segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O HOMEM QUE RESSUSCITOU A FILOSOFIA NO BRASIL

Olavo de Carvalho volta sua mente para problemas reais e tenta solucioná-los à luz de uma inegável erudição filosófica, sem medo de ser acusado de ecletismo.


Historicamente, a filosofia se situa entre o laboratório e o templo. Enquanto o cientista é o escravo dos fatos e o sacerdote é o servo da fé, o filósofo é filho da liberdade de pensamento e sua atividade intelectual não encontra limites. A função essencial da filosofia, mais do que oferecer respostas, é formular perguntas. Ela não se rende, de antemão, nem ao experimento nem ao milagre e submete um e outro ao escrutínio da razão — desconfiando da própria racionalidade. Isso faz com que a dúvida seja o alimento essencial do filósofo, não para negar a verdade, mas para buscá-la em sua pureza, mesmo sabendo que, no mais das vezes, essa é uma missão inglória. Buscar a verdade é tarefa de Sísifo, o personagem da mitologia grega condenado a empurrar uma pedra até o topo de um monte apenas para vê-la rolar outra vez ao chão, tendo de repetir para sempre o esforço inútil.

Mas, em sua luta vã com a verdade, o filósofo antigo iluminava o mundo. Desde que os gregos emanciparam a filosofia da religião, ousando questionar os deuses, o filósofo libertou ao máximo a força criativa do homem, contribuindo para o advento da ciência e a consolidação das instituições políticas. Basta lembrar que, entre 343-342 a.C., Aristóteles foi convidado por Felipe da Macedônia para ser o preceptor de Alexandre, o Gran­de, então com 13 anos de idade. “Aristóteles, desejando renovar suas antigas relações com a corte macedônica e atribuindo grande importância à educação de futuros soberanos, como podemos ver na ‘Política’, aceita o convite”, conta o filósofo escocês William David Ross (1877-1971) em sua obra sobre Aristóteles, publicada em 1923.

Segundo W. D. Ross, pouco se sabe sobre a educação que Aristóteles ministrava a seu pupilo, mas acredita-se que provavelmente tratava de Homero e dos trágicos, cujo estudo constituía o fundamento da educação grega. Além disso, Aristóteles compôs para Alexandre uma obra sobre a monarquia e outra sobre as colônias, temas de especial interesse para o futuro imperador. Mas, com o avanço da ciência, o conhecimento se tornou cada vez mais especializado e o filosofo perdeu esse lugar social de codificador do saber. Cada vez mais, a filosofia tende a se ver como uma espécie de juízo sobre a própria capacidade do conhecimento humano, tendência que ganharia força com as decisivas contribuições de David Hume (1711-1776) a esse ramo da filosofia.

Uma cultura de comentadores 
Há centenas, senão milhares de definições de filosofia. Elas são quase tão numerosas quanto os pensadores ao longo dos séculos, pois cada filósofo tende a definir a filosofia à sua imagem e semelhança. Em seu monumental “Diccio­nario de Filosofia”, o filósofo espanhol José Ferrater Mora (1912-1991), citando Josef Pieper, observa que, “enquanto perguntar ‘Que é a física?’ não é formular uma pergunta pertencente à ciência física, senão uma pergunta prévia, perguntar ‘Que é a filosofia?’ é formular uma pergunta filosófica — uma pergunta eminentemente filosófica”. Dessa forma, conclui Ferrater Mora, “cada sistema filosófico pode valer como uma resposta à pergunta acerca do que é a filosofia e também acerca do que a atividade filosófica representa para a vida humana”.

Todavia, como sustenta o filósofo italiano Nicola Abbagnano (1901-1990), também autor de um “Dicionário de Filosofia”, a despeito da disparidade de significações de “filosofia”, é possível reconhecer nelas algumas constantes, entre as quais, segundo ele, “a que mais se presta a relacionar e articular os diferentes significados desse termo é a definição contida no ‘Eutidemo’ de Platão: filosofia é o uso do saber em proveito do homem”.

E assim chegamos a Olavo de Carvalho — o homem que ressuscitou a filosofia no Brasil. Sim, talvez sem exagero, pode-se atribuir a ele esse feito — o de repor a filosofia no seu curso natural preconizado por Platão, isto é, como “uso do saber em proveito do homem”. Antes de Olavo de Carvalho, a filosofia brasileira estava confinada às universidades, transformada em atividade eminentemente historiográfica, como denunciou o filósofo equatoriano, radicado em Goiás, Gonçalo Armijos Palácios no delicioso e antológico “De Como Fazer Filosofia Sem Ser Grego, Estar Morto ou Ser Gênio”, opúsculo de 74 páginas originalmente publicado pela Universidade Federal de Goiás em 1997.

“Ainda não há no Brasil — lamentavelmente — uma cultura de filósofos e sim uma cultura de comentadores”, dizia taxativamente Gonçalo Palácios na primeira edição de seu livro, que teve edições revisadas posteriormente. Além de ser declaradamente de esquerda, o que o põe quase a salvo da patrulha politicamente correta, Gonçalo Palácios dispõe de inegável autoridade para criticar os problemas da academia: tem dois doutorados em filosofia, um no Equador e outro nos Estados Unidos, e é professor titular da Universidade Federal de Goiás desde 1992, ocupando vários cargos de direção e pesquisa na instituição. Ninguém pode negar que ele conhece a academia por dentro.

Isso torna insuspeita sua contundente avaliação sobre o ensino de filosofia no País. No opúsculo citado, Gonçalo Palácios sustenta: “A academia não produziu uma cultura filosófica brasileira, mas uma subcultura dependente, quase que absolutamente, do que se faz em culturas estrangeiras (às custas do dinheiro público, permita-me dizer)”. E reitera: “Não me passa pela cabeça dizer que se deve fazer uma filosofia ‘brasileira’. Só exijo que se faça ‘qualquer’ filosofia, mas que se faça, se produza, filosofia ‘no’ Brasil". É o que Olavo de Carvalho se propôs a fazer e fez — talvez, por isso, seja tratado como réprobo nas universidades brasileiras.

Dedo em riste na cara do leitor
Ao contrário dos filósofos acadêmicos, que se limitam a “fazer leitura” e “trabalhar conceitos”, geralmente de um só autor, Olavo de Carvalho volta sua mente para problemas reais e tenta solucioná-los à luz de uma inegável erudição filosófica, sem medo de ser acusado de ecletismo. Paulista de Campinas, onde nasceu em 1947, é autor de uma vasta obra filosófica, que inclui “O Jardim das Aflições”, talvez sua obra-prima, publicado já em forma de livro e não como coletânea de artigos esparsos. O livro, que reflete sobre o surgimento do Império mundial, nasceu como uma espécie de tréplica ampliada de uma palestra sobre Epicuro proferida no Masp pelo filósofo José Américo Motta Pessanha (1932-1993), idealizador da Coleção “Os Pensadores” da Editora Abril. 

É ainda autor, entre outras obras, da “Coleção História Essencial da Filosofia”, publicada pela Editora É Realizações em 32 volumes, acompanhados de DVD com palestras do autor com aproximadamente 120 minutos cada uma. Mas, para o bem ou para o mal, o Olavo de Carvalho mais conhecido é o dos polêmicos artigos de combate, reunidos primeiramente no livro “O Imbecil Coletivo”, que deu fama ao autor quando publicado em 1996, seguido de um segundo volume.

Escrevendo com extrema graça, ironizando os adversários e rindo de si mesmo, Olavo de Carvalho se firmou como um polemista imbatível na década de 90. Houve um momento em que escrevia regularmente nos jornais “O Globo”, “Zero Hora” e “Jornal da Tarde”, colaborava com a “Fo­lha de S. Paulo” e publicava nas revistas “Bravo” e “Primeira Lei­tu­ra”. Atualmente, reside nos Es­ta­dos Unidos e colabora com o “Diá­rio do Comércio”, da As­sociação Comercial de São Paulo.

Foi desse manancial de artigos que saiu “O Mínimo Que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota” (Editora Record, 2013, 616 páginas), o mais novo livro de Olavo de Carvalho, que reúne 193 artigos do filósofo publicados entre 1997 e 2013, tratando dos mais variados temas. Ao contrário de “O Imbecil Coletivo”, que remete a uma entidade na terceira pessoa, o novo livro é um dedo em riste na cara do leitor chamando-o, sem meios-termos, de “idiota”. Se tivesse sido organizado pelo próprio autor, poderia ser considerado até deselegante. Mas a organização da obra é do jornalista, tradutor e articulista Felipe de Moura Brasil, que decidiu criar, à sua maneira, uma espécie de enciclopédia “Olavo de Carvalho”. Colaborador do “Mídia Sem Máscara” e autor do bem-humorado “Blog do Pim”, Felipe Moura Brasil escreve com graça e estilo. 

Tão importante quanto se ter num só livro dezenas de artigos antológicos de Olavo de Carvalho é saber que essa coletânea foi elaborada por um jovem de vinte e poucos anos, dono de uma precoce maturidade intelectual. Como o próprio Felipe Moura Brasil explica na introdução do livro, “O Mínimo Que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota” é mais do que uma simples compilação de artigos; é sim, “uma compilação de temas essenciais — todos eles renegados à obscuridade no país —, sobre os quais os artigos vêm lançar luz, importando para a seleção menos a data e o veículo em que foram publicados do que o potencial de cada um em iluminar esses temas”. Felipe Moura Brasil diz que a seleção de textos é resultado de seus estudos da obra de Olavo de Carvalho e conta ter priorizado os textos mais sintéticos.

O peso da vanguarda revolucionária
Os artigos foram agrupados por temas, começando pelos que dizem respeito à formação do indivíduo, como “Juventude”, “Co­nhecimento” e “Vocação” e prosseguindo com aqueles que tratam de sua participação na sociedade, como “Democracia”, “Socialismo” e “Militância”. Cada tema engloba três ou mais artigos, como “Re­volução”, com oito subtemas, cada um com vários artigos. Um dos temas forma um verdadeiro capítulo do livro, que o organizador intitulou “In­telligentzia (“Ou Pode Chamar de Máfia”). É nesse tema que se enfeixa o artigo “Abaixo o povo brasileiro”, publicado em 24 de agosto de 2009 no “Diário do Comércio”, em que Olavo de Carvalho sustenta: “Nunca o abismo entre a elite falante e a realidade da vida popular foi tão profundo, tão vasto, tão intransponível. Tudo o que o povo ama, os bem-pensantes odeiam; tudo o que ele venera, eles desprezam; tudo o que ele respeita, eles reduzem a objeto de chacota, quando não de denúncia indignada, como se estivessem falando de um risco de saúde pública, de uma ameaça iminente à ordem constitucional, de uma epidemia de crimes e horrores jamais vistos”.

Essa afirmação do filósofo foi motivada por uma pesquisa da Universidade Federal de Per­nambuco, mostrando que 81% dos jovens universitários discordavam da liberação da maconha e 76% eram contra o aborto, numa prova inconteste de que o povo brasileiro — como qualquer povo mentalmente saudável — é conservador. Mas, como Olavo de Carvalho insiste em denunciar em dezenas de artigos, esse caráter conservador do povo — que abrange até os jovens universitários — não tem qualquer representação política, pois o PSDB é o máximo de “direitismo” que a esquerda dominante admite. 

Escreve Olavo de Carvalho no artigo citado: “Quando uma vanguarda revolucionária professa defender os interesses econômicos do povo mas, ao mesmo tempo, despreza a sua religião, a sua moral e as suas tradições familiares, é claro que não quer fazer o bem a esse povo, mas apenas usar aqueles interesses como chamariz para lhe impor valores que não são os dele, firmemente decidida a atirá-lo à lata de lixo se ele não concordar em remoldar-se à imagem e semelhança de seus novos mentores e patrões”.

O filósofo alerta: “É precisamente isto o que está acontecendo. Jogam ao povo as migalhas do Bolsa-Família, mas se, em troca dessa miséria, ele não passa a renegar tudo o que ama e a amar tudo o que odeia, se não consente em tornar-se abortista, gayzista, quotista racial, castrochavista, pró-terrorista, defensor das drogas e amante de bandidos, eles o marginalizam, excluem-no da vida pública, e ainda se acreditam merecedores da sua gratidão porque lhe concedem de quatro em quatro anos, democraticamente, generosamente, o direito de votar em partidos que representam o contrário de tudo aquilo em que ele crê”.

Filósofo é pai da nova direita
Em 2014, por exemplo, essa história vai se repetir. Pesquisa Datafolha, publicada na segunda-feira, 14, mostra que a quantidade de eleitores identificados com valores de direita é bem maior do que de esquerda. Enquanto a direita reúne 49% da população, a esquerda representa apenas 30% — apesar de todo o bombardeio ideológico esquerdista nas universidades, imprensa, cinema, música, telenovelas etc. Mas, como adverte a própria reportagem da “Folha de S. Paulo” sobre a pesquisa, isso produz pouco impacto nos índices de intenção de voto para presidente no próximo ano. A presidente Dilma Rousseff lidera nos três espectros ideológicos, alcançando de 49% a 56% das intenções de voto entre os eleitores de esquerda; de 40% a 42% entre os de centro-esquerda; de 41% a 43% entre os de centro; de 38% a 41% entre os de centro-direita; e de 36% a 39% entre os de direita.

O novo livro de Olavo de Carvalho — considerado um filósofo de direita, em consonância com essa maioria pesquisada pelo Datafolha — entrou na lista dos dez mais vendidos. É uma prova de que sua luta quase solitária na década de 90, que por um momento parecia inglória, rendeu frutos. Olavo de Carvalho é uma espécie de pai da nova direita intelectual brasileira, que já dispõe de alguns expoentes na imprensa nacional, como o jornalista Rei­nal­do Azevedo, o economista Rodrigo Constantino, o filósofo Luiz Felipe Pondé, o historiador Marco Antonio Villa e o filósofo Denis Lerrer Rosenfield. É claro que essa classificação não é rigorosa e, num país politicamente normal, é possível que todos os articulistas citados, inclusive Constantino, pudessem ser qualificados no centro do espectro ideológico. Mas no país em que até o esquerdista José Serra é tachado de liberal, alguém precisa fazer o papel da direita, mesmo sabendo que os rótulos são reducionistas.

Foi Olavo de Carvalho quem abriu caminho para todos esses articulistas. O sucesso de livros como “O Imbecil Coletivo” mostrou aos editores de jornal que havia espaço para um pensamento liberal e conservador, de caráter mais transcendental, diferente do liberalismo de Paulo Francis, materialista até as vísceras e, por isso mesmo, mais próximo da esquerda do que aparentava. Mas o fato de já existirem meia dúzia de liberais e conservadores escrevendo regularmente na imprensa não significa que a hegemonia da esquerda está prestes a ser quebrada. O advento dessa nova direita é sobejamente compensado pela ideologização a plenos pulmões da OAB e do Judiciário, que flertam cada vez mais com o fascismo de esquerda, travestido de politicamente correto.

Olavo de Carvalho e as universidades
Por isso, iniciativas como a do embrionário Partido Novo, que se coloca à direita do espectro político, estão fadadas ao fracasso, como alerta, aliás, o próprio Olavo de Carvalho. A hegemonia eleitoral da esquerda não será quebrada enquanto o País não produzir intelectuais conservadores e liberais com capacidade para influir nas instituições. Olavo de Carvalho fez e faz muitos discípulos, mas sua obra continua à margem das instituições de peso. Ninguém sabe de sua existência na escola básica e, no ensino superior, seu nome é temido ou desprezado. Na imprensa, seus artigos entram como um contraponto exótico ao politicamente correto, na cota do “outro lado” — papel que, por sinal, o excelente Luiz Felipe Pondé volta e meia assume de bom grado, o que me parece um grave erro.

Apesar de seu sucesso, o livro “O Mínimo Que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota”, longe de romper a barreira da academia em relação à obra de Olavo de Carvalho, pode até reforçá-la. O organizador do livro, apesar de resgatar o filósofo por trás de cada artigo do polemista, faz uma interpretação autoral de sua obra, algo que os acadêmicos detestam. Felipe de Moura Brasil trata Olavo de Carvalho com a admiração que os escolásticos devotavam a Aristóteles, o que, para uma universidade intoxicada de Marx e Foucault, é uma heresia, ainda que a obra de Olavo de Carvalho já tenha começado a penetrar timidamente nos cursos de pós-graduação. Mas que aluno terá coragem de citar na sua bibliografia um livro que traz na lombada a palavra “idiota” em caracteres gigantescos? Pode ser mais um pretexto para o professor marxista banir Olavo de Carvalho da cátedra. Só Marilena Chauí xinga a classe média de “desgraça” e continua desfrutando de respeito na academia.

Um exemplo da tímida penetração de Olavo de Carvalho na academia é a dissertação de mestrado de Alex Antonio Peña-Alfaro, defendida na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Pernambuco em 2005, em que o autor utiliza fartamente o livro “Aristóteles em Nova Pers­pectiva”. Mas o único trabalho acadêmico dedicado exclusivamente a uma obra de Olavo de Carvalho ainda é a dissertação de mestrado de Lucas Patschiki, defendida na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), em que o autor analisa o sítio “Mídia Sem Máscara”, criado pelo filósofo, e o enquadra entre os “cães de guarda da classe dominante”. 

Como se vê, ainda deve demorar para que a obra de Olavo de Carvalho, sobrepondo-se às paixões ideológicas, fale à razão dos acadêmicos. Nesse dia, o mínimo que se poderá saber sobre Olavo de Carvalho é que ele não é o “profeta” de alguns de seus discípulos nem o “astrólogo” da maioria de seus detratores — é apenas um grande filósofo e um grande escritor. E isso é o máximo que um pensador pode almejar.
Por:José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.
Publicado no Jornal Opção.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

HOMENS E ANIMAIS

É uma marca de progresso: a discussão sobre os "direitos dos animais" chegou ao Brasil. Com estrondo: leio nesta Folha que centenas de cachorros foram resgatados de um instituto de pesquisa médica no Estado de São Paulo. A violência veio a seguir, com carros vandalizados ou completamente destruídos.


Nada de novo na frente ocidental. Na Inglaterra, por exemplo, tenho amigos que trabalham com ratinhos de laboratório em suas pesquisas científicas. Nenhum deles comenta o fato em ambientes, digamos, sociais. Como bares, cinemas, restaurantes. Nunca se sabe: pode haver um fanático da "libertação animal" por perto e as coisas descarrilam facilmente.

Como já descarrilaram no passado: histórias de insultos, ameaças de morte, agressões físicas e até profanação de sepulturas de familiares de cientistas fazem parte do cardápio. Na experimentação médica, o silêncio, e não o cachorro, é o melhor amigo do homem. Como se chegou até aqui?

O filósofo Roger Scruton escreveu um livro a respeito ("Animal Rights and Wrongs", editora Continuum, 224 págs.) que ajuda a explicar o fenômeno.

E o fenômeno explica-se com o declínio da religião nas sociedades ocidentais: quando os homens acreditavam que eram os seres superiores da criação, ninguém pensava nos "direitos" ou nas "sensibilidades" dos bichos. Nós, e apenas nós, tínhamos sido criados à imagem e semelhança do Pai. Não havia como confundir um ser humano com um batráquio.

A "morte de Deus" alterou a discussão: se não existe um Pai com seus filhos prediletos, então todos somos habitantes do mesmo espaço --e todos somos, como diria o extravagante Peter Singer, criaturas dotadas de "senciência", ou seja, capazes de experimentar a dor e o prazer. Donde, evitar a dor é um imperativo tão legítimo para humanos como para animais.

Claro que, nas teorias de "libertação animal", nem todos os animais desfrutam da mesma sorte empática: acredito que mesmo Peter Singer, nas tardes de insuportável calor australiano, também seja capaz de matar uma mosca ou duas. Mas o leitor entende a ideia: se conseguirmos imaginar um animal a falar e a cantar num filme Disney, por que não conceder-lhe estatuto moral pleno?

Porque isso é uma aberração filosófica, explica ainda Roger Scruton sobre o argumento Disney: existem traços básicos da nossa comum humanidade que estão ausentes do restante mundo animal. São esses traços que fazem com que "nós", e apenas "nós", sejamos seres morais no sentido pleno da palavra.

"Nós", e apenas "nós", somos capazes de julgar, meditar, revisitar o passado, planear o futuro --desde logo porque somos seres temporais por excelência, conscientes da nossa história e do nosso fim.

"Nós", e apenas "nós", somos dotados de imaginação e, sobretudo, de "imaginação moral": somos capazes de rir, corar, sentir remorsos ou alimentar indignações (e premeditadas vinganças).

E, talvez mais importante, "nós", e apenas "nós", somos capazes de reivindicar e defender "direitos", o que implica que "nós", e apenas "nós", somos capazes de entender o que significam certos "deveres". Como, desde logo, o "dever" de não infligir dano desnecessário sobre animais (moscas excluídas).

Será a pesquisa científica um "dano desnecessário sobre animais"?

Não creio, sobretudo quando contemplo as alternativas. O americano Carl Cohen, outro filósofo sobre estas matérias que também recomendo aos interessados (com o seu "The Animal Rights Debate"), é primoroso ao colocar o problema no seu duplo e potencial impasse: os defensores da libertação animal preferem que sejam os homens a tomar o lugar dos bichos nos laboratórios?

Ou preferem antes que não existam mais cobaias nos laboratórios e que os avanços científicos possam parar de vez neste ano da graça de 2013?

Boas perguntas. Esperemos pelas respostas. Mas, até lá, talvez não fosse inútil convidar os militantes da "libertação animal" a recusarem daqui para a frente todos os tratamentos médicos que têm no seu historial o uso de animais em laboratório. Em nome da coerência.

Se isso significar, no limite, a morte de alguns dos militantes, tanto melhor: unidos na vida, unidos na morte.

Por: João Pereira Coutinho Folha de SP

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

LEITURA COMO CURA

Hoje quero falar de dois sintomas que marcam nossa época. O primeiro sintoma é a falação ruidosa de nosso mundo; o segundo é a ideia de que o mundo sofre porque não nos amamos e que tudo se resolveria se nos abraçássemos e parássemos de sermos gananciosos.


Fala-se demais hoje. Todos têm opinião. Até jovens de 20 anos são chamados a dar opinião sobre o mundo e a sociedade, quando mal sabem arrumar o quarto. E quando se elegem crianças de 25 anos como arautos da sociedade (adulto que faz isso, o faz, normalmente, para ter discípulos fiéis e fanáticos, ou porque é bobo mesmo), o resultado é que acaba se pensando que o mundo começou, como diz um amigo meu muito esquisito, em "Woodstock".

Quando se pensa isso, acaba-se imaginando que o problema do mundo é mesmo aprendermos que "all you need is love"... Infelizmente, a humanidade é mais complicada do que pensa nossa vã inteligência woodstockiana. Contra essa visão infantil da realidade (este é o segundo sintoma do qual falei acima), proponho a leitura da obra do grande crítico norte-americano Edmund Wilson. Vou a ele já; antes, quero voltar ao problema do ruído mais especificamente (o primeiro sintoma do qual falei acima).

Somos um grande mundo ridículo e falastrão. Decorrente dessa falação, um ruído infernal toma conta do dia a dia. O silêncio, às vezes, é um dos maiores indicativos de maturidade, não só de uma pessoa, mas de uma civilização.

Estou falando isso por conta de um breve ensaio que caiu na minha mão esses dias, parte integrante do volume "Best American Essays 2013", editado por Cheryl Strayed.

O ensaio ao qual me refiro foi escrito pela prêmio Nobel Alice Munro e chama-se "Night". Nele, a autora conta a operação que fez quando criança para tirar o apêndice e uma "coisa do tamanho de um ovo de peru". Munro compara o comportamento atual diante de casos como o dela e o comportamento de seus pais na época. A conclusão é que hoje se falaria como o diabo do risco que ela corria na época. Mas, ao contrário, pouco se falou do assunto, "respeitando o medo" sem falação. Conta Munro que, nessa época, ela dormia num beliche com sua irmã mais nova (moravam numa espécie de granja), e que numa noite olhou para a irmã e pensou em sufocá-la.

A partir daí, não conseguia mais dormir, pensando no ímpeto que tivera de matar sua irmã. Numa das manhãs seguintes a suas noites de insônia, encontrou com seu pai, todo vestido chique, saindo de casa de manhã muito cedo. Contou para ele o que pensara e o horror que sentira.

Seu pai simplesmente lhe disse que esquecesse aquilo e que essas coisas passam. Depois, adulta, lembra como o modo simples de falar do pai a acalmou profundamente. A pequena Alice nunca mais teve insônia.

Na sequência, a prêmio Nobel comenta que nunca perguntara ao pai para onde ele ia tão cedo e tão elegante. Perguntou-se se ele ia ao banco renegociar a dívida da família ou ver a mulher que amava, mas com quem não podia ficar porque amava sua família... Silêncio. Nem uma linha de rancor. Hoje, escreveriam uma tese sobre como seu pai poderia ter sido um homem desatento ou, quem sabe, infiel. Ao lembrar do seu pai no momento do reconhecimento em que recebera o prêmio, Munro pensa em como ele teria ficado orgulhoso de sua pequena filha insone.

Nessas horas, tenho saudade do passado e lamento como nos transformamos em adolescentes barulhentos que se levam demasiadamente a sério.

O segundo autor que quero comentar é Edmund Wilson, um dos últimos críticos literários, segundo Paulo Francis, a enfrentar a literatura sem se esconder atrás de grandes teorias abstratas (que se querem "concretas").

No volume editado por Francis pela Companhia das Letras em 1991, "Onze Ensaio - Literatura, Política, História", esgotado, aparece sua "visão de mundo": a história é um longo processo através do qual as civilizações se devoram, criando e destruindo, em círculos, indo para lugar nenhum. Concordo.

Pura coragem intelectual, que tanto faz falta hoje, nesta época de líderes adolescentes que creem em Woodstock como modelo de sociedade.

Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP   ponde.folha@uol.com.br

terça-feira, 22 de outubro de 2013

A MORAL DO BRASIL


Se você quer entender e não tem medo de perceber em que tipo de ambiente mental está metido nesse nosso Brasil, nada melhor do que estudar um pouco a Teoria do Desenvolvimento Moral de Lawrence Kohlberg. Enunciada pela primeira vez em 1958 e depois muito aperfeiçoada, ela mede o grau de consciência moral dos indivíduos conforme os valores que motivam as suas ações, numa escala que vai do simples reflexo de autopreservação natural até o sacrifício do ego ao primado dos valores universais.

Kohlberg, que foi professor de psicologia na Faculdade de Educação em Harvard, desenvolveu alguns testes para avaliar o desenvolvimento moral, mas os críticos responderam que isso só media a interpretação que os indivíduos testados faziam de si mesmos, não a sua motivação efetiva nas situações reais. Essa dificuldade pode ser neutralizada se em vez de testes tomarmos como ponto de partida as condutas reais, discernindo, por exclusão, as motivações que as determinaram.

Os graus admitidos por Kohlberg são seis. No mais baixo e primitivo, em que a conduta humana faz fronteira com a dos animais, a motivação principal das ações é o medo do castigo. É o estágio da “Obediência e Punição”. No segundo (“Individualismo e Intercâmbio”), o indivíduo busca conscientemente a via mais eficaz para satisfazer a seus próprios interesses e entende que às vezes a reciprocidade e a troca são vantajosas. No terceiro (“Relações Interpessoais”), os interesses imediatos cedem lugar ao desejo de captar simpatia, de ser aceito num grupo, de sentir que tem “amigos” e distinguir-se dos estranhos, dos concorrentes e inimigos. No quarto (“Manutenção da Ordem”), o indivíduo percebe que há uma ordem social acima dos grupos e empenha-se em obedecer as leis, em cumprir suas obrigações. No quinto (“Contrato Social e Direitos Individuais”), ele se torna sensível à diversidade de opiniões e entende a ordem social já não como um imperativo mecânico, mas como um acordo complexo necessário à convivência pacífica entre os divergentes, No sexto e último (“Princípios Universais”), ele busca orientar sua conduta por valores universais, mesmo quando estes entram em conflito com os seus interesses pessoais, com a vontade dos vários grupos ou com a ordem social presente.

Essas seis motivações refletem três níveis de moralidade: os dois primeiros expressam a “moralidade pré-convencional”; os dois intermediários a “moralidade convencional”, os dois últimos a “moralidade pós-convencional”.

Se não atentamos para os discursos, mas para as escolhas reais que as pessoas fazem na vida, não é preciso observar muito para notar que os indivíduos que nos governam, bem como os seus porta-vozes na mídia e nas universidades, não passam do terceiro estágio, o mais baixo da moralidade convencional, em que a identidade, a coesão e a solidariedade interna do grupo prevalecem sobre a ordem social, as leis, os direitos dos adversários e quaisquer valores universais que se possa conceber (e que desde esse nível de consciência são mesmo inconcebíveis, embora nada impeça que sua linguagem seja macaqueada como camuflagem dos desejos do grupo).

Duas condutas típicas atestam-no acima de qualquer dúvida possível. De um lado, a mobilização instantânea e geral em favor dos condenados do Mensalão. O instinto de autodefesa grupal predominou aí de maneira tão ostensiva e tão pública sobre as exigências da lei e da ordem, que até pessoas identificadas ideologicamente ao partido governante se sentiram escandalizadas diante dessa conduta.

De outro lado, não havendo nenhum movimento político “de direita” que se oponha ao grupo dominante, este dirige seus ataques contra meros indivíduos e movimentos de opinião sem a menor expressão política, fingindo e depois até sentindo ver neles uma ameaça eleitoral ou o perigo de um golpe de Estado. Aí o instinto de autodefesa grupal assume as dimensões de uma fantasia persecutória que se traduz na necessidade de calar por todos os meios qualquer voz divergente, por mais débil e apolítica que seja.

Também não é preciso nenhum estudo especial para mostrar que essa conduta, normal na adolescência, quando a solidariedade do grupo é uma etapa indispensável na consolidação da identidade pessoal, não é de maneira alguma aceitável em cidadãos adultos investidos de prestígio, autoridade e poder de mando. Aí ela passa a caracterizar precisamente a associação mafiosa, a solidariedade no crime.

É evidente que, numa sociedade onde essa é a mentalidade do grupo dominante, os níveis superiores de consciência moral (pós-convencionais) se tornam cada vez mais abstratos e inapreensíveis, de modo que o máximo de moralidade que se concebe é o quarto grau, o apego à lei e à ordem. Os indivíduos cuja conduta evidencia essa motivação tornam-se então emblemas do que de mais alto e sublime uma sociedade moralmente degradada pode imaginar, e são quase beatificados. O ministro Joaquim Barbosa é o exemplo mais típico.

Os dois graus superiores da escala são exemplificados por um número tão reduzido de pessoas, que já não têm nenhuma presença ou ação na sociedade e passam a existir apenas em versão caricatural, como fornecedores de chavões para legitimar e embelezar as condutas mais baixas. A autopreservação paranóica do grupo dominante envolve-se com freqüência na linguagem dos “direitos humanos” (quinto grau), e qualquer imbecil que tenha lido a Bíblia já sai usando a Palavra de Deus (sexto grau) como porrete para atemorizar os estranhos e impor a hegemonia do grupo “fiel” sobre os “infiéis” e “hereges”.

Isso, e nada mais que isso, é a moralidade nacional.

Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.




domingo, 20 de outubro de 2013

HOMENS DE BEM

Você, leitor, é pessoa honesta e cumpridora. Trabalha. Paga as contas. É decente com a mulher e os filhos. Mas quando olha em volta, o cenário é selvagem. Os colegas usam e abusam da dissimulação e da mentira. Sem falar da corrupção de superiores hierárquicos ou de políticos nacionais, esse câncer que permite a muitos deles terem o carro, a casa, as férias, a vida que você nunca terá.

Para piorar as coisas, eles jamais serão punidos por suas viciosas condutas. A pergunta é inevitável: será que eu devo ser virtuoso? Será que eu devo educar os meus filhos para serem virtuosos?

Essas perguntas foram formuladas por Gustavo Ioschpe em excelente texto para a "Veja". De que vale uma vida ética se isso pode representar, digamos, uma "desvantagem competitiva"?

Boa pergunta. Clássica pergunta. Os gregos, que Ioschpe cita (e, de certa forma, rejeita), diziam que a prossecução do bem é condição necessária para uma vida feliz. Mas o que dizer de todas as criaturas que, praticando o mal, o fizeram de cabeça limpa por terem falsificado a sua própria consciência?

Apesar de tudo, Gustavo Ioschpe tenciona educar os filhos virtuosamente. Não por motivos religiosos, muito menos por temer as leis da sociedade. Mas porque assim dita a sua consciência. Um dia, quem sabe, talvez o Brasil acabe premiando essas virtudes.

A resposta é boa por seu otimismo melancólico. Mas, com a devida vênia ao autor, gostaria de deixar dois conselhos para acalmar tantas angústias éticas.
O primeiro conselho é para ele não jogar completamente fora as leis da sociedade na definição de boas condutas. Porque quando falamos de vidas éticas, falamos de duas dimensões distintas: uma dimensão pública, outra privada.

E, em termos públicos, acreditar que os homens podem ser anjos (para usar a célebre formulação do "Federalista") é o primeiro passo para uma sociedade de anarquia e violência.

Na esfera pública, eu gostaria que os homens fossem anjos; mas, conhecendo bem a espécie, talvez o mínimo a exigir é que eles sejam punidos quando se revelam diabos.

Se preferirmos, não são os homens públicos que têm de ser virtuosos; são as leis que devem ser implacáveis quando os homens públicos são viciosos.

Isso significa que a principal exigência ética na esfera pública não deve ser dirigida ao caráter dos homens --mas, antes, ao caráter das leis e à eficácia com que elas são aplicadas. No limite, é indiferente saber se os homens públicos são exemplos de retidão. O que importa saber é se a República o é.

Eis a primeira resposta para a pergunta fundamental de Gustavo Ioschpe: devemos educar os nossos filhos para a virtude? Afirmativo. Ninguém deseja para os filhos a punição exemplar das leis. E, como alguém dizia, é do temor das leis que nasce a conduta justa dos homens. Desde que, obviamente, as leis inspirem esse temor.

E em privado? Devemos ser virtuosos quando nem todos seguem a mesma cartilha e até parecem lucrar com isso?

Também aqui, novo conselho: não é boa ideia jogar fora os gregos. Sobretudo Aristóteles, que tinha sobre a matéria uma posição sofisticada e, opinião pessoal, amplamente comprovada.

Fato: não há uma relação imediata entre virtude e felicidade. Mas Aristóteles gostava pouco de resultados imediatos. O que conta na vida não são as vantagens que conseguimos no curto prazo. É, antes, o tipo de caráter que "floresce" (uma palavra cara a Aristóteles) no curso de uma vida.

E, para que esse caráter "floresça", as virtudes são como músculos que praticamos e desenvolvemos até ao ponto em que a "felicidade", na falta de melhor termo, se torna uma segunda natureza.

Caráter é destino, diria Aristóteles. O que permite concluir, inversamente, que a falta de caráter tende a conduzir a um triste destino. Exceções, sempre haverá. Mas, aqui entre nós, confesso que ainda não conheci nenhuma. Não conheço maus-caracteres que tiveram grandes destinos.

Sim, leitor, não é fácil olhar em volta e ver como a mesquinhez alheia triunfa e passa impune. Mas não confunda o transitório com o essencial.

E, sobretudo, nunca subestime a capacidade dos homens sem caráter para arruinarem suas próprias vidas.

Educar os filhos para serem "homens de bem" é também ajudá-los a evitar essa ruína.
Por: João Pereira Coutinho  Folha de SP

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

ELOGIO DA SINGULARIDADE

O homem, o que é? Diariamente o homem é definido, ora é um animal dotado de razão, dali a pouco já é um bárbaro que destrói o ambiente em que vive. Qual conceito seria o mais adequado para definir o homem? O foco está na palavra “conceito”, palavra de origem grega que define todo processo de descrição, classificação e previsão dos objetos do conhecimento. Conceituar o homem quer dizer descrevê-lo, classificá-lo e ter certa previsão sobre ele. Será que isso é possível? Olhe para o lado: você convive com várias pessoas no seu dia-a-dia. Pense na pessoa que você mais “conhece” e depois tente descrevê-la. Depois de descrever tente classificá-la, como seria? Boa, má, otimista, pessimista, inteligente, ignorante, quais seriam as classes que caberiam a ela, ou seria necessário criar classes para ela? Por fim, tente prever os comportamentos desta pessoa. Talvez reconheça que em alguns casos até mesmo coisas básicas não são previsíveis. Como se pode arrogar o direito de tentar definir conceitualmente o homem?

Quem sabe seja muito difícil definir o outro. Tente então conceituar a si mesmo, descrever-se, classificar-se e prever seus próprios comportamentos. Há uma gama vasta de pessoas que se espantam consigo mesmas, admiram o próprio comportamento, não sabiam que eram capazes. Como então, seria possível que eu, que não consigo conceituar a mim mesmo tenho a pretensão de conceituar todos os outros que estão ao meu redor? Um dos grandes exemplos desta dificuldade está em conceituar Deus: o que é? Quem é? Como conceituar? Vários filósofos tentaram conceituar Deus e tiveram sérios problemas, perceberam que a complexidade é muito maior que a capacidade humana de entendimento. Será que o ser humano também não é muito mais do que se tenta conceituar? Bom, mau, pecador, santo, humilde, soberbo, são todos conceitos atrelados a comportamentos e não a pessoas.

Não há nada de mau em um conceito, o problema está em ligar um conceito a uma pessoa. Quando você pega um conceito e liga-o a uma pessoa está personalizando um conceito, tornando-o palpável. A partir deste momento aquele conceito, avarento, por exemplo, passa a ser a própria pessoa e não seu comportamento. Por isso não é recomendável dizer: “Fulano é avarento”. Ao conceituar a pessoa como avarenta ela pode ser descrita como avarenta, ser classificada como avarenta e ser previsível como avarenta. O ser humano foi reduzido ao comportamento de juntar dinheiro, avarento é um adjetivo, ou seja, um atributo do substantivo. De comportamento pode-se levar para outras áreas, em alguns lugares pelo mundo o homem é reduzido à sua crença, em outros reduzido a sua cor de pele. Aqui, em nossa região o homem pode ser reduzido ao carro que tem na garagem, à casa que tem na praia ou não tem, às roupas que veste.

Cada ser é único, “inconceituável”, não é possível, por mais tempo e conhecimento que se tenha, conceituar um ser humano, quem dirá “o” ser humano. Alguns filósofos, algumas correntes filosóficas tentaram conceituar o ser humano, muitos acharam ter conseguido completar tal tarefa. Mas, ainda hoje, dois mil e quinhentos anos depois do início da trajetória o homem ainda não foi conceituado adequadamente, um dia talvez. Ao olhar para seu filho, não o conceitue, classifique ou tente prever seu comportamento, ao contrário, tente se aproximar, conhecer e, quem sabe um dia, você verá seu filho. O conceito é uma sombra nebulosa que cobre o ser e quanto mais forte for o conceito, menos se verá o ser.

Por: Rosemiro Sefstrom Do site www.filosofiaclinicasc.com.br

terça-feira, 15 de outubro de 2013

VINICIUS DE MORAES: AS METÁFORAS DE UMA BOMBA VERSOS A VERSO

Em “Rosa de Hiroshima”, o poeta recria, metaforicamente, um cenário de destruição, incerteza e falta de perspectivas a partir da desconstrução de características cotidianas e simples de uma rosa

Desde a Antiguidade uma definição a cerca da metáfora é buscada por teóricos da área. E essa definição já foi desde a simples substituição de um termo por outro até ao embelezamento da linguagem corriqueira. Entretanto, atualmente, adota-se a posição de que metáfora é uma relação feita entre dois termos por meio da analogia, ou seja, de elementos em comum que a ideia dos termos tragam ao leitor. É uma experiência pessoal aliada ao ponto de vista e à subjetividade de seu autor sobre determinado conteúdo.

É a partir desse conceito atual que foram observadas as metáforas no poema “Rosa de Hiroshima”, de Vinicius de Moraes. Mas, o que é um poema se não a exposição de experiências e pontos de vista pessoais e subjetivos do poeta?! O conceito de metáfora e poema são idênticos? Não idênticos, mas muito próximos: a diferença fundamental é que a metáfora precisa de dois elementos em questão para que um seja ligado ao outro por meio da analogia; já o poema basta-se, não é necessário que haja outro para ampará-lo nem dar-lhe suporte.

Pode-se dizer que Vinicius de Moraes é um dos maiores e mais conhecidos autores brasileiros — e soube usar magistralmente as metáforas como aliadas de seus poemas. Em geral, a crítica costuma dividir a obra de Vinicius em três fases: a primeira, uma fase mística e religiosa, em que a mulher era posta em um pedestal, difícil de ser alcançada, e o amor quase sempre utópico e platônico; a segunda, uma fase mais realista, em que a mulher era um ser tocável, de fácil e prazeroso acesso, o amor era carnal e consumível, também surge a crítica social (e esta é a questão principal do presente texto), livre de amarras e com intenção de demonstrar por meio da beleza da poesia a tristeza do mundo; a terceira, e última, foi a fase em que Vinicius ousou na música e tornou-se um dos precursores da Bossa Nova.

Voltando aos poemas, metáforas e crítica social, “Rosa de Hi­roshima” é um dos mais tocantes textos escritos sobre a bomba atômica lançada pelos Estados Unidos no Japão. Na tentativa vitoriosa, diga-se de passagem, de que o Império do Japão se rendesse à soberania americana — na Segunda Guerra Mundial — os Estados Unidos bombardearam a cidade de Hiroshima com uma bomba nuclear que atingiu fatalmente 140 mil pessoas, sendo esse número extremamente elevado quando se fala nos que foram atingidos pela radiação. Em um cenário de tanto horror, Vinicius de Moraes consegue fazer uma crítica social por meio da brandura de uma poesia com ritmo calmo, constante e tocante.

Observando as primeiras linhas do poema — que depois foi musicado e atingiu seu ápice na voz de Ney Matogrosso, na dé­cada de 1970 —, percebe-se que são utilizados primeiro termos que remetem a paz e brandura, como “crianças”, “meninas” e “mulheres”, entretanto, tais termos são ligados de imediato a adjetivos que destoam des­sas noções iniciais de paz e bran­dura e remetem ao terror, ao inesperado.

Quando se pensa em crianças, uma das primeiras lembranças que surge é o barulho, a constante ação e aguçada percepção de todos os sentidos. Mas, ao utilizar o termo “mudas telepáticas”, Vinicius traz o choque ao leitor, destruindo essa lembrança inicial das crianças. E mais, a men­ção da telepatia — comunicação de pensamentos, sentimentos ou conhecimentos de uma pessoa para outra, sem o uso de qualquer um dos cinco sentidos — sugere que não é necessário conversas, sensações ou ações a respeito do acontecimento da bomba, as crianças que viveram tal horror estão ligadas entre si apenas por um sexto sentido.

Já o termo meninas remete à ideia de jovialidade, de descobertas do mundo, de novas visões, que logo se destrói com a expressão “cegas inexatas”. Uma das maiores crueldades a um jovem é não deixá-lo ver, conhecer por meio da observação, não deixar que tenha precisão em suas escolhas — mesmo que erradas, algumas vezes.

Mulheres? Ah, espera-se que as meninas quando transformadas em mulheres já tenham seus destinos traçados, já estejam seguindo suas rotas! Mas “rotas alteradas” são postas em seus caminhos pela crueldade da bomba, seus caminhos são alterados, destruídos, invalidados.

“Feridas como rosas cálidas” não compõe uma metáfora, é a única comparação que há no poema, e marca a mudança das consequências para os atos. A partir da figura de uma rosa quente, ardente, cálida, a imagem repulsiva de uma ferida é amenizada, embora não seja menos impressionante.

Desde então o poeta desmonta toda beleza de uma rosa por meio de adjetivos que fazem lembrar à bomba. A analogia é criada pelo formato que a explosão adotou. Com palavras como “radioativa”, “inválida” e “cirrose” todo o encanto de uma rosa é destruído, a inutilidade e a dor são trazidas por uma imagem que deveria trazer beleza e alegria.

Por fim, Vinicius de Moraes não mostra apenas as possíveis intenções a respeito de uma rosa, mas identifica categoricamente que sua aparência também é modificada: “sem cor sem perfume”, e lembra que com toda destruição não há mais possibilidade de vida: “sem rosa sem nada”.

Outros pontos marcantes no poema, que vão além das metáforas, é a ausência total de pontuação, o que pode mostrar ao leitor que há lacunas desde o início da rosa. Os verbos no imperativo: “pensem” e “não se esqueçam” pode ser visto como a imposição, a falta de escolha de quem foi atingido pela catástrofe humana.

É interessante que em instante algum o termo “bomba” foi utilizado no poema, a descrição de seus atos e consequências, além do marco referente ao local do ocorrido, foram necessários para que o leitor soubesse do que se tratava. Apesar da subjetividade e da visão pessoal do poeta é possível que se tenha uma compreensão total do que ele quer passar a partir das analogias.

Pode-se dizer, contudo, que “Rosa de Hiroshima” é um texto atemporal, ou seja, não deve ser reduzido apenas ao fato passado em Hiroshima, qualquer guerra, qualquer bomba atômica que seja utilizada vai gerar os mesmos transtornos e destruições, as mesmas dores e revoltas, os mesmos gritos e silêncios.

Cristina Patriota é tradutora. Especialista em Língua Portuguesa e Literatura.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

PERSONAGEM


“Eu sou...” Depois desse “Eu” geralmente vem uma definição que pode denunciar mais ou menos o que a pessoa tem de si mesma. Algumas pessoas ainda dizem no lugar da palavra “Eu”: as pessoas, a gente, nós, etc. São pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa, ou seja, de forma indireta definem a si mesmos. Essas definições em maior ou menor grau interferem na maneira como a pessoa conduz sua própria existência. Quando o que uma pessoa acha de si mesma se liga a um personagem existencial que ela exerce pode-se dizer que ela se identifica naquilo que faz. Um exemplo disso são profissionais como advogados ou médicos que exigem que as pessoas se dirijam a eles como Dr. Fulano, ou seja, o Dr. define a pessoa. O mesmo acontece com os professores, que mesmo em uma rodinha de conversa no fim de semana são “professores fulanos”.

A ligação entre os papeis que a pessoa vive e o que ela acha de si mesma em alguns casos acaba soldando e ela passa a ser o papel que exerce. O que ela acha dela mesma passa a estar intimamente vinculada à sua atividade. É o caso do político que é sempre político, até mesmo quando está com a esposa em casa não deixa de ser. Vai ao bar conversar com os amigos e continua sendo político, ou seja, por mais que mudem os lugares, as pessoas, os contextos, ainda assim ele será político. O problema é que em alguns casos a vida política termina e quando isso acontece a vida da pessoa também chega ao fim. Isso acontece porque ao chegar ao fim o papel existencial de político também chega ao fim o que ele acha dele mesmo. Em casos extremos a pessoa termina com a própria vida porque terminou a vida do personagem que vivia.

O eu está indexado ao personagem, colado, mas como desgrudar, caso isso seja necessário? Para descolar e voltar a ser ou exercer os mais diversos personagens existem vários caminhos. Um dos caminhos mais simples pode ser a partir da localização existencial, quando se está em casa com a esposa o personagem é o esposo. Quando está na fábrica com os colaboradores é o gerente, diretor, enfim, o lugar pode servir de referências para os predicados que orientam as práticas do personagem. Aos poucos, ao prestar atenção ao lugar que está o “Eu” começa a perceber quais são as práticas que tem a ver com o personagem que deve exercer. Um exemplo são os pais que, quando saem de casa e encontram o filho gerenciando a fábrica da qual são diretores lá se comportam como diretores e exigem do filho uma postura de gerente. 

Outra forma de descolar o personagem do “Eu” é pelas pessoas com as quais se está em contato. Quando estou com minha esposa em casa sou marido, devo me comportar como marido, mas como saber quais são as práticas do marido? Se ele é marido, é provável que exista uma esposa e esta pode conduzir a construção desse novo personagem, o marido. O mesmo pode acontecer no restante dos papeis, eu posso aprender a ser amigo, irmão, filho, neto. Não há nada de errado em ter um único personagem, mas corre-se o risco de, ao terminar a vida deste personagem, terminar a vida da pessoa por detrás dele.

A construção do Eu pode passar por um ou mais personagens que exercemos, mas legar todo o meu “Eu” em apenas um personagem é perder o carinho que só se recebe como filho. É perder os méritos que se tem como marido, de sustentar, amar, cuidar de uma família. Pode ser também deixar de aproveitar as pequenas e grandes farras que se faz só com os amigos. Viver os mais diversos papeis pode ser tornar colorida uma vida vivida em preto e branco.

Rosemiro A. Sefstrom  Do site: www.filosofiaclinicasc.com.br

domingo, 13 de outubro de 2013

MODERNIDADE REAL E IMAGINÁRIA

A relação de causa-e-efeito entre a filosofia racionalista e o progresso tecnológico parece cada vez mais evanescente e subsiste antes como slogan de propaganda do que como realidade histórica.

A história das origens da modernidade está entremeada de mitos e lendas que os historiadores já demoliram faz tempo, mas que constituem ainda a substância do que se transmite a respeito nas escolas, na mídia e no show business. Tão forte é a impregnação dessas balelas na mente popular – incluída aí a classe dos cientistas profissionais sem especial cultura histórica –, que a simples iniciativa de informar ao público o estado atual das pesquisas historiográficas sobre aquele período é recebida com ataques apopléticos e acusada de ser uma tentativa maligna de “desmoralizar a ciência” em nome de algum “fundamentalismo religioso”. Que essas reações sejam elas mesmas fundamentalistas no mais alto grau, é algo cuja evidência salta aos olhos e não necessita de nenhuma prova suplementar. A fé na “ciência” como fonte de toda autoridade é um dogma inabalável até mesmo entre os que se impregnaram de desconstrucionismo na universidade e teriam todas as razões para abandoná-la por completo. É que aí não se trata da ciência no sentido efetivo, seja do método experimental, seja, mais genericamente, da busca sistemática do conhecimento, e sim se um símbolo aglutinador destinado a infundir um senso de identidade e autoconfiança nos grupos sociais empenhados em espalhar a ideologia do anticristianismo militante. Desses grupos não se pode esperar nem um mínimo de racionalidade, mas sim o uso descarado de rotulagens pejorativas e, em casos extremos, o apelo à intervenção da autoridade policial.

Um daqueles mitos é que o advento da ciência moderna substituiu, ao puro raciocínio silogístico, o método indutivo. Joseph de Maistre demonstrou a completa absurdidade dessa alegação no seu Exame da Filosofia de Bacon, obra póstuma publicada em 1836, mas ninguém lhe prestou muita atenção, porque de Maistre, um esquisitão de marca, tinha a especial capacidade de desagradar aos maçons e progressistas por ser católico e aos católicos por ser maçom. David Hume, sem tocar na questão histórica, já havia feito picadinho das pretensões da indução, mas, como não colocava nada no lugar dela, foi recebido com desconversas piedosas da parte daqueles que, sem ela, se sentiam nus e desamparados. Foi só no século XX que, juntas, a confiança na indução e o empenho de fazer dela a marca distintiva da ciência moderna foram sepultados de vez no melhor livro de Sir Karl Popper, A Lógica da Pesquisa Científica (1934), onde ele demonstrou que a indução nada vale sem um raciocínio silogístico prévio que a sustente, que portanto o método da ciência era ainda, no fundo, o bom e velho silogismo analítico de Aristóteles.

Mas, popularmente, o mito continua vivo e passa bem, e não só se mostra duro de matar como alimenta e reforça, por contágio, a subsistência de outros tantos mitos irmãos e congêneres, que às vezes saltam as fronteiras da cultura de massas e penetram nas altas esferas do pensamento. No seu estudo sobre Bacon em On Modern Origins. Essays in Early Modern Philosophy (Lexington Books, 2004), Richard Kennington falha à sua habitual competência ao escrever esta monstruosidade:

“A filosofia e a ciência pré-modernas... não produziram nenhuma tecnologia significativa. Ao contrário, os expoentes do racionalismo no século XVII – Bacon, Descartes, Hobbes e Locke – são unânimes em declarar que ele pretende dominar a natureza, e portanto criar uma ‘infinidade de artifícios’, para usar a expressão de Descartes, que vão aliviar a condição humana. Seguramente, pode-se dizer que a razão, na sua formulação pós-cartesiana, cumpriu sua promessa.”

A escolha desses pioneiros da tecnologia não poderia ter sido pior. John Locke não fez descoberta nenhuma nas ciências físicas, Hobbes criou uma série de teorias falsas que só são úteis para a comunidade dos humoristas, e Bacon, do qual se pode também dizer coisa idêntica, acabou demonstrando completa ignorância e incompreensão até mesmo da ciência existente no seu tempo, da qual ele fala com o desprezo característico do apedeuta presunçoso. Thomas Bodley, o fundador da célebre biblioteca de Oxford, escreveu-lhe a respeito: “Não posso compreender as vossas queixas. Jamais se viu mais ardor pelas ciências do que nos nossos dias. Censurais aos homens o negligenciar as experiências, e no globo inteiro não se fazem senão experiências.”

Dos quatro, só Descartes fez alguma coisa pelo progresso da tecnologia, sobretudo com a criação da geometria analítica, mas, no campo estrito das matemáticas, não se pode dizer que tenha superado espetacularmente seus antecessores Viète, Kepler, Galileu, Tycho de Brahe e tantos outros.

É também um tanto ridículo depreciar a tecnologia pré-moderna diante das prodigiosas realizações da arquitetura gótica ou diante do fato de que até hoje a ciência do Egito antigo espanta e desnorteia os investigadores. Mais inexplicável ainda, nessa perspectiva, é que toda a fundamentação teórica da moderna economia capitalista já estivesse pronta entre os escolásticos, alegadamente os piores inimigos da modernidade, dois séculos antes de que Adam Smith arranhasse as primeiras noções a respeito. A relação de causa-e-efeito entre a filosofia racionalista e o progresso tecnológico parece cada vez mais evanescente e subsiste antes como slogan de propaganda do que como realidade histórica. O mais curioso, para não dizer doentio, é que esse slogan seja brandido como arma até mesmo pelos mais ferozes anti-racionalistas, como os discípulos de Nietzsche, de Paul Feyerabend ou de Jacques Derrida. Sepultaram a modernidade mas não cessam de invocar o seu fantasma para assustar cristãos.

Por: Olavo de Carvalho  Publicado no Diário do Comércio.

sábado, 12 de outubro de 2013

MULHER BRASILEIRA É VÍTIMA DO SEU PRÓPRIO MACHISMO


'Quanto mais educação, mais transparente e igualitária é a relação', diz Mary Del Priore

Mary Del Priore é historiadora, professora universitária e autora de obras como História das Mulheres no Brasil (ed. Contexto), vencedor dos prêmios Jabuti e Casa Grande e Senzala, e Histórias e Conversas de Mulher (ed. Planeta), em que acompanha avanços femininos desde o século 18.

Para a historiadora, as mulheres brasileiras do último século conquistaram o direito de votar, tomar anticoncepcionais, usar biquíni e a independência profissional. Mas ainda hoje são vítimas de seu próprio machismo.

BBC Brasil - Você vê traços de machismo ou preconceito em seus ambientes profissional e pessoal?Muitas mulheres "não conseguem se ver fora da órbita do homem" e são dependentes da aprovação e do desejo masculino, opina ela.

Mary Del Priore - No ambiente profissional, não vivi nenhum problema, porque desde os anos 1980 o setor acadêmico sofreu grande "feminilização". As mulheres formam um bloco consistente nas disciplinas (universitárias) mais diversas.
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Mas, na sociedade, acho que o machismo no Brasil se deve muito às mulheres. São elas as transmissoras dos piores preconceitos. Na vida pública, elas têm um comportamento liberal, competitivo e aparentemente tolerante. Mas em casa, na vida privada, muitas não gostam que o marido lave a louça; se o filho leva um fora da namorada, a culpa é da menina; e ela própria gosta de ser chamada de tudo o que é comestível, como gostosa e docinho, compra revistas femininas que prometem emagrecimento rápido e formas de conquistar todos os homens do quarteirão.

O que mais vemos, sobretudo nas classes menos educadas, é o machismo das nossas mulheres.

BBC Brasil - Mas muitas até querem que os maridos ajudem em casa, mas será que essas coisas do dia a dia acabam virando motivos de brigas justamente por conta do machismo arraigado? E também há mulheres estudadas, ambiciosas e fortes - mas também vaidosas, que ao mesmo tempo querem se sentir desejadas por um parceiro/a que as respeite. Isso é uma conquista delas, não?

Del Priore - Ambas as questões não podem ter respostas generalizantes. Mais e mais, há maridos interessados na gerência da vida privada e na educação dos filhos. Quantos homens não vemos empurrando carrinhos de bebê, fazendo cursos de preparação de parto junto com a futura mamãe ou no supermercado? Tudo depende do nível educacional de ambos os parceiros. Quanto mais informação e mais educação, mais transparente e igualitária é a relação.

Quanto às mulheres emancipadas, penso que preferem estar sós do que mal acompanhadas. Chega de querer "ter um homem só para chamar de seu". Elas estão mais seletivas e não desejam um parceiro que queira substituir a mãe por uma esposa.

BBC Brasil - Como a mulher mudou – e o que permanece igual – no último século?
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Del Priore - Temos uma grande ruptura nos anos 60 e 70 no Brasil, que reproduz as rupturas internacionais, com a chegada da pílula anticoncepcional. As mulheres começaram a ocupar postos nos diversos níveis da sociedade, a ganhar liberdade sexual e financeira. Ela passa atuar como propulsora de grandes mudanças. Quebra-se o paradigma entre a mulher da casa e a mulher da rua.

(Mas) a mulher continua se vendo através do olhar do homem. Ela quer ser essa isca apetitosa e acaba reproduzindo alguns comportamentos das suas avós. Basta olhar algumas revistas femininas hoje. Salvo algumas transformações, a impressão é de que a gente está lendo as revistas da época das nossas avós.

A mulher não consegue se ver fora da órbita do homem, diferentemente de algumas mulheres europeias, que são muito emancipadas. O que ela quer é continuar sendo uma presa desejada.

A (antropóloga) Mirian Goldenberg diz que a mulher brasileira continua correndo atrás do casamento como uma forma de realização pessoal. No topo da agenda dela não está se realizar profissionalmente, fazer o que gosta, viajar, conhecer o mundo – está encontrar um par e botar uma aliança no dedo. Mesmo que o casamento dure uma semana.

Quais as amarras das mulheres atuais?

Del Priore - O machismo é uma das questões. Outra, que talvez explique a inatividade da mulher frente a esse padrão, é que, com a entrada num mercado de trabalho tão competitivo, com tantas crises econômicas e uma classe média achatada, a luta pela sobrevivência se impõe sobre qualquer outro projeto.

Essa falta de tempo para respirar, o fato de ter que bancar filhos ou netos, isso talvez não dê à mulher tempo para se conscientizar e se erguer acima do individualismo – outra tônica do nosso tempo – e pensar no coletivo.

BBC Brasil - Ao mesmo tempo em que a mulher avança no mercado de trabalho, algumas também têm perdido a vergonha de parar de trabalhar para cuidar dos filhos; ou resgatado, como hobbies ou profissão, antigas "tarefas de mulher", como tricô, cozinha, artes manuais. Desse ponto de vista, existe um poder maior de escolha das mulheres?

Del Priore- Sempre apostei que as mulheres não deveriam buscar ser "um homem de saias", mas apostar em sua diferença e singularidade. As marcas do gênero, segundo sociólogos, são a criatividade, a diplomacia, capacidade de dialogar, etc. O fato de que elas busquem se realizar resgatando o trabalho doméstico, manual ou artesanal é uma prova de que a singularidade feminina tem muito a oferecer.

A mulher pode, sim, realizar-se através do trabalho doméstico e não necessariamente no público. Desse ponto de vista elas só estariam dando continuidade a uma longa tradição, discreta e oculta, que é a independência adquirida por meio de atividades desenvolvidas no lar. Nossas avós, quando trabalhadoras domésticas, já conheceram essa situação. A tecnologia só nos ajuda a torná-lo mais eficiente.

BBC Brasil - Que papel a educação teve na mulher que você é hoje?
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Del Priore - Tive uma trajetória peculiar. Resolvi fazer universidade (aos 28 anos) quando já era mãe de três filhos. A maturidade me ajudou muito a progredir. Tive a sorte de ter na PUC-RJ e na USP um ambiente muito receptivo, porque era um momento em que a universidade estava largando aquela camisa de força marxista e se abrindo para estudos de cultura e sociedade, que me interessavam.

BBC Brasil - Quais os principais desafios que você enfrenta como mulher?

Del Priore - Hoje o grande desafio, em qualquer idade, é o equilíbrio interior, estar bem consigo mesma. Quando começamos a envelhecer – o que é o meu caso, aos 61 anos –, é preciso olhar isso com coragem, ver isso como um investimento positivo. E ter tempo para a família, para as pessoas em volta da gente.

Quando era mais jovem, eu me preocupava muito com grandes projetos. Hoje me preocupo com o pequeno – acho que é por aí que você muda a realidade. É no dia a dia, na maneira como você trata as pessoas à sua volta, no respeito que você tem pelo seu bairro. Não temos condições de abraçar o mundo. Através do micro, a gente consegue aos poucos transformar o macro.

Essa entrevista faz parte da série "100 Mulheres - Vozes de Meio Mundo". A série, publicada globalmente pela BBC, trata dos desafios da mulher contemporânea.

Paula Adamo Idoeta

Da BBC Brasil em São Paulo

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O FIM DA MULHER

Hoje em dia as jovens mulheres estão tão ocupadas em busca duma carreira profissional que elas são virtualmente indistinguíveis dos homens. O feminismo deu órgãos sexuais masculinos psicológicos às mulheres.

Há já algum tempo que tenho frequentado uma pequena aula de culinária vegetariana. A professora é uma mulher de 70 anos que poderia muito bem passar por uma mulher de 55 anos. Por lá está também uma outra aluna, uma professora canadense-francesa, na casa dos 60 anos, também muito vivaz.

Normalmente não reparo nas mulheres da minha idade (eu tenho quase 64 anos) mas havia algo de diferente nestas mulheres. Eu senti-me tão relaxado que quase adormeci na sua presença. Enquanto pensava nisto, apercebi-me do motivo que me levava a estar à vontade na sua presença: estas mulheres são femininas. Eu havia-me deparado com uma espécie que se encontra quase extinta: "a mulher".

Tal como eu, estas mulheres haviam emergido dos anos 60 - um momento de transição. Durante este período, as escolas ensinavam às raparigas temas em torno da economia doméstica enquanto que os rapazes aprendiam mais sobre reparações. Os rapazes convidavam as raparigas para encontros românticos - para dançar ou para ir ao cinema. O sexo pré-marital era desdenhado e as crianças ilegítimas eram chamadas de "bastardas". Uma canção popular na altura tinha como refrão o seguinte:

Love and marriage
Love and marriage
Go together like a horse and carriage.

Fomos ensinados a questionar a autoridade mas não o nosso sexo.

O que é que estas mulheres tinham que as definia como "femininas"? Se pudesse escolher uma palavra, ela seria "vulnerabilidade". Estas eram mulheres que não matavam as suas próprias cobras, mas que em vez disso dependiam dum homem - o marido - para as proteger e para as dirigir. Para além disso, elas não entravam em competição com os homens.

Outra palavra é "sacrifício". Elas dedicavam-se à família e, em retorno, elas eram valorizadas. Elas eram valorizadas não devido à sua aparência, nem devido às suas conquistas profissionais (e muito menos devido à sua capacidade de ter respostas prontas) mas sim devido à sua contribuição para a família. Outra palavra-chave é "rendição". Ficamos com a sensação de que um homem leal, visionário e determinado poderia obter a devoção eterna duma mulher deste tipo.

Tanto o homem como a mulher foram gravemente prejudicados pela engenharia social dos Illuminati - com a ajuda dos nossos governos, da mídia e do sistema de ensino - que propositadamente debilitaram o sexo e o casamento. As mulheres ganharam "empoderamento" e os homens foram efeminados. O propósito é o de neutralizar e recriar a humanidade de modo a que esta se torne numa raça escravizada.

As mulheres foram originalmente criadas para se sacrificarem e se renderem à sua família, mas o feminismo ensinou às jovens mulheres que elas deveriam ser "fortes e independentes", e olhar para o homem, para o casamento e para a família com suspeição. Como resultado, foi negado às mulheres a realização que elas tanto anseiam e que só pode ser obtida através duma dedicação abnegada ao marido amoroso e aos filhos. Esta insatisfação ocorre também ao nível sexual.

Antigamente, as mulheres eram essencialmente diferentes dos homens: o seu foco era a vida doméstica, o seu espírito era um refúgio e um porto seguro para os homens, a sua energia feminina equilibrava a energia masculina dos homens. Hoje em dia as jovens mulheres estão tão ocupadas em busca duma carreira profissional que elas são virtualmente indistinguíveis dos homens. O feminismo deu órgãos sexuais masculinos psicológicos às mulheres.

Muitas destas jovens mulheres sofrem do que eu chamo de "transtorno de déficit de personalidade"; elas podem ter aparência, mas têm muito pouca personalidade, pouco estilo e ainda menos encanto. Elas não podem ser homens, mas elas já não sabem o que é ser mulher: elas são, se se pode dizer assim, mutantes.

Em contraste, há uma luz e um charme nas mulheres femininas da minha geração. Estas mulheres não se levam a elas mesmas muito a sério e os homens podem relaxar na sua presença. Elas continuam a ter um jeito de meninas e continuam a ser atraentes mesmo quando se encontram na casa dos 60 (e para além).

Sob a máscara dos "direitos" das mulheres e dos "direitos" dos homossexuais, os Illuminati desencadearam uma guerra à sexualidade natural e mutilaram os heterossexuais. Só satanistas é que poderiam atacar o amor que existe entre o marido e a mulher, mãe e filho.

Hoje em dia os homens são caracterizados como femininos e são facilmente dominados pelas mulheres; elas não se conseguem entregar ou amar homens assim.

A essência da masculinidade é o poder. Meu conselho para os homens jovens é que eles encontrem uma carreira profissional e que a desfrutem ao máximo. Façam uma linha visionária para a vossa vida e abram nela espaço para uma esposa. Depois disto, ajudem uma jovem mulher a encontrar a sua natureza feminina fundamental aceitando o teu papel de seu líder. Você deve ser o chefe, ou ela não te vai respeitar. Se não fizeres isso, passarás a ser um irmão ou um filho.

Do site de Henry Makow.  Tradução: Blog O Marxismo Cultural

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

UMA ALMA EM AGONIA

Outro dia, dirigindo pelo trânsito de São Paulo, ouvi uma música da Lana del Rey que me chamou atenção, pela ideia que nela se repetia: o medo sentido por uma mulher de ser abandonada por seu amado um dia, quando sua beleza e juventude acabassem e restasse apenas sua "aching soul" (sua alma em dor ou em agonia). Uma letra romântica banal, como todo clichê.

Mas quem em sã consciência negaria que essa mesma letra banal descreve a dor de todos nós, homens e mulheres que envelhecem e perdem a beleza dia após dia? Acredito mais nessa letra de música do que em inúmeros textos sofisticados sobre "relações entre sexo, afeto e poder".

Cada dia que passa, temo pela irrelevância dos estudos acadêmicos das chamadas ciências humanas, devido ao que o intelectual americano Thomas Sowell chama de alienação da classe "ungida" que somos nós, os intelectuais.

Essa música seria facilmente acusada de repetir a "ideologia dominante" (para mim, esse conceito tem a mesma validade de dizer que algo acontece porque Saturno está na casa sete...) e de que esse medo é simplesmente "culpa" da opressão do conceito de beleza capitalista ou sexista. Pensar que cultura pop seja simples sintoma da "ideologia dominante" é ser incapaz de enxergar o óbvio.

A vida é clichê, por isso, temo, revistas femininas logo serão mais relevantes no debate sobre comportamento e afetos contemporâneos do que estudos acadêmicos. Seria essa, afinal, a vingança do jornalismo, muitas vezes menosprezado por nós, intelectuais, contra a soberba dos ungidos que nada entendem das agonias de carne e osso? Talvez a condição de escrever sob o gosto de sangue e de saliva que tem a trincheira da vida real dê às revistas femininas mais consistência do que as elaborações sem corpo dos especialistas em afetos.

O filósofo Francis Bacon (séculos 16-17) tirava sarro da "baixa escolástica" e suas questões sobre quem puxava o burro, quando se puxava um burro com uma corda, se era a pessoa ou a corda que puxava o burro... (risadas?). Penso que, em 500 anos, rirão de nós da mesma forma quando se diz hoje em dia que o medo de uma mulher (ou de um homem) de ser abandonada é sintoma de "opressão social", e que pessoas emancipadas não sofrem com isso. O conceito de opressão virou um grande fetiche dos intelectuais.

Suponho que assim como os textos de Sade (considerado lixo no século 18) hoje são parte do cenário filosófico, em 500 anos as revistas femininas serão mais importantes para a compreensão do que pensamos hoje do que toda a parafernália de teorias sobre "relações de poder".

Um adendo: vale salientar que Sade não ficou importante porque é o ancestral de toda teoria que relaciona sexo à perversão, mas sim porque ele relaciona sexo, afeto e a crueldade de nossa natureza humana e da natureza biológica como um todo.

Talvez um dos maiores medos humanos e que move o mundo desde sempre seja justamente o medo de perder a beleza e a juventude, e se restará alguém ao nosso lado quando formos apenas uma alma em agonia. Já que as ciências humanas mentem, a esperança é que as revistas femininas falem a verdade que não quer calar: ao final, temos mesmo é medo de sermos feios e mal-amados.

Por fim, recomendo vivamente o livro "Não se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo" (Nova Fronteira), de Nelson Rodrigues, escrito sob o pseudônimo de Myrna, sua rápida coluna de 1949 no "Diário da Noite". Esta "mulher" Myrna é uma sábia. Falaremos dela em 500 anos.

Revistas femininas e autores como Nelson Rodrigues são acusados de moralismo. Antigamente o moralismo relacionava sexo, afeto e demônios. Incrível como não se vê que hoje o verdadeiro moralismo está nas teorias que relacionam as formas comuns (dos meros mortais) de afeto e sexo a "frutos da opressão da mulher".

Aprendemos a negar nosso medo com teorias sofisticadas, mas o medo sempre aparece. Ficou chique dizer que se é emancipado, quando na realidade nem só de liberdade vive o desejo, mas também de pecado, medo e vergonha. Como dizia Nelson, "o desejo também precisa de seu claustro".

Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

ADOLESCÊNCIA: ATÉ QUANDO?

A adolescência sempre foi um conceito bem complexo de se abordar. Nem mesmo os estudiosos conseguiram chegar a um conceito único a respeito dessa fase do desenvolvimento. Quando ela começa e quando termina? Quais suas características principais? Tem relação direta com a idade e/ou com fenômenos biológicos ou a estes devemos acrescentar, necessariamente, os sociológicos e os psicológicos?


Muitos estudos foram realizados, mas estes nunca chegaram a ter unanimidade entre si. Alguns afirmaram que sim, essa é uma fase coincidente com a puberdade, enquanto outros que é um fenômeno exclusivamente sociocultural; tivemos inclusive autores que consideraram a adolescência uma síndrome --ou seja, um conjunto de sintomas-- normal. Por mais que pareça estranha essa última ideia, muitos estudos foram realizados nesse sentido, principalmente pela psicologia.

Mesmo com tanta complexidade e divergências, alguns elementos eram tidos como referências por quem, de algum modo, se dedicava a trabalhar com os mais novos. A adolescência era considerada um período que compreendia a busca de identidade e o autoconhecimento; que era marcado pela busca de pares, o que provocava o distanciamento dos pais; e era nesse período que ocorria a explosão da sexualidade em sua forma adulta.

Algumas outras ideias, como a mudança da noção do tempo --que passava a ser conjugado no passado, presente e no futuro-- e a busca de segurança e de estabilidade --emocional, afetiva, pessoal, profissional, por exemplo-- juntavam-se às primeiras e formavam um conceito que, na prática, caracterizava o comportamento dos adolescentes.

Pois bem: esse conceito, já tão complexo, passou a ficar cada vez mais irreconhecível a partir do final do século 20. É que o mundo adulto foi invadido pela busca da felicidade e da juventude, entre outras coisas, o que transformou muito o comportamento de quem já tinha maturidade.

Dessa maneira, características antes creditadas apenas a adolescentes passaram a fazer parte da vida adulta também. A impulsividade, o imediatismo, a busca do prazer e da liberdade e o comportamento de risco, por exemplo, passaram a ser fatos corriqueiros na vida dos mais velhos.

Ao mesmo tempo, as crianças passaram a perder a infância cada vez mais cedo e seus interesses, seu comportamento, suas vestimentas, sua vida social e a linguagem usada ficaram cada vez mais parecidas com as dos adolescentes.

Por isso, a notícia que saiu dias atrás que, agora, a adolescência deve ser considerada um período que vai até os 25 anos não é nenhuma novidade. Já faz tempo que constatamos que a adolescência começa cada vez mais cedo e termina cada vez mais tarde. Quando termina!

Por isso, não deve estar longe o tempo em que a adolescência vai se tornar um conceito obsoleto. Vai deixar de ser um período da vida para ser um estilo de vida. O nosso.

Se isso é bom ou não, só saberemos mais tarde. Pagamos para ver: essa é uma expressão que se aplica muito bem a essa questão. Entretanto, precisamos considerar a possibilidade de a maior parcela dessa conta poder ser debitada aos adolescentes de fato. Pelo menos, como eram considerados antes de todas essas mudanças.

É que eles podem olhar para nós e perceber que, depois de chegarmos à vida adulta, decidimos retornar; e podem até concluir que nem vale a pena experimentar essa tal vida adulta, não é?

Por: Rosely Sayão Folah de SP