quinta-feira, 12 de abril de 2012

O que resta da primavera

Israel agora não tem mais tranquilidade em nenhuma de suas fronteiras A Primavera Árabe de 2011 foi, sem dúvida, um movimento histórico de grande amplitude, com importantes repercussões estratégicas. Explodiram ressentimentos e revoltas que buscavam superar a tirania de ditadores corruptos e perpétuos. Por efeito de demonstração, o processo libertário começado na Tunísia espalhou-se a diversos países árabes, em particular ao Egito, e provocou abalos sísmicos que derrubaram alguns dos mais antigos detentores do poder, como Hosni Mubarak. Passado já mais de um ano do início do movimento, que balanço podemos fazer e que perspectivas podem ser discernidas? Em primeiro lugar, a constatação que os observadores mais cuidadosos fizeram desde o início: não existiu uma Primavera Árabe como tal, e sim alguns movimentos revolucionários localizados em alguns países árabes por razões próprias e específicas, que tiveram certa irradiação, mas com resultados completamente diversos. A expressão cativante e algo romântica sugere paralelos históricos como ocorreu na Europa do Leste em 1968 (com a primavera tcheca de Dubchek) ou 1989 (após o colapso do Muro), mas é enganosa no sentido de que não foi um movimento de ampla repercussão e consequências históricas através de toda a região. Apenas em quatro países os levantes populares causaram a queda de antigas ditaduras: Egito, Líbia, Tunísia e Iêmen. Mesmo nesses países, a evolução tem sido diferente. A Líbia degenera gradualmente na anarquia centrífuga assim como o Iêmen, a Tunísia parece ter uma evolução fundamentalista moderada, enquanto o Egito cada vez inclina-se para um regime dominado pela aliança entre a Irmandade Muçulmana e os radicais salafistas. Em segundo lugar, é bastante provável que a difícil situação econômica que muitos países enfrentam acabe levando a um endurecimento dos governos fundamentalistas com o cortejo de nacionalizações, perseguições a minorias e supressão de liberdades públicas. Em vários outros países houve alguma agitação política que foi controlada pelos governos por repressão ou por concessões limitadas. Não há indicação de que o caminho teocrático do Irã seja o objetivo final de qualquer país árabe, porém em nenhum caso vê-se o alvorecer de democracias liberais e pluralistas, como a expressão primavera pode sugerir. Em terceiro lugar, o equilíbrio estratégico que vigorava na região há mais de trinta anos foi dramaticamente alterado pela onda revolucionária que varreu diversos países árabes. Para os Estados Unidos e Israel, a perda de Mubarak foi um sério revés. O bom entendimento com o regime ditatorial egípcio dava a ambos os países uma garantia de segurança que ficou prejudicada e pode desaparecer se os novos governantes do Egito forem radicais opositores e vierem a aproximar-se do Irã, que é o grande rival estratégico tanto dos Estados Unidos quanto de seus aliados vitais, que são as monarquias da Península Arábica, grandes produtores de petróleo. Israel não tem mais agora tranquilidade em nenhuma de suas fronteiras, tendo perdido um pilar de sua política externa. Quem serão os Robespierre ou Lenin árabes? O grande temor está na difusão de situações caóticas. Em artigo publicado no “Washington Post” em abril de 2011, Henry Kissinger e James Baker, ambos ex-secretários de Estado americanos, escreveram: “Precisamos alguma garantia de que a sucessão não criará novos grandes problemas, por isso é importante ter um conceito de ordem ordem depois das mudanças de regime. A última coisa que a região precisa é de uma série de Estados fracassados.” Na visão tradicional americana de apoiar os ditadores, faltou sempre a percepção da frustração e do desejo de maior participação dos cidadãos árabes comuns. É sempre difícil fazer transições ordenadas de regimes de exceção para aberturas democráticas sobretudo faltando passos graduais intermediários. No caso do Egito, da Síria, da Arábia Saudita, nunca houve primaveras. Assim, quando o dique repressivo se rompeu, nada pôde conter o tsunami político que carregou um Mubarak atônito ou um Kadafi desafiador. Entretanto, este denominador comum do ressentimento e do desespero das massas não significa que o processo revolucionário vá evoluir de modo previsível. Mesmo porque, como aprendemos com a Revolução Francesa ou com outubro de 1917, os que começam as revoluções são geralmente ultrapassados por outros grupos mais radicais. Quem serão os Robespierre ou Lenin árabes? Ninguém pode prever porque movimentos como estes são muito dinâmicos, mas é altamente improvável que sejam os líderes de “um conceito de ordem”, de que falaram Kissinger e Baker, especialmente se aí estiverem embutidas as ideias de democracia e de cooperação internacional.Autor: Luiz Felipe Lampreia

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