domingo, 22 de julho de 2012

PONTO MAIS ALTO E GELADO DO SUL DO BRASIL

Conheça a rotina dos militares que vivem no ponto mais alto e gelado do Sul do Brasil

Soldados vivem no Morro da Igreja, em Bom Jardim da Serra, a 1,8 mil metros de altitude



O sol nasce com o sargento Wellington Theodoro de prontidãoFoto: Alvarélio Kurossu / Agencia RBS
Danilo Duarte
danilo.duarte@diario.com.br

Um cenário belíssimo, de encher os olhos, com chance de neve ou ao menos de congelamento da água, principalmente no inverno, é onde trabalha o 3º Sargento Wellington dos Santos Theodoro, de 24 anos. O Morro da Igreja, em Bom Jardim da Serra, na Serra catarinense, a 1.822 metros de altitude, é o ponto mais alto e gelado habitado no Sul do Brasil.

No local, trabalham 43 militares em um destacamento da Aeronáutica que mantém dois radares monitorando a rota dos aviões e outro registrando as condições climáticas no Estado. A rotina deles inclui manter e monitorar os equipamentos e ainda aprender a conviver com o tempo adverso, sobretudo o frio.

Militar que atua como técnico de manutenção, Theodoro é um paulista que começou a servir no Morro da Igreja em dezembro de 2008. Desde então, ele é um dos responsáveis por prestar atenção nas rotas de aviões que cruzam o espaço áereo do Sul do Brasil. Quando entra para o serviço do dia, ele faz a vistoria de sete equipamentos, incluindo um radar meteorólogico que está entre os mais modernos do Brasil.

Theodoro também assegura a transmissão do sinal de rádio para que pilotos e controladores de voo possam se comunicar graças às torres instaladas no alto do morro. A localização das aeronaves é transmitida para o Controle Integrado de Dados e Controle do Tráfego Aéreo (Cindacta II), sediado em Curitiba. E em meio a estas tarefas, o militar tem de suportar o clima no local.

— A gente procura amenizar a sensação usando roupas especiais, calçados térmicos e aquecedores nas instalações, mas ninguém consegue se habituar muito com o frio que faz aqui — confindencia ele, entre uma olhada e outra nas telas de computadores instalados no terceiro andar do prédio principal do destacamento.

Confira o vídeo com imagens do Morro da Igreja

A convivência com as temperaturas sempre perto ou até abaixo de 0ºC durante o outono e o inverno, o vento que parece querer cortar a pele e o quase completo isolamento fazem do Morro da Igreja um lugar pitoresco. Embora contemplar a natureza e poder ver a neve sejam dois motivos fortes para trabalhar na instalação militar, aprender a suportar as condições meteorológicas é uma luta diária para os únicos seres humanos a frequentar o topo do Morro da Igreja diariamente.




1º Tenente Sérgio Paulo Rocha, comandante do destacamento, enfrentou ventos de 100 Km/h semana passada
Foto: Alvarélio Kurossu/Agência RBS
Até 12ºC mais frio
A batalha de enfrentar a adversidade térmica no Morro da Igreja também é travada por gente como o soldado Robson Stange, 22 anos, que presta serviço militar há três anos no destacamento como motorista.

Apesar de ter nascido na cidade de Urubici, onde fica o acesso ao Morro da Igreja, ele conta que a diferença de temperatura em relação aos pés da montanha é muito grande.

— Principalmente quando está ventando muito. Lá embaixo até é gelado, mas nem tem como comparar.

De fato, os ventos são um problema para habitar o cume do morro. De acordo com o 1o Tenente Sérgio Paulo Rocha, comandante do destacamento, todos os dias há ventos de pelo menos 50 Km/h, mas que chegaram a 100 Km/h há poucas semanas. Junte a isso a altitude em que fica a instalação e prepare-se para sentir as pontas dos dedos de pés e mãos mais geladas, assim como o nariz e os lábios.

— A altitude do Morro da Igreja corresponde a cerca de 5 mil pés na escala da Aeronáutica. A estimativa é que a temperatura diminui 2ºC a cada 1 mil. pés. Ou seja: a temperatura no alto é de pelo menos 12ºC a menos em relação ao nível do mar.




Entre as jornadas de turno, os militares dormem em alojamentos montados no topo do morro
Foto: Alvarélio Kurossu/Agência RBS

Quando a noite cai, o frio aperta ainda mais

Durante o dia e em períodos com poucas nuvens, aumenta a sensação de calor e as temperaturas ficam agradáveis, mesmo durante o inverno. Mas basta o fim de tarde se aproximar para que tudo mude.

O horizonte ganha tons alaranjados por onde o sol se põe e acinzentados no lado oposto. A pele começa a arrepiar, as extremidades do corpo reclamam por estarem desprotegidas e o rosto assume um tom de vermelhidão. À noite, tudo ganha um novo contorno: quem presta serviço administrativo se prepara para descer e ir para casa; as lebres e os graxains — espécie de mamífero parecido com a raposa — se sentem à vontade para circular no pátio e farejar o rastro de comida; Na Vila Militar, ficam apenas cinco de plantão.



Soldado Mailoe enfrenta o frio para fazer rondas durante a noite
Foto: Alvarélio Kurossu/Agência RBS

Lanternas em punho, três militares fazem a ronda noturna cobrindo toda a área do destacamento. São cerca de dois quilômetros em que o facho da luz artificial ajuda a perceber se há algo estranho no local. Na noite em que o DC acompanhou a rotina destes homens, o trabalho foi feito à pé, mas nem sempre é assim.

— Quando o frio é muito intenso, fazemos o deslocamento com um carro, mas usamos uma roupa que suporta temperaturas polares e botas canadenses que têm isolamento térmico e — diz o sargento Theodoro.
Até hoje, poucas ocorrências foram registradas. A mais recente foi no ano passado, quando dois homens e seus filhos faziam uma trilha contornando o terreno militar em direção à Pedra Furada e acabaram acampando. Os quatro tiveram que explicar o caso à Polícia Civil.



Marco da divisa entre os três municípios
Foto: Alvarélio Kurossu/Agência RBS
Um morro entre três cidades

O Destacamento funciona no alto do Morro da Igreja há 25 anos e o acesso é uma estrada construída pela Aeronáutica para garantir o acesso de militares. Ao longo do percurso, feito de muitas curvas e uma subida não muito íngreme de 900 metros, a vista vai variando de mata fechada até o platô de formações rochosas vizinhas. Dentro do terreno há um marco que mostra o ponto de encontro entre Bom Jardim da Serra, Urubici e Orleans. Quase no portão de entrada, a vista para a Pedra Furada atrai todas as semanas centenas de turistas.

— Apesar de ser feita para uso da Aeronáutica, a possibilidade de ver a Pedra Furada e a sequência de vales tem criado um problema que é o excesso de veículos na rodovia. Para resolver isto, estamos projetando para estar pronta até o inverno do próximo ano uma reforma no espaço, criando a capacidade de absorver até 30 carros e quatro ônibus estacionados ao mesmo tempo, além de criar uma área de retorno, que hoje não existe — explica o comandante Rocha.

Ao abrir as cortianas ele vê, todos os dias, a paisagem que é objeto de desejo de muitos turistas.
DIÁRIO CATARINENSE

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