sexta-feira, 24 de maio de 2013

VELHARADA DECIDE TECLAR

“Rendo graças aos deuses, por ter nascido grego e não bárbaro; livre e não escravo; homem e não mulher; rendo-as, porém, acima de tudo, por ser contemporâneo de Sócrates” – dizia Platão. Já que não sou contemporâneo de Sócrates, rendo graças por beneficiar-me da era da Internet. Nasci em local e época em que até o rádio era privilégio de fazendeiros e, de lá para cá, vi não poucas maravilhas, desde o telefone ao computador.

Da Internet ninguém mais escapa. Mesmo que você ache que está fora, não está. Sem ir mais longe, declaração de IR, hoje, só por bytes. Fora outra série de circunstâncias do dia-a-dia que o tornam dependente da rede. Independente, só mesmo morando em uma ilha deserta, e aí mesmo é que a Internet se faz necessária.

Há bravos que resistem. Entre meus correspondentes, tenho três neoluditas que mantém uma respeitosa distância do computador. Ou mantinham. Aníbal Damasceno, um bom amigo, partiu de vez no ano passado. Para Maria, minha ex-professora de francês, enviei um computador, sem mais palavras. Acho que entendeu o recado. Resta o Francisco Araújo, já octogenário, meu companheiro de tertúlias na Praça da Alfândega, em Porto Alegre, daqueles idos em que se podia passear e conversar nas ruas na madrugada.

Se a Internet facilita a vida de todo mundo, isto vale bem mais para o idoso. Pessoas de idade provecta se restringem mais às quatro paredes e perdem muitos de seus contatos. O que é normal. Quando jovens, costumamos ler os anúncios de formatura e casamentos para saber dos amigos. Com o tempo, passamos a consultar os necrológios. É para lá que foram – ou vão – os nossos diletos. A Internet torna-se então um meio eficaz de conversar com pessoas distantes – e mesmo próximas – e de reencontrar outras que há muito tempo perdemos de vista. E pode-se ler jornais sem buscá-los nas bancas.

Minha professora de francês à parte, perdi tempo com meus dois outros correspondentes. Araújo foi contador, ofício bem mais complicado que navegar por um menu. Em uma de suas últimas viagens, chamei-o às falas. Araújo, sabes datilografar, não é verdade? Então compra um computador e faz um e-mail. Estaremos conversando durante toda tua viagem. Quando chegares a uma cidade que me é familiar, te mando o caminho das pedras. Nada feito. O homem se mantém até hoje irredutível.

Há uns dez anos, viajando por Portugal, fiz um despilfarro. Apaixonei-me por um par de estribos além-tejanos, de madeira, pesando uns dois quilos cada um. Me pareceram perfeitos para guardar cartas. Não resisti. O peso dos dois equivalia quase ao de minha bagagem. Mesmo assim os trouxe. Para dar-me conta, desolado, que eu já não recebia mais cartas. Enfim, para guardar algum papel, contas que mais não seja, continuam servindo.

A Internet foi meu grito de independência. Desde os vinte – a bem da verdade, desde os quinze – escrevo em jornal. Mas nunca pude escrever o que queria. Sempre tive de policiar-me. Na rede, sou dono de meu nariz. Não tenho chefe nem editor que me censure. Por isso, parafraseio Platão.

Milagre da era das comunicações, consegui falar com a cidade onde me criei. Afastei-me de Dom Pedrito lá pelos 15 anos. De lá para cá, pouco conversei com os pedritenses. Alguma comunicação de uma mão só até que houve, quando escrevia na Folha da Manhã, de Porto Alegre. Mas lá só chegavam uns cinco exemplares do jornal, se tanto, e era como jogar palavras ao vento. Há alguns anos, uma alma generosa criou a comunidade Pedritenses no Facebook e teve a suma gentileza de convidar-me a dela participar. Hoje, estou charlando com contemporâneos de meus dias de guri, alguns dos quais só conhecia de nome. 

Há pouco houve uma polêmica a cidade, que demonstra um certo neoluditismo dos nativos. Alguém deu um equipamento wi-fi ao hospital local e houve quem protestasse, dizendo que o hospital tinha necessidades mais prementes. Pode ser. Mas a burro dado não se olha o pêlo. Sem falar que um raio X beneficia alguns pacientes, enquanto Internet beneficia todos. Uma boa conexão afasta os miasmas doentios do quarto do paciente e o joga no mundo. Houve quem alegasse que Internet é pão e circo. Para muitos, pode ser que seja. Mas é bem mais do que isso para quem é prisioneiro de um quarto.

Em fevereiro passado, passei mais de mês no estaleiro. Mais ainda, estava mudo. (Em verdade, ainda estou).Tinha meus recursos para fugir do quarto. Lia jornais e recitava mentalmente poemas e trechos de ópera. Mas a Internet foi uma mão na roda. Conversei o tempo todo com amigos que tenho no Brasil e mundo afora, tivesse acesso à imprensa nas línguas que conheço e consegui inclusive postar crônicas e discuti-las na rede. Para quem desconhecia minhas circunstâncias, era como se estivesse “vivito y coleando”, como dizem os espanhóis.

Se Internet é bom, para idosos é uma benção. Foi o que tentei passar a meus macróbios. Se alguns relutam, vejo que a velharada está aderindo ao bom esporte. Recente estudo do IBGE, mostra que a terceira idade está invadindo a Internet. Brasileiros a partir de 50 anos de idade tiveram maior crescimento no acesso à web desde 2005, com aumento que chega a 222,3%.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgados ontem pelo IBGE, “esse avanço está diretamente ligado à maior qualidade de emprego da população, que ao longo desses seis anos conquistou um rendimento mais alto, de forma geral, em razão de uma melhora do cenário econômico de todo o país”, conforme explica Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE.

Houve crescimento em todos os grupos de idade, em geral acima dos 100%, mas a variação foi muito mais representativa no grupo dos 50 anos de idade ou mais: 222,3% no período de seis anos – um incremento de aproximadamente 5,6 milhões de pessoas.

É uma multidão que invade a web com um objetivo principal: aumentar suas relações sociais, segundo um estudo da Universidade de Brasília de 2009. Seja por meio de redes sociais, salas de bate-papo ou blogs com espaço para comentários, o que eles querem é interagir e reduzir a sensação de solidão. 

Bom ver a velharada teclando. Se um dia os escritores foram os responsáveis maiores pela comunicação entre seres humanos, hoje são engenheiros jovens e anônimos que propiciam este diálogo. Se uma imagem valia mais que mais mil palavras, hoje um computador vale mais que mil livros. Sem falar que pode nos conectar a estes mil – ou mais - livros. 

A velharada decidiu teclar. Bem-vindos sejam ao presente. Por: Janer Cristaldo

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