar pessoas como o liberal Diogo Feijó:estadista,leitor do kantismo e padre. No primeiro momento do século 20 a Igreja brasileira exorciza o liberalismo com a força de imensas multidões. (cf. Romualdo Dias,Imagens de Ordem, a Doutrina Católica sobre Autoridade no Brasil, 1922-1933).

Volto à História atual. Quem segue a CNN e similares só tem notícias dos escândalos eclesiásticos (pedofilia, finanças, Vatileaks, etc.). A instituição que recolhe milênios de culturas, políticas, filosofias, estéticas é vista em prisma anamorfótico que tudo deforma. Analistas falam em "modernidade", "adaptação da Igreja ao mundo moderno", como se atrás de tais frases se escondesse o paraíso. Num mundo imerso em guerras genocidas, crises econômicas que jogam milhões na fome e no desemprego, no qual o Estado não exerce plenamente a soberania interna ou externa e a propaganda esmigalha a política, é quase delírio dizer que a Igreja deve adaptar-se ao padrão cultural vigente. A modernidade e a pós-modernidade exibem chagas mais purulentas do que as mostradas no corpo eclesiástico.

Quando Bento XVI abdicou, fui ao prestigioso Globo News Painel, coordenado pelo competente William Waack. Após ouvir a tese de que Bento não se abriu para a cultura atual, repliquei que o problema não é do pontífice, mas da Igreja desde o século 16. Recordei o filósofo Leibniz, que elogia os jesuítas na China e o convívio entre catolicismo e cultura oriental. Na América, as reduções guaranis seguem rumo similar (Lugon, Clovis: A República Comunista Cristã dos Guaranis, Paz e Terra, 1968, e, contra Lugon, Sylvio Back, no filme A República dos Guaranis). O etnocentrismo soba batuta dos padres dominicanos proibiu as experiências jesuítas: tudo na China e no Japão devia ser feito segundo o padrão latino, das vestes litúrgicas às doutrinas morais.No momento do debate na Globo News ninguém sabia que um papa jesuíta seria escolhido.Recebi mensagens de colegas estranhando minha intervenção.

Explico o ponto resumindo os enunciados deste artigo.Trabalho desde longa data com a razão de Estado como fruto de doutoramentos obre Igreja e poder estatal (Brasil: Igreja contra Estado, 1979). Os textos de Leibniz sobre os Estados, o Direito e a religião entram na pesquisa(cf., entre muitos, Lach, D.F.:Leibnizand China,no Journal of the History of Ideas, 1945).

Dupanloup,embora liberal,discursa num instante em que dois Estados (Itália e França) prejudicam a Igreja. Para salvar sua instituição ele segue o "sacrificio dell'intelletto", pedra de toque da obediência na fé.

Existem muitos hierarcas,padres e leigos como Dupanloup.

Eles sacrificam teses em proveito do todo eclesiástico. Assim militam os jesuítas. Donos de refinada técnica missionária, eles compreendem a razão de Estado e a razão da Igreja. O santo que mais serviu ao poder papal é jesuíta, Roberto Bellarmino, alvo de ataques no Leviatã hobbesiano. Seu colega de colégio jesuíta foi Giovanni Botero, que escreveu o primeiro livro explícito sobre a razão de Estado (cf.Della Ragione di Stato, 1588). Para quem estuda a Igreja e o Estado, portanto, era clara a via a ser trilhada pelo Colégio Cardinalício após Bento XVI: eleger um jesuíta com domínio da política e da religião, afeito às culturas do mundo,mas defensor da Igreja.Trata-se de corrigir a rota após a desastrosa decisão de impor formas europeias à fé católica, ou seja, universal. Francisco buscará a mudança em relação à política pontifical do século 17.Nela venceram os dominicanos, mas a Santa Sé perdeu a China e, talvez, o mundo. Por: Roberto Romano O Estado de SP

terça-feira, 16 de abril de 2013

SOFRIMENTOS INEVITÁVEIS

Costumo ouvir que os pais da atualidade querem poupar seus filhos de sofrimento. Por isso, sentem uma enorme dificuldade para dizer "não" a eles, para permitir que enfrentem as suas frustrações e para deixar que atravessem as situações difíceis que a vida lhes apresenta.


À primeira vista, esse discurso soa como uma verdade, não é mesmo? Afinal, temos visto crianças e adolescentes agirem sem se importar com as normas sociais porque eles se sentem protegidos pelos pais em todas as circunstâncias.

Entretanto, podemos pensar um pouco além dessa linha para tentar compreender melhor o relacionamento atual entre pais e filhos no que diz respeito à chamada "felicidade" das crianças.

Na realidade, pode ser que os pais façam mesmo de tudo para que os filhos não sofram. Mas é preciso considerar que, em geral, eles desejam proteger seus filhos apenas de determinadas experiências dolorosas --não de qualquer uma.

Os pais não querem, por exemplo, que os filhos se sintam excluídos de qualquer situação, de qualquer grupo e de qualquer atividade.

É em nome do desejo adulto de eliminar esse tipo de sofrimento que as crianças fazem as mesmas atividades que os colegas em seus dias de lazer, ganham os mesmos jogos e todo tipo de traquitana tecnológica, frequentam os mesmos lugares, usam roupas e calçados parecidos (quando não são iguais) e vão a mil festas de aniversários, muitas vezes de crianças que nem são amigas próximas.

Os pais também não querem, de maneira alguma, que seus filhos sofram por causa da escola. É por isso que vira e mexe eles vão falar com coordenadores, professores e diretores, reclamam de alguns profissionais, colocam os seus filhos em aulas particulares, fazem a lição de casa com eles --ou no lugar deles-- e estão sempre prontos para defender suas crianças e seus adolescentes de qualquer sanção que tenha sido aplicada pela escola.

E é assim, entre tentativas de evitar um e outro tipo de sofrimento, que os pais vivem a ilusão de construir para seus filhos um mundo que só pode existir em outra dimensão: um mundo onde ninguém os rejeitará, onde não serão excluídos de nada e onde participarão de todos os grupos pelo simples fato de consumirem as mesmas coisas que a maioria.

Doce e amarga ilusão...

Porém, há alguns sofrimentos que os pais da atualidade não evitam que seus filhos experimentem. Ao esconder de crianças e jovens verdades da vida que os envolvem, esses pais fazem com que os filhos sofram se debatendo entre mentiras ou silêncios. Quando o tema é doença ou morte na família, por exemplo, isso acontece bastante.

O que os pais talvez não saibam é que, ao tentarem evitar que os filhos sofram a dor da perda, eles acabam provocando nos mais novos um sofrimento ainda maior que é a dor de não saber, de não entender, de não conseguir simbolizar a angústia que sentem.

Outra dor que os pais provocam e à qual não dão muita importância é a dor do abandono. Buscar o filho na escola bem depois do término da aula; deixar o filho sem parâmetros; permitir que a criança atue como se já fosse responsável por sua vida e colocar em suas mãos escolhas que deveriam ser de adultos são alguns exemplos de atitudes que fazem crianças e adolescentes se sentirem abandonados pelos pais.

E isso dói neles.

Uma garota de nove anos disse uma frase reveladora sobre essa sensação de abandono à sua amiga, que estava triste e constrangida por ter sido impedida pelos pais de acompanhá-la em um passeio: "Não chore por causa disso, não. Eu adoraria que os meus pais se importassem assim comigo".

Os filhos são supostamente protegidos de sofrimentos muitas vezes inevitáveis e, ao mesmo tempo, são colocados em situações nas quais experimentam sofrimentos inúteis. Qual será o resultado desse tipo de equação? Por: Rosely Sayão Folha de SP

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO DOS ANJOS

O otimismo está na moda com o novo livro do psicólogo cognitivista Steven Pinker, "Os Anjos Bons de Nossa Natureza", da Cia. das Letras. Sou um admirador do seu já clássico "Tábula Rasa" (o título do livro remete a conhecida tese empirista segundo a qual somos inteiramente frutos do meio).

No "Tábula Rasa", gosto em especial da parte denominada "Vespeiros", dedicada às polêmicas contra as ciências humanas e sua defesa ideológica da "tábula rasa" a ser preenchida pelas modas ideológicas do momento, do tipo meninos e meninas não existem a não ser como construção social. Risadas?

Considero o evolucionismo e a ciência cognitiva ganhos enormes para a compreensão do comportamento humano. Mas, me pergunto se ele, com este novo livro, não está fazendo mais um panfleto de marketing moral do que um livro "científico".

Não aceito plenamente suas conclusões a partir daquilo que ele oferece como uma "ciência cognitiva do otimismo". E, infelizmente, suspeito que Pinker tenha sucumbido a pressão para ser legal, pressão esta que todo mundo que atua como agente do pensamento público sente hoje em dia.

Essa é a praga do politicamente correto: tão invisível como um pó que cai sobre nosso cérebro e não percebemos até nos tornarmos zumbis intelectuais com medo de pensar o impensável.

Temo que assumir que melhoramos porque os americanos passaram de Bush a Obama, e porque existe a ONU e os shopping centers, é mais ideologia (o que Pinker normalmente critica) do que "ciência". Mesmo a "estatística do bem" só convence quem crê em estatística aplicada a seres humanos.

Dá até a impressão de que o autor se convenceu que o mundo é mesmo igual às regiões mais ricas dos Estados Unidos, onde ele vive.

O conforto e a segurança podem ser mesmo um grande viés a entortar nossas conclusões. Pinker confundiu a felicidade de um circo com ar-condicionado, lanchonetes e ONGs com evolução da paz.

A tese de Pinker em seu novo livro é que a humanidade está, desde o século 19, ficando menos violenta fisicamente. Não é de todo absurdo dizer isso se levarmos em conta que grande parte da humanidade hoje em dia se ocupa com ganhar dinheiro, comprar casas e carros, comer uma alimentação saudável e combater as rugas, afora se conectar às redes sociais e falar besteiras quase o tempo todo.

Trata-se da paz como resultado da banalidade do pequeno sucesso e das horas vazias preenchidas com imposto de renda, divórcios e faturas do cartão de crédito.

Mas, suspeito que esse sucesso da paz se dá antes de tudo porque, além dessa ocupação com um cotidiano que vai da TV a cabo às angústias com a previdência privada, as instituições da democracia representativa e da sociedade de livre mercado (que os comunistas gostam de chamar de capitalismo) representam de fato um ganho, contendo nossa vocação para violência, que agora adormece, cândida, babando nos bares, restaurantes, free shops e ONGs para pandas.

Estamos em paz porque compramos muito, comemos muito e somos muito narcisistas. Estamos muito próximos dos personagens felizes e idiotas do "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley.

O otimismo "científico" de Pinker me lembra outro otimista, Francis Fukuyama, e seu "fim da história", porque segundo este, não há possibilidade de retrocedermos para uma sociedade sem democracia liberal. Será?

Esses dois autores, Pinker e Fukuyama, parecem não levar em conta que estamos votando em candidatos duvidosos, comprando computadores, pílulas e Viagra há pouquíssimo tempo e que assumir "200 anos de história da paz do consumo" contra 1 milhão de anos (grosso modo) de sofrimentos intermináveis é como julgar a vida de um homem de mil anos pelos dois últimos segundos passados.

Por último, retornaria ao clássico freudiano "Mal-Estar na Civilização" (recusado pela moda cognitivista). Mesmo Norbert Elias, referência essencial para um dos "bons anjos" de Pinker, sabia bem que o processo civilizador cobra um preço alto pela repressão da "besta em nós".

Resta saber qual seria o "retorno do reprimido" deste mundo de bons anjinhos. Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

terça-feira, 9 de abril de 2013

ALGUMAS RAZÕES PARA SE DEPRIMIR

Diante da questão de Hamlet, "ser ou não ser, eis a questão", a resposta talvez seja "não ser". Deprimir-se ou resistir?


Dias assim, melhor dormir. Mas, como a vida continua, insistimos. Um tratado de "Crítica da Razão Deprimida" deveria começar pela descrença na democracia.

Como crer na democracia quando sabemos que a popularidade de nossa presidente é alta? Se o pastor Feliciano não tem o perfil para o cargo, tampouco ela o tem. Lembramos então do que dizia o líder inglês durante a Segunda Guerra, Winston Churchill: "Quando falo com os eleitores, duvido da democracia".

Por quê? Como "o povo" pode continuar crendo na economia quando ela já dá sinais de queda há algum tempo?

Claro, quem entre aqueles que vivem graças a bolsas famílias pode entender que uma mentalidade entre o varguismo e o comunismo (como a da nossa presidente e a do restante do PT, que continua na sua marcha para transformar o país num país comunista) não pode fazer nada pela economia do país? E, mais, que, se a economia vai para o saco, as bolsas também vão?

Claro, o problema é que na democracia dependemos da maioria, e esta é quase sempre estúpida. Sei que muitos não concordam com essa ideia e, mais do que isso, entendem que há algo de "sagrado" na sabedoria do povo.

Mas, sei também que quem afirma isso, conhecendo um pouco de história, o faz por má-fé, ou simplesmente, por mais má-fé ainda. Temo que esteja sendo redundante, mas a redundância é uma vantagem evolutiva em meio às obviedades contemporâneas.

Outra coisa que me faz suspeitar de que os deprimidos têm razão me ocorre quando ouvimos gente supostamente inteligente falar coisas como "a comunidade internacional decidiu X". O que vem a ser isso mesmo? Onde ela se encontra? Na ONU? Esta estatal internacional mais corrupta do que a república da banana? A ONU é uma mistura de circo com mensalão. Um cabide de emprego para países de Terceiro Mundo.

Como crer em quem crê numa "comunidade internacional"? A "comunidade internacional" só funciona quando tem interesses comerciais em jogo. E olhe lá.

Qualquer decisão da "comunidade internacional" no âmbito moral (como, por exemplo, a partir de hoje estão proibidas a fome, a tortura, a violência contra os mais fracos) é tão séria quanto a declaração de que Papai Noel deve existir porque, do contrário, estamos indo contra o direito à fantasia infantil.

Imagino que os neandertais que são contrários à publicidade infantil concordariam com uma ideia boba como essa.

Mas, é claro, toda vez que alguém diz acreditar na "comunidade internacional" não o faz por ingenuidade, mas, sim, porque este alguém ganha algo com isso, mesmo que seja apenas fama de bonzinho.

E a decisão britânica de criar um órgão do governo para censurar a mídia? Claro, dirão os mesmos que acreditam na "comunidade internacional" que a mídia deve ser "impedida" de circular ideias preconceituosas e ideologicamente perversas.

O caso britânico -resultado da baixaria de alguns "funcionários excessivos" determinados de um jornal específico- não justifica a criação deste órgão fascista para controlar a mídia.

Deduzir a necessidade de controle da mídia do fato de alguns jornalistas terem colocado escutas na vida de cidadãos é como decidir colocar câmeras em todas as salas de aula porque existe risco de abusos por parte de professores e alunos.

O grande erro histórico foi não perceber que a vocação fascista não era um traço só de Mussolini e Hitler, mas sim de todas as propostas de que a política e a educação sejam irmãs gêmeas, ou, dito de outra forma, de que a "política deva fazer moral".

Esta ideia é típica da tradição política contemporânea baseada na premissa de que a política deve "construir um homem melhor". Neste sentido, a esquerda é absolutamente fascista e, como ela venceu na cultura, na educação e nas ciências humanas como um todo, não há esperanças.

É impressionante como "os bonzinhos" de uns dias para cá foram tomados por um amor meloso pelas suas empregadas domésticas. Seria isso uma forma de atestar pureza racial (desculpe, moral) para a burocracia fascista de nossos dias? Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A MÁGICA RECEITA CÓSMICA

A história da ciência é permeada de substâncias invisíveis e matérias obscuras.


Em 1667, o alquimista e médico alemão Johann Joachim Becher, procurando entender a combustão, propôs que substâncias queimavam devido à liberação de "flogisto": uma substância sem flogisto não queimava. A hipótese foi questionada quando se demonstrou que certos metais ganhavam peso quando queimavam, algo difícil de conciliar com a perda de uma substância.

Como solução, alguns especularam que o flogisto era mais leve do que o ar, enquanto outros sugeriram que tinha peso negativo. Esse tipo de atitude não é raro em ciência --quando uma ideia começa a falhar, medidas são tomadas para resgatá-la. Só com tempo e provas experimentais a ideia é abandonada ou modificada até fazer sentido.

Apenas em 1783 o grande químico francês Antoine-Laurent Lavoisier demonstrou que a combustão requer a presença de oxigênio e que a massa dos reagentes permanece constante em toda reação química: "Em todas as operações da natureza nada é criado; uma quantidade idêntica de matéria existe antes e depois do experimento".

Porém, confuso sobre a natureza do calor, Lavoisier propôs outra substância estranha, o "calórico". As coisas esfriam devido ao fluxo de calórico do quente ao frio. Para respeitar sua lei de conservação, o calórico não podia ter massa, sendo uma espécie de éter capaz de fluir.

O calórico, errado mas útil, foi abandonado em meados do século 19, quando se mostrou que o calor é uma forma de movimento, uma agitação da matéria.

Em pleno século 21, eis que vivemos num Universo pleno de substâncias obscuras. Observações astronômicas confirmam que a receita cósmica é um tanto estranha. Os números são revisados cada vez que um novo experimento publica resultados, como foi o caso do satélite europeu Planck há duas semanas.

Mas a estranheza permanece. Os átomos dos quais você e eu somos feitos são a minoria absoluta, contribuindo apenas com 4,9% do total. Do resto, sabemos menos.

Há duas contribuições principais: a matéria escura (26,8%) e a energia escura (68,5%). O adjetivo "escuro" vem do fato de não podermos "ver" tais substâncias. Sabemos que existem devido à sua ação sobre a matéria comum, os 4,9% que formam galáxias e estrelas.

Isso porque ambas substâncias escuras atuam gravitacionalmente: a matéria escura, provavelmente formada de algum tipo de partícula, circunda as galáxias como um véu translúcido; a energia escura, bem etérea, banha o Cosmo por inteiro e é sentida apenas em escalas gigantescas, de centenas de milhões de anos-luz. É ela a responsável por causar a aceleração do Universo.

Será que essas substâncias são nosso novo flogisto? Pouco provável. (Se bem que Lavoisier diria o mesmo do seu calórico.)

A matéria escura deforma o espaço à sua volta, fazendo com que raios de luz sejam desviados, e esse desvio é detectado.

Nesta semana, o primeiro sinal promissor de uma detecção foi feito por um instrumento da Estação Espacial Internacional. Ainda é cedo para confirmar, mas pode ser o primeiro raio de luz que iluminará nossa treva atual. Por: Marcelo Gleiser Folha de SP

domingo, 7 de abril de 2013

O CÉSAR E DEUS

Eu diria que é realmente surpreendente o impacto político que teve a nomeação como Papa do Cardeal Bergoglio. É indubitável que um dos fatos mais transcendentes na história do Ocidente foi haver conseguido a separação entre o Estado e a Igreja e, conseqüentemente, a liberdade religiosa. Liberdade que se ignorou por séculos, e imperava o direito divino dos reis que significava que os que não eram reis não tinham direitos. E não esqueçamos que esse princípio liminar está no cristianismo: “Dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Diria que é a única doutrina religiosa que proporcionou este crucial princípio de liberdade.


Assim, como devemos lembrar, Leão XIII em sua encíclica Rerum Novarum de 1891, acreditou procedente lembrar o estado e a situação da Igreja durante o papado de Pio IX, quando prevalecia a Quanta Curaee seu adendo o Sylabus de Erros. Esse documento que refletia o ultra-montanismo, estabelecia que um dos erros era considerar que a Igreja estava a favor do desenvolvimento (sic).

Insisto então em que a ingerência da Igreja na política constitui uma violação do princípio fundamental do cristianismo que foi a separação do Estado da Igreja. Até certo ponto, nos últimos anos universalmente se havia respeitado esse princípio no Ocidente, além de alguns casos particulares como a chegada de Perón na Argentina via o Nacionalismo Católico, organização inspirada na encíclica Quadragesimo Anno, resultante do acordo de Pio XI com Mussolini, e portanto impregnada de fascismo, em contradição com sua precedente, a Rerum Novarum. Certamente tampouco posso ignorar as visitas de João Paulo II e de Bento XVI aos irmãos Castro, representantes por antonomásia do crime em nome da igualdade e certamente do anti-americanismo. E em Havana no presente prevalece o bispo Ortega que mantém relações com o governo de Raúl, que já aparece felicitando Bergoglio. Embora como disse antes a Igreja aparecia afastada da política, sua presença recente no Ocidente esteve tristemente caracterizada pela pedofilia que, segundo as notícias, custou ao Vaticano milhares de milhões de dólares em compensação.

Pois bem, a julgar pela imprensa falada e escrita, o advento de Francisco ao Papado aparentemente não tem outra conotação que a possível influência política na América Latina e particularmente na Argentina. No momento parece ignorar-se as razões pelas quais aparentemente Bento XVI decidiu renunciar ao Papado. Todas as notícias a respeito mostram a realidade do enfrentamento existente no Vaticano. A respeito da corrupção existente no Vaticano apareceu o Vatileaks que aparentemente mostra em 300 páginas essa situação. Esse fato fez com que Bento XVI pedisse a renúncia do cardeal que deu publicidade e que era seu ajudante. Portanto, creio que a razão de ser da renúncia do Papa foi produto do medo e do reconhecimento de sua incapacidade para resolver os problemas anteriores.

No que diz respeito ao pensamento de Francisco, não tenho informação suficiente para analisá-la. Agora bem, se tenho em conta alguns relatos jornalísticos a respeito, parece ser uma pessoa austera e preocupada com os pobres. Esse, entretanto, não é dado suficiente para saber realmente qual seria seu pensamento político. Já sabemos ou deveríamos saber a realidade política dos supostos preocupados pelos pobres, que se fazem ricos a custa do pranto. Porém, indubitavelmente existem os que acreditam de boa-fé, mas o que não se pode evitar é que como bem disse Hanna Arendt: “Quando em nome da compaixão se violam os direitos individuais, desaparecem a liberdade e a justiça”.

Poderia dizer que a existência da pobreza ou da desigualdade econômica parece ser a fonte do poder no mundo Ocidental e Cristão, ao qual também pertence a América Latina, em que mal pese a Samuel Huntington. Assim, acredito que na América Latina prevalecem a pobreza e o anti-imperialismo como as condições supostamente éticas para alcançar o poder. Com relação à primeira, existem dois tipos de expositores: os que realmente se preocupam e os que o usam demagogicamente. Não me cabe a menor dúvida sobre a boa-fé de Francisco. O que me preocupa é a possibilidade de que esse sentimento seja aproveitado politicamente para justificar o socialismo e desconhecer os direitos individuais.

Nesse sentido, é muito possível que a vocação de Francisco possa se converter em um aparente aval a essa tendência demagógica prevalecente no chamado mundo Ocidental e Cristão. Como já repeti até o cansaço, o socialismo é a denominação que o Iluminismo deu à demagogia. Seguindo a Aristóteles, que tomou consciência de que “os pobres sempre seriam mais do que os ricos, e quando o povo se faz monarca os aduladores do povo têm um grande partido”. E já deveríamos ter constatado que, como assinala Alexis de Tocqueville: “O socialismo e a concentração de poder são frutos do mesmo solo”.

Até onde pude conhecer Francisco, ele é contra o poder absoluto e certamente na Argentina contrário ao enfrentamento social. Porém, nesse aspecto não acredito que seja possível que o Papa possa ter o poder para influenciar comportamentos opostos aos propósitos autoritários da América Latina. E o que certamente parece possível é que sua virtude de preocupação pelos pobres seja usada para justificar eticamente o poder político e sua conseqüência, a falta de liberdade. Já pudemos ver essa atuação na Venezuela, onde o atual e aparentemente futuro presidente Nicolás Maduro, se permitiu expressar que a nomeação do Cardeal Bergoglio como Papa foi o resultado da morte de Chávez. Certamente que tal pretensão é uma palhaçada, mas mostra claramente o projeto de usar as virtudes do Papa como suporte do poder que se detém.

Outro aspecto ponderável da atitude de Francisco é sua intenção das relações com outras igrejas. Ou seja, que aparentemente leu a Carta de Tolerância de John Locke que diz: “O evangelho declara freqüentemente que os verdadeiros discípulos de Cristo devem esperar e sofrer perseguições, mas não lembro de ter lido nunca no Novo Testamento que a verdadeira Igreja de Cristo deva perseguir os outros ou atormentá-los, ou obrigá-los a aceitar suas crenças e conduzi-los à fé com a força, a espada ou o fogo”. Esse princípio que finalmente foi aceito no Ocidente é alheio ao mundo islâmico. E lá ainda prevalece o ressentimento com o Ocidente desde o tempo das Cruzadas.

O outro tema que o Papa parece ter encarado e assim o manifesta em seus discursos, é a projeção de uma Igreja para os pobres e longe da pompa. Essa atitude valida igualmente o pensamento de John Locke:“Quem se aliste na Igreja de Cristo, primeiro tem que lutar contra seus próprios vícios, contra sua soberba e contra seu prazer, pois de nada serve usurpar o nome de cristão, se não pratica a santidade de vida, a pureza dos costumes, a humildade e a bondade de espírito”. Nesta atitude tudo parece indicar que terá que enfrentar seus maiores problemas no próprio Vaticano, onde parece reinar uma certa corrupção e ao mesmo tempo, um enfrentamento interno. Por algum motivo Bento XVI renunciou. Esperemos que Francisco possa superá-lo. Por: Armando Ribas

Tradução: Graça Salgueiro

sábado, 6 de abril de 2013

MEDO QUE DÁ MEDO

Muitas mães estão com medo de que os seus filhos sintam medo. Pedem para a escola não contar determinadas histórias e para trocar a indicação do livro que o filho deve ler. Elas também não deixam que as crianças assistam a filmes que, seja qual for o motivo, provoquem medo. Basta que o filme veicule uma ideia: nem precisa conter cenas aterrorizantes.


Essa reação dos pais leva a crer que o medo é necessariamente provocado por um motivo externo à criança e que é uma emoção negativa que os pequenos não devem experimentar. Vamos pensar a esse respeito.

Primeiramente, vamos lembrar que toda criança pequena sentirá medo de algo em algum momento de sua vida. Medo do escuro, medo de perder a mãe e medo de monstro são alguns exemplos. E esses medos não serão originados necessariamente por causa de uma história, de uma situação experimentada ou de um mito. Esses elementos servirão apenas de isca para que o medo surja.

Tomemos como exemplo o medo do escuro. De fato, é na imaginação da criança que reside o que nela lhe dá medo; o escuro apenas oferece campo para que essas imagens de sua imaginação ganhem formato, concretude.

É que, no escuro e em suas sombras, a criança pode "ver" monstros se movimentando e até "ouvir" os rugidos ameaçadores dessas figuras. No ambiente iluminado, tudo volta a ser a realidade conhecida porque a imaginação deixa de ter seu pano de fundo. Os rugidos dos monstros voltam a ser os sons naturais do ambiente. E as monstruosas imagens são diluídas pela claridade.

E por que é bom a criança experimentar o medo desde cedo? Porque essa é uma emoção que pode surgir em qualquer momento da sua vida e é melhor ela aprender a reconhecê-la logo na infância para, assim, começar a desenvolver mecanismos pessoais de reação.

A criança precisa reconhecer, por exemplo, o medo que protege, ou seja, aquele que a ajudará a se desviar de situações de risco. Paralelamente, precisa reconhecer o medo exagerado que a congela, aquele que impede o movimento da vida e que exige superação.

É experimentando os mais variados medos que a criança vai perceber e aprender que alguns medos precisam ser respeitados pelo aviso de perigo que dão, enquanto outros medos exigem uma estratégia de enfrentamento que se consegue com coragem.

A coragem, portanto, nasce do medo. E quem não quer que o seu filho desenvolva tal virtude?

Por fim, é bom lembrar que, muitas vezes, a criança procura sentir medo por gostar de viver uma situação que, apesar de difícil, ela pode superar. Cito como exemplo um mito urbano que provoca medo em muitas crianças na escola: "a loira do banheiro". Para quem não a conhece, é a imagem de uma mulher que assusta as crianças quando elas vão ao banheiro.

Uma escola decidiu acabar com esse mito. Por meio de várias estratégias conseguiu convencer os alunos de que isso não existia. Alguns meses depois, as crianças construíram outro mito para que pudessem sentir o mesmo medo que experimentavam quando se viam perseguidos pela "loira do banheiro".

E quantas crianças não choram de medo depois de ouvir uma história e, no dia seguinte, pedem aos pais que a contem novamente?

Conclusão: o que pode atrapalhar a criança não é o medo que ela sente, e sim o medo que os pais sentem de que ela sinta medo. Isso porque a criança pode entender que os pais a consideram desprovida de recursos para enfrentar os medos que a vida lhe apresenta. Por: Rosely Sayão Folha de SP

sexta-feira, 5 de abril de 2013

VIVER FORA DA CAIXA!


Uma das perguntas comumente ouvidas num consultório é: “Doutor, isso é normal?” A pessoa que faz esta pergunta o faz para que alguém, no caso o terapeuta, possa lhe dizer se ela está ou não dentro dos padrões. O padrão é uma medida associada ao que está ao se redor, por exemplo, hoje é um padrão pagar pelo trabalho de alguém, quem não o faz está cometendo um crime, salvo as exceções para este exemplo. Entretanto, há pouco mais de cem anos o padrão era comprar alguém que fazia os trabalhos de uma casa, ou seja, era padrão ter escravos em casa. O padrão é portanto uma medida que toma por base o que tem ao seu redor. O padrão serve muito bem para questões práticas, para calcular o valor de um carro, para saber se o salário é adequado, para ver se o espaço de moradia está de acordo com a região onde se mora. Mas medir uma pessoa aquilo que há ao seu redor é a pior forma de se fazer isso.

Diferente de um carro, o salário e até mesmo a moradia, uma pessoa apresenta estruturas totalmente diferentes, únicas. Padronizar o ser humano é como pegar os galhos das árvores de uma floresta e querer que todos sejam iguais. Pior do que isso, fazer com que aqueles que não estão dentro do desejado sejam cortados e jogados fora como algo sem valor. Assim como as árvores, cada ser humano tem uma única forma de se estruturar, e essa estrutura tem diferentes formas de se manifestar. Muitas pessoas, por medo, por necessidade ou por conveniência, se mostram como os outros querem que elas sejam vistas. Assim é para a menina que aos seus quinze anos reúne os amigos e faz um lindo baile de debutantes, quando esse padrão nada tem a ver com ela. Infelizmente para a sociedade ela sente que precisa se homogeneizar, ter uma aparência que se espera dela, namorar um namorado que dizem ser o melhor, enfim, ser normal. 

A estrutura de uma pessoa, assim como de uma casa ou as raízes de uma árvore têm um formato, suportam um peso diferente. Para uns a base é sua emoção, tudo o que vivem é suportado pelas emoções, são as alegrias, tristezas, ódios, amores, que as fazem suportar a vida ou viver. Em outras pessoas é a razão a base que sustenta toda essa estrutura: suas contas, porquês e lógicas aguentam o prédio que está em cima. Acima do alicerce há toda uma construção que se apóia nesta base, sendo que, para algumas pessoas, a estrutura padronizada é pesada demais para sua base. Pode-se citar o exemplo do filme “Na natureza selvagem”, onde o rapaz tinha a base de sua estrutura na sua identidade. A vida padronizada se fez tão pesada que a base não agüentou e ele perdeu a referência até de si mesmo, ou seja, não sabia mais quem ele era. 

Há um exército de seres humanos tratados como máquinas que não suportam a estrutura padronizada que está sobre suas bases. Cada um ao longo da vida deveria construir sua estrutura de acordo com a base que tem, isso seria o recomendável. Em busca da normalidade, algumas pessoas constroem pirâmides que nada têm a ver consigo, mas com o que o padrão recomenda. Padrão este que tem cor certa, roupa certa, música certa, casamento certo, filhos certos, enfim, que acaba por normatizar via Inmetro um ser único. Não há como pregar normalidade quando o próprio padrão está mais próximo da doença.

O seu jeito de ser, as bases sobre as quais você construiu a sua vida indicam como pode ser a estrutura que será edificada. O padrão pode ser um guia, pode ser uma medida de comparação, mas não uma medida de construção. Você é uma pessoa completamente diferente de qualquer outra, isso porque a sua estrutura é única e por mais que se tente encaixotá-la, ela sempre mostrará que não é possível viver na caixa.
Por: Rosemiro A. Sefstrom  Do site: http://www.filosofiaclinicasc.com.br/

quinta-feira, 4 de abril de 2013

O GOZO DA PULSÃO DE MORTE

Pense na Dinamarca. País perfeito, que, junto de Suécia, Noruega e Islândia (um dos lugares mais fascinantes em que já estive justamente porque é no fim do mundo e ninguém normal vai para lá), forma o paraíso na Terra para essa gente do "queremos um mundo melhor".


A chave para entender esses belos países não é o que gente mal informada acha que é, a saber, seu altíssimo grau de civilização e "consciência social" (em mil anos, termos como esse soarão como hoje soa "raça ariana superior"), mas, sim, seu altíssimo grau de prazer em reprimir tudo que não seja norma e de torturar todos que parecerem estar fora dela (dito de modo psicanalítico, um enorme gozo da pulsão de morte a serviço da repressão e humilhação moral).

O luteranismo puritano do passado escandinavo se transformou na repressão terrível em nome de "sua santidade" o politicamente correto, seja ele ecológico, social, sexual, cultural, ou que diabo for.

O que está em jogo é torturar quem não parece estar enquadrado no jogo da pureza moral. O cinema de Ingmar Bergman, Lars von Trier e Thomas Vinterberg, por exemplo, é um testemunho claro desse gozo mórbido pela hipocrisia do amor à norma.

Mas seria injusto passar a conta para os escandinavos. Nós todos gozamos em torturar quem cai na desgraça de ser um herege. O ódio nos move mais do que o amor, e, antes de tudo, odeio o racista mais do que amo sua vítima de racismo.

Adoramos humilhar, perseguir, destruir homens e mulheres, porque supostamente feriram códigos. Mas a maioria de nós não está nem aí para os códigos. Gosta, sim, de ver o desgraçado reduzido a lixo.

Somos inquisidores natos, prontos a babar em cima da primeira vítima que surgir, principalmente a "moçadinha" por um mundo melhor.

Por isso, na Idade Média levavam as crianças para o programa de domingo, que era ver infelizes arderem. E você, caro leitor, que talvez se ache o máximo, provavelmente levaria o seu filho também para cuspir no herege. Quer ver: o que você acha do pastor Feliciano? Ou de algum machista nojento?

Ou de padre pedófilo? Merecem um xingamento básico? Quem sabe, ovo podre? Bruxa e gay hoje não são mais hereges, são parte do status quo "cabecinha".

Por falar em Vinterberg, veja o maravilhoso "A Caça", com o excelente Mads Mikkelsen (o mesmo do "Amante da Rainha") no papel principal de um professor de jardim de infância injustamente acusado de pedofilia por uma aluna.

O filme deveria ser passado nas escolas de magistratura, nas faculdades de psicologia, pedagogia, serviço social e outros quebrantos.

Tudo nele é sofisticado e a serviço de desmascarar o inquisidor que existe em nós. O erro da "moçadinha" para um mundo melhor é não entender que, para descobrir o inquisidor babão em si mesmo, a chave não é pensar em "vítimas oficiais de preconceito", mas sim em quem você odeia por razões
que você considera justas.

A questão do filme não é negar o horror da pedofilia (vamos esclarecer antes que algum inquisidor comece a babar em cima de mim), mas, sim, mostrar como funciona nossa velha natureza humana em seus novos objetos de gozo mórbido moral.

A menina, Klara, tendo sido "recusada" em seu amor pelo professor Lucas (Mikkelsen) --ela o beija na boca--, vinga-se dizendo para a diretora da escola (esse ser quase sempre pronto para abraçar qualquer moda, mesmo as modas de horror como a pedofilia) que ele tinha mostrado seu órgão
sexual para ela.

Daí, claro, segue-se o "normal": um especialista acaba por dar a bênção "científica" para a acusação de pedofilia contra o inocente Lucas. Ele segue a cartilha de que as crianças nunca mentem e quando negam o suposto abuso é porque estão envergonhadas. De repente, todas as crianças dizem terem sido abusadas.

Por isso, de nada adianta o arrependimento de Klara, que tenta negar o que disse mil vezes (e ela o faz várias vezes, mas nenhum adulto acredita nela).

Todos "cospem" em Lucas: amigos e suas mulheres, colegas de trabalho, ex-mulher, quitandeiros.

Teste sua alma de inquisidor: o que você faria se acusassem o professor de sua filhinha de pedofilia? Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP