sábado, 30 de março de 2013

PÁSCOA

No judaísmo, segundo a bíblia, livro do êxodo, Deus mandou 10 pragas sobre o Egito. Na última delas(êxodo capítulo 12) Moisés disse que todos os primogênitos egípcios seriam exterminados com a passagem do anjo da morte por sobre suas casas, poupando os de Israel. O povo de Israel deveria imolar um cordeiro, passar o sangue do cordeiro imolado sobre as portas de suas casas para identificá-las. Assim o anjo passaria por elas sem ferir seus primogênitos. Todos os demais primogênitos do Egito foram mortos, do filho do Faraó aos filhos dos escravos. Isto causou intenso clamor dentre o povo egípcio, culminando assim com a decisão do Faraó de libertar o povo de Israel, dando assim inicio ao êxodo do povo de Israel em direção à terra prometida. 

A bíblia judaica institui a celebração do pessach, em êxodo 12,14: 

Conservais a memória daquele dia, celebrando-o como uma festa em honra de Adonai: Fareis isto de geração em geração, pois é uma instituição perpétua. 

A palavra páscoa se origina do nome hebraico pessach, onde os judeus comemoram a libertação e fuga do seu povo escravizado do Egito, por volta do 1250 a C. 

A maior e mais importante festa do cristianismo católico, chamado de páscoa em que os seguidores celebram a ressureição de Jesus Cristo, após sua morte por crucificação que, segundo dados históricos do catolicismo, teria ocorrido entre os anos 30 e 33 da era cristã. 
A data onde se comemora a páscoa é certamente o dia mais importante do catolicismo. 

A páscoa é celebrada no primeiro domingo após a lua cheia que ocorre depois do equinócio da primavera no hemisfério norte e outono no hemisfério sul, podendo ocorrer entre o dia 22 de março e o dia 25 de abril de cada ano. 

Por mistério pascal entende-se o conjunto de acontecimentos como, morte, ressureição e ascenção aos céus de Jesus Cristo, tornando-se uma unidade inseparável. Para a teologia cristã o mistério pascal é o principal artigo de fé e o conteúdo da pregação e missão da igreja. Para os cristãos, foi pelo mistério pascal de Cristo que se consumou a salvação de todos os homens e se inaugurou o tempo novo da redenção. É o supremo sacrifício de valor infinito, que Jesus ofereceu a Deus Pai a favor da salvação de todos os homens. Pascal porque a entrega de Cristo na cruz e sua ressureição estão intimamente ligados à páscoa, ou seja, a festa dos judeus que comemora a sua libertação da escravidão do Egito, e a que Cristo dá o sentido novo de libertação da escravidão do pecado e da morte. Assim como a páscoa para os judeus está ligada à passagem pelas águas, para os cristãos liga-se à passagem da morte para a vida, sentido último do mistério pascal. Assim como Cristo morreu e voltou à vida, os cristãos crêem que, por este mesmo mistério, são também libertados da morte e reconduzidos à vida. 

O mistério pascal, como realidade fundamental da fé cristã, esta presente na sua pregação e de modo especial, nos seus sacramentos. O batismo corresponde, para os cristãos, a uma inserção do indivíduo no mistério pascal de Cristo, pela qual passa a fazer parte também da igreja. Pelo batismo, o cristão à imagem de Cristo, é retirado da morte para a vida nova da graça. O mistério pascal está presente de forma mais intensa na eucaristia. Neste sacramento, o mistério pascal é renovado, tornando presente para os que celebram, de modo que todos recebem os seus frutos da salvação. O mistério pascal de Cristo, está presente em todas as celebrações da igreja, sacramentais e não sacramentais. 
Alguns costumes relacionados ao período pascal tem origem nos festivais pagãos da primavera, outros vêm da celebração do pessach, a páscoa judaica, sendo esta também uma das festas mais importantes de judaísmo celebrado durante 08 dias comemorando o êxodo do Egito, da escravidão para a liberdade. Um ritual de passagem assim como também a passagem de Cristo da morte para a vida. 
A festa tradicional da páscoa, associa a imagem do coelho, um símbolo de fertilidade, e os ovos com cores brilhantes, representando a luz solar. Para entender o significado da páscoa cristã atual, é necessário voltar à idade média e lembrar os antigos povos pagãos europeus que, nesta época do ano, homenageavam Ostera, a deusa da primavera, que segura um ovo em sua mão e observa um coelho, simbolo da fertilidade, pulando alegremente ao redor de seus pés. A deusa e o ovo que carrega são símbolos da chegada de uma nova vida. Ostara equivale, na mitologia grega, a Deméter. Na mitologia Romana a Céres. 

Ainda é costume em alguns países, na passagem da páscoa a prática de pintar ovos cozidos, decorando-os com desenhos e formas abstratas, muito embora na maioria já terem sido
substituídos por ovos de chocolate, inclusive no Brasil. Este costume não é citado na bíblia, sendo portanto uma alusão a antigos rituais pagãos. Na primavera, lebres e ovos pintados com runas eram os símbolos da fertilidade e renovação associados a deusa nórdiga Gefjun. A lebre e não o coelho era o símbolo de Gefjun. Suas sacerdotizas eram ditas capazes de prever o futuro observando as entranhas de uma lebre sacrificada. A versão “coelhinho da páscoa que trazes pra mim?” é bem mais interessante comercialmente do que a “lebre de eostre, o que suas entranhas trazem de sorte para mim?” que é a versão original desta rima. A lebre de eostre pode ser vista na lua cheia e, portanto, naturalmente associada a lua e às deusas lunares da fertilidade. Seus cultos pagãos foram absorvidos e misturados pela comemorações judaico-cristãs, dando inicio a páscoa comemorado atualmente na maior parte do mundo. 
Também da China vem o costume de oferecer ovos. Há séculos os orientais preocupavam-se em embrulhar os ovos naturais com cascas de cebola e cozinhavam-nos com beterraba. Ao retirá-los do fogo, ficavam com desenhos mosqueados na casca. Os ovos eram dados de presente na festa da primavera. Este costume chegou no Egito que assim como os Chineses, distribuíam os ovos no início da nova estação. O surgimento do ovo de chocolate na páscoa se deu a partir do século XVIII, pelo confeiteiros franceses em substituição aos ovos pintados que eram escondidos nas ruas e nos jardins para serem caçados.Um modo mais atraente de apresentar o chocolate. 

São símbolos da páscoa, a cruz da ressureição, o cordeiro que simboliza Cristo, filho de Deus, sacrificado em prol da humanidade, mas com origem na páscoa judaica e nos cultos Teutônicos, onde era frequente o sacrifício de animais aos deuses. O pão e o vinho representando o corpo e o sangue de Jesus, dados aos discípulos para celebrar a vida eterna. O Círio, vela muito grande que se acende no sábado de aleluia, simbolizando Cristo, a luz dos povos. Alfa e ômega nela gravadas querem dizer: “Deus é o princípio e o fim de tudo”. Coelhinho da páscoa, tradição com origem na Alemanha. Ovos de páscoa, costume de muitos países, fazem parte do imaginário pascal. 


Muitas histórias estão ligadas aos símbolos da Páscoa, entre elas, a colomba pascal. Ao norte da Itália, em Lombardia, vilarejo de Pavia, houve uma invasão local do exército de Albuíno, o rei dos Lombardos. Um confeiteiro do local resolveu preparar um presente para o invasor. Criou um bolo diferente, preparado com ricos ingredientes e assado no formato da pomba da paz. Quando recebeu o presente, o invasor ficou encantado com o sabor do bolo e a sensível ideia e decidiu poupar o vilarejo do ataque. O bolo simboliza a vinda do Espírito Santo.



A pomba ou colomba pascal, um pão doce e enfeitado com a forma de ave, é um símbolo cristão. A forma de pomba era utilizada muito freqüentemente nos antigos sacrários onde se reservava a Eucaristia. O símbolo eucarístico se converteu logo no pão doce que costuma ser compartilhado, em alguns países europeus - especialmente na Itália - no café da manhã de Páscoa e da "Pasquetta", a segunda-feira de Páscoa.


Nos últimos anos, a Colomba Pascal já é encontrada a venda no Brasil e começa a se tornar tradição nas manhas de páscoa, assim como o panetone no natal.



Como vimos a tradição da páscoa  teve inicio a mais de 3 mil anos atrás com a libertação do povo de israel do Egito, passando pela Grécia, Roma, China,Egito, Europa medieval. O cristianismo por sua vez incorporou aspectos das  mais variadas tradições, transformando-se no que conhecemos como páscoa atualmente.

Por: Aloysio Tiscoski 

quarta-feira, 27 de março de 2013

VOCÊ TEM CABEÇA ABERTA?

Você tem cabeça aberta? Acusar alguém de ter cabeça fechada hoje em dia é uma ofensa pior do que xingar a mãe.

Hoje todos querem ter cabeça aberta. Um tema top para cabeças abertas é preconceito x práticas sexuais, e um lugar certo para deixar claro que você tem cabeça aberta é jantares inteligentes. Se você quer fazer sucesso num jantar desses, chame todo mundo que discorda de você de "ridícula".

Nesses jantares, as pessoas têm as opiniões certas sobre tudo; por exemplo, ninguém tem preconceito contra nada. Acho muito fofo gente que não tem nenhum preconceito contra nada.

No tema "práticas sexuais", o que percebemos, se formos um pouquinho além do senso comum, é que o "normal x patológico" ou "moral x imoral" é bastante relativo no tempo e no espaço. Isso significa que o que se acha imoral hoje amanhã pode não ser, e vice-versa. O mesmo para o que se acha patológico.

Quem busca um critério absoluto, sem variação histórica ou geográfica (a tal variação no tempo e no espaço de que falei acima), hoje em dia, se vê em maus lençóis. Além, claro, de dar atestado de ter preconceitos numa época em que ter preconceitos é pior do que matar a mãe.

Aliás, se não disse ainda, digo: acho fofo gente que não tem preconceito contra nada.

Um modo de se posicionar acerca dessa fronteira entre sexo normal x patológico ou moral x imoral é defender a ideia de que entre dois adultos tudo é permitido, se a prática for fruto de livre escolha (eis uma versão para mortais da tal autonomia kantiana).

Esse argumento até é válido, já que não sabemos mais nada sobre coisa nenhuma em moral (só mentirosos dizem que têm "princípios éticos"). Mas ele é problemático, já na definição de "adulto", porque ela também é relativa no tempo e no espaço. Um cara de 40 ficar com uma mina de 14 nem sempre foi visto como crime contra a infância.

Outra coisa problemática é a própria ideia de "livre escolha". Por exemplo, se você gosta de apanhar, talvez só goste mesmo quando seu parceiro ou parceira vai além do que você "permite", senão você não goza de verdade. Mas devo confessar que há algo de pueril em achar que "livre escolha" resolva o problema. Acreditar na ideia de "autonomia kantiana" (a tal da "livre escolha"), às vezes, também, é superfofo.

Vamos, porém, deixar de barato esses pequeníssimos detalhes e vamos a algo mais "significativo".

Faço uma proposta para seu próximo jantar inteligente. Claro, se você for um pobre engenheiro, nem pense em querer ir, a menos que sua mulher seja psicóloga --aí os donos da casa inteligente podem aceitá-lo. Se você for um cara e sua "mulher psi" for um cara também, aí a entrada é garantida.

Vamos testar as cabecinhas abertas? Atenção, respire fundo: você já viu o vídeo "2 girls 1 cup"? Mas, antes de descrevê-lo (não em detalhes, porque seria demais para uma segunda-feira), vou dizer uma coisa.

Acho que, se você é o tipo de pessoa que quer provar que tem cabeça aberta, você deve discutir apenas o que lhe parece absurdo (ou "nojento", na linguagem de gente que tem preconceito). Mas não é isso o que acontece normalmente.

A moçadinha que tem cabeça aberta só gosta de discutir coisa que não põe em risco sua imagem de gente bacana. Falar mal de machista, racista, sexista, católico e evangélico é coisa de iniciante no ramo de discussões de verdade.

E o vídeo? Neste, duas mulheres começam com sexo lésbico normal e acabam fazendo sexo a três: elas duas + as fezes de uma delas (se é apenas efeito especial, pouco importa). Isso é chamado no mundo careta de "coprofilia". Quem gosta de xixi é urofílico.

Então: gente que gosta disso é doente, imoral, ou apenas gente de cabeça aberta explorando seus limites do gozo? Lembre: o que hoje é doença ou imoralidade amanhã pode não ser.

Na verdade, imagino que em breve esses caras terão suas ONGs e defenderão também "safe sex". Como fazê-lo? Ensinando nas escolas a identificar fezes infectadas pela aparência e cheiro?

O que a gente fofa diria disso? Ainda sem preconceito? Perdeu o apetite? As ciências sexuais têm muito o que aprender. Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

terça-feira, 26 de março de 2013

DO NADA, TUDO

Na semana passada, comecei uma discussão do que chamo o "problema das três origens", focando inicialmente na questão da origem da vida. Apesar de estarmos longe de saber como a matéria inerte tornou-se viva na Terra primitiva ou de como fazê-lo no laboratório, considero essa a mais fácil das três questões.


A origem da vida é algo que podemos estudar de fora para dentro, para ter uma visão externa e objetiva do que ocorre. Mesmo que seja impossível saber exatamente como a vida surgiu na Terra, podemos investigar os possíveis caminhos bioquímicos que levam a não vida à vida. No caso do Cosmo e da mente, as coisas são mais sutis.

Pelo que sabemos, todas as culturas tentaram narrar o processo da origem do mundo. Conforme exploro no livro "A Dança do Universo", os mitos de criação sugerem um número pequeno de respostas possíveis para a origem do mundo.

Todos pressupõem a existência de alguma divindade ou poder absoluto capaz de criar o mundo. Na maioria dos casos, esse poder absoluto é um deus ou grupo de deuses. Em alguns, o Universo é eterno, sem uma origem no tempo; já em outros, o Cosmo surge do nada, de uma tendência inerente de existir.

Esse nada pode ser o vazio absoluto, um ovo primordial ou a luta entre o caos e a ordem. Nem todos os mitos de criação usam uma intervenção divina ou pressupõem que o tempo começa em um momento do passado.

Na visão científica, a origem do Universo faz parte da cosmologia. Imediatamente, encontramos dificuldades: se, em ciência, todo efeito é resultado de uma causa, podemos voltar ao passado até chegarmos na causa primeira.

Mas o que causou essa causa? Aristóteles, por exemplo, usou uma divindade, "o-que-move-sem-ser-movido", que não precisa de uma causa. Ou seja, usou a intervenção divina. Como as observações atuais apontam para um Universo com um início no passado, o desafio dos modelos científicos de origem do Cosmo é justamente tentar driblar a questão da causa primeira.

Porém, mesmo supondo que isso seja possível, será que a resposta é aceitável ou definitiva? Se o Universo surgiu de uma flutuação quântica aleatória, resolvemos a questão da causa. No mundo quântico, processos ocorrem espontaneamente, como no decaimento de núcleos radioativos. Juntando a isso o balanço entre a energia positiva da matéria e a energia negativa da gravidade, essa flutuação pode ter energia nula: o Cosmo surge do "nada".

Esse é o resultado de que tanto se vangloriam Stephen Hawking, Lawrence Krauss, Mikio Kaku e outros físicos. Mas não deveriam. É óbvio que esse nada quântico é muito diferente de um nada absoluto. Qualquer modelo científico pressupõe toda uma estrutura conceitual: energia, espaço, tempo, equações, leis...

Fora isso, hipóteses precisam ser testáveis e não sabemos como fazer isso com uma flutuação primordial. Não podemos sair do Universo e testar outras versões no laboratório. No máximo, modelos como esse chegam a uma compatibilidade com o que observamos.

A questão de por que este Universo e não outro continuará em aberto. O fato de a ciência oferecer tantas respostas não significa que ela deva responder a tudo. Por: Marcelo Gleiser Folha de SP

domingo, 24 de março de 2013

IGREJA, UMA MEGACOBERTURA

Uma megacobertura. Não há outra palavra para definir o volume de informação a respeito da Igreja Católica. A surpreendente renúncia de Bento XVI, os bastidores do conclave, o impacto da eleição do primeiro pontífice da América Latina e a próxima Jornada Mundial da Juventude, encontro do papa Francisco com os jovens, em julho no Rio de Janeiro, puseram a Igreja no foco de todas as pautas.

A cobertura do Vaticano é um case jornalístico que merece uma análise técnica. Algumas patologias, evidentes para quem tem olhos de ver, estiveram presentes em certas matérias da imprensa mundial: engajamento ideológico, escassa especialização e pouco preparo técnico, falta de apuração, reprodução a crítica de declarações não contrastadas com fontes independentes e, sobretudo, a fácil concessão ao jornalismo declaratório.

Poucos, por exemplo, se aprofundaram no verdadeiro sentido da renúncia de Bento XVI e na qualidade de seu legado. O papa emérito, intelectual de grande estatura e homem de uma humildade que desarma, sempre foi julgado com o falso molde de um conservadorismo exacerbado. Mas, de fato, foi o grande promotor da realização do Concilio Vaticano II, o papa que mais avançou no diálogo com o mundo islâmico, o pontífice que empunhou o bisturi e tratou de rasgar o tumor das disputas internas de poder e o câncer dos desvios sexuais.

Sua renúncia, um gesto profético e transgressor, foi um ato moderno e revolucionário. Bento XVI não teve nenhum receio de mostrar ao mundo um papa exausto e sem condições de governar a Igreja num período complicado e difícil. Foi sincero. Até o fim. Ao mesmo tempo, sua renúncia produziu um vendaval na consciência dos cardeais. A decisão, inusual nas plataformas de poder, foi a chave para o início da urgente e necessária reforma da Igreja. O papa emérito, conscientemente afastado das bajulações e vaidades humanas e mergulhado na sua oração, está sendo uma alavanca de renovação da Igreja. Nada disso, no entanto, apareceu na cobertura da mídia. Faltaram profundidade, análise séria, documentação. Ficamos, todos, focados nos boatos, nas intrigas, na ausência de notícia. Falou-se, diariamente, do relatório dos cardeais ao papa emérito denunciando supostos escândalos no Vaticano. Mas ninguém na mídia, rigorosamente ninguém, teve acesso ao documento. Os jornais, no entanto, entraram de cabeça no mundo conspiratório. Suposições, mesmo prováveis, não podem ganhar o status de certeza informativa.

Escrevia-me, recentemente, um excelente jornalista. "Acordei hoje cedo, li os jornais e me perguntei: sou só eu a me indignar muito com a proliferação de "informações" inverificáveis, oriundas de fontes off the record ou de documentos "sigilosos" sobre os quais não há nenhum outro dado que permita verificar sua realidade e consistência? Ninguém se questiona sobre tantos "furos", "obtidos" por jornalistas que escrevem a distância "reportagens" tão nebulosas, redigidas em uma lógica claramente sensacionalista? Ninguém mais se preocupa com a checagem de informações, com a credibilidade das fontes?" Assino embaixo do seu desabafo.

A enxurrada de matérias sobre abuso sexual na Igreja é outro bom exemplo desses desvios. Setores da mídia definiram os abusos com uma expressão claramente equivocada: "pedofilia epidêmica". Poucos jornais fizeram o que deveriam ter feito: a análise objetiva dos fatos. O exame sereno, tecnicamente responsável, mostraria, acima de qualquer possibilidade de dúvida, que o número de delitos ocorridos é muitíssimo menor entre padres católicos do que em qualquer outra comunidade. O conhecido sociólogo italiano Massimo Introvigne mostrou que, num período de várias décadas, apenas cem sacerdotes foram denunciados e condenados na Itália, enquanto 6 mil professores de Educação Física sofriam condenação pelo mesmo delito. Na Alemanha, desde 1995, existiram 210 mil denúncias de abusos. Dessas 210 mil, 300 estavam ligadas ao clero, menos de 0,2%. Por que só nos ocupamos das 300 denúncias contra a Igreja? Mas e as outras 209 mil? Trata-se, como já afirmei, de um escândalo seletivo.

Claro que alguns representantes da Igreja - padres, bispos e cardeais - têm importante parcela de culpa. Na tentativa de evitar escândalos públicos, esconderam um problema que é inaceitável. Acresce a tudo isso o amadorismo, o despreparo e a falta de transparência da comunicação eclesiástica. O novo pontífice precisa enfrentar a batalha da comunicação. E o papa Francisco dá toda a impressão de que está decidido a estabelecer um diálogo direto e produtivo com a imprensa. O desejo de se reunir com os jornalistas na grande sala de audiência Paulo VI foi muito sugestivo.

A Igreja, com sua história bimilenar e precedentes de crises muito piores, é um fenômeno impressionante. E, obviamente, não é um assunto para ser tocado com amadorismo, engajamento ou preconceito. A má qualidade da cobertura da Igreja é, a meu ver, a ponta do iceberg de algo mais grave. Reproduzimos, freqüentemente, o politicamente correto. Não apuramos. Não confrontamos informações de impacto com fontes independentes. Ficamos reféns de grupos que pretendem controlar a agenda pública. Mas o jornalismo de qualidade não pode ficar refém de ninguém: nem da Igreja, nem dos políticos, nem do movimento gay, nem dos fundamentalistas, nem dos ambientalistas, nem dos governos. Devemos, sim, ficar reféns da verdade e dos fatos.

Há espaço, e muito, para o bom jornalismo. Basta cuidar do conteúdo e estabelecer metodologias e processos eficientes de controle de qualidade da informação. Por: Carlos Alberto Di Franco O Estado de SP

quarta-feira, 20 de março de 2013

VISÃO DE FORMIGA

Em minha história de vida, se há algo que fiz e tenho muito orgulho é ter sido seminarista. No seminário, permaneci ao longo de oito anos, sendo que estudei o ensino regular, fundamental, médio e parte da faculdade, até que minhas convicções apontaram a hora de deixar esse caminho e seguir outro. Ao longo da caminhada percebi que avaliar algo ou alguém de longe é muito perigoso, principalmente quando esta avaliação envolve convicções, quaisquer que sejam. Quando se avalia algo a distância, antes de mais nada, corre-se o grave risco de falar sobre o que não se sabe, e, pior ainda, se mostrar arrogante ao falar do que não entende. É bem possível que alguns digam que é necessário formar opinião, ter convicções, por certo pode ser assim para muitos. 

Trago estas colocações para falar do recém eleito Papa, Sumo Pontífice da Igreja Católica, Francisco I que é o alvo de todo tipo de comentário. A primeira pergunta a se fazer em torno destes comentários é: “Quem realmente conhece a história de vida de Francisco I?”, uma questão que para muitos é quase irrelevante, pois o que interessa mesmo é algo ter para se comentar ou se falar. A distância que há entre as pessoas que comentam e o comentado é tão grande que pode ser comparada a visão de uma formiga em relação a um elefante. O que sabe uma formiga das coisas de um elefante? Provavelmente pouco, quase nada, mas pode se atrever de seu mundo de formiga criticar as grandes patas do elefante. Pode ainda falar de que o elefante come muito, é muito pesado, malvado com as formigas porque não olha por onde anda e uma só pata pode matar centenas delas. 

Aos que realmente fazem parte da Igreja e conhecem o novo Sumo Pontífice, provavelmente veem o retorno da Instituição ao seu verdadeiro propósito: servir. Não há aqui defesa em prol do Papa, mas uma pequena reflexão dos que conhecem a real motivação da escolha do novo comandante da Igreja: o retorno ao pobre, ao trabalho pastoral, à evangelização, à distância do envolvimento político, das intrigas sociais, da venda de indulgências. Se e somente se Francisco I levar em conta seus votos de pobreza, caridade e obediência levará novamente a Igreja para junto do povo, sua real vocação. 

A visão de formiguinha olha para um objeto com distância, sem estrutura, sem conhecimento. Quando era pequeno olhava minha mãe e meu pai e muitas vezes me perguntava por que era proibido ficar até tarde na rua, andar com certas companhias, porque era obrigado a estudar. Hoje estou na posição que eles estavam quando eu era formiguinha e entendo que suas recomendações tinham sentido, ao menos para eles. Mas, para compreender isso, foi necessário que eu deixasse de pensar como formiguinha para que realmente entendesse o que eles queriam passar.

Hoje, em meio a empresários, investidores, gestores, muitos dos quais são tidos como pessoas corruptas, que tem pacto com o demônio, que roubam os mais pobres, é possível dizer que outra visão de formiguinha amadurece. Não é necessário estar no meio, vivenciar as mesmas experiências, mas, no mínimo conhecer o assunto, as pessoas, as coisas, para formar uma opinião mais próxima daquilo que realmente é. Aos que não conhecem o assunto de que falam e emitem opinião sobre, estes não passam de formiguinhas falando de um elefante. Por: Rosemiro A. Sefstrom    Do site www.filosofiaclinicasc.com.br

HELENA NÃO TEM CULPA

Dias atrás, uma amiga, alta executiva paulista, radicada no Rio, me mandou um e-mail com a cópia de uma resenha sobre um livro (fruto de pesquisa de campo) de um antropólogo,

Napoleon Chagnon, que estudou os índios ianomâmis no Brasil e na Venezuela por muitos anos.

Suas conclusões não são aquelas que a comunidade acadêmica, ideologicamente orientada na sua quase totalidade, costuma gostar.

Quem sabe, este "desgosto ideológico dos pares" (gente ávida por destruir oponentes teóricos) tenha sido responsável pelos desdobramentos negativos que o antropólogo teve em sua vida profissional por conta desta pesquisa.

O livro ("Noble Savages"), que logo comprei, deveria ser lido nas escolas. Um tratado contra a tradição marxista, não só em antropologia, mas em tudo mais. Mas o que especificamente tem esse livro contra esta tradição?

Engana-se quem pensa que a tradição marxista comece com Marx, ela começa com Rousseau e seu bom selvagem. O princípio é que o homem é bom e a sociedade é que o perverte. A perversão do bom selvagem pelo "Das Kapital" é apenas uma decorrência do principio do Rousseau, só que para Marx não partimos do bom selvagem, mas sim chegaremos a ele quando superarmos esta sociedade má.

Uma ideia assim (que somos bons e a sociedade nos corrompe, e aqui você pode colocar no lugar de "sociedade" a família, o patriarcado, a igreja, o capital, os EUA, o patrão, seu pai autoritário) faz almas fracas gozarem de prazer. Porque o que ela diz é que, ao final, não sou responsável por nada que faço. Não fosse pela "sociedade", eu seria um homem bom.

Ao contrário do que parece, essa tradição pegou porque alimenta algo de muito banal: que somos homens bons em nossa natureza essencial. Esta ideia alimenta nossa vaidade e não foi por outro motivo que Burke, filósofo britânico do século 18, chamava Rousseau de "filósofo da vaidade".

Nossa origem é o bom selvagem? É por isso que australianos que não têm o que fazer se pintam de aborígenes e gritam por aí? Quanta bobagem! Quanto lixo escrito com tinta cara!

Também concordo que devemos olhar para o "passado" para entendermos como somos hoje. A diferença é que minha ideia de "estado natural do homem" é diferente da de Rousseau, o filósofo da vaidade. Partilho da ideia que para nos entendermos devemos olhar para a pré-história de fato, e não a mítica, como a do Rousseau.

Este mito alimenta uma outra bobagem: a ideia de que toda diversidade cultural é linda. "Viva a diferença!", dizem os festivos por aí.

A "humanidade", na sua capacidade frágil de não ser bicho malvado, foi tirada das pedras, à custa de muito sangue. Sempre bebemos o sangue dos outros no café da manhã.

E aí voltamos ao livro. A conclusão de Chagnon é que os ianomâmis, parentes nossos que vivem muito perto do que seria o neolítico, tribos que permaneceram bastante "puras" enquanto outras já haviam sido "contaminadas pela maldade do homem branco" (risadas?), sempre se mataram por uma razão nada complexa: "mulher, mulher, mulher".

Inclusive, quem tinha mais mulher, tinha mais descendentes.

Qualquer evolucionista gargalharia diante de tamanha obviedade ocultada pelas interpretações ideológicas pueris da falsa história do bom selvagem.

Os ianomâmis também têm suas Helenas de Troia. Entre eles, quem matava mais tinha mais mulher. Entre nós, quem é mais "adaptado" tem mais mulher.

Não se trata de culpar as mulheres porque são filhas de Eva. Responsabilizar a mulher pelos males do mundo é coisa de homem brocha que, por não conseguir penetrá-la, recorre à falsa culpa feminina para aplacar sua desgraça.

Reconhecer que os ianomâmis se matam em troca de mulheres (ou se matavam enquanto eram "puros" ou "bons selvagens") não é uma prova contra as mulheres. É uma prova contra Rousseau e sua tradição do bom selvagem.

Eu, pessoalmente, acho até uma boa causa. Quero dizer, nos matarmos por mulheres. Neste caso, o troféu é bem concreto e todo mundo sabe de seu "valor de uso".

Isto é, não precisamos de provas metafísicas para reconhecer o valor de uma mulher.

Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

terça-feira, 19 de março de 2013

AS TRÊS ORIGENS: COSMO, VIDA E MENTE


No passado, essas questões eram atribuídas só a ações sobrenaturais, produtos da intervenção divina

O tema de hoje é vasto demais para uma coluna: lidar com as três origens é trabalho para muitas vidas inteiras e, mesmo assim, sem a menor promessa de sucesso.

Mesmo que bem diferentes, tratando de partes da ciência com metodologia e princípios diversos, as três origens têm pontos em comum.

É deles que trato hoje e nas próximas duas semanas, mesmo se superficialmente. Volta e meia escrevo sobre eles nestas páginas e nos meus livros.

O primeiro ponto em comum é que, no passado não muito distante, as três origens não eram consideradas questões abordáveis pela ciência. A origem do Universo, da vida e da mente eram atribuídas a ações sobrenaturais, produtos da intervenção divina.

Que divindade seria essa depende da sua fé. Mas, em religiões distintas, só uma entidade que transcende o espaço e o tempo poderia criar o Cosmo, que existe no espaço e no tempo. Apenas uma entidade imortal poderia criar a vida e só uma entidade onisciente poderia dar inteligência às suas criaturas.

Não é, portanto, surpreendente que se encontre tanta resistência quando cientistas afirmam que estão prestes a responder a essas questões sem intervenção divina.

De acordo com a visão científica, a origem do Universo, da vida e da mente são processos naturais, que obedecem a leis e a princípios materiais. O fato de eles serem complexos e ainda obscuros não compromete o fato de as questões terem cunho científico e não religioso. O não saber é a mola propulsora da criatividade humana.

Mas até que ponto a ciência pode resolver essas questões? Vamos por partes, tratando de uma por semana. Talvez a mais "fácil" seja a origem da vida: longe estamos de compreendê-la, mas nos parece que a transição da não vida para a vida obedeceu a uma complexificação crescente das reações químicas que ocorriam na Terra primitiva: sistemas de compostos químicos tornaram-se autossuficientes e, isolados em protocélulas, foram capazes de absorver energia do ambiente e de se reproduzir de forma eficiente.

Sem dúvida, ainda não sabemos como isso se deu e, provavelmente, nunca saberemos exatamente o que ocorreu na Terra bilhões de anos atrás. No máximo, produziremos cenários viáveis de como a vida pode ter surgido aqui, dadas as condições na vigente Terra primitiva. Talvez seja possível recriar a vida no laboratório, mas não saberemos se foi assim que a vida surgiu aqui -a menos que seja demonstrado que só há um caminho bioquímico para a vida, o que acho pouco provável.

O que torna a questão da origem da vida mais "fácil" (ou mais tratável) é o nível de controle que temos sobre ela. Cientistas podem simular sistemas bioquímicos no laboratório (e vêm fazendo isso com resultados extraordinários), tanto começando com moléculas simples, como aminoácidos, como usando já o RNA e DNA do nosso código genético e testando suas propriedades em condições diversas.

Usando células, podem retirar material genético até chegar à célula "mínima" capaz de ser considerada viva. Mesmo que o caminho exato que a vida seguiu na Terra seja inacessível, a questão da origem da vida é tratável, mesmo se complexa e interdisciplinar. Por: Marcelo Gleiser Folha de SP

segunda-feira, 18 de março de 2013

PAPA PACO BRANDE FANTASMA MEDIEVAL

Papa Paco promete. Tanto que ainda não parei de escrever sobre ele. Citando o escritor francês Léon Bloy, que escreveu que "quem não reza para Deus reza para o diabo", o papa advertiu em sua primeira homilia, que "quando não se confessa Jesus Cristo, se confessa o mundanismo do diabo, o mundanismo do demônio". Neste sentido, segue João Paulo II. Mal começa seu papado, Paco já brande um fantasma da Idade Média. Digo Idade Média, porque foi a Idade Média que demonizou o demônio. Na Bíblia, Satanás goza de um relativo prestígio.


Se há um gênero literário que ainda me fascina, este é a literatura fantástica. Em minha biblioteca, tenho vários tratados de teologia, inclusive a monumental Suma Teológica, de meu confrade de Sorbonne, o Tomás de Aquino. Há poucos anos, o Vaticano publicou um novo manual de fazer inveja a este gênero literário, oExorcismus et Supplicationibus Quibusdam (A Propósito de Todo Tipo de Exorcismo e Súplicas), que dispõe sobre os rituais para expulsar o demônio.

João Paulo vinha há horas alertando seu rebanho sobre a realidade da existência deste personagem fascinante, que contracena com Jeová na história da criação. Lucifer, para começar, é o mais brilhante dos anjos e o mais amado por Deus.

Literalmente, é o "portador da luz". Segundo certas seitas gnósticas, ditas luciferistas, Lucifer seria o verdadeiro Deus da Luz, que pretende revelar aos homens a incompetência do Deus do Antigo Testamento. Isaías, porta-voz insuspeito, pergunta: "Como caíste do céu, ó estrela d'alva, filho da aurora? Como foste atirado à terra, vencedor das nações?" O gesto satânico — o "non serviam" — é a bandeira de todos os rebeldes. No evangelho de João, Satanás é o príncipe deste mundo. No Apocalipse, segundo boas fontes, no caso uma voz forte provinda do céu, é uma espécie de ombudsman, "acusador de nossos irmãos".

Mesmo depois da expulsão do céu permaneceram cordiais as relações entre o Senhor e o Insurgente. No Livro de Jó, Satanás participa de um coletivo de anjos que marcou audiência com o Senhor. "De onde vens?", quer saber Jeová. "Venho de dar uma volta pela terra, andando a esmo", responde o príncipe deste mundo. Jeová dá carta branca a Satanás: que faça o que quiser com o santo homem Jó, desde que lhe poupe a vida.

O demônio, mais que real, é necessário, ou o Senhor não teria como testar a devoção de seu rebanho. Satanás é personagem fundamental na História da Criação, ao mesmo título que Jeová. Tentou Adão, Jó e Jesus. Cristo com ele conviveu quarenta dias e nada nos indica que tenha se entediado. 

Em Il Diavolo, Giovanni Papini faz três observações interessantes sobre este convívio: "Jesus não quis rechaçar o Diabo; Jesus tolerou e suportou as repetidas tentações do Inimigo; em sua solidão, Jesus aceitou uma única e só companhia, a do Diabo". Suportar durante quarenta dias a mesma companhia no deserto exige um escroto ecumênico. Deve ter sido interlocutor no mínimo interessante ou Jesus — que tinha poderes para tanto — o teria mandado de volta aos infernos.

A Igreja precisa proteger-se dos ataques do demônio. "As portas do inferno não prevalecerão contra Ela", disse Jesus. Só há uma arma contra o Maldito, o exorcismo. O novo ritual, mais conhecido como Ritual Romano, por enquanto só está disponível em latim. Mas segundo o cardeal Jorge Arturo Medina Estevez, chefe da Congregação para o Rebanho Divino e Disciplina Sacramental, o exorcista já pode usar esta versão “hoje à noite, se quiser, porque o Diabo entende latim”. O que nos revela uma qualidade insuspeita do Príncipe: tem mais erudição que muito acadêmico de nossos dias.

Satanás sempre gozou de um charme do qual jamais pode gabar-se Jeová. Se Deus manda, o Diabo sugere. Enquanto o Altíssimo se comporta como um autocrata arrogante, que impõe e dispõe do traçado de seu plano de obras, o Insurgente é o public-relations sedutor, que insinua modificações no rígido projeto divino: "quem sabe não poderia ser assim?"

Desta forma, sempre foi caitituado por artistas e literatos. Em Valéry, o demônio só tinha uma queixa, a dificuldade em seduzir os curtos de espírito. Diz o Diabo: "Aquele homem não tinha inteligência suficiente para que eu desse conta dele. Não tinha bastante espírito. Que problema seduzir um imbecil! Não entendia patavina de minhas intenções". 

O Sedutor, com sua lábia, é perigoso. O exorcismo deve ser realizado por sacerdotes, diz o manual. O próprio João Paulo II, seguindo o exemplo de Cristo, fez um exorcismo em 1982, expulsando o demônio do corpo de uma possessa. Uma das características do demônio é falar línguas estranhas. O vice-Deus, apesar de emérito poliglota, não conseguiu comunicação com o Maldito. O ritual começa com aspersão de água benta sobre o possuído, seguida de orações e da proclamação do Evangelho. O exorcista invoca o Espírito Santo para que o Diabo saia do corpo e apresenta-lhe a Cruz, símbolo do poder de Cristo. 

Bergoglio fala em tom depreciativo do Príncipe das Trevas. Deve ter feito gazeta em suas aulas de Bíblia. Por: Janer Cristaldo


BIGELOW NA LINHA DE SOMBRA

Vejo você escrevendo em seu gabinete. Você mora num bairro de classe média alta de São Paulo.

Pessoa sofisticada, você tem aquele sentimento que os outros são menos inteligentes do que você, sem deixar ninguém perceber porque está treinado a fingir modéstia.

Agora, imagine que você toma vinho, dá aulas e vê o olhar apaixonado das alunas brilhando ou o olhar convertido dos alunos acreditando piamente nos absurdos que você fala.

Mas você fala apenas absurdos simpáticos à sua própria vaidade ou à vaidade de quem ouve você. Quando ouvimos você falar ou lemos o que você escreve, temos certeza de que você é "ético".

A razão para existir esses intelectuais "para um mundo melhor" é fazer o mundo servir à vaidade deles e de quem se acha tão "ético" quanto eles.

A ética é a baixa escolástica contemporânea: todo mundo fala, mas todos sabem que é "papo furado". Dizer-se ético é "self-marketing".

Você viaja a Paris ou a destinos semelhantes e frequenta universidades, galerias de arte, concertos de música erudita (desculpe, sei que a palavra "erudita" trai meu preconceito contra músicas horrorosas "do povo").

Você recebe inclusive financiamentos públicos para algumas dessas viagens e para escrever livros. E, com isso, espalha pelo mundo as ideias delirantes que tem em seu gabinete.

Basicamente, essas ideias se caracterizam por não terem nada a ver com a realidade, mas portam aquele tipo de aparência que encanta: você é a favor de um mundo melhor e condena todo mundo que sabe que você mente.

Projetando a imagem de um coração puro indignado com a injustiça no mundo, às vezes você até esquece que, talvez, esteja processando alguém da família por um quarto e sala na Praia Grande ou em Higienópolis. Ou que trama contra inimigos ideológicos ou institucionais.

Claro, este fato concreto nada tem a ver com suas firmes ideias de que, se o mundo fosse como você acha, todos seriam felizes e não seriam necessários Exércitos, polícia, advogados, e, principalmente, pessoas que discordam de você.

As guerras acabariam, porque, óbvio, elas existem desde sempre apenas porque você ainda não tinha nascido no passado para iluminar a todos com sua "boa nova".

Ou, quem sabe, conseguiria calar a todos que não acreditam em você, aliás, como acontece normalmente com mimados e vaidosos como você.

Sim, vi o filme "A Hora Mais Escura", de Kathryn Bigelow. Brilhante. Há muito que desconfio que o cinema americano depende de cineastas mulheres para sobreviver à pobreza de espírito, pois grande parte dos homens ficou covarde.

O filme mostra tudo que existe para você e eu tomarmos vinho e viajarmos a Paris sem sermos explodidos por aí. Quem acha que o filme louva os "métodos" da CIA é porque não ainda atravessou aquela "linha de sombra" da qual faz referência o escritor Joseph Conrad: a linha que separa a infância da maturidade, ou, diria eu, que separa a vaidade da verdade.

O filme trata de pessoas que vivem na escuridão e com as mãos sujas, enquanto você posa de limpinho.

Compare este filme com o "Munique", de Steven Spielberg. "Munique" narra um suposto plano para matar os terroristas envolvidos na chacina dos atletas israelenses nas Olimpíadas alemãs.

Spielberg é um dos cineastas frouxos dos quais esperamos que Bigelow nos salve.

Em "Munique" o protagonista (líder do grupo) tem uma crise de consciência ao final e abandona "o barco" da espionagem israelense, se refugiando em Nova York. Muito típico de gente como você.

Compare esse final com o final da protagonista de "A Hora Mais Escura" (a ruiva deliciosa Jessica Chastain). Sozinha, "the girl" (como seus colegas da CIA se referem a ela ao longo do filme) tem um avião só pra ela.

O piloto do avião militar diz: "Você deve ser importante para mandarem um avião só pra você! Disseram para levar você para onde você quiser. Onde você quer ir?". Nossa deliciosa heroína não responde. Olha o vazio e derrama duas lágrimas. Um rosto sem vaidade.

Um filme para gente grande que sabe que o vinho nosso de cada dia custa mais do que o preço que pagamos. Por: Luiz Felipe Pondé  Folha de SP

domingo, 17 de março de 2013

POEMA DA NOITE

Aos que vão nascer - Bertolt Brecht
1
É verdade, eu vivo em tempos negros. 
Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas 
Indica insensibilidade. Aquele que ri 
Apenas não recebeu ainda 
A terrível notícia.

Que tempos são esses, em que 
Falar de árvores é quase um crime 
Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades? 
Aquele que atravessa a rua tranquilo 
Não está mais ao alcance de seus amigos
Necessitados?

Sim, ainda ganho meu sustento 
Mas acreditem: é puro acaso. Nada do que faço 
Me dá direito a comer a fartar. 
Por acaso fui poupado. (Se minha sorte acaba, estou perdido.)

As pessoas me dizem: Coma e beba! Alegre-se porque tem! 
Mas como posso comer e beber, se 
Tiro o que como ao que tem fome 
E meu copo d’água falta ao que tem sede? 
E no entanto eu como e bebo.

Eu bem gostaria de ser sábio. 
Nos velhos livros se encontra o que é sabedoria: 
Manter-se afastado da luta do mundo e a vida breve 
Levar sem medo 
E passar sem violência 
Pagar o mal com o bem 
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los 
Isto é sábio. 
Nada disso sei fazer: 
É verdade, eu vivo em tempos negros.

2
À cidade cheguei em tempo de desordem 
Quando reinava a fome. 
Entre os homens cheguei em tempo de tumulto 
E me revoltei junto com eles. 
Assim passou o tempo 
Que sobre a terra me foi dado.

A comida comi entre as batalhas 
Deitei-me para dormir entre os assassinos 
Do amor cuidei displicente 
E impaciente contemplei a natureza. 
Assim passou o tempo 
Que sobre a terra me foi dado.

As ruas de meu tempo conduziam ao pântano. 
A linguagem denunciou-me ao carrasco. 
Eu pouco podia fazer. Mas os que estavam por cima 
Estariam melhor sem mim, disso tive esperança. 
Assim passou o tempo 
Que sobre a terra me foi dado.

As forças eram mínimas. A meta 
Estava bem distante. 
Era bem visível, embora para mim 
Quase inatingível. 
Assim passou o tempo 
Que nesta terra me foi dado.

3
Vocês, que emergirão do dilúvio 
Em que afundamos 
Pensem 
Quando falarem de nossas fraquezas 
Também nos tempos negros 
De que escaparam. 
Andávamos então, trocando de países como de sandálias 
Através das lutas de classes, desesperados 
Quando havia só injustiça e nenhuma revolta.

Entretanto sabemos: 
Também o ódio à baixeza 
Deforma as feições. 
Também a ira pela injustiça 
Torna a voz rouca. Ah, e nós 
Que queríamos preparar o chão para o amor 
Não pudemos nós mesmos ser amigos.

Mas vocês, quando chegar o momento 
Do homem ser parceiro do homem 
Pensem em nós 
Com simpatia.

Eugen Berthold Friedrich Brech, ou Bertolt Brecht (Augsburg, Alemanha, 10 de fevereiro de 1898 - Berlim, Alemanha, 14 de agosto de 1956) - Além de poeta, foi um dos mais influentes dramaturgos e encenadores do século XX. Seu trabalho contribuiu profundamente com o teatro moderno que é estudado e montado até hoje. Criou e dirigiu o grupo mundialmente conhecido Berliner Ensemble. As traduções dos poemas foram feitas por Paulo César de Souza 


sexta-feira, 15 de março de 2013

A ÚNICA REFORMA VIÁVEL DA IGREJA

Toda vez que morre um papa, jornalista é o que não falta para depositar esperanças em uma renovação da Igreja. Santa ingenuidade. A Igreja Católica não pode renovar-se. Ela se fundamenta em dogmas. Verdade que não há dogma sobre o celibato clerical nem sobre o sacerdócio feminino, isto é questão de doutrina. Mas há aspectos da doutrina dos quais o Vaticano não abre mão, como se dogmas fossem. E estes estão entre eles.

Que é um dogma. Poste-se frente a uma igreja em um domingo e, na saída da missa, pergunte aos pios católicos que acabaram de comungar, quantos são os dogmas da Santa Madre. Nenhum – nem unzinho – saberá responder. Aliás, raros saberão o que seja dogma. Pretendem-se católicos, mas desconhecem a doutrina que professam.

Dogma, dizem os dicionários, é uma verdade absoluta, absoluta, definitiva, imutável, infalível, inquestionável e absolutamente segura sobre a qual não pode pairar nenhuma dúvida. Uma vez proclamado solenemente, nenhum dogma pode ser revogado ou negado, nem mesmo pelo papa ou por decisão conciliar. Constituem a base inalterável de toda a doutrina católica e qualquer católico é obrigado a aderir, aceitar e acreditar nos dogmas de uma maneira irrevogável.

Cada vez que um papa ou concílio proclama um dogma, está aprisionando todos os papas futuros. E haja malabarismos dos teólogos para justificá-los. Mais ainda: quando havia polêmica sobre alguma destas verdades, o tema era discutido em concílios. Os perdedores do debate, mal proclamado o dogma, tinham de dar no pé imediatamente, para não serem proclamados hereges e eventualmente condenados às fogueira.

Os dogmas principais são 44. Versam sempre sobre matéria de fé: sobre Deus, sobre Cristo, sobre a criação do mundo, sobre o ser humano, Maria, o papa e a Igreja, sobre os sacramentos e as últimas coisas. 

Os crentes, hoje, têm memória de quatro ou cinco: que Deus é um só, é eterno, criou o mundo do nada, que Pai, Filho e Espírito Santo são um só, que a Maria era é continuou sendo virgem mesmo após o parto, que Cristo ressuscitou, que céu, inferno e purgatório existem, que o Cristo vai voltar, que os mortos ressuscitarão e que haverá um juízo final. Mas nem sabem que se trata de dogma. 

Na França, onde só um francês entre dois ainda se declara católico, só um católico entre dois crê em Deus. Esta foi a chamada de capa do "Le Monde des Religions", suplemento do jornal francês Le Monde, de janeiro-fevereiro de 2007. Estes dados são fruto de uma pesquisa levada a cabo pelo instituto de sondagens CSA. A conclusão é que se a imagem da Igreja e do papa continuam boas, a esmagadora maioria dos fiéis toma distância em relação ao dogma e permanece aberta ao diálogo com outras religiões. Que significa ser católico? Ir à missa? Ser batizado? Levar os filhos ao catecismo? A estas definições institucionais, os pesquisadores preferiram uma definição sociológica: é católico todo aquele que se declara como tal.

Ou seja, se católico já não crê nem em deus, não se pode esperar que creia no três-em-um ou em mãe-virgem. Imagine-se então o que ocorre nesta maior nação católica do mundo – como se pretende o Brasil, onde católico frequenta igreja e terreiro de umbanda. Transcrevo estes nove ou dez que ainda restam na memória coletiva.

- Não existe mais que um único Deus.
- Deus não tem princípio nem fim.
- A criação do mundo do nada, não apenas é uma verdade fundamental da revelação cristã, mas também que ao mesmo tempo chega a alcançá-la a razão com apenas suas forças naturais, baseando-se nos argumentos cosmológicos e sobretudo na argumento da contingência.
- Em Deus há três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo; e cada uma delas possui a essência divina que é numericamente a mesma. - A Santíssima Virgem Maria é virgem antes, durante e depois do parto de seu Divino Filho, sendo mantida assim por Deus até a sua gloriosa Assunção.
- No terceiro dia, Cristo ressuscitado por sua própria virtude, se levantou do sepulcro.
- As almas dos justos que no instante da morte se acham livres de toda culpa e pena de pecado entram no céu.
- O inferno é uma possibilidade graças a nossa liberdade. Deus nos fez livres para amá-lo ou para rejeitá-lo. Se o céu pode ser representado como uma grande ciranda onde todos vivem em plena comunhão entre si e com Deus, o inferno pode ser visto como solidão, divisão e ausência do amor que gera e mantém a vida. Deve-se salientar que a vontade de Deus é a vida e não a morte de quem quer que seja. Jesus veio para salvar e não para condenar. No limite, Deus não condena ninguém ao inferno. É a nossa opção fundamental, que vai se formando ao longo de toda vida, pelas nossos pensamentos, atos e omissões, que confirma ou não o desejo de estar com Deus para sempre. De qualquer forma, não se pode usar o inferno para convencer as pessoas a acreditar em Deus ou a viver a fé. Isso favorece a criação de uma religiosidade infantil e puramente exterior. Deve-se privilegiar o amor e não o temor. Só o amor move os corações e nos faz adorar a Deus e amar o próximo em espirito e vida.
- As almas dos justos que no instante da morte estão agravadas por pecados veniais ou por penas temporais devidas pelo pecado vão ao purgatório. O purgatório é estado de purificação.
- No fim do mundo, Cristo, rodeado de majestade, virá de novo para julgar os homens.
- Aos que crêem em Jesus e comem de Seu corpo e bebem de Seu sangue, Ele lhes promete a ressurreição.
- Cristo, depois de seu retorno, julgará a todos os homens.

Ou seja, a Igreja não pode abrir mão dessas – e das demais crenças mágicas que a embasam. Reforma da Igreja mesmo, só se o futuro papa soltasse o verbo nalguma encíclica:

Carissimi,

Isso aí da virgindade da Maria, pode soar estranho aos ouvidos contemporâneos. Acontece que no universo das religiões, como em toda a história, nada se cria, tudo se copia. O cristianismo é um por pourri de várias crenças. As mães virgens já existiam na China, Tibete e Índia, 2 mil ou 3 mil anos antes do Cristo. O primeiro imperador da China era filho de Ching-Mu, tida como virgem, que viria a se tornar uma das divindades chinesas. Buda e Zoroastro, Orus no Egito, Baco, em Roma, todos nasceram de concepção virginal. Por que Cristo seria diferente? Se o universo nasce do nada, o mesmo não acontece com as religiões. Como já nem os católicos acreditam nessa virgindade, esse dogma bem que podemos deixar de lado.

Isso de deus único foi coisa dos judeus. Aliás, não foram muito originais. Muito antes, no Egito, Akenaton se proclamou o único. Os judeus até que dormiram nas palhas. O Pentateuco está coalhado de deuses. Foi o Isaías que, numa aposta de futuro incerto, promoveu o deus tribal de Israel a único. Se colar, colou. Acabou colando. Em um mundo saturado de deuses, seria muita arrogância de parte da Santa Madre pretender-se detentora do único. Desse também largamos mão.

Aquilo da trindade foi um besteirol do Constantino. Ele sentiu a necessidade de um deus poderoso para consolidar seu império e apostou no dos judeus. Acontece que politeísmo não tem cura. Os cristãos já andavam falando em três, o Pai, do Filho e o Espírito Santo. O Constantino, para não ferir suscetibilidades, nem renunciar à idéia do deus único, tomou uma decisão genial para a época: os três são um só. O Atanásio, duro de queixo como uma mula, aderiu ao achado do Constantino e de nada adiantou o Arius proclamar que Cristo era um ser criado. O bom Jeová, distante desses arabescos colaterais, até esqueceu que tinha um filho que era seu par, e só o anunciou três ou quatro milênios mais tarde. Hoje, três-em-um só o da Gradiente, e assim mesmo há horas saiu do mercado. Esse, damos de graça.

Isso de céu, inferno e purgatório são cantigas para ninar pardais. Se a vida de muitos irmãos já é um inferno aqui na terra, para que condená-los a mais um depois da morte? Céu? Depois da astronomia, não há planeta para abrigá-lo. Purgatório foi apenas um achado, em época em que a Igreja andava mal das pernas, para juntar alguns trocados para a obra divina. Tudo o mais é negociável. 

E antes que me esqueça: Deus não existe. Por: Janer Cristaldo

quinta-feira, 14 de março de 2013

"HABEMUS CRISIS"

Olhando para a própria Cúria Romana, é difícil encontrar um período mais negro do que o atual


Começa hoje o conclave para a eleição do novo papa e o tom é apocalíptico. Leio na imprensa que a Igreja Católica enfrenta a maior crise da sua história. São escândalos sexuais, corrupção financeira, lutas de poder dentro da Cúria.

Sem falar da incapacidade de Roma para se adaptar ao mundo moderno, ordenando mulheres para o sacerdócio, terminando com o celibato dos padres e abençoando o uso da camisinha. Estou alarmado. Quem, em juízo perfeito, não estaria?

Até porque a história da igreja é, ao longo dos seus 2.000 anos, um invejável reinado de paz onde a palavra "crise" nunca foi conhecida.

Sim, se quisermos ser absurdamente rigorosos, podemos afirmar que a história da igreja não começou bem: o seu fundador foi torturado e morto pelas autoridades romanas no tempo de Tibério. Mas, tirando esse pormenor, o que veio a seguir?

Historiadores histéricos, que obviamente não conhecem os escândalos de pedofilia, falam de perseguição aos cristãos antes da conversão de Constantino (século 4) e alguns, como Tácito, deixaram páginas brutais sobre a brutalidade de Nero para com a seita.

Mas todos sabemos que, depois da conversão do imperador, o cristianismo hibernou durante 2.000 anos.

Desafios doutrinais, como o gnosticismo ou o arianismo, são mais mito que realidade e jamais provocaram abalo entre os cristãos. As invasões bárbaras, que destroçaram o Império Romano, também não foram sentidas pela igreja.

Nem as invasões bárbaras, nem as invasões dos exércitos de Maomé, que proporcionaram piqueniques multiculturais entre monges e muçulmanos, com os budistas a tocar flauta.

E, sobre as relações entre a igreja e os Estados imperiais, todos sabemos que o convívio foi pacífico durante a Idade Média. A "questão das investiduras", por exemplo, não passou de uma sucessão de zangas de namorados entre papas e imperadores.

Aliás, olhando para a própria Cúria Romana, é difícil encontrar um período mais negro do que o atual.

Historiadores histéricos, uma vez mais, falam de papas homicidas, corruptos, sodomitas, envenenados etc. ao longo do período medieval um caldo de miséria moral que levou Gregório 7º à exasperação reformista.

Alguns vão mais longe e escrevem mesmo sobre as rivalidades entre os papados de Roma e Avignon. Nunca acreditei nisso.

Claro que até um cético como eu, para quem a crise atual da igreja não tem paralelo, tem de reconhecer os incômodos causados pela reforma protestante do século 16.

A reforma, dizem os livros, significou um cisma profundo na unidade da fé cristã (isso se esquecermos a forma simpática, quase amigável, como Roma e Constantinopla se excomungaram mutuamente séculos antes).

Mas a Europa quase não sentiu a reforma e as guerras religiosas (e políticas) de que se falam carecem de fundamentação histórica. Henrique 8º, na minha interpretação dos fatos, apenas queria ser livre para amar.

De resto, a Igreja Católica nunca viveu em crise com o iluminismo continental (Voltaire era visita frequente do Vaticano) e, sobre a Revolução Francesa, enfim, o óbvio: um dos momentos mais belos na existência da instituição.

Digo "um dos mais belos", e não "o mais belo", porque esse só viria em 1917, quando Lênin chegou ao poder. Ou terá sido em 1949, com Mao Tsé-Tung?

Um historiador com tendência para o dramatismo diria que a história da Igreja Católica é, no essencial, a história das crises da Igreja Católica. E da forma como a igreja resistiu a elas.

Um historiador com tendência para o dramatismo, ao ter consciência desse passado, poderia também dizer que as crises de hoje são importantes, sem dúvida.

Começando nos casos de pedofilia (que merecem punição exemplar) e terminando nas perseguições anticatólicas da China, do Egito ou do Sudão (um fato ignorado pelos sábios da mídia), o próximo papa terá muito com que se ocupar.

Mas esse historiador diria igualmente que os problemas de hoje, quando comparados com os problemas do passado, são quase uma brincadeira de crianças.

Só que esse historiador não lê jornais nem assiste à TV. Se lesse ou assistisse, deixaria os livros poeirentos em paz e, de joelhos perante o Altíssimo, faria as suas preces antes do juízo final. Por: João Pereira Coutinha Folha de SP

quarta-feira, 13 de março de 2013

HARLEM SHAKE / MARILYN MANSON

A nova moda na internet é o “Harlem Shake”, nome da música criada pelo DJ Baauer, também conhecido por Harry Rodrigues. A música toda pode ser resumida nas quatro frases que seguem: Con los terroristas / (ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta) / And do the Harlem Shake /Shake, Ey (shake). Esta é uma música eletrônica que tem uma dança peculiar: inicialmente apenas uma pessoa aparece dançando e ao ser dita a frase “And do the Harlem” aparecem muitas outras pessoas. As pessoas que aparecem numa segunda etapa dos clipes estão geralmente em trajes esquisitos, ridículos e encenam o ato sexual. Isso é uma música e uma dança que se tornou o novo modismo da internet. 

Diferente do DJ Baauer há um cantor conhecido por Marylin Manson, também chamado de Brian Hugh Warner. Seu nome artístico é a junção dos nomes de Marilyn Monroe e Charles Manson, apontando a grande contradição existente dentro de si. Para muitos ele é um cantor satânico, demoníaco. Seus clipes são impactantes o que afasta a maior parte das pessoas, sua forma de colocar as ideias no papel e transformá-las em música faz com que sejam criados muitos mitos em torno de seu personagem. O personagem Manson é também conhecido e já reconhecido por suas obras em aquarela, segundo especialistas, obras que poderiam ser classificadas como expressionistas.

O que você diria se visse alguém que em poucos minutos trocasse a música eletrônica Harlem Shako pelo Heavy Metal de Marilyn Manson? Provavelmente diria se tratar de uma pessoa bipolar, ou seja, alguém que varia entre comportamentos eufóricos e depressivos. Mas, considere que algumas pessoas podem ter dentro de si vários conteúdos e que cada um deles tem seu próprio veículo de comunicação. Em entrevista ao programa Amaury Junior respondendo a pergunta sobre o motivo pelo qual se tornara pintor, Manson fala: “Eu costumava pintar quando não podia exprimir o meu sentimento numa canção”. Ao afirmar isto, o cantor está deixando claro que aquilo que diz em suas músicas é o que realmente pensa, seus clipes são uma clara demonstração de sua dualidade.

Até aqui tudo bem, o que fiz foi ilustrar dois pontos, o Harlem Shake tido como legal, bom, recomendável, engraçado. Do outro lado Marilyn Manson, tido como anti-Cristo, obscuro, pesado, mal visto, não recomendado. Essa é a postura dos nossos dias: em boa parte se recomenda a alegria, a felicidade, ainda que fugaz, momentânea. A tristeza, a solidão, a dúvida, devem ser erradicadas, resolvidas. A pílula da felicidade não é só vendida nas farmácias, mas vendida em discos chamados CDs, DVDs, em revistas que publicam a receita para a alegria. 

Músicos como Manson mostram que a dubiedade pode ser um caminho de depuração e a arte uma bela ferramenta de expressão. Em Filosofia Clínica, Manson ganha acolhida não a partir do que dizem dele, mas a partir do que sua própria história fala de si. Sua tristeza, dubiedade, sua abertura contra as religiões não são tão novas: Nietzsche também tinha opiniões muito próximas e é tão expurgado quanto o cantor. Entender que cada um é diferente e tem diferentes formas para se comunicar é fácil, difícil é ver um filho ouvindo Maryn Manson, lendo Nietzsche e criticando seus valores de rebanho. Entender que há diferença qualquer um pode, aceitar, trabalhar e fazer desse mundo um lugar singular, isso não é para qualquer um.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 12 de março de 2013

PODER, DINHEIRO E SEXO

"Meu Deus, eu queria tanto ouvir um pecado novo." Esta frase me foi dita por uma amiga minha, uma verdadeira dama, citando um padre amigo seu.


Esta fala revela a repetição dos temas humanos: dinheiro, poder, sexo. Nada há de novo embaixo do sol, como diz a Bíblia Hebraica. Iniciantes acham que há.

Posso imaginar a monotonia do confessionário. Para nós, mero mortais, a ideia, por exemplo, de uma mulher contando suas infidelidades, reais ou imaginárias, é uma delícia de luxúria. Para o apreciador do sexo frágil, o segredo do mundo está entre as pernas das mulheres.

Aliás, a luxúria é um dos sete pecados capitais. E pecado é coisa séria, apesar de hoje estar na moda achar que não existem mais pecados. Eu, que sou um medieval, creio mais neles do que nas ciências humanas.

Ingênuos acreditam que a vida mudou em sua "essência". Mesmo o caso do Vatileaks repete a velha história de poder, dinheiro e sexo.

Mesmo Jesus, em seus 40 dias no deserto (que por sua vez simbolizam os 40 anos do povo hebreu perdido no Sinai, pós-Egito), foi tentado nesta velha chave: poder, ouro, mulheres.

Mas existe uma hierarquia nesta estrutura. Por exemplo, ninguém nunca perdeu mulher perseguindo dinheiro (ouro), mas sim perdeu muito dinheiro perseguindo mulher, portanto, dinheiro é mais essencial e seguro do que começar por mulheres. Uma vez tendo o dinheiro, elas virão.

"Sabedorias" como essa falam do pecado, essa marca de nossa natureza humana.

Prever o comportamento humano a partir do pecado é quase uma ciência exata.

Uma coisa chata sobre essa ciência exata do pecado é justamente ela furar nossas utopias.

E o mundo moderno, assim como é o tempo da técnica e da ciência, é também o tempo da mentira moral generalizada que se diz utopia.

Adianto que não uso pecado aqui como algo necessariamente religioso, mas sim como traço de comportamento verificável do tipo "ratinho do Pavlov": os sete pecados capitais funcionam "cientificamente" melhor do que a luta de classes.

Lembre, por exemplo, da inveja que seu colega de trabalho tem quando você tem mais sucesso do que ele.

E se ele não reagir de modo banal, isto é, babar de inveja, saiba que você está diante de alguém de caráter. Coisa rara.

As feias querem matar suas colegas mais bonitas. A única esperança das feias é que as bonitas sejam mesmo burras e superficiais.

Mas a luxúria é top. Depois da revolução sexual pensamos que a luxúria não existe mais e que "sexo salva". Pensar isso é coisa de iniciante.

O que caracteriza o pecado é que ele extenua a pessoa. A ideia mais perto disso é a ideia de vício. Vício em drogas, álcool. Luxúria seria o vício no sexo.

Alguns especialistas acham que não existe vício em sexo e que falar disso é simplesmente ser "moralista" ou ter inveja de quem faz muito sexo.

Eu suspeito de que quem acha que não existe vício em sexo é que não faz sexo o suficiente, por isso não sabe o que é estar submetido a um desejo que destrói a alma.

Neste caso, a simples visão de uma mulher, suas pernas, sua voz, seus gestos, implica no silêncio do resto do mundo.

Os antigos e medievais entendiam mais da natureza humana do que nós, principalmente porque eram menos utópicos e não sofriam dessa bobagem de achar que é a "ideologia" que determina quem somos.

A "crítica da ideologia" é uma das pragas contemporâneas e virou uma espécie de fetiche do pensamento, que nos impede de ver o óbvio: poder e dinheiro trazem sexo, seja homem ou mulher, isso não é "ideológico".

Quase todo mundo faz quase o tempo todo quase tudo por poder, dinheiro e sexo.

Sobre o risco de conceitos virarem fetiche, o livro de Luís de Gusmão, "O Fetichismo do Conceito" (Topbooks), é uma pérola. Recomendo para quem acredita em "mitos".

Autores como Evagrio Pônticos (345-399), Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274) podem nos ensinar bastante sobre natureza humana.

Saia da moda e leia os antigos e os medievais. Para eles, o pecado é a perda da autonomia da vontade. Quem nunca viveu isso, que se cale e vá brincar. Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

O FUMO E A SOBREVIVÊNCIA

Para quem gosta de morrer mais cedo, o cigarro é arma de eficácia incomparável. Ele reduz de tal forma a duração da vida que nenhuma medida isolada de saúde pública tem tanto impacto na redução da mortalidade quanto parar de fumar.


Acaba de ser publicado o levantamento mais completo sobre os índices de mortalidade em fumantes e ex-fumantes. Os dados foram colhidos entre 113.752 mulheres e 88.496 homens, de 25 a 79 anos de idade, acompanhados durante 7 anos.

Em média, os fumantes consumiam mais álcool, tinham nível educacional mais baixo e índice de massa corpórea menor do que o dos ex-fumantes e daqueles que nunca fumaram.

Cerca de 2/3 dos que foram ou ainda são fumantes adquiriram a dependência antes dos 20 anos, dado que explica o esforço criminoso da publicidade dirigida para viciar crianças e adolescentes.

As curvas de mortalidade revelaram que:

1 - Continuar fumando encurta 11 anos na vida de uma mulher e 12 anos na vida do homem.

2 - Comparado com os que nunca fumaram, o risco de morte de um fumante é três vezes maior. Mulheres correm riscos iguais aos dos homens, confirmando o adágio
"mulher que fuma como homem, morre como homem".

3 - Uma pessoa que nunca fumou tem duas vezes mais chance de chegar aos 80 anos. Na mulher de hoje, a probabilidade de sobreviver até essa idade é de 70%, número que cai para 38% nas fumantes. Nos homens esses valores são de 61% e 26%, respectivamente.

4 - A diferença de sobrevida é explicada pela incidência mais alta de câncer, doenças cardiovasculares, doenças pulmonares obstrutivo-crônicas (como o enfisema) e outras enfermidades provocadas pelo fumo. As causas de morte mais frequentes são câncer de pulmão, infarto do miocárdio e derrame cerebral.

5 - Na faixa de 25 a 79 anos de idade, cerca de 60% de todas as mortes são causadas pelo cigarro.

6 - O risco de desenvolver doenças pulmonares obstrutivo-crônicas nas mulheres que fumam é 22 vezes mais alto; nos homens é 25 vezes maior.

Foi analisado também o impacto de parar de fumar na redução da mortalidade.

1 - Quanto mais cedo alguém deixa de fumar, mais tempo vive.

2 - As curvas de sobrevida dos que se livraram do cigarro entre os 25 e os 34 anos de idade são praticamente idênticas às dos que jamais fumaram. Parar nessa faixa etária faz ganhar pelo menos 10 anos de vida.

3 - As curvas dos que pararam dos 35 aos 44 anos são um pouco mais desfavoráveis. Ainda assim, largar de fumar nessa fase permite viver nove anos mais.

4 - Comparados com os que nunca fumaram, ex-fumantes que pararam ao redor dos 39 anos ainda apresentam mortalidade 20% mais alta. Embora significante, esse número é pequeno em relação ao risco 200% maior que correriam se continuassem fumando.

5 - Parar de fumar dos 45 aos 54 anos reduz 2/3 da mortalidade geral e faz ganhar em média seis anos de vida. Os que o fazem entre 55 e 64 anos vivem em média quatro anos mais.

6 - O câncer de pulmão está associado ao maior risco de morte entre os ex-fumantes.

O fato de nas últimas décadas os fumantes terem aderido em massa aos assim chamados cigarros de baixos teores não alterou em nada a mortalidade.

No caso das doenças pulmonares obstrutivas, que evoluem com falta de ar progressiva, foi até pior: a incidência mais do que duplicou desde a década de 1980.

A explicação se deve às mudanças que a indústria introduziu na produção de cigarros: o uso de variedades de fumo geneticamente selecionadas para reduzir o pH da fumaça, o emprego de papel mais poroso e filtros com mais perfurações, tornaram menos aversivas, mais profundas e prolongadas as inalações, expondo aos efeitos tóxicos grandes extensões do tecido pulmonar.

Como o cigarro perde espaço no mundo industrializado, e em países como o Brasil, as multinacionais têm agido com agressividade nos mercados asiáticos e africanos, valendo-se da falta de instrução das populações mais pobres e da legislação frouxa que permite a publicidade predatória.

Os epidemiologistas estimam que essa estratégia macabra fará o número de mortes causadas pelo cigarro --que foi de 100 milhões no século 20-- saltar para 1 bilhão no século atual. Por: Dráuzio Varella

segunda-feira, 11 de março de 2013

O SAGRADO PREPÚCIO

Nunca imaginei que teologia pudesse suscitar maiores discussões nos dias que correm. No entanto, meu artigo sobre o filioque rendeu-me não poucos mails. Como me dizia uma leitora, nada como uma querela teológica para esquentar os tamborins. O que mais preocupou os leitores não foi a questão do Espírito Santo proceder do Pai ou do Pai e do Filho, e sim o fato de o comungante comer carne e não pão, beber sangue e não vinho, durante o sacramento da Eucaristia. O leitor Douglas Ferreira Gonçalves não aceita a definição de dogma da transubstanciação da carne, mas sim da transubstanciação do pão e do vinho. Bom, depende do ponto de vista. Olhando de aquém, o pão se transubstancia em carne. Olhando de além, a carne se transubstancia em pão. Dá no mesmo. Bonnet blanc, blanc bonnet, como dizem os franceses.


Mas não vamos nos perder em bizantinices. Ok! Aceito a definição do leitor. O que não dá para aceitar é o que segue: “Transubstanciação não significa ‘a conversão literal do pão e do vinho na carne e no sangue de Cristo’, mas sim a conversão da substância (transubstanciação) do pão e do vinho no próprio Cristo, que está presente de forma real sob as espécies do pão e do vinho, que continuam a mesma. Mudança de substância, e não de espécie. Portanto não faz sentido em falar em ‘ato de canibalismo’, pois o que o fiel recebe é pão e vinho em espécie, e não carne. Como pode ver, nós Católicos não só aceitamos o Dogma da Transubstanciação como o compreendemos, ao contrário do senhor que não o aceita e nem o compreende”. 

O leitor incorreu em heresia e não está sabendo disso. Vamos às origens do dogma. Recorro a meus dicionários de teologia e de heresias. Desde a antiguidade, os crentes mantinham que Cristo estava presente na eucaristia mas poucos haviam tentado definir exatamente o que significava a “presença de Cristo”. Muitos se conformavam com crer que de alguma forma comungavam com o Salvador. Em meados do século IX, um abade de Corbie (norte da França), Radberto, sentiu a necessidade de entender com maior exatidão o sacramento em questão. 

Radberto decidiu que a tradicional referência ao pão e ao vinho da comunhão como “carne e sangue” de Cristo não era meramente simbólica, e que na missa os comungantes consumiam realmente a carne humana e o sangue de Jesus. O pão e o vinho, embora não mudassem em aparência, convertiam-se milagrosamente em substância e tornavam-se os elementos materiais do corpo do filho de Maria. Os cristãos somente receberiam os benefícios espirituais de sua participação no sacramento se acreditavam que esta transformação invisível se havia operado durante a cerimônia.

Quando Radberto publicou esta interpretação canibalística da missa houve um clamor de protestos entre os teólogos de toda Europa. O rei Carlos, o Calvo, solicitou ao monge Ratramno um exame da doutrina de Radberto e um comentário da mesma. Ratramno rechaçou a doutrina do abade sobre a missa. Como todos os cristãos de sua época, não via inconveniente em admitir que Cristo estivesse presente na eucaristia, mas acreditava que a natureza desta presença era um mistério divino que não podia reduzir-se à transformação literal do pão e do vinho. 

Além disso, continuava a argumentação, o Cristo presente na eucaristia é seu corpo divino, não a encarnação nascida em Belém (sic!) muitos séculos antes. No entanto, foi a noção de Radberto que se converteu no dogma da Igreja católica romana. O vago “mistério” da presença de Cristo que Ratramno ensinava era mais difícil de entender, para as massas populares que a idéia chocante, mas simples, de que “presença de Cristo” significava presença corporal.

Ratramno, que expôs sua doutrina no livro De Corpore et Sanguinis Domini, não foi condenado por herege em vida. Pelo contrário, continuou sendo um teólogo respeitado e até sua morte, em 868, participou de outras controvérsias da época. No entanto, quando se reacendeu o debate sobre a eucaristia no século XI, a maioria se inclinou em favor das proposições de Radberto. A obra de Ratramno foi condenada e queimada no Sínodo de Vercelli (1050). Na época, sua autoria já fora esquecida e os conciliares a atribuíram a João Escoto Erígena, um contemporâneo de Ratramno.

Ou seja: na missa come-se a carne de Cristo e não um símbolo da carne de Cristo. Bebe-se o sangue de Cristo e não um símbolo do sangue de Cristo. E quem nisto não crer é herege. A hipótese que o leitor aventa, a de que “o que o fiel recebe é pão e vinho em espécie, e não carne”, é herética. Mais precisamente, provém de Lutero, que rejeitava explicitamente a transubstanciação, ao afirmar que o pão e o vinho continuavam sendo plenamente pão e vinho, sendo ao mesmo tempo plenamente carne e sangue de Jesus. 

Se, para Lutero, os fiéis participam verdadeira e literalmente do corpo de Cristo durante a comunhão, isto não quer dizer que o pão se converta em corpo, e o vinho em sangue. O pão continua sendo pão, e o vinho, vinho – esta é a tese do leitor – mas agora estão também neles o corpo e o sangue do Senhor, e o crente se alimenta deles ao tomar o pão e o vinho. A esta tese deu-se o nome de consubstanciação. 

Vamos aos textos do magistério da Santa Madre. O dogma da transubstanciação, se foi aventado no concílio de Latrão (1215), só toma corpo no concílio de Trento (1551). Na encíclica Ecclesia de Eucharistia, no capítulo 1 § 15, lemos: “Pela consagração do pão e do vinho se opera a transformação de toda substância do pão na substância do corpo do Cristo nosso Senhor e de toda a substância do vinho na substância de seu sangue; esta transformação, a Igreja católica a chamou justa e exatamente de transubstanciação”.

Que mais não seja, o cânon 1° da 13ª sessão do concílio assim proclama:

“Se alguém nega que o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, com sua Alma, e a Divindade, e conseqüentemente Jesus Cristo todo inteiro, estão contidos verdadeiramente, realmente, e substancialmente no Sacramento da Muito Santa Eucaristia; mas diz que eles lá estão somente como em símbolo, ou ainda em forma, ou em virtude: seja anátema.”

O leitor que se pretende católico está assumindo uma doutrina luterana. Vamos ao significado da palavra anátema. No Novo Testamento, o anátema é uma sentença de maldição em relação a uma doutrina ou pessoa, especialmente no quadro de uma heresia. O anátema é suprimido da comunidade dos fiéis. Para os católicos e ortodoxos, o anátema se traduz pela excomunhão dita “maior”, ou seja, a de maior força e solenidade que os outros tipos de excomunhão.

O leitor está confundindo consubstanciação com transubstanciação. Ocorre que, para o católico, o problema tem apenas duas faces: canibalismo ou heresia. Tertius non datur. Houvesse ainda algum rigor no magistério da Santa Madre, Douglas já estaria excomungado. O que me espanta nisto tudo, é que caiba a um apóstata ministrar lições de boa teologia a quem se diz católico. 

Há outros dogmas divertidos na mitologia cristã. Segundo a Bíblia, só quatro personagens bíblicos subiram aos céus. Elias e Enoque, no Antigo Testamento, e Cristo e Maria no Novo. As ascensões de Elias e Enoque, em carruagens de fogo, não geraram dogmas. Dogmas foram a Assunção de Maria, curiosamente só oficializado em 1950, pelo papa Pio XII. A virgem, toda gloriosa, sobe aos céus, e a Igreja só reconhece o fato dois mil anos depois. Um outro dogma mais complicado é a Ascensão de Cristo, que "ressuscitou dentre os mortos e subiu ao céu em Corpo e Alma." Os teólogos, especialistas em filigranas, tiveram de discutir um grave problema. Cristo era judeu. Como todo judeu, havia sido circuncidado. Ao subir aos céus, teria deixado o prepúcio na terra? 

Volto a meus tratados históricos. Não foi decretado dogma algum em torno ao prepúcio de Cristo, mas o assunto foi muito discutido na Idade Média. Em 1351, argumentava-se que o sangue versado pelo Cristo durante a Paixão havia perdido toda divindade, havia se separado do Verbo e restado sobre a terra. Clemente VI ouviu com horror esta assertiva. Reunindo uma assembléia de teólogos, combateu esta doutrina e conseguiu que ela fosse condenada. Os inquisidores receberam em toda parte a ordem de abrir procedimentos contra aqueles que tivessem a audácia de sustentar esta heresia. 

Ocorre que os franciscanos discordavam do papa e diziam que o sangue de Cristo podia muito bem ter ficado na terra, pois o prepúcio extirpado por ocasião da circuncisão fora conservado na igreja de Latrão e era venerado como relíquia, sobre os próprios olhos do papa e dos cardeais e mesmo as gotas de sangue e água que corriam sobre a cruz estavam expostas aos fiéis em Mantova, Bruges e em outros lugares. 

Mais de um século depois, em 1448, o franciscano Jean Bretonelle, professor de teologia na Universidade de Paris, submeteu a affaire à faculdade, declarando que esta questão provocava discussões em La Rochelle e em outros lugares. Uma comissão de teólogos foi nomeada e, após graves debates, tomaram uma solene decisão, declarando que não era contrário à fé crer que o sangue versado durante a Paixão tivesse ficado sobre a terra. Por analogia, o prepúcio também. Ou seja, se Cristo foi aos céus, o Sagrado Prepúcio ficou entre nós. 

Mas isto já é outro assunto. Por: Janer Cristaldo