quarta-feira, 5 de junho de 2013

HOMENS DO LIXO

Leio matéria na BBC Brasil sobre o último escândalo francês: parece que 31% dos 150 mil restaurantes que existem no país servem pratos industrializados que são esquentados no fogão ou até em micro-ondas.


Em qualquer outra região do mundo, talvez a revelação não fosse tão indigesta. Mas em França? Em Paris?

Os chefs locais estão horrorizados com a blasfêmia e, conta a jornalista Daniela Fernandes, o parlamento pretende legislar sobre a matéria, reservando a palavra "restaurante" apenas para restaurantes. Sim, aqueles estabelecimentos que antigamente usavam lume e panelas para cozinhar ingredientes frescos.

Entendo a histeria francesa. Mas, honestamente, não estaremos a ser demasiado exigentes com o pessoal?

Alguns empregados ouvidos por uma reportagem de TV foram mais sensatos do que a histeria de chefs e políticos. E perguntaram, com naturalidade desarmante: mas para quê cozinhar produtos frescos quando a maioria não distingue a diferença?

É uma boa pergunta. Que implica outra: e por que motivo o cliente médio, e sobretudo o turista médio, é incapaz de reconhecer o lixo que mastiga?

A resposta é óbvia: porque o lixo faz parte do seu cardápio diário. Aliás, não seria de excluir que a substituição de lixo por comida de verdade pudesse ter o efeito contrário: horrorizar alguns palatos e afugentar a clientela. Como dizia um velho amigo meu (e excelente garfo), as pessoas adoram "pizzas" porque as "pizzas" não têm espinhas.

E se alguém desaprova a minha observação, que responda com honestidade: como se distingue peixe fresco de peixe congelado? E, já agora, como se distingue um prato cozinhado no momento de um prato embalado em fábrica, esquentado no fogão e coberto por dois ou três molhos especiais (e com nome apropriadamente francês)? Com honestidade, disse eu.

Pedir intervenção estatal por tudo e por nada é coisa de crianças. Não são os restaurantes que têm de mudar. São os clientes. De preferência, ganhando os hábitos e as exigências que não têm.

Quem não é capaz de reconhecer a comida de plástico que tem no prato, mil perdões, é porque merece mesmo comer plástico. Por: João Pereira Coutinho   Folha de S. Paulo

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