terça-feira, 8 de outubro de 2013

VIDA MODERNA

1.

Sempre que penso em comprar um novo laptop, escuto especialistas sobre o assunto. E, falando com eles, reparo que todos obedecem ao mesmo roteiro: elegem a marca e o modelo; elogiam as proezas do bicho; e depois, quando já estamos a salivar por ele, concluem: "Mas o melhor é você esperar mais um pouco."

Eis o raciocínio do especialista tecnológico: o mundo avançou muito; mas é melhor esperar mais um pouco. Há sempre uma novidade para breve que transforma a novidade de hoje em puro lixo amanhã.

O refrão é tão conhecido que eu pasmo com a quantidade de aparelhos que ainda se vendem no mundo inteiro. Será que as pessoas não sabem que é melhor esparar mais um pouco?

O iPhone é um caso: meses atrás, cedi à tentação e comprei o dito. Conclusão: não esperei mais um pouco. Agora, o meu celular serve apenas para limpar os vasos sanitários na empresa de Steve Jobs porque já existe um novo modelo - melhor, mais barato - a circular por aí.

Eu próprio, aliás, já pensei em trocar o velho pelo novo. Mas quando pergunto opiniões, todos respondem o mesmo: é melhor eu esperar mais um pouco.

2.
Uma colega americana veio trabalhar para Lisboa e, até ao momento, a característica dos lusos que mais a espantou foi o "pequeno-almoço" ("café da manhã", para a galera).

Diz ela que, nos países onde já trabalhou (Estados Unidos, Inglaterra e República Tcheca), existe um padrão comum: a pessoa acorda; toma o pequeno-almoço; sai para o trabalho - exactamente por essa ordem.

Em Portugal, não é assim. A pessoa acorda e sai para o trabalho. Pausa. Segue-se meia-hora de conversas/telefonemas/emails. Nova pausa. Só então há tempo para a primeira refeição do dia.

Por outras palavras: tomar o pequeno-almoço não é um acontecimento prévio ao horário de trabalho. Pelo contrário: faz parte desse horário e ocupa, sem exageros, uma fatia importante do primeiro turno.

Curiosamente, ela disse-me tudo isso a meio da manhã, quando eu tomava o meu primeiro café e comia o meu primeiro croissant. Ligeiramente embaraçado, só me ocorreu uma mentira antropológica: "Ah, mas existem outros países assim. O Brasil, por exemplo."

Perdão, gente, foi em desespero de causa. Mas, aqui entre nós, terei mesmo contado uma mentira?

3.
Aeroporto. Estou sentado junto à porta de embarque, ainda encerrada. O voo será daqui a 45 minutos. Mas, à minha frente, os passageiros já estão em pé e começam a formar fila quilométrica para entrar. Mistério.

Eu entenderia esta extravagância se, por hipótese, voos lotados deixassem metade dos passageiros em terra. Ou essa metade tivesse que ir no porão.

Se assim fosse, eu próprio passaria a noite no aeroporto para evitar o suplício. Ou subornaria alguém só para conseguir um lugar, como acontece nos ônibus do Quénia ou nas viagens de trem pela Índia.

Mas como explicar esta paixão dos seres humanos por filas idiotas quando os lugares já estão reservados? Será que eles pensam que existe sempre a possibilidade do avião fugir antes da hora?

Conclusão: deixo todo mundo entrar e depois, vagarosamente, levanto-me e entro eu.

Claro que, sendo o último a entrar, existem sérias hipóteses de não ter espaço para arrumar a bagagem. Mas as aeromoças são sempre prestáveis, esmagando as malas dos outros com a minha mala retardatária.

Agora, sim, prontos para a decolagem, comandante.
Por: João pereira Coutinho  Folha de SP


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