domingo, 17 de março de 2013

POEMA DA NOITE

Aos que vão nascer - Bertolt Brecht
1
É verdade, eu vivo em tempos negros. 
Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas 
Indica insensibilidade. Aquele que ri 
Apenas não recebeu ainda 
A terrível notícia.

Que tempos são esses, em que 
Falar de árvores é quase um crime 
Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades? 
Aquele que atravessa a rua tranquilo 
Não está mais ao alcance de seus amigos
Necessitados?

Sim, ainda ganho meu sustento 
Mas acreditem: é puro acaso. Nada do que faço 
Me dá direito a comer a fartar. 
Por acaso fui poupado. (Se minha sorte acaba, estou perdido.)

As pessoas me dizem: Coma e beba! Alegre-se porque tem! 
Mas como posso comer e beber, se 
Tiro o que como ao que tem fome 
E meu copo d’água falta ao que tem sede? 
E no entanto eu como e bebo.

Eu bem gostaria de ser sábio. 
Nos velhos livros se encontra o que é sabedoria: 
Manter-se afastado da luta do mundo e a vida breve 
Levar sem medo 
E passar sem violência 
Pagar o mal com o bem 
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los 
Isto é sábio. 
Nada disso sei fazer: 
É verdade, eu vivo em tempos negros.

2
À cidade cheguei em tempo de desordem 
Quando reinava a fome. 
Entre os homens cheguei em tempo de tumulto 
E me revoltei junto com eles. 
Assim passou o tempo 
Que sobre a terra me foi dado.

A comida comi entre as batalhas 
Deitei-me para dormir entre os assassinos 
Do amor cuidei displicente 
E impaciente contemplei a natureza. 
Assim passou o tempo 
Que sobre a terra me foi dado.

As ruas de meu tempo conduziam ao pântano. 
A linguagem denunciou-me ao carrasco. 
Eu pouco podia fazer. Mas os que estavam por cima 
Estariam melhor sem mim, disso tive esperança. 
Assim passou o tempo 
Que sobre a terra me foi dado.

As forças eram mínimas. A meta 
Estava bem distante. 
Era bem visível, embora para mim 
Quase inatingível. 
Assim passou o tempo 
Que nesta terra me foi dado.

3
Vocês, que emergirão do dilúvio 
Em que afundamos 
Pensem 
Quando falarem de nossas fraquezas 
Também nos tempos negros 
De que escaparam. 
Andávamos então, trocando de países como de sandálias 
Através das lutas de classes, desesperados 
Quando havia só injustiça e nenhuma revolta.

Entretanto sabemos: 
Também o ódio à baixeza 
Deforma as feições. 
Também a ira pela injustiça 
Torna a voz rouca. Ah, e nós 
Que queríamos preparar o chão para o amor 
Não pudemos nós mesmos ser amigos.

Mas vocês, quando chegar o momento 
Do homem ser parceiro do homem 
Pensem em nós 
Com simpatia.

Eugen Berthold Friedrich Brech, ou Bertolt Brecht (Augsburg, Alemanha, 10 de fevereiro de 1898 - Berlim, Alemanha, 14 de agosto de 1956) - Além de poeta, foi um dos mais influentes dramaturgos e encenadores do século XX. Seu trabalho contribuiu profundamente com o teatro moderno que é estudado e montado até hoje. Criou e dirigiu o grupo mundialmente conhecido Berliner Ensemble. As traduções dos poemas foram feitas por Paulo César de Souza 


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