domingo, 31 de agosto de 2014

DINHEIRO

Em Filosofia Clínica há um tópico chamado de Autogenia. Neste o filósofo estuda como os conteúdos da pessoa se relacionam e o que geram. No seu caso, caro leitor, a razão pode relacionar-se de maneira equívoca com a emoção e essa relação pode produzir brigas constantes com o namorado (a). O que acontece é que ao mesmo tempo a Estrutura de Pensamento da pessoa afasta e atrai. Explico: enquanto a razão diz que ele não presta, a emoção pede mais. Quando este conteúdo ganha movimento é estudado ainda de outro jeito, apontando ao filósofo quais os caminhos existenciais possíveis para a pessoa a partir de sua autogenia. A uma que está em harmonia interna diz-se que está autogenicamente bem, e nestes momentos tende a vivenciar coisas boas. Ao contrário, quando uma pessoa está em desarmonia interna, as coisas tendem a não andar bem e é provável que esta vai vivenciar coisas ruins de sua vida.

Quando alguém está autogenicamente mal, o ideal é propiciar harmonia interna a partir do que faz bem a ela. Suponha uma pessoa que esteja vivendo um momento difícil, com falta harmonia consigo mesma, só lhe acontecem coisas ruins. Ela vai ao filósofo e a partir do acompanhamento filosófico descobrem que algo que faz com que ela entre em harmonia consigo mesmo é um bom banho de mar. A pessoa já sabia disso, de certa forma até sentia falta de um banho de mar, mas a “falta de tempo” lhe impedia de ir ao mar para este banho. Outras pessoas, ao longo do acompanhamento, descobrem que o que lhes coloca em harmonia são trabalhos manuais como jardinagem, carpintaria, escultura, pintura, enfim. Tudo o que faz bem autogenicamente a uma pessoa é um bom vizinho, ou seja, vizinhos que podem promover harmonia na Estrutura do Pensamento.

Quando uma pessoa começa a perceber os vizinhos que lhes fazem bem pode escolher o que quer ter ao seu lado. Pode selecionar os elementos que quer ter como vizinho, como você que ao longo do seu dia pode escolher como vizinho as preocupações com o futuro, que causam incômodo, ou uma boa xícara de café, que lhe traz harmonia. O problema é que algumas pessoas não se conhecem e selecionam elementos que lhes fazem mal como vizinhos. Em uma aula perguntei aos alunos qual seria um vizinho que lhes traria harmonia interna e um dos alunos respondeu: “Dinheiro”. Segundo ele, o dinheiro traz tranquilidade e outras tantas coisas que lhe trariam harmonia interna. Depois de ouvi-lo atentamente perguntei ao aluno o que o dinheiro trazia consigo e ele não soube responder. Para você: o que o dinheiro traz consigo? Um bom vizinho traz consigo outros bons vizinhos, um mal vizinho traz consigo outros maus vizinhos.

Para algumas pessoas dinheiro é um péssimo vizinho, causa uma desarmonia enorme, traz sofrimento. Quando isto acontece a Estrutura de Pensamento acaba por inviabilizar as oportunidades em que a pessoa poderia ganhar dinheiro. Assim, eu quero ganhar dinheiro, monto projetos, me esforço e não consigo, mesmo querendo, minha Estrutura de Pensamento, afasta as oportunidades de ganhar o dinheiro. Um exemplo bem prático: havia um amigo que sempre queria ganhar dinheiro, pegava bons trabalhos, iniciava ganhando bem, mas ao ser contrariado pelo chefe dizia: “Só porque ganha mais que eu quer ser mais que eu”. Um de seus valores, a humildade, não combinava com ter dinheiro. Como a humildade era muito mais forte do que ter dinheiro, todas as vezes que teve a possibilidade de ganhar bem, acabava “perdendo” a oportunidade.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

ANTITEÍSMO

1. O problema do nosso tempo não é o ateísmo, mas o antiteísmo. Marx e Lênin, Nietzsche e Hitler, Mao e Gramsci não são simplesmente descrentes: eles odeiam a própria ideia de Deus. Deus é conservador: representa a negação do super-homem revolucionário.

2. Parte do ambientalismo contemporâneo procura substituir Deus pela mãe-natureza. Sai o Criador, entra Gaia. É uma nova religião civil. Chesterton já dizia, em tom de alerta, que existe uma terrível consequência em acreditar que a natureza é nossa mãe: ela acabará se revelando como madrasta. Na verdade, a natureza é nossa irmã: devemos protegê-la e amá-la, como ensinava São Francisco, mas nunca adorá-la ou transformá-la em ídolo inquestionável.

3. Desculpem-me o que pensam assim, mas essa história de que a Terra viveria muito bem sem a humanidade, de que o homem poderia ser eliminado do planeta sem maiores prejuízos – isso tudo é conversa do diabo.

4. Diabo é aquele que divide. A ideologia da luta de classes, muitas vezes disfarçada de ambientalismo ou radicalismo, funciona hoje como a principal arma do Inimigo.

5. Nas redes sociais, a trágica morte de Eduardo Campos, que comoveu o País, despertou uma onda de comentários abomináveis, procedentes de grupelhos politicamente radicais. Como disse um amigo, a gente fica imaginando o que tais grupos fariam se chegassem ao poder. A resposta está nos regimes totalitários que provocaram milhões de mortes no século XX. O comunismo não era somente um regime ateu; era um regime antiteísta. Gaia, História, Revolução, Dialética e Vontade de Poder são nomes diferentes para o mesmo ídolo. Conversa do coisa-ruim.

6. Grande parte do discurso contra Israel nos tempos atuais está ligada ao mesmo sentimento antiteísta que corrói a civilização ocidental. Aos que defendem o boicote a produtos israelenses, sugiro que comecem desligando seus computadores, e em seguida deixando de tomar remédios ou utilizar técnicas agrícolas avançadas.

7. A natureza não escreve Guerra e Paz nem A Divina Comédia. A natureza não compõe as Variações Goldberg nem a Missa Solene. A natureza, lamento informar, não esculpe Moisés, não pinta A Conversão de São Paulo e não produz um só diálogo de Hamlet, que dirá um Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda. A natureza não produz uma mísera cerveja artesanal, tampouco o menos delicioso dos vinhos do Reno. A natureza não transforma deserto em terra fértil, como fizeram os israelenses. A natureza sabe ser cruel: devora seus filhotes sem dó quando julga necessário. Sim, devemos proteger a natureza. Mas às vezes temos de nos proteger dela, como Israel protege seus filhos.
Por: Paulo Briguet, jornalista, edita o blog Com o Perdão da Palavra.




quinta-feira, 14 de agosto de 2014

QUANTO VALE UMA VIDA?

Antes de qualquer resposta a priori é necessário entender que não há uma medida de valor que possa quantificar uma vida. Cada ser em sí é único, insubstituível, com suas características, jeito de ser, maneira de ver o mundo. No entanto, é interessante pensar em algo que comumente se vê e não se percebe: que a vida de uma pessoa é tratada, em muitos casos, a partir de um juizo de valor. Nesses casos, nem sempre muito claros, as pessoas que dependem do outro ficam a mercê de seu juízo de valor. Em Filosofia Clínica todo o juízo de valor é chamado de axiologia, assim como na Filosofia Acadêmica. Assim, axiologia me diz o que é importante para a outra pessoa, ou seja, o que ela considera importante para si; não necessário, mas importante.

Hoje pela manhã ao ver o jornal, deparei-me com uma notícia muito comum nos dias de hoje. O jornalista dizia que um jogador de futebol engravidou uma moça. Até então normal, mas o que espanta é dizer que o jogador já avisou a família que cumprirá com todas as obrigações financeiras. Não conheço o jogador e muito menos a moça, mas se pode perguntar: qual é o valor desta vida gerada pelos dois? Posso arriscar, talvez cometendo um erro vergonhoso, mas parece que para ela ter um filho é garantir uma boa quantia em dinheiro para si, o filho é um meio para ganhar a vida. Para o jogador o filho é a consequência de uma atitude que vai lhe custar dinheiro, só. A vida de uma pessoa que ainda nem nasceu já tem preço.

O filme “Antes de Partir”, estrelado por Jack Nicholson no papel do rico empresário e dono do hospital Edward Colen e Morgan Freeman no papel do mecânico Carter Chambres, apresenta uma brilhante história que mostra o fim da vida de dois homens que morrerão de câncer, Neste filme, ao chegar ao hospital, por se saber uma pessoa simples, humilde, Chambers pede apenas que o médico olhe seus exames. O mesmo se nega, pois não é sua competência, isso deveria ser feito pelo médico que acompanhava seu caso. Em contrapartida, o rico Colen reclama do fato de ser colocado em um quarto com outra pessoa, quando ele mesmo disse que hospital não é hotel. Naquele momento ele se colocou acima de todas as outras pessoas, queria que fosse feita a sua vontade, como se afirmasse que “a vida de uma pessoa tem seu preço e é sempre menor que o meu”.

Ontem, um daqueles jornais sensacionalistas noticiava a morte de uma jovem pelo namorado. Segundo a notícia, o jovem assassinou a ex-namorada a facadas porque estava apaixonado por ela e ela o deixou. Não é difícil ver meninos e meninas que condenam o seu companheiro ao seu amor, alguns condenam a si próprio. Um amor que sufoca, que faz do outro objeto de uso, que transforma a outra vida em posse. A vida tem valor quando é minha, se não for minha não será de ninguém.

Desde sempre, para não dizer há muito tempo, israelenses e palestinos que vivem num pequeno pedaço de terra no Oriente Médio estão em guerra. Lá, antes de tudo, sua guerra é por terra e água, recursos escassos naquela região. Um pouco além deste lugar, outras regiões também estão em guerra e além de terra, água, riquezas e poder existe a questão religiosa envolvida. O interessante é que a maioria das religiões prega o respeito e o valor à vida, mas apóiam práticas violentas contra pessoas que não têm o mesmo credo. Estou falando de países distantes, mas aqui, do lado da nossa casa, pode haver uma pessoa de outra religião. Alguns pensam: “a vida dessa pessoa tem valor se ela tiver a mesma religião que eu.”

Não é por um destes fatores isolados, mas o conjunto de vários fatores que mostra para cada um quanto vale uma vida. Pense um pouco sobre isso, veja se as suas atitudes mostram que você valoriza a vida. Lembre-se que, assim como você mede, também pode ser medido.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

QUAL A SUA LÓGICA?

No mundo, segundo especialistas de várias áreas, existe uma lógica no processo que chamamos viver. Essa lógica, segundo os mesmos, regulamenta nossa forma de viver e faz com que sejamos quem somos. Há uma lógica na movimentação dos fluidos, há uma lógica na movimentação das massas de ar, há uma lógica para explicar as reações químicas que acontecem no cérebro. Enfim, a lógica é a parte da filosofia que cuida para que as coisas possam ter certo sentido, ou seja, para que uma argumentação possa ser conduzida corretamente das proposições ao juízo. O juízo, conclusão, só será considerado correto ou verdadeiro na medida em que respeitar as proposições. Um dos exemplos mais famosos de lógica é: Todo homem é mortal, Sócrates é homem, logo, Sócrates é mortal. Perceba que o movimento da primeira proposição até a conclusão se complementam.

Esse exemplo de lógica funciona muito bem no papel, num raciocínio matemático, algébrico, mas será que funciona tão bem assim na vida? Será que um pensamento lógico é assim tão exato na vida? O que se percebe no consultório é que não. Algumas pessoas me procuram com uma questão parecida com esta. Dizem: “Doutor, ele é ruim comigo, ele é grosseiro com minha família, ele só tem interesses em mim e eu gosto dele”. O que a moça quer dizer é: “Mesmo tendo todos os motivos para se afastar desse rapaz, ela gosta dele”. Mas, muito diferente do papel, onde o pensamento se desenvolve com base na razão, ao menos deveria, na vida utilizamos outras ferramentas para se chegar a uma conclusão que não fecha com a lógica.

Cada um tem sua lógica interna, como diz um filme, alguns seguem a lógica do amor. Pessoas estas que seguem de maneira quase que cega o que o seu coração aponta. Muitas vezes se arrebentam na vida, pois a pessoa por quem se apaixonaram não lhes quer. Outros seguem a lógica de mercado, para estes o que tem maior valor (preço) é o que orienta as suas lógicas de pensamento. Há também as pessoas que usam a lógica do prazer, muitas delas caem na vida pelo álcool, drogas, pois é o prazer quem comanda esta lógica. A lógica de cada um é o que chamo de lógica existencial e para cada um ela tem sua forma de chegar a num resultado verdadeiro.

Mas, mesmo que cada um tenha a sua lógica, às vezes, essa lógica não coincide com a lógica do outro. Veja o caso de uma menino que pensa consigo que, se ele amar muito uma menina, se dedicar integralmente a ela, ela também vai amá-lo. Só que para a menina, objeto de seu amor, um homem que tenha muitas posses, na sua cabeça é aquele que vai fazê-la feliz e não o que a ama. Para o menino é o amor, para a menina são as posses. Quando a conta não fecha é natural que em algum lugar fique aparente que algo está errado. Algumas vezes é o casamento que não dura, são lógicas diferentes tentando conviver no mesmo espaço.

Há ainda a lógica da fé, segundo a qual, se o meu relacionamento com Deus for bom, eu rezar obterei sua ajuda. Mas, para muitos fieis Deus deve ter tirado uma folga, não é fácil de entender como que alguém que rezou toda uma vida, foi muito devota, morreu esperando seu auxilio. De vez em quando se vê uma família se perguntando e perguntando a Deus sobre o assunto, a lógica não fecha.

É assim mesmo, assim como cada um de nós tem a sua lógica, Deus também deve ter a dele. Entender qual é a minha lógica torna mais fácil entender quando as contas não batem, perceber que algo está errado. Não porque esteja errado, mas por que na minha forma de pensar não é certo. Mas, mesmo assim, tenho de entender que o meu modo de se chegar a um resultado não é o único, posso estar errado.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

sábado, 9 de agosto de 2014

CONTROLE

Ao longo do tempo o homem foi criando uma sensação cada vez maior de controle, onde ele consegue prever, planejar e dominar o que está ao seu redor. Uma das primeiras civilizações a lidar com o controle foi a civilização egípcia, estes controlaram as cheias do Rio Nilo e a partir disto construíram o Egito. Tempos depois vieram os gregos, estes também fizeram grandes proezas na área da engenharia, assim como os romanos. No entanto o destaque está para o período que conhecemos por Renascimento, momento em que o homem avança para a ciência. É a partir da ciência que o homem avança para uma época onde tem ele a sensação de pleno controle, acredita ser mestre do acaso.

Esta sensação de controle a partir da ciência fez com que o homem avançasse para questões como o conhecimento próprio e se fechasse terminantemente ao desconhecido. Tudo o que gira em torno do desconhecido foi legado à religião, misticismo ou pura ficção. Poder controlar o que está ao seu redor dá ao homem a impressão de que ele é imprescindível para que as coisas aconteçam. Agora o homem vê a si mesmo como necessário no mundo, percebe-se como responsável pela vida e pela morte. Avançando para o dia a dia, pode-se dizer que muitos pais de família tratam sua família como se ele fosse o centro e se nada acontecesse em sua ausência e sem sua anuência. No entanto a esposa que este homem tem a impressão de controlar pode abandonar o casamento, ir embora. O filho para quem planejou o futuro e controla todos os passos pode tornar-se usuário de um entorpecente qualquer e não ter o futuro planejado.


A ideia de controle nasce com o alvorecer do pensamento científico e anula a abertura do homem para a amplidão que está a sua volta. Um empreendedor quando cria sua empresa criou algo que, logo após criado, tem vida própria, tem suas necessidades que precisam ser atendidas. Quando um casal constrói uma casa, ela tem a grama que precisa ser aparada, o portão que enferruja, a lâmpada que queima, a torneira que pinga, a pintura que precisa de reparos. Uma vez criada, a casa pede começa ganha vida e exige alguns cuidados. Até onde se pode controlar o que a empresa ou a casa vai precisar? Por mais criterioso que seja o planejamento, não há como controlar tudo. A maior parte das coisas que está ao nosso redor não pediu permissão para estar viva e ainda assim vive.

Saber-se apenas uma pequena parte deste universo e pode abrir os olhos para o que está ao redor. Ao sair pela manhã e entender que filho, esposa, casa, empresa têm vidas próprias e que sabe-se apenas parte de cada um deles mostra que o universo é muitos mais do que o que cabe em nossa agenda. Meu mundo é apenas um dos mundos possíveis, e isto somente será percebido se houver abertura para conhecer outros mundos. Abrir mão do controle é justamente abrir-se para as possibilidades existentes em outros mundos. Ter as rédeas nem sempre significa conhecer o que se tem nas mãos, em muitos casos ao invés de guiar é preciso deixar-se guiar para chegar a algum lugar.
Por: Rosemiro A. Sefstrom   Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br

terça-feira, 5 de agosto de 2014

ANTES DE ADORMECER O CORPO, É PRECISO CONVENCER A ALMA

Durante anos trabalhando como anestesiologista, acompanhei milhares de pacientes e aprendi que é possível planejar a qualidade do sono que lhes é oferecido. No inicio da profissão, realizava o procedimento de maneira estritamente técnico-científica. Instalava um cateter no braço do paciente, injetava o anestésico, fazia-o dormir, mantinha seus sinais vitais estáveis, e, finalmente, acordava-o devolvendo-lhe o controle de sua vida. Fazia o papel de uma sentinela que zelava pela segurança física durante o sono involuntário.

De tanto observar o sono alheio, percebi que nem todos adormeciam da mesma maneira, e nem todos despertavam igual. Mas isto não tinha nada a ver com o tipo ou dose de anestésico que estava utilizando. O estado emocional dos pacientes é que fazia a diferença no dormir e acordar.

Enquanto uns se entregavam ao sono, outros resistiam. Enquanto alguns dormiam serenamente, outros se agitavam. Enquanto outros aparentavam felicidade, outros mais estavam contraídos e lacrimejando. Aprendi também que se o sono for bom, o acordar é melhor ainda. O contrário também é válido, aqueles que vão dormir intranqüilos, não terão paz e o sono será um verdadeiro castigo. Acordarão massacrados e enfrentarão um péssimo dia seguinte. Quem dorme com dúvidas, passa o dia sem certezas. Por conta de tudo isto, passei a encarar o sono como algo sagrado e me preocupar com o ritual da entrega ao sono. 

Nunca vi um paciente dormir tranqüilo e acordar chorando. A exceção a esta regra são os pesadelos. Por outro lado, quase todos que dormem angustiados e chorando, acordam da mesma maneira. Adormecer em paz é um privilégio. Às vezes é preciso dormir, dormir muito. Não para fugir, mas para descansar a alma. Quando se dorme bem, volta-se a ser criança, como se houvesse um refúgio, um lugar secreto na vida em que os pensamentos adormecem e os sonhos despertam.

Alguns até fazem um trocadilho dizendo que é dormindo que acordamos os sonhos, pois é justamente quando se perde a consciência, que os sonhos têm o poder de despertar emocionalmente aqueles que conscientes encontram-se em sono existencial profundo, quase em coma. Dizendo de outra forma, é dormindo que relaxamos e deixamos as emoções livres para se manifestar através dos sonhos. O sonho é para a alma aquilo que o sono é para o corpo.

Fisicamente falando, não tenho dúvida alguma de que para um paciente dormir tranqüilo é preciso estar seguro de que não será molestado, roubado em seus pertences, e que acordará novamente em condições iguais as que foi dormir. Quem dorme está indefeso, frágil, a mercê, e nunca pode ter certeza do que vai acontecer enquanto dorme. Emocionalmente, o dormir é mais trabalhoso e difícil de generalizar.

Lembram quando éramos crianças? Nossos pais contavam histórias e cantavam na hora de dormir. Repetiam as histórias ou nós mesmos pedíamos que repetissem. Não cansávamos de escutar. .A história não era importante, queríamos alguém ao nosso lado. Não queríamos dormir sozinhos, precisávamos estar seguros que seriamos cuidados enquanto dormíamos. A função da canção de ninar e das histórias era tirar o medo a fim de que o sono fosse tranqüilo.

Quem dorme volta a ser criança. Frágil, carente, ansiosa, medrosa. Por isto, na hora de anestesiar assumo o papel de pai e mãe. É minha função fazer da conversa pré operatória uma canção de ninar. Transformar a sala de cirurgia, fria e impessoal, em um berço aconchegante. Segurar na mão do paciente enquanto dorme e assegurar que vou continuar ao seu lado até que abra os olhos novamente e acorde. 

Não é qualquer pessoa que tira o medo de dormir de uma criança. Não é qualquer conversa que espanta o medo de um paciente e o faz dormir tranqüilo. Não é bom dormir enquanto não houver paz. É preciso transmitir acolhimento, carinho, compaixão, envolvimento. Antigamente anestesiava apenas o corpo fisico, hoje converso e peço licença à alma antes de fazer o corpo adormecer. Dependendo de como se diz, um "dorme bem" vale muito. O paciente dorme e acorda sorrindo. 

Este artigo foi escrito originalmente visando o paciente anestesiado num leito hospitalar, mas os cuidados valem para todos os tipos de camas, sofás, redes, tapetes. Durma bem, conta comigo, te vejo amanhã, te amo, são palavras que quando entregues sinceramente, funcionam melhor que anestésicos. Despertam a alma. 
Por: Ildo Meyer Do site: http://www.ildomeyer.com.br/

domingo, 3 de agosto de 2014

PARTIR...

É preciso cuidado ao considerar a Filosofia Clínica apenas como a filosofia acadêmica adaptada ao consultório. Ela é muito mais do que isso: acaba se constituindo como uma nova forma de olhar o mundo, ou seja, uma nova ferramenta de observação da realidade. Como ferramenta ela faz com que seus pesquisadores retomem estudos que há muito estavam parados e desenvolvam novas respostas. Uma das perguntas que é tão antiga quanto a filosofia é: “Para onde vamos depois?” Para alguns, a pergunta é ainda diferente: “Existe um depois?” A questão é interessante, mas o intrigante é o fato de que o ser humano não sabe o que acontece quando ele morre.


A medicina tem uma resposta fácil para o que ela se propõe, a resposta é muito boa. Segundo pesquisas, para a medicina morte é o término das funções vitais. Com base nessa definição é interessante pensar na sua vida, nas suas funções vitais, naquilo que faz de você um ser vivo. Como se diz no popular, trocando em miúdos, se pensar na sua vida, no seu dia de trabalho, convivência com a família, lazer, estudos, etc., o que é que faz você viver? Algumas pessoas vivem por causa das buscas que estabeleceram na vida, ou seja, elas vivem enquanto tiverem um objetivo, por exemplo: ficar rico. Então, para essas pessoas, a busca de ficar rico é a sua função vital e quando esta parar de funcionar, se não houver nada a se colocar no lugar a pessoa pode morrer.

É claro que o sentido de morrer do texto é figurado, como alguém morreria vivo? É simples: pense em quantas pessoas das quais você conhece que estão vivas simplesmente porque se acostumaram a estar vivas? Elas acordam pela manhã, se encaminham para seu trabalho, conversam com a esposa e filhos no final do dia, dormem e no outro dia começa tudo de novo. Não é a repetição dos dias que mata, mas a perda da função vital. Algumas pessoas, as quais foram lembradas ontem por ocasião do dia de Finados, estão muito mais vivas do que muitos vivos, sua função vital continua pulsando. Talvez não no seu peito, mas em centenas de milhares.

Um ótimo exemplo são os filósofos. Quantos deles tinham como função vital questionar e mesmo depois de mortos continuam desafiando? Isto mostra que estes personagens, mesmo depois de muito tempo sem uma vivência corporal continuam vivos. Em Filosofia Clínica, o corpo é apenas uma das partes que compõem uma pessoa e por ele passam apenas alguns dos vários aspectos que formam cada ser humano. Ao seu lado, todos os dias existem pessoas para quem a vida já passou, eles já partiram, sua função vital já terminou. E não há nada de errado com isso, estas pessoas podem continuar vivendo por funções vitais de outras pessoas.

Da mesma forma que num hospital, quando as funções vitais começam a se debilitar o médico liga a pessoa aos aparelhos e mantém a pessoa viva, existencialmente também pode-se ligar a pessoa a dispositivos mecânicos que vão garantir sua sobrevivência, reorientar sua caminhada, ao menos enquanto o corpo tiver vida. Em outras palavras, se pode colocar na vida da pessoa coisas que a ajudam ter força vital. Um marido pode colocar na vida da esposa um filho, um empresário pode colocar em sua vida outra empresa, alguém que gosta de aprender pode colocar outro curso superior. Há várias maneiras de se continuar vivo, assim como há muitos modos de se morrer em vida.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/