sábado, 22 de março de 2014

RETÓRICA E "FAZETÓRICA"

A palavra retórica pode ser encontrada em latim como rhetorica, mas sua origem é grega sendo originária do grego ῥητορικὴ τέχνη. Seu significado pode ser traduzido como a arte ou técnica de bem falar. De maneira mais completa, pode-se dizer que a retórica é a arte de usar as palavras para dizer o que se quer de forma eficaz e persuasiva. Esta arte era bem conhecida dos filósofos que discutiam desde o período grego com Sócrates sobre a falsidade do conhecimento ensinado pelos sofistas no uso da retórica. A estes profissionais não interessava a verdade ou falsidade nos seus ensinamentos desde que conseguissem com as palavras derrubar seu oponente.


Nas organizações, na política, nas igrejas não é muito diferente: existem muitas pessoas que fazem uso da arte de bem falar para convencer. Não há para algumas destas pessoas o compromisso com o que dizem, desde que convençam os ouvintes de que suas palavras são verdadeiras. Numa organização, existem muitos que têm teorias e receitas para tudo, que na hora de se posicionar são firmes, convencendo até aos mais experientes, mas é só. Muitas destas pessoas conseguem fazer tudo o que dizem somente nos seus pensamentos, na prática nada disso se concretizará. Não há nada de mais nisso, dependendo do local onde estiverem na empresa, ou seja, se estiverem em setores que precisam de teoria, ideias, divagações, perfeito, o problema é quando são alocadas em setores que precisam da “fazetórica”.

Diferentes daqueles que usam a retórica existem outros que são os ditos da “fazetórica”. Trago este termo de um ditado de um amigo que diz: “É muita retórica e pouca fazetórica”. Neste ditado ele expressa a opinião que não adianta teoria sem prática, como diz na Bíblia, a fé sem obras é morta. Por mais que algumas empresas já tenham adotado sistemas de participação nas melhorias, por mais que aproveitem as ideias de seus colaboradores, o que se precisa deles é a “fazetórica”. Tanto é que cada vez mais se encontram pessoas que trabalhavam na área produtiva da empresa e que, quando promovidas, desenvolvem ansiedade, depressão, síndrome do pânico. São pessoas que têm a prática mas não conseguem transformar a prática física em prática do pensamento. 

Num artigo anterior falei sobre decidir, neste artigo apontei que existe uma diferença entre decidir e fazer. Em Filosofia Clínica atendemos muitas pessoas decididas, com uma retórica perfeita, mas com uma “fazetórica” muito pobre. Em outras palavras, elas vivem nas ideias e não nas sensações. Para pessoas assim, decidir nada tem a ver com colocar em prática. Existem pessoas que padecem muito disso, decidiram e se convenceram via retórica que é hora de começar um regime, mas não conseguem ir às vias de fato. O que elas têm enquanto ideia não se torna prática. Numa organização há lugar para todos, tanto os que são especialistas em retórica quando os que são especialistas em “fazetórica”.

O ideal, digo ideal porque geralmente não é o que acontece, é que se conheça cada pessoa para saber se ela é das ideias ou das práticas. Combinar as qualidades teóricas e práticas pode ser interessante, mas há muitas atividades que só os teóricos poderão acessar, assim como existem atividades que só os práticos terão acesso. Voltando à Bíblia, pode-se citar a passagem de Marta e Maria onde Jesus mesmo aponta para uns a retórica e a outros a “fazetórica”.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


quinta-feira, 20 de março de 2014

ACEITA UM CONSELHO?

Vamos ajudar esta pessoa! Leia atentamente a situação e depois pense em que conselho você daria a esta pessoa. “Sou casada há vinte e dois anos, tenho dois filhos, um com dezesseis e outro com dezenove anos. Meu casamento não vai bem há pelo menos cinco anos, mas piorou muito nos últimos anos. No começo era só um mal estar, uma vontade de não ficar perto dele, meu marido. Com o tempo de vontade passou a ser necessidade,não conseguia mais ficar nem perto dele, sentia repulsa de saber que aquele homem estava deitado na mesma cama que eu. Hoje dormimos em quartos separados, eu já teria me separado, mas ele insiste que temos que manter a família por causa dos meninos. Acho que já estão bem crescidos para entender que já não dá mais certo entre o pai e a mãe. O que você acha? Devo me separar?” O que você diria a esta pessoa? Pelos argumentos que ela descreveu, será que é mesmo a hora de separar?


Em Filosofia Clínica um dos procedimentos adotados chama-se Intencionalidade Dirigida. Este procedimento é utilizado com pessoas que precisam e aceitam conselhos, no sentido de alguém que lhes dê sugestão de quais atitudes deve tomar. Este procedimento é simples e com um pouco de cuidado é muito eficaz. Mas como saber se alguém aceita receber conselhos? Será que pessoas que pedem conselhos aceitam? Algumas pessoas quando pedem conselhos só escutarão o que você diz se as suas verdades estiverem de acordo com o que ela quer ou está pensando. Nestes casos o aconselhamento é simplesmente inútil porque a pessoa está em busca de alguém que possa validar as conclusões a que ela já chegou.

Para saber se uma pessoa realmente aceita conselhos observe expressões como: “Meu pai era o meu grande conselheiro; eu gosto de escutar as pessoas para aprender algo novo; minha mãe é quem me orienta”. Estas e muitas outras expressões mostram que a pessoa aceita ser aconselhada. O interessante é perceber que algumas destas pessoas só ouvirão conselhos de determinadas pessoas e não de qualquer um. Um exemplo legal são aquelas pessoas que se acostumaram a se aconselhar com o pai, por mais que outras pessoas tenham direcionamentos melhores ela somente ouvirá o pai. Em algumas culturas o conselho é dádiva de alguns poucos, somente aqueles homens tem as condições e podem ser consultados. Entre os índios, por exemplo, o pajé é a pessoa mais experiente, com conhecimentos avançados sobre a medicina natural e sobre estes assuntos será ele o conselheiro.

Mas como dar um conselho? Uma das formas mais fáceis é pegar a situação e devolver para a pessoa assim: “Pelo que você está me dizendo acho que você deveria fazer tal coisa”. Outra maneira fácil de dar conselhos é lembrar das vezes na vida em que você passou por situações parecidas. A partir dessa lembrança você orienta a pessoa de como ela deve agir para resolver sua situação e atingir um bem estar subjetivo. Só que ao dizer como eu fiz, trago todas as circunstâncias envolvidas na minha situação e esqueço que a situação da pessoa pode ser totalmente diferente. Algumas vezes o problema da pessoa só tem o mesmo nome que meu, mas é totalmente diferente.

Voltando à questão da mulher ilustrada lá no primeiro parágrafo, para aconselhá-la da maneira correta e depois de saber se ela aceita conselho seria indo à história de vida dela. Imagine que ela passou superficialmente pelo problema e deixou de dar muitas informações, como posso dizer o que fazer sem saber exatamente o que está se passando. Ao contar sua história saberei exatamente de que natureza é seu problema e quais seriam os possíveis caminhos que ela pode tomar sem que isso venha a causar males. No caso da mulher acima o conselho foi bem simples, depois de conhecer a história dela e conhecer bem o problema, bastou pedir que não morasse mais com sua sogra.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


segunda-feira, 17 de março de 2014

VIDA VIRTUAL

Segundo algumas pessoas, o computador é o grande responsável pelo novo estilo de vida: a vida virtual. No entanto, muito antes disso, a vida virtual já era vivida desde os tempos mais antigos através dos livros. Tempos depois se possibilitou a vida virtual pelo cinema, invento que revolucionou o entretenimento na França e se espalhou pelo mundo. Nos últimos tempos, o telefone logo se tornou uma forma de se viver virtualmente. Em nossos dias as ferramentas para uma vida virtual se tornaram muito próximas às pessoas. Diferente do livro, cinema, telefone, o ambiente virtual atual é aberto, envolvendo redes sociais, ou seja, o espaço é compartilhado por pessoas de diversos lugares.


O intuito aqui não é definir ou explanar sobre a vida virtual, mas fazer entender que tanto o virtual quanto o real é vida. Um filósofo, René Descartes, em seu trabalho filosófico coloca que nosso corpo é nada mais que um ponto de referência para nossa vida intelectual. Para ele a existência do mundo e das coisas que sentimos se dá pelo fato que Deus é perfeito e não nos enganaria. Para Descartes, assim como para Platão, há uma diferença entre a vida que se tem no intelecto, ou seja, no pensamento e a vida que levamos nas sensações, o corpo. Tanto um quanto o outro filósofo concordam que as sensações estão separadas dos pensamentos.

Em Filosofia Clínica se concorda que as senações e os pensamento estão separados, mas em cada pessoa se unem em diferentes intensidades. Assim, algumas pessoas têm uma vida mais focada nas ideias do que nas sensações. Outras pessoas têm uma vida mais sensorial do que no pensamento. Há ainda a ligação entre as sensações e o pensamento, sendo que a medida que os pensamento se ligam às sensações será o tanto em que um poderá interferir no outro.

E a vida virtual? O que tem a ver? A vida virtual é uma que se processa praticamente no pensamento, desprezando o corpo. É um tipo de vida que é tida como irreal por não envolver corpo e mente, mas somente o corpo. No entanto uma vida virtual para muitas pessoas é muito melhor e mais real do que aquela que elas levam no dia-a-dia. Não é difícil de perceber que o menino, a menina, sente que sua vida no Orkut, Facebook, twiter, etc, é tão real quanto a que ele está vivendo.

Levando esse sentido ainda mais longe, considere quantas pessoas vivem radicalmente o que acontece nas novelas que assistem. Pode-se dizer que só assistem, mas se pergunte quanto tempo será que a pessoa que assiste a estas novelas se dedica a pensar nelas? Quanto tempo será que se dedicam a pensar e comentar o Big Brother? Viver, assim como qualquer outra palavra só terá significado segundo cada pessoa. Não interessa se é virtual, real, esquizofrênica, esta vida será tão vida quanto qualquer outra, na medida que assim o seja para a pessoa.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


domingo, 16 de março de 2014

OS TRÊS PODERES

Em Filosofia Clínica, o trabalho consiste em conhecer a história de vida da pessoa e, através dessa história, encontrar o seu modo de ser no mundo. Quando um filósofo clínico compreende o modo de ser no mundo de cada pessoa ele acaba por descobrir que ela tem conteúdos que lhe são determinantes. Os conteúdos determinantes podem ser emoções, lembranças, questões lógicas, questões de fé, assim será para cada um conforme sua história de vida. Conforme cada pessoa e cada situação, seus conteúdos determinantes norteiam a direção existencial da pessoa, orientando o filósofo clínico para o que precisa fazer.


Antes de aprofundar as questões referentes ao tópico determinante, vale lembrar um filósofo francês chamado Charles de Montesquieu. Esse filósofo viveu entre os anos de 1689 e 1755, bem nascido, com a morte de seu tio, herdou imensa fortuna e o título de Barão. Montesquieu se tornou ao longo da vida um crítico determinado e bem fundamentado contra do absolutismo. O absolutismo monárquico é uma forma de governo na qual o monarca (rei) concentra todos os poderes, tudo é decidido por ele. Um famoso rei que ficou quase que como símbolo do absolutismo foi Luiz XIV, que ao ser perguntado sobre quem seria seu primeiro ministro disse: “O Estado sou eu”.

Durante o período das monarquias absolutistas o povo pagava a conta dos luxos vividos pela corte, tanto na França quando na Inglaterra. Como o rei tinha poderes absolutos, durante um longo período a população não participou das decisões políticas que se davam no parlamento. Este também era fechado pelos reis para garantir que ninguém lhes poderia tolher a liberdade de decidir sobre o povo. Esse poder absoluto que os reis tinham e os gastos cada vez maiores levaram a França à falência. Pelas mãos de um único homem, por suas vontades e caprichos, se governava um país e, justamente por isso, este país quebrou.

Pelo pensamento de Montesquieu surge a ideia de dividir o poder dos reis em três, segundo ele, somente assim não haveria como se tomar decisões que só beneficiariam um lado. Ele propôs a forma de governo que tem o legislativo, executivo e o judiciário; essa forma de governo divide o poder e evita desmandos.

Algumas pessoas, quando o filósofo examina suas histórias de vida, percebe que possui tópicos determinantes que são como reis absolutistas. Tópicos que simplesmente comandam a vida da pessoa sem que ela se dê conta e mesmo quando percebe, algumas vezes nada consegue fazer. Segundo estas pessoas a “vontade” ou o “impulso” é mais forte, não se pode resistir aos mandos e desmandos desse tópico. O pior de tudo é que, às vezes, para determinada situação nem é o melhor tópico para aquele momento, aquela situação.

Uma situação corriqueira que pode mostrar muito do que está acima é a época das compras de Natal. Algumas pessoas saem de casa racionalmente cientes de que não podem gastar mais do que certo valor, mas quem manda em suas vidas é a emoção e esta, por sua vez, é bastante traiçoeira. A pessoa chega na loja, vê e gosta do produto, sabe que não pode comprar, mas mesmo assim compra. Depois passa dias sem dormir porque não sabe o que vai fazer para pagar, a emoção para ela foi absoluta, não deveria ou poderia, mas foi.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


quinta-feira, 13 de março de 2014

O PRISIONEIRO

Há em Filosofia Clinica um tópico que se chama padrão e armadilha conceitual. Este tópico bipartido versa sobre os dois lados de uma mesma moeda. Algumas pessoas seguem seus dias desenvolvendo uma rotina. A isso chamamos de padrão. Do outro lado há pessoas que estão presas a certos comportamentos, como um trem preso a um trilho, do qual, por mais que queira não pode sair. A isso chamamos armadilha conceitual. Quem define o que é padrão ou o que é armadilha conceitual é sempre a pessoa.


Para entender melhor coloquemos uma situação dos dias de hoje, um “casamento de aparência”. Este é o caso em que um homem ou mulher permanece num relacionamento por uma necessidade outra que não a interseção entre os dois Essa necessidade pode ser posição social, ou seja, tanto o homem quanto a mulher permanece ao lado do outro para participar de certos círculos sociais. Pode também ser por causa dos filhos: o homem não se separa de sua mulher para continuar participando da vida dos filhos. Pode ser também por causa de dinheiro, ele ou ela podem continuar com o outro para permanecer desfrutando dos benefícios que o dinheiro pode comprar. Agora vem a pergunta: O casamento de aparência é um padrão ou armadilha conceitual?

A reposta é simples, não se sabe, vai depender da maneira como a pessoa significa sua circunstância. Caso o homem ou a mulher esteja vivendo esse casamento apenas de aparência por vontade, ou seja, vive desta maneira, mas se quiser sai a qualquer momento, provavelmente é um padrão. No entanto, se a pessoa vive certa situação da qual não consegue sair, sente-se preso, ai sim estamos falando de armadilha conceitual. Este tipo de amarra é chamada de armadilha conceitual porque a prisão só existe para a pessoa que vive, para uma pessoa que vê a situação de fora tudo seria facilmente resolvido.

Uma armadilha conceitual é, então, qualquer conceito ao qual uma pessoa sinta-se presa. Como nos casos anteriores, pode ser posição social, podem ser os filhos, pode ser o dinheiro, qualquer que seja o conceito que prende a pessoa, ai está a armadilha conceitual. Quando se diz que é a pessoa quem determina essa amarração é justamente porque só quem está realmente presa é ela. Se ela vive um casamento de aparência e não consegue sair, seja qual for o motivo, eis uma armadilha conceitual.

Assim como um padrão, a armadilha conceitual não é boa nem má, só podem ser consideradas a partir de um juízo de valor de acordo com a vida de cada um. Para você, fazer as coisas sempre iguais ou ter uma rotina faz bem? Ou o contrário, para você estar amarrado a certas coisas faz bem? Atendo muitas pessoas que chegam ao consultório desesperadas porque não sabem como viver com dívidas. Para estas pessoas uma dívida é uma prisão, elas sentem-se sufocadas por contas e precisam pagar para sair desta prisão. Enquanto conheço outras que dizem o contrário, dever é uma forma de estimular o trabalho, para estas a dívida é o que estimula. Dever para estas pessoas é o padrão e não tem nada de errado.

O padrão é uma linha condutora e a armadilha é o fim dessa mesma linha. Quando se chegar ao fim da linha e não souber como continuar se pode pedir ajuda. No entanto, cada um, a sua maneira, tem muitas ferramentas para criar os caminhos para além do fim da linha. Não há nada mais vasto que a alma humana, entre tudo o que se conhece e que está ainda por conhecer o ser humano é “in-conhecível”.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/


segunda-feira, 10 de março de 2014

A VINGANÇA DE ARISTÓTELES


Se você freqüentou alguma dessas curiosas instituições que no Brasil se chamam “escolas”, com certeza aprendeu que na Renascença o pensamento moderno dissipou as trevas medievais, colocando a ciência no lugar de uma névoa de superstições e crendices, como a magia, a alquimia e a astrologia.

Se chegou à universidade, então, adquiriu a certeza absoluta de que foi isso o que aconteceu.

Pois é, aprendeu tudo errado.

O assalto moderno ao pensamento escolástico predominante na Idade Média começou justamente trazendo de volta as práticas mágicas que a escolástica havia expulsado dos domínios da alta cultura.

Os pioneiros da modernidade – Tommaso Campanella, Giordano Bruno, Pietro Pomponazzi, Lucilio Vanini, entre outros -- não só eram crentes devotos das artes mágicas, mas sua revolta contra a escolástica baseou-se essencialmente no desejo de colocá-las de novo no centro e no topo da concepção do mundo.

O advento da física matematizante e mecanicista de Descartes e Mersenne, em seguida, voltou-se muito menos contra a escolástica do que contra essa primeira leva de pensadores modernos, e nesse empreendimento serviu-se amplamente de argumentos aprendidos da escolástica.

A única diferença substantiva entre o mecanicismo de Descartes-Newton e a escolástica é que esta última, seguindo Aristóteles, não apostava muito no método matemático, cujo repentino sucesso a pegou desprevenida e desarmada.

A física aristotélico-escolástica era baseada nas qualidades sensíveis dos corpos, das quais ela obtinha, por abstração, os seus conceitos gerais. A ciência moderna desinteressou-se da “natureza” dos corpos e concentrou-se no estudo das suas propriedades mensuráveis. Daí resultou a concepção mecanicista, na qual todos os processos naturais se reduziam, em última análise, a movimentos locais e obedeciam a proporções matemáticas universalmente válidas.

No mais, o mecanicismo cartesiano concordava em praticamente tudo com a escolástica, especialmente no tocante às provas da existência de Deus e da alma, bem como à liberdade humana.

Hoje sabe-se que Descartes e seu amigo Marin Mersenne não estavam interessados em destruir a escolástica, mas em salvá-la da contaminação mágico-naturalista para a qual a antiga física das “qualidades” deixava o flanco aberto.

O mundo, porém, dá voltas.

Aristóteles não levava a sério o método matemático porque não acreditava que nada na natureza se conformasse exatamente a qualquer medição ou regularidade inflexível. Para ele, o método certo para o estudo da natureza era a dialética, que não leva a conclusões lógicas perfeitas e acabadas, mas somente a probabilidades razoáveis.

O desenvolvimento da física quântica, no século XX, mostrou que as leis inflexíveis da física newtoniana só valiam para o quadro das aparências macroscópicas, mas que a matéria, na sua constituição mais íntima, admitia irregularidades e imprevistos que só podiam ser apreendidos numa ótica probabilística.

Aristóteles, portanto, não estava realmente errado. Apenas ele não tinha os instrumentos matemáticos para expressar numa linguagem quantitativa a sua noção de um universo probabilístico. Esses instrumentos, por ironia, vieram a ser criados justamente pela ciência moderna que desbancou temporariamente a física aristotélica. Sem a arte do cálculo, descoberta por Newton e Leibniz, a física quântica seria impossível, mas desde o advento desta última o abismo que separava o probabilismo aristotélico da física matematizante foi transposto. Um pouco mais adiante, uma releitura mais atenta da “Física” de Aristóteles mostrou nela, por baixo de erros de detalhe (por exemplo, quanto às órbitas planetárias), uma metodologia científica geral bastante fecunda e compatível com as exigências modernas. Na celebração dos 2400 anos do seu nascimento, em 1991, Aristóteles provou que ainda era até mais popular entre os cientistas do que entre os filósofos de ofício (V. a antologia da Unesco, Penser avec Aristote, Paris, Eres, 1991). E, no livro “O Enigma Quântico”, o físico Wolfgang Smith demonstrou que todas as chaves conceptuais para uma fundamentação filosófica da física quântica já estavam dadas com séculos de antecedência na escolástica de Sto. Tomás de Aquino. Era a vingança completa.

Não há um só historiador das ciências, hoje em dia, que ignore que foi exatamente assim que as coisas se passaram. Mas nas universidades brasileiras parece que essas novidades velhas de meio século ainda não chegaram.
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A mídia brasileira, a mesma que escondeu por dezesseis anos a existência da mais poderosa organização política que já existiu no continente, levou mais de uma semana para admitir a realidade do massacre que estava e está ocorrendo na Venezuela, e mesmo assim o noticiou com discrição monstruosamente desproporcional com a gravidade dos acontecimentos. Acreditar que a Folha, O Globo e o Estadão pratiquem algo que mereça mesmo figuradamente o nome de “jornalismo” é apenas uma superstição residual. É a perna que continua se mexendo depois que o sapo morreu. Prefiro ouvir a www.radiovox.org.
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Fingindo provar o que dissera, o sr. Leandro Dias, aqui refutado no meu último artigo, colocou na Carta Capital três links de textos meus, na clara expectativa de que o leitor se satisfizesse com isso e não fosse averiguá-los – pois em nenhum dos três havia a menor menção ao sr. George Soros como “marxista cultural”, que ele me atribuía. Proponho a mudança do nome da revista para Carta Capetal. Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio. 

Do site: http://www.midiasemmascara.org/

sábado, 8 de março de 2014

UMA ODE À CIVILIZAÇÃO CONTRA O GRITO DOS RESSENTIDOS


No filme “A menina que roubava livros”, há uma cena em que a personagem principal começa a recitar trechos de literatura, no caso um livro de H.G. Wells, em um abrigo em meio a um bombardeio aéreo durante a Segunda Guerra. A cena retrata bem o esforço individual de se preservar a beleza, a cultura e a própria civilização quando tudo em volta parece ruir. A própria beleza da menina já era um obstáculo a toda a feiura que os bárbaros nazistas espalhavam pelo mundo.

Uma cena semelhante se passa em “Titanic”, quando um quarteto segue tocando música clássica mesmo com o navio já afundando. É verdade que, aqui, a desgraça que se abateu sobre eles foi natural, causada por um iceberg, e não por seres humanos bárbaros. Mas a plasticidade da cena continua tocante: mesmo quando a morte certa está à espreita, há aqueles que conseguem manter vivo o último suspiro de civilização.

Esse é o tema de Our Culture, What’s Left of It, de Theodore Dalrymple: uma ode à civilização, uma tentativa de preservar a cultura em meio às ruínas, ainda que seja um esforço individual fadado ao fracasso. No livro, Dalrymple nos conta uma história bem similar a esta acima: um grupo de amigos realmente teria continuado a tocar música clássica, quartetos de Beethoven, mesmo quando os nazistas da Gestapo efetuavam prisões e eles poderiam ser os próximos alvos. Esse tipo de coisa ocorre na vida real.

Outro exemplo foi Myra Hess tocando Mozart na Galeria Nacional de Londres durante bombardeios nazistas. O ato era repleto de simbolismo, já que Hesse era judia e tocava um compositor austríaco, da mesma nacionalidade de Hitler, o autor dos bombardeios. Era a força do que há de melhor na civilização combatendo a barbárie, um jeito de desafiar os brutos.

O médico britânico, em vários ensaios, mostra como a civilização vem sendo atacada há décadas por gente que deliberadamente deseja destruir em vez de criar. É o grito dos ressentidos, que abominam o que há de mais belo no mundo. Após a tragédia da Segunda Guerra, Theodor Adorno chegou a declarar a morte da arte: não seria mais possível fazer poesia depois do Holocausto. Mas essa desistência seria fatal, seria a derrota final da civilização pela barbárie.

Várias obras magníficas foram criadas justamente em épocas de terror, de guerras, de desgraças. Vermeer, por exemplo, viveu durante a Guerra dos Trinta Anos, que dizimou boa parte da população alemã e instaurou o caos social na região, mas isso não o impediu de pintar lindos quadros, capturando momentos sublimes do cotidiano, como em “The Milkmade”, onde um simples derramar de leite se torna eternamente belo por seus pincéis.

Se Adorno tivesse decretado o final do prazer sexual ou da boa culinária, não seria levado tão a sério. Mas ao decretar a morte da arte, muitos aceitaram passivamente, pensando que a arte não é necessariamente o campo do belo. Estava inaugurada a época em que a arte seria o campo da feiura, do ataque ao belo, do “vale tudo”. Miró chegou a declarar abertamente que sua intenção era “assassinar a pintura”, rebelar-se contra todas as convenções.

Os revolucionários acreditam que nenhum tributo precisa ser prestado ao passado, aos gênios que nos antecederam, que ajudaram a criar aquilo que chamamos cultura. Podem fazer tabula rasa da civilização e começar do zero. Lenin, ícone desse senso de destruição, chegou a se negar os prazeres de escutar Beethoven porque isso o reconciliava com o mundo, uma fraqueza terrível em alguém que desejava bater com força no mundo todo, que acreditava no poder liberador da violência.

Os artistas pós-modernos passaram a ver a transgressão como desejável por si mesma. Quebrar tabus era louvável, independentemente de qual tabu fosse o alvo, de sua importância ou não para o mundo (o incesto, por exemplo, é um tabu). Oscar Wilde certa vez disse que não há algo como um livro imoral, e sim livros bem ou mal escritos. Se Hitler tivesse uma habilidade maior como escritor, devemos supor que Mein Kampf não seria imoral então?

Se quebrar tabus passa a ser o maior mérito da arte, então logo toda quebra de tabu se torna arte. Além disso, por que o privilégio de somente artistas poderem quebrar tabus em obras de “arte”? O tabu existe para todos, e logo muitos pensarão que também têm direito de ignorar os tabus não apenas simbolicamente, mas na realidade. Artistas são, para o bem e para o mal, formadores de opinião.

O niilismo estético é uma forma de destruição da civilização. Os artistas pós-modernos acreditam que não há padrão algum que não deva ser violado, o que em si se torna o novo padrão “artístico”. Como dizia Ortega y Gasset, esse é o começo da barbárie. Duchamp com seu penico, Damien Hirst com seus pedaços de animais em formol, quanto mais “ousado” contra tudo aquilo tradicional, melhor. A virtude está em chocar.

O homem autêntico moderno é aquele que rejeita todas as convenções sociais, que não encontra restrição alguma a seus apetites, ao livre exercício de suas vontades. Isso se aplica tanto à estética como à moral. É o relativismo como nova convenção social: só aquele que cospe em tudo que existe tem valor.

Uma combinação venenosa entre o pedantismo intelectual dos artistas esnobes e a admiração por tudo aquilo que é popular, como se a voz das massas fosse a voz de Deus, gerou um quadro de desprezo a toda arte nobre, vista como elitista e preconceituosa. A sua destruição deliberada é o tributo que os “intelectuais” prestam não exatamente ao proletário, mas àquilo que eles julgam ser o proletário. Precisam provar a pureza de seu sentimento ideológico com a estupidez de sua produção “artística”.

Nesse ambiente mental, os artistas são levados a produzir aquilo que é visualmente revoltante, chocante, para estar em sintonia com o mundo violento, injusto. Sem isso, o artista não consegue provar sua boa fé ideológica, teme ser visto como elitista, preconceituoso, reacionário. Tudo aquilo que é convencionalmente belo deve ser atacado, destruído.

Civilização, segundo Dalrymple, é a soma total daquelas atividades que permitem ao homem transcender a mera existência biológica e alcançar uma vida espiritual, mental, estética e material mais elevada. Restringir instintos básicos e apetites é fundamental nessa empreitada civilizatória. Fracassar nisso é liberar a besta dentro de nós, o que nos torna pior do que os animais, pois temos a capacidade de agir diferente, de forma mais refinada, civilizada.

A paixão pela destruição pode se alimentar de si mesma, em vez de ser também construtora, como acreditava o anarquista russo Bakunin. Uma vez que as forças destrutivas são liberadas, elas podem se tornar autônomas, sem propósito algum além da própria destruição. Destruir por destruir, algo que acaba arrastando uma legião de ressentidos. É um grito de angústia e desespero daqueles incapazes de apreciar o que existe de melhor no mundo.

Alguns dão vazão a este sentimento poderoso com máscaras no rosto e pedras nas mãos, outros com pincéis e canetas. A ignorância se revolta contra o conhecimento. O feio contra o belo. O inferior contra tudo aquilo que enxerga como superior, mais elevado. O próprio conceito de civilização precisa ser destruído ou relativizado: quem somos nós para saber o que é civilizado ou bárbaro? Civilização existe tanto quanto o monstro de Loch Ness ou o abominável Homem das Neves; um mito no qual apenas os ingênuos acreditam.

Ao mesmo tempo, todas as conquistas da civilização são tomadas como dadas, garantidas, como se sempre tivessem existido, e como se não corressem o menor risco de desaparecer. Nada precisa, então, ser preservado com nosso esforço, porque tudo vem de graça como um presente da Natureza. Infelizmente, parafraseando Burke, tudo que é necessário para o triunfo da barbárie é que os homens civilizados nada façam.

Vivemos, hoje, uma situação pior: os homens civilizados, em vez de nada fazer, têm ativamente colaborado com a destruição dos valores civilizados. Eles têm negado qualquer distinção entre o melhor e o pior, quase sempre preferindo o último. Eles têm rejeitado as grandes conquistas culturais em troca de diversões efêmeras e puro entretenimento vulgar. Eles têm tratado com estima qualquer sinal de comportamento depravado. Eles têm colaborado com o avanço da barbárie e a destruição da civilização. E vale lembrar que Roma não foi destruída em um só dia; foi obra de contínuos ataques, tanto de fora como de dentro.
Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/


quinta-feira, 6 de março de 2014

LIDERANÇA

Em meu trabalho como Filósofo encontro, por vezes, uma questão interessante. Algumas pessoas que me procuram têm como demanda ou assunto último, como chamamos em Filosofia Clinica, a busca pela liderança, seja por sua situação na empresa, por uma exigência do cargo ou apenas por vontade de desenvolver essa característica. Mas, será que todos podemos ser líderes? Será que isso não é inato, em outras palavras, vem com a pessoa desde o seu nascimento? De fato, ainda não se sabe de onde vem, mas se tem bastante certeza que algumas características fazem a diferença entre um líder e um chefe.

As diferenças que apresento a seguir não foram criadas por mim, mas por Bernard Bass. Segundo ele “a condução de um grupo de pessoas, transformando-o em uma equipe que gera resultados é chamado de liderança”. Em oposição à liderança existe o chefe ou a atitude de chefia, que seria aquela pessoa que no exercício de um cargo, por força de sua posição hierárquica, manda, exige. As diferenças entre um e outro são muitas, mas entre estas o destaque está em que a liderança independe de hierarquia. O líder é aquele que tem a capacidade de arregimentar as pessoas no seu entorno e conduzi-las numa determinada direção. O chefe tem o dever de fazer chegar em algum lugar e pela obediência dos subordinados cobra os resultados esperados.

Segundo Chiavenatto e Lacombe, existem diversos tipos e formas de liderança, de todas estas me apegarei a uma classificação. Segundo Lacombe a liderança pode ser exercida pelo poder legítimo ( pode ser um rei, o presidente de uma empresa, o poder de referência, um líder religioso, uma pessoa mais preparada) e o poder do saber, uma pessoa que sabe o que os outros não sabem. Concordando e discordando dos autores anteriores podemos dizer que se quisermos classificar os tipos de liderança termos que criar inúmeros grupos e todos os que criarmos ainda não serão o suficiente. Entendo a classificação apenas como uma maneira de tentar abarcar o assunto com definições e termos que mostrem uma forma de se criar uma liderança.

É preciso entender que liderança, assim como tantas outras coisas, é uma habilidade que está totalmente enraizada dentro de questões como o tempo, lugar, circunstância e relação. Hoje, Inri Cristo é ridicularizado por se dizer filho de Deus, por se colocar ao nível de um filho de Deus vivo. No entanto, se voltarmos cinco mil anos no tempo veremos uma sociedade que tinha em seus líderes a presença de Deus na Terra: os Faraós. Isso que só consideramos neste exemplo apenas como fator o tempo. Podemos fazer isso só mudando de lugar, saímos do Brasil e vamos para o Irã. Lá, os líderes religiosos, hoje o aiatolá Ali Komenei, é o Guia Supremo, ou seja, um chefe religioso que comanda seu pais a partir da palavra de Deus. 

A condição de liderança deve ser construída levando em conta fatores externos, como os do parágrafo anterior, e internos. Algumas pessoas têm muita vontade de se tornarem líderes, mas têm pouca ou nenhuma capacidade de decidir ou de fazer decidir. Estou colocando apenas uma questão. Mas é possível sim ensinar uma pessoa a ser líder, porém, nem sempre ela está ou estará preparada para as conseqüências de ser um líder. Assim como os grandes, também os pequenos lideres têm oposição, desde um país até em uma sala de aula, ás vezes, até dentro de casa.

O exercício da liderança não tem conceito fixo em Filosofia Clinica, será um conceito a ser construído com a pessoa e de acordo com ela. Muitos serão ótimos lideres, alguns tantos descobrirão que liderar é coisa que serve para os outros, elas preferem obedecer, seguir.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

terça-feira, 4 de março de 2014

O QUE NÃO TEMOS

Há um tempo atrás escrevi algo sobre Papéis Existenciais, ou seja, o rótulo que nos damos. Este papéis ou rótulos são como um casaco, um uniforme que vestimos em cada uma das nossas atividades da vida. Quando estamos em casa somos pais, maridos, irmãos; no trabalho, somos colaborador, gerente, diretor, dono, e assim por diante. Para algumas pessoas esses uniformes mudam conforme a pessoa muda de acordo com as circunstâncias. Um exemplo, apenas para ilustrar é o caso de uma pessoa que frente a uma platéia fala, graceja, tem uma desenvoltura de dar inveja, ele é palestrante. Quando desce do palco e assume o papel existencial de namorado tem grandes dificuldades para dizer o que sente para sua namorada. Algumas pessoas mudam tanto que quando assumem um determinado Papel Existencial não reconhecem a si mesmas.

Cada vez que falo nestes rótulos lembro-me de um antigo desenho da década de 1950 da Walt Disney, no qual Pateta vive um motorista e a Motor Mania. No início do desenho o narrador faz a descrição de uma das melhores pessoas que se pode conhecer na vida, o senhor Walker. A expressão usada para definir este senhor é: “Viva e deixe viver”. No entanto, quando ele pega no volante ele muda tanto que sua personalidade muda completamente, ele se torna o motorista. Do momento em que se torna motorista até o momento em que desce se torna um homem furioso, mal educado, violento. Ao descer do carro, novamente retorna ao personagem calmo, educado, uma pessoa de índole invejável. É uma história simples, mas de uma profundidade impressionante, lembrando o quanto algumas pessoas se transformam ao se revestirem de outro papel existencial. Como o pai, aquele homem rude, bruto, quase violento quando educou seus filhos, e que hoje é um homem calmo, doce, quase bobo, no papel de avô.

Há um tempo atrás, em reflexões durante nossos encontros de Filosofia Clínica Packter dizia: “Existe coisa mais injusta do que cobrar algo que o outro não tem para lhe dar?” Algumas pessoas, para não dizer a maior parte das pessoas assume pela vida diversos papéis existenciais e em alguns se torna muito boa, em outros nem tanto. Como aquela menina, que é uma ótima filha, ótima neta, uma namorada perfeita, como profissional, irrepreensível, mas uma péssima mãe. Em cada um dos rótulos que ela assumiu aprendeu a fazer ou não determinadas coisas para cumprir a caminhada daquele papel existencial. Alguns filhos nunca perceberam a perfeição de sua mãe nas mais diversas áreas, mas cobraram e muito o que ela não tinha para dar, o ser mãe.

Em alguns filhos, existe a mágoa por não se sentirem amados pelo pai, pois, segundo eles seu pai nunca os amou. Talvez até tenham razão. Mas quantos destes pais, depois de adultos mostram que podem não ser pais, nunca assumiram este uniforme, mas são e serão ótimos amigos dos filhos. Dão aos filhos todo o amor que não tinham para dar como pai através da amizade. Nas ideias é bastante simples de dizer e até mesmo de entender, mas na prática esta facilidade desaparece. É interessante entender que serei um bom amigo, filho, neto, marido, mas talvez não seja um bom pai. Não por falta de querer, esforço ou dedicação, mas porque não tinha na minha estrutura o necessário para ser pai.
Por: Rosemiro A. Sefstrom Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/

segunda-feira, 3 de março de 2014

QUANTO VALE UMA VIDA?

Antes de qualquer resposta a priori é necessário entender que não há uma medida de valor que possa quantificar uma vida. Cada ser em sí é único, insubstituível, com suas características, jeito de ser, maneira de ver o mundo. No entanto, é interessante pensar em algo que comumente se vê e não se percebe: que a vida de uma pessoa é tratada, em muitos casos, a partir de um juízo de valor. Nesses casos, nem sempre muito claros, as pessoas que dependem do outro ficam a mercê de seu juízo de valor. Em Filosofia Clínica todo o juízo de valor é chamado de axiologia, assim como na Filosofia Acadêmica. Assim, axiologia me diz o que é importante para a outra pessoa, ou seja, o que ela considera importante para si; não necessário, mas importante.

Hoje pela manhã ao ver o jornal, deparei-me com uma notícia muito comum nos dias de hoje. O jornalista dizia que um jogador de futebol engravidou uma moça. Até então normal, mas o que espanta é dizer que o jogador já avisou a família que cumprirá com todas as obrigações financeiras. Não conheço o jogador e muito menos a moça, mas se pode perguntar: qual é o valor desta vida gerada pelos dois? Posso arriscar, talvez cometendo um erro vergonhoso, mas parece que para ela ter um filho é garantir uma boa quantia em dinheiro para si, o filho é um meio para ganhar a vida. Para o jogador o filho é a consequência de uma atitude que vai lhe custar dinheiro, só. A vida de uma pessoa que ainda nem nasceu já tem preço.

O filme “Antes de Partir”, estrelado por Jack Nicholson no papel do rico empresário e dono do hospital Edward Colen e Morgan Freeman no papel do mecânico Carter Chambres, apresenta uma brilhante história que mostra o fim da vida de dois homens que morrerão de câncer, Neste filme, ao chegar ao hospital, por se saber uma pessoa simples, humilde, Chambers pede apenas que o médico olhe seus exames. O mesmo se nega, pois não é sua competência, isso deveria ser feito pelo médico que acompanhava seu caso. Em contrapartida, o rico Colen reclama do fato de ser colocado em um quarto com outra pessoa, quando ele mesmo disse que hospital não é hotel. Naquele momento ele se colocou acima de todas as outras pessoas, queria que fosse feita a sua vontade, como se afirmasse que “a vida de uma pessoa tem seu preço e é sempre menor que o meu”.

Ontem, um daqueles jornais sensacionalistas noticiava a morte de uma jovem pelo namorado. Segundo a notícia, o jovem assassinou a ex-namorada a facadas porque estava apaixonado por ela e ela o deixou. Não é difícil ver meninos e meninas que condenam o seu companheiro ao seu amor, alguns condenam a si próprio. Um amor que sufoca, que faz do outro objeto de uso, que transforma a outra vida em posse. A vida tem valor quando é minha, se não for minha não será de ninguém.

Desde sempre, para não dizer há muito tempo, israelenses e palestinos que vivem num pequeno pedaço de terra no Oriente Médio estão em guerra. Lá, antes de tudo, sua guerra é por terra e água, recursos escassos naquela região. Um pouco além deste lugar, outras regiões também estão em guerra e além de terra, água, riquezas e poder existe a questão religiosa envolvida. O interessante é que a maioria das religiões prega o respeito e o valor à vida, mas apóiam práticas violentas contra pessoas que não têm o mesmo credo. Estou falando de países distantes, mas aqui, do lado da nossa casa, pode haver uma pessoa de outra religião. Alguns pensam: “a vida dessa pessoa tem valor se ela tiver a mesma religião que eu.”

Não é por um destes fatores isolados, mas o conjunto de vários fatores que mostra para cada um quanto vale uma vida. Pense um pouco sobre isso, veja se as suas atitudes mostram que você valoriza a vida. Lembre-se que, assim como você mede, também pode ser medido.
Por: Rosemiro A. Sefstrom  Do site: http://rosemirosefstrom.blogspot.com.br/