domingo, 8 de abril de 2012

"The Wall"

'The Wall' leva ao palco revolução que começou com Kubrick em 1968 Ex-integrante do Pink Floyd se apresentou em São Paulo, no estádio do Morumbi Luiz Carlos Merten - O Estado de S.Paulo Coisa de cinema. Eis a frase mais ouvida sobre o show de Roger Waters, Pink Floyd - The Wall. Baseia-se no álbum de 1979 que Alan Parker já havia transformado em filme em 1982. Em janeiro, precedendo a turnê que deveria levar Waters ao Chile, The Wall (o filme) já desembarcara num cinema de Santiago. Talvez tenha faltado essa perspicácia aos organizadores no Brasil, ou aos programadores de salas especiais. Experiência que vai além da performance de show biz impressiona em definição de imagens Há cinco anos, Waters trouxe ao País The Dark Side of the Moon. Era um híbrido do álbum de mesmo nome, somado a outras músicas da banda. The Wall segue agora o roteiro criado há mais de 30 anos por Waters. Como no filme, o público acompanha o colapso do roqueiro Pink. Em cenas que viajam pelo passado, presente e futuro, assistimos à sua fissura emocional - o pai morreu na guerra, Pink foi abusado na escola - e ao surgimento de um fascista. O caráter político do roteiro é ressaltado, no filme, pelas animações do cartunista Gerald Scarfe. Na abertura do grandioso espetáculo, Waters dedicou The Wall, o show, a Jean Charles de Menezes "e a todas as vítimas do terrorismo de Estado". Começava com um ataque de avião. Fogo, explosões. Quando o público entrava no Morumbi, o muro já estava parcialmente construído. Ia de ponta a ponta do estádio e as abas laterais convertiam-se em telões. O palco, a princípio descoberto, foi fechado. No fim do primeiro ato, o muro estava completo. No fim do espetáculo, foi destruído - uma metáfora de desconstrução dos signos que escravizam o homem. E tudo combatido por palavras de ordem - contra a guerra, a fome. Roger Waters sempre sonhou com esse espetáculo, mas, há 30 anos, não havia tecnologia para realizá-lo. Hoje, há tecnologia para tudo - não para todos. Quando esteve em São Paulo para lançar o DVD de Avatar, o próprio James Cameron disse que o limite, hoje, é a imaginação. Tudo o que os artistas puderem imaginar, a técnica vai construir. Não é de hoje. Algo se passou em 1968, quando Stanley Kubrick concebeu 2001, Uma Odisseia no Espaço, em parceria com o escritor de ficção científica Arthur C. Clarke. A divisa de ambos é que era necessário encarar o impossível, rumo à superação dos limites do possível. 2001 propôs um dos mistérios mais duradouros do cinema - o monólito negro, que antecipa as rupturas na evolução humana. Pouco antes do desfecho, o astronauta atravessa um corredor de luz, pura vertigem lisérgica de som e imagem. Aquilo foi um marco - não só do cinema. Uma geração inteira viajou no LSD, nas drogas, na música. 2001, o filme, é contemporâneo de Woodstock. Tommy, a ópera-rock do The Who, virou filme (de Ken Russell) em 1975, precedendo Pink Floyd - The Wall. Um adjetivo volta e meia colado a Russell é - 'excessivo'. Por maiores que sejam os excessos de Tommy, momentos de Eric Clapton, Elton John (Pinball Wizard) e Tina Turner integram as lembranças de roqueiros de todas as idades. Pink Floyd - The Wall, a ópera, o filme e, agora, o show, vai (vão) adiante. O que Roger Waters propõe supera a reconceituação do show de arena proposta pelo U2 em 360 Graus. O prisma de The Dark Side of the Moon virou uma experiência tímida. O conceito consiste agora em lançar o público numa experiência tridimensional e arrebatadora. Existem momentos em que a sensação é de que o muro é móvel. No intervalo, as fotos (em movimento) com legendas das vítimas da guerra, da opressão e da intolerância introduzem a realidade no sonho. Um pesadelo? Os críticos (Roberto Nascimento, no Caderno 2) reclamam - todo esse frufru pirotécnico não esconde o fato de que The Wall é um espetáculo raso e sensacionalista em suas aspirações políticas, aguado e repetitivo no conteúdo musical. Há controvérsia - o frufru tecnológico não pode ser dissociado do conteúdo musical. Nasceram juntos. E quanto a The Wall ser raso... Roger Waters, com uma energia admirável, está fazendo show para seus velhos fãs, mas também, e principalmente, para os jovens, que vivem nas redes sociais 24 horas, compartilhando experiências. É um público que tem mais informação que o homem já teve em qualquer momento da História. Apesar disso, as massas nunca foram tão alienadas (nem voltadas para o consumo desenfreado). A dedicatória do show, as inscrições no porco que plana sobre o estádio - contra o povo escravo e o Código Florestal - são mais Michael Bay que Stanley Kubrick. Mas Bay, em Transformers, reinventou Kubrick e Hal-9000, criando uma nova mitologia em que até os críticos deveriam ter prestado atenção. Matrix, dos irmãos Wachowski , é vazio ou um compêndio audiovisual de filosofia, depende do olhar. Só agora Another Brick, Mother e Empty Spaces chegam ao público como sonhava o script original de Waters. O mundo mudou. A diluição é um risco, mas a Força, como em Star Wars, fica com a gente.

sábado, 7 de abril de 2012

Para que serve a verdade?

Para que serve a verdade? O livro apresenta um debate ocorrido na Sorbonne, em 2002, entre Pascal Engel e Richard Rorty. Com trajetórias filosóficas opostas, Pascal Engel inicia os estudos com Heidegger e Deleuze e direciona-se para Tarski e Ramsey, enquanto Rorty começa com Ayer e Carnap e termina escrevendo sobre Heidegger e Derrida. O tema em questão é saber se há o "conhecimento objetivo". A tese defendida por Rorty consiste na superação do debate realismo/antirrealismo, visto que tal debate não possui, segundo ele, incidência prática. Pascal Engel inicia citando Bernard Williams em "Verdade e veracidade" para apresentar o antagonismo da contemporaneidade: a desconfiança e a necessidade de confiança. Ao mesmo tempo em que não cremos mais na verdade, temos sede de verdade. Em sua fala Critica as teses de Rorty e do pragmatismo em geral, mostrando as dificuldades resultantes de se assimilar a verdade à utilidade, e formula algumas questões a Rorty, destacando como problemas o deflacionismo e o quietismo derivados da maneira plana de conceber a linguagem, ao que Rorty responde: "Essa é precisamente a maneira pela qual compreendo a linguagem. É um tecido contínuo, que podemos apanhar renunciando a todas as distinções tradicionais. Devemos ter uma concepção plana e homogênea da linguagem. E, com efeito, reconheço como minha uma concepção quietista da linguagem" (p. 53). Rorty define a tese do pragmatismo como a formulada por William James: "se esse debate não tem incidência na prática, então ele também não deve ter incidência filosófica". Também afirma que "se um discurso tem a faculdade de representar o mundo, então todos os discursos têm essa faculdade, dissolvendo a idéia de que algumas atividades humanas podem atingir o conhecimento enquanto outras não". A questão, para Rorty, são as práticas cotidianas: mudar o vocabulário não altera as práticas, afirma ele. O debate prossegue com a apresentação dos argumentos que defendem a tese. DADOS: Título: Para que serve a verdade? Autor: Pascal Engel e Richard Rorty Ano: 2008 Editora: UNESP Páginas: 85 ISBN: 978-85-7139-835-1 Valor: R$ 23,00 (vinte e três reais) Responsável: Monica Aiub

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Religião na escola

EDITORIAL FOLHA DE SP FOLHA DE SP - 06/04/12 Estado deve impedir práticas confessionais em sala de aula na rede pública, não para reprimir a fé, mas para garantir liberdade religiosa Há quase cem anos, um adolescente mineiro foi expulso do colégio de jesuítas onde estudava. Seu nome: Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). O motivo da expulsão também ganhou notoriedade: a "insubordinação mental" de que o acusavam tornou-se, com o passar dos anos, uma das muitas distinções da biografia do poeta. Também mineiro, e com a mesma idade (17 anos) que tinha o escritor naquele episódio, o estudante Ciel Vieira "insubordinou-se", por assim dizer, diante de uma professora de geografia do seu colégio, na cidade de Miraí, a 355 km de Belo Horizonte. A professora tinha por hábito iniciar as aulas rezando o Padre Nosso. Ateu, o estudante não acompanhou a classe na oração. A professora reagiu, dizendo ao jovem que ele não tinha Deus no coração e nunca seria nada na vida. O caso ganhou repercussão, dando respaldo à atitude do estudante -que, com razão, não vê motivo para ser obrigado a rezar numa escola da rede pública. Seria mais confortável, é claro, fingir uma adesão superficial ao rito. A atitude de independência do estudante se inscreve, todavia, num clima ideológico e cultural que se diferencia dos padrões de indiferença e acomodação típicos do Brasil de algumas décadas atrás. Dos protestos contra a presença de crucifixos em repartições públicas ao questionamento judicial, por parte da União, dos critérios que devem reger o ensino religioso nas escolas, avolumam-se iniciativas para afirmar com mais nitidez o princípio da laicidade do Estado. Ao mesmo tempo, vê-se em toda parte uma tendência, se não para o fundamentalismo religioso, pelo menos no rumo de um proselitismo militante. É uma manifestação legítima, desde que não resvale para a imposição ao público de valores e práticas cuja adoção constitui matéria de foro íntimo. Denominações cristãs diversas fazem valer seu poder como mecanismos eleitorais. Bancadas parlamentares religiosas se organizaram em todos os níveis da Federação. A TV aberta promove intensamente este ou aquele credo. Por demagogia ou convicção, surgem mesmo casos em que políticos quebram explicitamente o princípio da neutralidade do Estado em questões religiosas. Foi o que aconteceu em Ilhéus, onde vereadores e prefeito tornaram obrigatória a oração do Pai Nosso nas escolas municipais. Casos assim podem parecer localizados e desimportantes. Todavia, a ideia de que o Estado não deve se imiscuir nas questões de fé tem uma relevância cada vez maior. Não se trata de uma questão de militância ateísta -o que está em jogo é a liberdade de todas as religiões, indistintamente, para conviverem de forma pacífica, sem favor nem perseguição do poder público.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Outro Tijolo no Muro

Papai voou através do oceano Deixando apenas uma lembrança Uma foto no álbum de família Papai, o que mais você deixou para mim? Papai, o que você deixou para trás, para mim? Ao todo, foi apenas um tijolo no muro Ao todo, foram apenas tijolos no muro Não precisamos de nenhuma educação Não precisamos de nenhum controle de pensamento De nenhum sarcasmo sombrio na sala de aula Professor, deixe as crianças em paz Ei, professor!Deixe as crianças em paz! Ao todo, isto é apenas mais um tijolo no muro Ao todo, você é apenas mais um tijolo no muro Não precisamos de nenhuma educação Não precisamos de nenhum controle de pensamento De nenhum sarcasmo sombrio na sala de aula Professor, deixe as crianças em paz Ei, professor!Deixe-nos, crianças, em paz! Ao todo, você é apenas mais um tijolo no muro Ao todo, você é apenas mais um tijolo no muro Não preciso de braços em volta de mim E não preciso de nenhuma droga para me acalmar Eu vi a escrita na parede Não vá pensar que eu preciso de coisa alguma Oh, não;não pense que precisarei de coisa alguma Ao todo, foram apenas tijolos no muro Ao todo, vocês foram apenas tijolos no muro Another Brick In The Wall - Pink Floyd

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Fundamentos

Numa conversa informal, alguém me contou que teve muita dificuldade em conversar com outra pessoa. Segundo este alguém, a dificuldade estava em concordar com as ideias que a outra apresentava, segundo ela, sem fundamento. Depois que a pessoa saiu fiquei pensando só na palavra fundamento. Entendo que quem me contava a respeito de seu contato com este outro falava dos fundamentos para os argumentos apresentados. Mas, com um pouco de paciência quero trabalhar um pouco os fundamentos, as bases do pensamento de uma pessoa a partir da Filosofia. Na Filosofia, ao longo dos séculos, cada pensador expôs suas ideias tendo por base algum fundamento, ou seja, uma base, um alicerce. Tomando como exemplo Platão, quais seriam os fundamentos para ele dizer o que disse, afirmar o que afirmou? Este filósofo que pode ter vivido entre 428 e 348 a.C. dizia que tudo o que temos aqui na terra, ou seja, tudo o que podemos ter acesso pelos sentidos existe em quantidade e qualidades perfeitas no mundo das ideias. Vejam, ele diz que existem dois mundos, um mundo onde tudo existe em quantidade e qualidade perfeitos, a este mundo chama “Mundo da Ideias”. No outro mundo, neste em que vivemos, as coisas, objetos, se entregam aos sentidos, podemos ver, cheirar, degustar, tocar. No entanto, para ele, este mundo dos sentidos é uma imitação precária, mal feita de tudo aquilo que existe em perfeição no mundo das ideias. Parece um tanto descabido, uma doidice, mas foi com a contribuição deste filósofo que se produziu e se produz grande parte dos estudos que ainda hoje servem de base para a nossa vida. Para se ter uma ideia, René Descartes, filósofo nascido mais de mil anos depois de Platão chegou ao auge dizendo que nós nem sequer estamos aqui. Para Descartes nosso pensamentos está produzindo tudo o que vivemos, até mesmo as sensações são fruto do pensamento. Isso parece estranho, mas é com base neste autor que uma ciência como a medicina age. Quando você vai ai médico e ele lhe pergunta os sintomas, dores, sensações, para ele tudo isto é físico, realmente está acontecendo. Sabemos que muitas vezes as aftas da boca são fruto de um negócio mal feito na empresa, as dores de estômago são conseqüência de uma demissão contra a vontade. Não se vai resolver a dor simplesmente pelo corpo, nestes casos, se vai apenas remediar. Assim como outras áreas do conhecimento, a medicina também busca na Filosofia conceitos que orientam o seu trabalho. Lembrando que acerca do que que foi colocado acima existem tanto correntes a favor quanto contra, é parte do discurso. Agora que conhecemos a ideia de Platão e de Descartes, volto a questão inicial: qual o fundamento para uma ideia como esta, a de que o corpo está separado do espírito? Eu, você e talvez o maior dos especialistas, Platão e Descartes não tenhamos certeza de onde ele realmente tirou essa ideia, mas sabemos como eles fundamentaram. Tanto em um quanto noutro filósofo o fundamento para suas ideias foram suas experiências de vida, toda uma história de estudo e dedicação. Agora, será que eu, na minha pretensão posso dizer que o que estes pensadores disseram é bobagem? Se o fizer, provavelmente nunca li seus escritos ou não entendo do que falam. Por mais que não tenham fundamento para mim, mas tem para aqueles que pensaram a respeito. Trazendo para nosso tempo, será que o que o outro, essa pessoa que me fala, o que ela diz não tem fundamento? Pode ser que eu não entenda, não concorde, mas sempre há um fundamento para o que o outro diz, ele mesmo. Rosemiro A. Sefstrom

O jardim da vizinha

Querido leitor, que você esteja bem. Nosso tema hoje é sobre o jardim da vizinha. E esta história é verídica. Minha vizinha está construindo a sua casa, a casa dos sonhos e a casa está praticamente pronta. Tudo foi visto de acordo com a visão ecossustentável, o gosto e o jeito dos futuros moradores: o quarto de estudo, a varanda, o alpendre, a lareira, adega, nada passou sem ter desprendido um bom tempo discutindo. O período de construção passou com leveza e tranquilidade, um ajuste aqui outro ali, só isso. Aquele processo que muitas vezes causa rusgas entre todos que trabalham na construção, sejam engenheiro, construtores, pedreiros, carpinteiros, serventes, pintores, não ocorreu na casa dela. Tudo caminhava para um desfecho perfeito. Caminhava... De longe eu observava a parte final da sua casa, no acabamento. Um toque aqui, um retoque ali, faltava pouco, bem pouco. “Só falta o jardim”, disse-me ela emocionada. Chegou o momento de contratar um profissional para fazer o jardim da casa dos sonhos. Provavelmente o jardim dos sonhos que, como a casa, também teve a pitada dos futuros moradores. Estudou os profissionais, empresas, orçamentos e optou por um, ou melhor, por uma. Agora é mãos à obra. De comum acordo, decidem-se as peças, os ornamentos, os tipos de flores, folhagens, enfim, tudo conversado. Qual não foi a surpresa quando a futura moradora, que vivia distante, chega à sua casa dos sonhos e tem um pesadelo com o que vê: pedras destoando, flores exóticas, plantas com espinhos, enfeites sem identificação, trabalho que até escondia a bela arquitetura planejada. Voltou à conversa inicial e o combinado verbalmente retorna à ordem do dia. A própria dona da casa, no caso a minha vizinha, vai ao jardim com a profissional contratada e começa, com carinho, a retirar o que destoa e acerta detalhes de como quer o jardim. Inclusive mostrou tudo num rabisco, numa prancheta. Dias depois, volta à sua casa e percebe que a profissional contratada insiste em colocar as flores que deseja, as peças que avalia, os detalhes que deseja, os espinhos ao redor da cerca. Discussão acalorada e ouve-se a expressão: “Este é o meu jardim”, desabafa a paisagista. “Seu jardim? Quem vai morar aqui?” - perguntou irritada minha vizinha. Refletindo sobre este episódio, me vem a mente quantas vezes entramos evasivamente na vida, na casa, no lar, na empresa das pessoas. Chegamos e vamos dizendo o que elas têm que fazer, o que comprar, aonde ir. “Eu, no teu lugar, não faria isso”, alguns metidos comentam. Até qual programa de televisão às vezes damos pitaco na casa dos outros. O outro é o outro e eu sou eu. Talvez não tenhamos o direito de ser tão ácidos nas colocações, até mesmo que nos forem solicitadas nossas opiniões. O outro é solo sagrado e ao adentrar no seu mundo as botas sujas do esterco do jardim precisam ficar de fora. O que sabemos do outro para impor espinhos no jardim de sua morada? É assim como o mundo me parece hoje. E você, o que pensa sobre interferir na vida do outro? Por: Beto Colombo

terça-feira, 3 de abril de 2012

Quanto tempo você leva para tomar banho

Quanto tempo você leva para tomar banho Sabia que se somarmos cada tempo que levamos para tomar um banho e considerarmos todos os banhos que tomaremos durante a vida isso significará, mais ou menos, uns dois meses? Passaremos dois meses inteiros embaixo do chuveiro durante a vida. Dois meses! Quase uma estação, nossas férias na praia, janeiro e fevereiro, uma temporada na Europa. É muita coisa para o tempo de uma vida. Se a gente considerasse o que de fato significa para cada pessoa e perguntasse a ela, eu acho que teríamos respostas como: “passamos umas dez horas, durante toda a vida, todos os banhos somados, tomando banho”. Mas, na prática, isso somente seria possível se a pessoa tomasse um único banho ao mês e vivesse até os dez anos de idade. Provavelmente morreria por falta de banho. E quem escova os dentes três vezes ao dia também passa dois meses na vida fazendo isso. Durante a vida uma pessoa gasta, em média, um mês inteiro apenas preparando café, uma semana e meia aguardando a porta eletrônica da garagem abrir; gasta um mês e meio fazendo a barba, sem contar o tempo com band aids . Bem, se somarmos o tempo de espera com elevadores (dois meses), o tempo que levamos digitando senhas (cinco dias), o quanto amarramos os cordões dos sapatos (uma semana), e tudo o mais, esbarraremos em um problema, pois somando tudo isso teremos uns duzentos e trinta anos, enquanto vivemos entre sessenta e noventa anos, e olha lá. Gastamos mais tempo do que o tempo que vivemos. A conta não fecha. Quando leio estatísticas como esta fico perplexo pensando que gastarei setenta dias de minha vida em sinaleiras fechadas. Parece um grande desperdício. Se eu fosse previamente consultado sobre isso, não gostaria de ficar como meu carro em uma bomba de gasolina abastecendo meu carro durante um mês inteiro durante minha existência. Além disso, sai uma fortuna. Olhe, consideremos a comida: uma pessoa que passará cinco meses de sua vida somente mastigando está mais para ruminante do que para pessoa. Estava há pouco enchendo um copo com água, mesmo sabendo que passarei uma semana e meia durante a vida fazendo isso, e descobri que, para mim, esta contagem toda não importa. O que interessa é que estarei ouvindo músicas, sonhando, sentindo, sorrindo e chorando, brincando, aprendendo, vivendo profundamente, independente dos cinquenta dias de tempo que esperarei o computador inicializar e outras coisas assim. Quem escreve estas estatísticas deveria levar em conta que pessoas como eu não levam apenas uma semana e meia aquecendo o jantar durante a vida, levam meses e meses, e às vezes estes meses ficam parecendo a vida inteira, e mais até. Para algumas pessoas o tempo é uma referência, não uma corrida de cem metros. Por: Lúcio Packter

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Elitismo autoritário

Elitismo autoritário Janio de Freitas, Folha de SP A Lei Seca veio embaralhar, de uma parte, a combinação bebedeira/automóvel e, de outra, o autoritarismo. Para começar, é uma lei elitista típica do Brasil. Quem dispõe de mordomias por posses próprias ou pagas pelo Tesouro Nacional, como é o caso dos congressistas que impuseram a lei, está livre para beber à vontade, a qualquer hora, e transpor qualquer blitz. Suas posses ou o dinheiro oficial lhe proporcionam o serviçal conveniente para as circunstâncias: o motorista. A lei é, portanto, contra a classe média. Essa que beberica como uma pequena distensão, como um lazer à falta de melhores. Quem bebe um ou dois copos de vinho em várias horas de uma festa ou de um jantar, por exemplo, compõe a imensa maioria dos atingidos pelo rigor arbitrário da lei. Mas, como norma, não são os que causam acidentes por terem ingerido alguma porção alcoólica. Em contrapartida, a probabilidade de deter os que perdem as condições de dirigir é insignificante. Um êxito apenas ocasional, dada a forçosa desproporção entre as blitze possíveis e a área urbana livre para os embriagados trafegarem sem encontrar-se com a malha fina. A lei é elitista ainda na sua destinação. Inspirou-se e pretende (em vão, como se tem visto) prevenir acidentes em que motoristas alcoolizados têm feito vítimas chocantes, essencialmente, por sua condição social. E pelos bairros onde mais ocorrem tais acidentes. A frustrada ação repressora o comprova o elitismo: as blitze não são feitas na periferia ou subúrbios, onde -os costumes sugerem- seria farta a coleta de desrespeito ao índice exíguo da lei. Como se deduz do volumoso noticiário de acidentes naquelas áreas. Ou seja, só os bacanas não devem matar e matar-se com seus carros. A lei confirma o seu elitismo também por outra via trágica: os acidentes terríveis com ônibus intermunicipais e interestaduais estão todos os dias na TV, com dezenas e mais dezenas de mortos, feridos e incapacitados. Os acidentes com carretas e caminhões não chocam menos. Mas a Lei Seca não lhes concedeu sequer a menor menção. É indispensável que os motoristas de ônibus sejam submetidos ao bafômetro antes da partida. E outra vez ao sair das paradas intermediárias. Os motoristas de carretas e caminhões provocaram a proibição de venda de bebida na beira das estradas, mas nem a restrição é cumprida, nem é suficiente para restringir a guarda da bebida. E nessas omissões da autoridade estão as causas da sucessão de desastres horríveis com veículos pesados. Sem providências contrárias. Está mais do que provada a ineficácia do autoritarismo como sistema socialmente educativo. O que pode mudar as condutas sociais é a persuasão. A campanha da camisinha é exemplo excelente: persuasiva, por impossibilidade de ser impositiva, pegou com rapidez e criou novo costume. O abandono do cigarro por milhões de fumantes convictos dá outro exemplo: é fácil ouvir que a rejeição veio do conhecimento dos efeitos maléficos, martelados pelos médicos, e não das proibições de fumar ali ou acolá. A maior parte das proibições decorreu já da rejeição que se difundia. A modalidade da Lei Seca se explica muito por sua origem: a bancada evangélica. A Ação Católica e outras organizações religiosas, dedicadas à influência política, não retornaram ao Congresso e à política na volta da democracia. Com penetração crescente, porém, os novos evangélicos assumiram seus papéis. Extremados no conservadorismo, só admitem leis e regras sujeitas às suas concepções. Nisso, mesmo a qualidade do fazer não parece importar. A Lei Seca e, já andando pelo Congresso, seu extremismo final saíram dessa usina. A lei elitista anti-etilista é um produto do autoritarismo que não crê em educação social e em formação de civilidade.

domingo, 1 de abril de 2012

Israel

Instalados no Marina Hotel as margens do mar mediterrâneo em Tel Aviv. Estivemos em um grupo de 35 brasileiros com o objetivo de estudar o grande filósofo Emmanuel Levinás, lituano de nascimento, herdeiro da cultura judaica, cresceu em um ambiente em que língua e literatura eram o russo e hebraico, idiomas falados e estudados em sua casa. Foi prisioneiro de guerra nos campos de concentração nazistas. Conhecido como o filósofo da alteridade, tem como sua obra principal o livro Totalidade e Infinito escrito em 1961. Levinás, muito influenciado inicialmente pelas idéias de Husserl e de Heideger é um dos principais pensadores da corrente fenomenológica. Seu pensamento ganhou força própria e se dirigiu principalmente para o terreno da ética sendo esta considerada por ele a filosofia primeira. Para ele o homem é alguém cujo sentido só pode ser encontrado na sua relação com o outro. Sua reflexão segue o caminho da defesa da subjetividade baseada na ideia do infinito, entendido como abertura ao reconhecimento do outro. Israel, localizado no Oriente Médio, ao longo da costa do mar Mediterrâneo, fazendo fronteira com Líbano, Síria, Jordânia e Egito, surpreende positivamente por ser a única democracia da região. Transformou deserto em ambiente habitável, nesta época do ano o verde predomina. A preservação ambiental é levada ao extremo, a produção agrícola, apesar do deserto, tem grande importância, produzindo mais de 90% do consumo interno e como curiosidade pode-se observar bananais verdes ao norte. O país exporta tecnologia em vários setores o que sugere que a educação, que é obrigatória dos 5 aos 18 anos, realmente é levada a sério. A infraestrutura do país é impecável, aeroporto moderno, ferrovias, autoestradas ligando as cidades de norte a sul de leste a oeste. É o que costumamos chamar de um país de primeiro mundo. A renda é de U$ 28 mil per capita. A rede de assistência social tem ampla cobertura. A indústria de Israel concentra-se nos produtos manufaturados de alto valor agregado baseados principalmente em inovações tecnológicas. Isso inclui equipamentos eletrônicos para a área médica, agrotecnologia, telecomunicacões, hardware e software, energia solar, processamento de alimentos e química fina. Dois são os idiomas oficiais, árabe e hebraico. Cerca de 75% da população são judeus, 20% árabes. Jerusalém com seus 800 mil habitantes é a capital política e religiosa do país. Uma cidade próspera e vibrante, sagrada para judeus, muçulmanos e cristãos. A segurança é um dos pontos fortes em todo o território do país. Visitamos o monte das Bem Aventuranças, lugar do Sermão da Montanha, Rio Jordão, navegamos pelo mar da Galiléia, Mosteiro Carmelita de Stella Maris, bem como os jardins persas do Templo Bahai. Estivemos na aldeia medieval Jaffa, famosa porque, conforme a Bíblia, o profeta Jonas saiu em direção a Társis e foi engolido pela baleia. Em Jerusalém estivemos na parte antiga da cidade, Muro das Lamentações, Monte da Oliveiras, percorremos a Via Dolorosa com suas 14 estações e a Igreja do Santo Sepulcro. Diariamente nos deslocávamos de ônibus de Tel Aviv à Jerusalém até a Universidade Hebraica, uma das mais importantes do mundo, que nos acolheu e possibilitou realizarmos os estudos com mestres como, Cyril Aslanov, Shalon Rosenberg, Leonardo Senkman, Shmuel Scolnikov, Rina Rosenberg e Lucio Packter. Voltamos no último sábado, dia 31 de março com a sensação do dever cumprido, tendo encontrado um país muito diferente do que a mídia diariamente mostra. Israel é talvez o maior laboratório mundial onde se busca a convivência pacífica entre povos, religiões, crenças, com o diferente. A depender dos seus principais filósofos, existe esperança. Esta foi a minha impressão. Aloysio Tiscoski

Da fala ao grunhido

Da fala ao grunhido - FERREIRA GULLAR FOLHA DE SP - 25/03/12 De que adianta escrever o que escrevo aqui se a televisão continuará a difundir a fala errada? DESCONFIO QUE, depois de desfrutar durante quase toda a vida da fama de rebelde, estou sendo tido, por certa gente, como conservador e reacionário. Não ligo para isso e até me divirto, lembrando a célebre frase de Millôr Fernandes, segundo o qual "todo mundo começa Rimbaud e acaba Olegário Mariano". Divirto-me porque sei que a coisa é mais complicada do que parece e, fiel ao que sempre fui, não aceito nada sem antes pesar e examinar. Hoje é comum ser a favor de tudo o que, ontem, era contestado. Por exemplo, quando ser de esquerda dava cadeia, só alguns poucos assumiam essa posição; já agora, quando dá até emprego, todo mundo se diz de esquerda. De minha parte, pouco se me dá se o que afirmo merece essa ou aquela qualificação, pois o que me importa é se é correto e verdadeiro. Posso estar errado ou certo, claro, mas não por conveniência. Está, portanto, implícito que não me considero dono da verdade, que nem sempre tenho razão porque há questões complexas demais para meu entendimento. Por isso, às vezes, se não concordo, fico em dúvida, a me perguntar se estou certo ou não. Cito um exemplo. Outro dia, ouvi um professor de português afirmar que, em matéria de idioma, não existe certo nem errado, ou seja, tudo está certo. Tanto faz dizer "nós vamos" como "nós vai". Ouço isso e penso: que sujeito bacana, tão modesto que é capaz de sugerir que seu saber de nada vale. Mas logo me indago: será que ele pensa isso mesmo ou está posando de bacana, de avançadinho? E se faço essa pergunta é porque me parece incongruente alguém cuja profissão é ensinar o idioma afirmar que não há erros. Se está certo dizer "dois mais dois é cinco", então a regra gramatical, que determina a concordância do verbo com o sujeito, não vale. E, se não vale essa nem nenhuma outra -uma vez que tudo está certo-, não há por que ensinar a língua. A conclusão inevitável é que o professor deveria mudar de profissão porque, se acredita que as regras não valem, não há o que ensinar. Mas esse vale-tudo é só no campo do idioma, não se adota nos demais campos do conhecimento. Não vejo um professor de medicina afirmando que a tuberculose não é doença, mas um modo diferente de saúde, e que o melhor para o pulmão é fumar charutos. É verdade que ninguém morre por falar errado, mas, certamente, dizendo "nós vai" e desconhecendo as normas da língua, nunca entrará para a universidade, como entrou o nosso professor. Devo concluir que gente pobre tem mesmo que falar errado, não estudar, não conhecer ciência e literatura? Ou isso é uma espécie de democratismo que confunde opinião crítica com preconceito? As minorias, que eram injustamente discriminadas no passado, agora estão acima do bem e do mal. Discordar disso é preconceituoso e reacionário. E, assim como para essa gente avançada não existe certo nem errado, não posso estranhar que a locutora da televisão diga "as milhares de pessoas" ou "estudou sobre as questões" ou "debateu sobre as alternativas" em vez de "os milhares de pessoas", " estudou as questões" e "debateu as alternativas". A palavra "sobre" virou uma mania dos locutores de televisão, que a usam como regência de todos os verbos e em todas as ocasiões imagináveis. Sei muito bem que a língua muda com o passar do tempo e que, por isso mesmo, o português de hoje não é igual ao de Camões e nem mesmo ao de Machado de Assis, bem mais próximo de nós. Uma coisa, porém, é usar certas palavras com significados diferentes, construir frases de outro modo ou mudar a regência de certos verbos. Coisa muito distinta é falar contra a lógica natural do idioma ou simplesmente cometer erros gramaticais primários. Mas a impressão que tenho é de que estou malhando em ferro frio. De que adianta escrever essas coisas que escrevo aqui se a televisão continuará a difundir a fala errada cem vezes por hora para milhões de telespectadores? Pode o leitor alegar que a época é outra, mais dinâmica, e que a globalização tende a misturar as línguas como nunca ocorreu antes. Isso de falar correto é coisa velha, e o que importa é que as pessoas se entendam, ainda que apenas grunhindo.