terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A AVAREZA

A avareza é uma doença de índole espiritual, pois não há, na natureza humana, nada que exija o acúmulo de bens ou o apego ao dinheiro. Para detectar se uma pessoa sofre de avareza, basta observar como ela se sente ao ter que se desfazer de algo. Os avarentos, em geral, sentem-se tristes. A avareza é marcada pela tristeza, conforme veremos.


Nosso Senhor Jesus Cristo encontrou-se com um avarento num episódio bastante conhecido: o do jovem rico. Ao perguntar a Jesus o que deveria fazer para segui-Lo, o jovem recebeu a seguinte resposta:

"'Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me.' Quando ouviu esta palavra, o jovem foi embora cheio de tristeza, pois possuía muitos bens." [1]

"Foi embora cheio de tristeza, pois possuía muitos bens." Este é o avarento. E, muito se engana quem pensa que se trata de uma doença menor. João Cassiano, nas Constituições Cenobíticas, diz que ela é do tipo que "pode ser facilmente evitada, porém, uma vez que tomou posse de alguém, não irá conceder facilmente a cura" [2]. É uma verdadeira prisão.

Na aula passada, vimos que existem três razões pelas quais uma pessoa se torna avarenta: por prazer, pois o dinheiro compra coisas prazerosas; por vanglória, pois ele compra coisas que alimentam a vaidade; e por falta de fé, que é a razão mais grave. O avarento não crê que Deus pode cuidar de suas necessidades.

Mais uma vez, é a sabedoria dos Padres do Deserto que vem clarear as coisas. Pai Isaías, falando especificamente sobre a filargíria (apego desordenado ao dinheiro), define-a da seguinte forma: "É não crer que Deus cuidará de ti e desesperar de suas promessas" [3]. Ou seja, o avarento confia mais em si próprio que em Deus.

Sendo assim, a cura para a avareza só pode ser um retorno para Deus. Abandonar-se, focar-se, fixar-se n'Ele. Para entender como é exercitar a fé na Providência, Nosso Senhor ensina:

"Por isso, eu vos digo: não vivais preocupados com o que comer ou beber, quanto à vossa vida; nem com o que vestir, quanto ao vosso corpo. Afinal, a vida não é mais que o alimento, e o corpo, mais que a roupa? Olhai os pássaros do céu: não semeiam, não colhem, nem guardam em celeiros. No entanto, o vosso Pai celeste os alimenta. Será que vós não valeis mais do que eles? Quem de vós pode, com sua preocupação, acrescentar um só dia à duração de sua vida? E por que ficar tão preocupados com a roupa: Olhai como crescem os lírios do campo. Não trabalham, nem fiam. No entanto, eu vos digo, nem Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um só dentre eles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje está aí e amanhã é lançada ao fono, não ele muito mais vós, gente fraca de fé? Portanto, não vivais preocupados dizendo: 'Que vamos comer? Que vamos beber? Como vamos vestir? Os pagãos é que vivem procurando todas essas coisas. Vosso Pai que estão nos céus sabe que precisais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo. Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá sua própria preocupação! A cada dia basta o seu mal." [4]

A ocupação do demônio é perder as almas. Para isso, ele criou a armadilha da preocupação. Incute no coração dos homens a preocupação com o amanhã, com o que vai comer, vestir, manter-se, enfim, faz com que as mentes estejam sempre olhando para o futuro, assim, não se ocupam do hoje, que é quando Deus os visita.

O imaginário popular concebe o avarento como um velho, magro, com as mãos fechadas, encurvado, fechado sobre si mesmo. Cuidou tanto de si que a vida passou e a vitalidade também. Está sempre preocupado. Foi justamente nesse sentido que Jesus advertiu no Sermão na Montanha: "Não vivais preocupados", e a Marta: "Andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas" [5].

Preocupação (em grego μέριμνα, merimna) vem de merizo, que significa "dividir", assim, a alma do avarento está sempre dividida entre o arrecadar e o manter. A cura para esta terrível doença que se assemelha a uma prisão é lançar-se em Deus. São Pedro já havia ensinado: "Lançai sobre ele toda a vossa preocupação, pois ele é quem cuida de vós" [6].

Para tanto, é preciso exercitar a virtude que se opõe à avareza: a liberalidade. Santo Tomás ensina que muitos a confundem com a justiça, que é dar ao outro aquilo que é do outro. Para o combate à avareza, no entanto, é preciso ir além da justiça, dando ao outro aquilo que é seu [7]. Este é o passo seguinte, a perfeição que o Senhor pediu ao jovem rico, o ato de fé em Deus.

Uma das práticas mais recomendadas para o exercício da liberalidade é a esmola. Socorrer os necessitados, os desconhecidos, os pobres. Infelizmente, no momento atual, dar esmolas tornou-se algo condenável, pois tem-se a ideia errada - e alimentada - de que cabe ao governo a obrigação de assistir os pobres. O regime de governo socialista que impera no país condena a caridade privativa.

O dinheiro, tal qual o sangue, precisa circular, caso contrário se torna instrumento de morte. É o que diz o economista católico Stefano Zamagni, em sua obra sobre a avareza [8]. Ele faz uma oportuna observação acerca das palavras sangue e dinheiro, que no Talmud hebraico são a mesma palavra (damin).

No mesmo pensamento, é possível observar que numa sociedade em crescimento não deve haver muitos avarentos, pois estes, com sua mania de poupar, acabam por estagnar a economia. Ao contrário, deve haver empreendedores, que fazem o dinheiro circular, criando empregos, gerando investimentos, tornando a sociedade mais dinâmica. Se os bens circulam, são partilhados e, assim, se tornam verdadeiros bens, diz o professor Stefano. E, se os bens são retidos, acabam por se tornar verdadeiros males, pois aprisionam e estagnam.

Se a avareza é detectada pela tristeza em dar, alimentar a alegria em dar é sua cura, pois, como dizem as Escrituras, "existe mais alegria em dar do que em receber" [9].

Além da liberalidade, é necessário também sobriedade, principalmente no desejo. "Sejam sóbrios e vigilantes", ensinou São Pedro [10]. Quando se deseja menos, é que se se torna verdadeiramente rico. É em que consiste a "pobreza de espírito", mencionada por Nosso Senhor Jesus Cristo no Sermão da Montanha [11]. Também São João Crisóstomo ensina:

"Não é rico quem está circundado de muitas coisas, mas o rico verdadeiro é quem não tem necessidade de muitas coisas e, ao contrário, não é pobre quem não tem nada, mas o verdadeiro pobre é aquele que deseja muitas coisas. São estas as verdadeiras definições de riqueza e de pobreza. Se, portanto, tu vês um homem que desejas muitas coisas, considera-o pobre, o mais pobre de todos, mesmo se ele tiver a riqueza de todos e se tu vês um homem que não precisa de muitas coisas, considera-o mais rico de todos, mesmo que ele não possua nada. Acostumemo-nos a julgar a riqueza e a pobreza pela disposição da alma e não pela quantidade de bens."

Ser modesto nos desejos, esta é a verdadeira riqueza. Desejar tão somente aquilo que se tem faz com que se tenha aquilo que se deseja: eis o resumo da terapia da avareza.

Por fim, sabendo que a avareza é uma doença espiritual, que se constitui em colocar livremente a vontade em algo que não é adequado, as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo são bastante apropriadas: "Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o seu coração" [12].

A vontade, portanto, deve ser fixada no verdadeiro tesouro, que é Deus. Por isso a avareza é uma doença tão grave, pois distorce a capacidade de amar, uma vez que o amor reside na vontade. Amar a Deus concretamente nos irmãos, nos pobres, nos necessitados. Corações ao alto! Esta é a cura para a avareza.

Referências:

Mt 19, 21-22
Constituições Cenobíticas, VII, 6
Alf, Isaia di Scete 9. In: I padri del deserto, Detti editi e inediti, a cura di S. Chialà e L. Cremaschi, Qiqajon, Magnano 2002. p. 95
Mt 6, 25-34
Lc 10, 41
1 Pd 5, 7
Cf. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q. 117
Stefano Zamagni, Avarizia: La passione dell'avere (Intersezioni)
At 20, 35
1 Pd 5, 8
Cf. Mt 5, 3
Mt 6, 21

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