quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

FELICIDADES

E se houvesse uma fórmula para a felicidade? Uma cartilha capaz de resumir, em breves linhas, como chegar a esse estado de contentamento sem necessidade de batermos com a cabeça nas paredes?

Arthur C. Brooks, em artigo e vídeo para o "The New York Times", defende que os cientistas, economistas e outros tribalistas já chegaram ao santo graal. Foram 40 anos de estudos. Resultados?

Os genes contam. Muito. Quase metade: 48%. Se os pais, os avós e os bisavós tinham a disposição solar de um morcego, existem sérias possibilidades de também nós sermos criaturas noturnas.

Mas os genes não explicam tudo. Os acontecimentos da vida também dão um contributo. A cifra é 40%. A cifra é composta pelos acidentes da vida --e "acidentes" no sentido mais pueril do termo: ganhar a lotaria, por exemplo. Ou ter uma doença grave que nos deixa em estado pouco recomendável.

O ponto é que esses 40% evaporam-se rapidamente: meses depois do "grande acontecimento", os níveis de felicidade regressam à casa da partida. Quem era feliz, feliz fica. Quem era infeliz, infeliz continuará.

Sobram 12%? Afirmativo. E esses 12% distribuem-se entre fé, família, comunidade e trabalho. É nesses 12% que o leitor deve apostar as suas cartas. Até porque elas acabarão por influenciar o resto do pacote.

Os ensinamentos de Arthur C. Brooks divertem pelo seu simplismo racionalista. Mas, honestamente, quem acredita na precisão matemática com que ele apresenta os seus cálculos hedônicos? Aliás, pode haver uma receita para a felicidade aplicável a qualquer criatura bípede?

Começo pelo fim. A fé é importante? Será. Mas de que fé nos fala Brooks? Da fé de alguém que é compassivo e tolerante para com os outros e que mantém uma confiança optimista no patrão bondoso lá de cima? Ou será da fé de um fanático que acredita piamente num deus guerreiro e castigador, que exige matanças e martírios contra infiéis?

Será que um jihadista, imerso na sua fé, é mais feliz do que um ateu? Não tenho grande convívio com os profissionais do ramo, reconheço. Mas quando olho para as caras barbudas daquela gente não vejo grande felicidade a escorrer pelos olhos vidrados de ódio.

Resta a família, a comunidade e o trabalho. E resta essa terrível palavra ética que dá pelo nome de "depende". Porque existem famílias e famílias. E existem comunidades e comunidades: as primeiras, capazes de oferecer um sentido de coesão e suporte para as nossas solidões mundanas; e as segundas, retrógradas e opressivas, que convidam à sabotagem ou à fuga.

Só no trabalho concordo com Brooks: é mais importante fazer o que é mais significativo do que fazer simplesmente o que é mais bem pago. Mas há um momento em que não é possível comprar o uísque das crianças só com a bolsa cheia de significados.

Sobre os acidentes da vida, a minha ignorância é total. Admito que existam tetraplégicos felizes. Como admito que existam milionários infelizes com suas contas bancárias na Suíça.

Mas, aqui entre nós, que ninguém nos ouve, eu talvez experimentasse o segundo cenário, só para comprovar - e relatar - se seis meses depois continuaria o chafurdar no mesmo caos neurótico que embala os meus dias. E embala porquê?

Minha tentação final seria dizer que a culpa é dos pais, avós e bisavós: o "software" não é grande coisa. Ou talvez eu não seja grande coisa a lidar com ele, escolhendo maus hábitos, maus caminhos e até más companhias. Como medir, cientificamente falando, a percentagem dos meus defeitos e dos defeitos que tive por herança? Falar de 48% de influência genética é tão aleatório como de 38% ou 58%.

Uma conclusão de Arthur C. Brooks, porém, merece pasmo e horror: as mulheres são mais felizes que os homens. Explico. Mulheres casadas são mais felizes que homens casados. Mulheres solteiras são mais felizes que homens solteiros. E mulheres viúvas são muitíssimo mais felizes que homens viúvos.

Meu Deus: será que nós, homens, somos completamente imprestáveis nesse negócio da felicidade? Solteiros, casados ou viúvos --somos bichos que não se recomendam.

Por: João Pereira Coutinho

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