domingo, 24 de junho de 2012

NO HOTEL RITZ

Ficou a lembrança do fim de semana que passou no quarto mais bonito em que já dormiu na vida Foi uma paixão como costumam -e devem- ser as paixões: intensa e breve. 

A primeira vez que se viram foi no Rio, e houve logo uma faísca. Para isso, ajudou muito o fato de ele ser comprometido, digamos assim, e seu comprometimento estar bem longe. Não demorou muito tempo para se apaixonarem, mas nunca fizeram juras de amor eterno; viveram um louco amor durante duas semanas, quando ela viajaria para Paris. Ele deu um jeito -sempre se dá, quando se quer-, disse que ia encontrá-la. 

Ela chegou primeiro, para ter tempo de reconhecer a cidade, fazer o que as mulheres mais gostam, umas comprinhas (o que não é possível, com um homem perto), e ir a um bom cabeleireiro; quando ele chegou -hotéis separados, devido às circunstâncias-, ela estava ainda mais apaixonada, e ele também. Qualquer paixão passando por Paris só faz aumentar, claro. 

Como estavam fazendo a linha discreta, tomaram os devidos cuidado e não foram a nenhum dos lugares a que estavam habituados, para não correrem o risco de encontrar amigos. 

Decidiram ir ao restaurante da Torre Eiffel, o Jules Verne, onde só vão turistas, eles achavam; lá não encontrariam nenhum conhecido, justamente por ser lugar de turista. Mas ela, quando viu lá de cima as luzes da cidade se acenderem -como era maio, só anoiteceu por volta das nove-, quase se emocionou. 

Já estava combinado que passariam oito dias juntos, não mais, e o romance estava tão bom, mas tão bom, que no terceiro dia ele fez uma proposta: que ela escolhesse qualquer lugar do mundo para passarem o que seria o último fim de semana juntos. Mais romântico, impossível.  

Ela pensou, pensou, pensou. Marrakech? Uma ilha grega? Como mulher vivida e prática, imaginou o tempo que levaria um táxi do centro de Paris até o aeroporto, o trânsito, o check-in, a chegada em outro país, desarrumar a mala, mandar passar o vestido para jantar, todas essas coisas. Sugeriu então ficarem em Paris e passarem o fim de semana no Hotel Ritz, o mais emblemático e luxuoso da cidade, onde ela não havia, jamais, se hospedado. 

Era primavera; ele passou de táxi para buscá-la, o quarto onde dormiriam juntos pela primeira vez era lindo, com o teto todo pintado, com a janela dando para a Place Vendôme; se esqueceram de sair para jantar, pediram champanhe e cerejas e brindaram à vida e ao amor.  

Sabiam que esses seriam os últimos dias que passariam juntos e, sabiamente, não disseram uma só palavra sobre isso, nem falaram sobre se reverem. 

Já sabiam que seria inútil e impossível ir adiante, que a graça daquela paixão era ser perfeita até o último segundo sem um só desgaste, um só momento ruim, e nem uma vez foi pronunciada a palavra futuro, já que ele não ia acontecer mesmo. Ela pegaria um avião na segunda às 10h, ele pegaria o dele -para outro destino- às 2h da tarde. 

Nessa manhã, ela fez tudo para que ele não percebesse, em nenhum momento, que estava um pouco triste, mas ele percebeu. Ela se deu conta disso quando entrou no táxi, olhou para a janela do quarto e viu que ele estava na sacada, olhando ela sair de sua vida para sempre. Se acenaram e nunca mais se viram. 

Os anos passaram, mas ficou a lembrança; a lembrança do fim de semana que passou no quarto mais bonito em que já dormiu na vida. E hoje pensa -acha- que todas as paixões deveriam ser assim. Por: DANUZA LEÃO FOLHA DE SP - 24/06

ENTREVISTA COM JANER CRISTALDO

ENTREVISTA ANTIGA (I) (junho 2003)

Por Diogo Chiuso e Sidney Vida


Entrevistado: Janer Cristaldo

Janer Cristaldo, um dos homens mais cultos deste país. Fala sobre temas polêmicos com grande conhecimento. 


Vale a leitura.


Aloysio Tiscoski

Não é fácil entrevistar alguém que sempre tem algo interessante a dizer, principalmente na hora da edição do texto. Essa é a parte complicada quando o entrevistado é alguém como o jornalista Janer Cristaldo, que deixou clara a impressão de que para cada assunto levantado caberia mais e mais perguntas. 

Felizmente no jornalismo online não temos os problemas técnicos e de espaço em papel, como no jornalismo impresso. Portanto, no final das contas, toda a complicação teve uma simples solução: publicar a entrevista na íntegra, sem cortes, nem edição.

Mas não poderíamos privar os leitores de tentar conhecer como Janer Cristaldo é pessoalmente. Já lá com seus 56 anos, mais parece um garotão entusiasmado com a beleza das mulheres e das lindas cidades européias. Até hoje não possui automóvel, pois preferiu gastar seu dinheiro em momentos bem vividos em viagens à Europa, estampadas em lindas fotos de bares e cafés nas paredes. "Adoro bares, aliás, é meu lugar preferido para a leitura", confessa, apontado, numa das fotos o seu preferido, um café em Viena.

Além da agradável recepção em seu apartamento no charmoso bairro paulistano, Higienópolis, Janer fez questão de nos guiar pela imensa biblioteca que viaja pelo mundo das idéias, da literatura e até dos "inimigos", como refere-se com zombaria aos comunistas. Relembra fatos de sua infância em Dom Pedrito - pequena cidade do Rio Grande do Sul - e fala de suas experiências nos jornais paulistas Folha de São Paulo e Estadão. Considera a imprensa brasileira, apesar de tudo, muito boa por abranger o mundo todo na editoria internacional, diferente da americana e européia que centralizam as notícias em informações "caseiras". Em compensação, critica o jornalista que não gosta de ler e tampouco tem sua própria biblioteca, pois esse profissional, segundo ele, tem a obrigação de conhecer melhor o mundo em que vive.

Hoje, Janer escreve em diversos jornais na internet que dá a ele a liberdade que jamais teria nos de papel, além de não precisar bajular o grande público. Janer é polêmico, mas não por querer ser conhecido, obter fama ou coisa parecida - que aliás diz ter ojeriza a essas coisas - mas, sim, por não ser preso a nenhuma ideologia ou convicção religiosa: "...abandonei Deus lá pelos meus dezesseis, dezessete anos, e senti uma baita sensação de liberdade", afirma com a convicção de quem viveu muito bem a maior parte da vida sendo ateu.

Janer Cristaldo é a essência do homem anti-politicamente correto, no sentido de, com responsabilidade, falar o que pensa sobre qual for o assunto, sem se importar com as reações adversas e o ranger dos dentes daqueles que crêem nos objetos de suas críticas.

Portanto, o que o leitor verá a seguir são análises sérias e contundentes de um homem que tem o que dizer, em contrapartida dos papagaios que encontramos aos montes arrotando a sabedoria alheia, por não ter a capacidade de pensar por si mesmo.

Atualmente a religião Católica, que é a mais praticada no Brasil, parece estar meio sem rumo. Antigamente tínhamos o conhecimento muito vinculado aos colégios católicos, além dos grande filósofos da Igreja como São Tomás, Santo Agostinho etc. O que aconteceu para que a Igreja Católica perdesse esse status de produtora de grandes pensadores? 

A meu ver, hoje não há grandes pensadores, nem dentro nem fora da Igreja. É como se os antigos tivessem esgotado todas as formas de enquadrar o ser humano e a realidade, e não restasse aos contemporâneos senão papagueá-los. No campo da filosofia ocorre a mesma coisa. Não se vê mais surgir Sócrates, Kants ou Descartes. O que surgem são repetidores confusos.

Que mais pode acrescentar a Igreja ao que disseram os antigos doutores? Além do mais, a Igreja tem uma espécie de AI-5, o dogma, que inibe todo pensamento. Católico algum pode negar o dogma. Até mesmo um marxistóide como Leonardo Boff tem de engolir a virgindade de Maria, tanto que ele escreveu um livrinho, A Ave Maria - o Feminino e o Espírito Santo, endossando esse fenômeno típico de certos pulgões da lavoura, a partenogênese. O pensador católico tem também de engolir que o pão consagrado não é mais pão, mas carne, e o vinho consagrado não é mais vinho, mas sangue. Mas atenção: pão e vinho não são símbolos da carne e do sangue, mas a própria carne e sangue. Ou seja, todo católico é no fundo um canibal ou hematófago. Impossível pensar a partir de dogmas.

Só poderia surgir algum pensamento na Igreja no momento em que esta abandonasse o dogma. E não só o dogma, mas também boa parte dos livros do Antigo Testamento, e mais alguns do Novo, particularmente aqueles que defendem genocídio, massacres, escravidão. Que esses livros permaneçam como documentos históricos, muito bem. Mas deveriam ser eliminados do corpo doutrinário de uma religião contemporânea, particularmente de uma religião que se pretende defensora dos direitos humanos.

Embora o sr. seja ateu, deve concordar a base moral dos últimos dois milênios da humanidade foi erguida sobre os ensinamentos judaico-cristãos. Como o sr. vê os ataques mútuos entre ideologias e religiões, principalmente no século XX? 

Em primeiro lugar, vamos acabar com essa história de sr. Até parece que tu és mais jovem que eu (risos). Continuando: vocês falam na base moral da humanidade. Da humanidade, não. Mas do Ocidente, pois no Oriente a realidade é outra. Mesmo assim, a esses elementos judaico-cristãos se deve acrescentar o legado greco-romano. Juntem-se esses ingredientes todos e temos o que se convencionou chamar de Ocidente. Quanto aos ataques mútuos, estes decorrem do problema que já apontei, o dogma. Aliás, antes de serem mútuos, são internos. A negação dos dogmas provocou cismas, perseguições, massacres, fogueiras.

Depois, surge o problema do monoteísmo, a origem da maior parte das guerras. Com tanta pedra no deserto, Maomé inventou de subir aos céus a partir de uma rocha sagrada para os judeus. Esta história é curiosa. No espaço de uma noite, Maomé voou de Meca a Jerusalém, montado em uma mula alada chamada Burak, com cabeça de mulher e rabo de pavão. Lá, da rocha onde Abrahão iria sacrificar Isaac, subiu ao céu para receber a revelação. Toda pretensão árabe a Jerusalém, todo o atual derramamento de sangue no Oriente Médio, tem no fundo esta lenda estúpida. Árabes e judeus até hoje estão se matando em função da luta pelas mentes de dois deuses ciumentos, Alá e Jeová. Católicos e protestantes estão se entredevorando na Irlanda, shiitas e sunitas se massacram no mundo islâmico, cristãos e muçulmanos se mataram com gosto nas recentes guerras iugoslavas. Melhor o antigo mundo grego. Os deuses eram tantos que soaria ridículo um deles se declarar como único. 

Qual o seu conceito de Deus? 

Não tenho conceito algum de deus. Se tivesse, seria um crente. Tenho, isto sim, um conceito da idéia de deus. Esta idéia responde, de forma primitiva, é verdade, aos mais profundos anseios humanos. Primeiro, serviu como tentativa de explicar o inexplicável. A medida em que o homem desenvolvia seu conhecimento, esta idéia foi sendo relegada a um segundo plano. Quando a física, a química, a biologia começaram a tornar o universo compreensível, deus foi se reduzindo à sua insignificância. Isto permite que, no final do XIX, Nietzsche proclame: Deus morreu. Verdade que o alemão se enganava. As multidões contemporâneas, cada vez mais famintas de misticismo, reduziram o brado de Nietzsche a um ingênuo wishfull thinking.

Hoje, Deus é uma espécie de esperança para as grandes massas incultas. Aliás, desconfio que as pessoas que dizem crer em Deus, pouco estão se importando com o tal de Deus. O que importa realmente é a transcendência da própria alminha. Encontramos isto mesmo no universo pagão. Que eram os deuses lares, manes e penates romanos, senão reencarnações dos próprios antepassados? O homem que cultuava seus lares estava em verdade cultuando seus mortos. A família era mais sólida naquele mundo pagão. A progênie era uma benção e a infertilidade uma maldição. Quem não procriasse, uma vez morto não teria quem lhe oferecesse os manjares que agradam aos lares.

O ser humano é um bicho que se viciou com a vida, aspira ardentemente à eternidade. O que, se pensarmos bem, é um grande engodo. Se uma vida já cansa, imagina ser eterno. Deus ainda tem algum prestígio porque promete vida post-mortem, paraíso ou inferno conforme os méritos do cliente. Se um deus dissesse: “olha, te comporta como quiseres, não tenho nada a ver com isso, afinal depois da morte não existe nada mesmo”, é claro que esse deus não teria Ibope. Eu ousaria avançar que, no fundo, ninguém crê em Deus. Prova disto é o pavor dos crentes na hora da morte. Ora, a morte propicia o encontro com Deus. Deveria ser ardentemente desejada. Mas não é isto que ocorre. Na hora do jesus-está-chamando, até mesmo o papa busca medicina de ponta. Em A Peste, pela voz do padre Panélou, Camus fala de antigos cristãos que se envolviam em lençóis usados pelos pestíferos, para morrer depressa e mais depressa se encontrarem com Deus. Este tipo de cristão não existe mais.

Alguns pensadores - e até o senso comum - costuma associar a crença em Deus a manutenção de comportamentos éticos (os dez mandamentos, por exemplo). O escritor Dostoievski chegou a afirmar que, se Deus não existe, tudo é permitido. Há, no entanto, diversas interpretações para tal frase da mesma forma que parte da filosofia ergueu uma ética sem Deus. Uma pessoa, enfim, pode ter uma vida de virtudes sem Deus, sem esperar as recompensas transcendentais que as religiões oferecem? Qual a sua posição diante de tal dilema? 

Vamos aos fatos. Em primeiro lugar, Dostoievski nunca afirmou isso. Se alguém afirmou, teria sido Ivan Karamazov, um de seus personagens. Não se pode confundir personagem com autor. Em segundo lugar, Ivan tampouco afirmou isso. Quem o afirmou foi Sartre, ao escrever que o existencialismo francês estava fundamentado no argumento de Ivan Karamazov, de que se Deus não existe, tudo é permitido. Os fatos são um pouco diferentes. Em verdade, Ivan conclui que se Deus não existe, não existe imortalidade. E “se não existe imortalidade, não existe virtude”. O que, aliás, confirma minha tese: o que preocupa realmente as pessoas é a transcendência.

Para efeitos de raciocínio, admitamos a proposição “se Deus não existe, tudo é permitido”. É uma proposição safada. Dita por um libertino, significaria que tudo é permitido mesmo, já que Deus não existe. Elimina-se qualquer ética, como se ética dependesse da existência de Deus e não de um acordo entre homens. Dita por um crente, é um alerta: cuidado, se Deus não existe, tudo é permitido. Para que tudo não seja permitido, é preciso que Deus exista. Mas de que deus fala quem assim fala? É bom que lembrar que, no universo do monoteísmo, os deuses são vários. Mesmo na Bíblia não existe um só. A que deus se referem esses pensadores e o tal de senso comum? Ao que não só permite, mas também ordena guerras, massacres, pestes e catástrofes? Ou àquele outro que fala em amor e perdão? É bom ainda lembrar que este deus amoroso do Novo Testamento, segundo o Apocalipse, deve voltar a ferro e fogo para fazer tábula rasa do planetinha. Pela primeira vez, nos textos sagrados, Cristo monta um cavalo, arma de guerra.

Quanto aos Dez Mandamentos: estamos naquele período histórico em que religião não se distingue de legislação, onde ainda não há Estado mas apenas um poder religioso. Ora, isto faz mais de três mil anos. De lá para cá, o homem ocidental foi suficientemente sensato para separar as duas coisas. Uma das grandes confusões de nossos dias é a falta de distinção entre preceito religioso, preceito ético e lei. Lei deve ser cumprida, sob pena de sanção. Preceito ético pode ser cumprido ou não, depende do conceito de ética de cada um. Pode até ocorrer alguma sanção da comunidade, em caso de transgressão, mas esta sanção não tem o aval do Estado, nem pode ser exercida através de força policial. Quanto ao preceito religioso, este deve ser cumprido apenas pela comunidade que crê naquela religião. Ou pelo menos assim deveria ser. Que os cristãos considerem pecado o aborto ou o homossexualismo, isto é um problema que diz respeito apenas à comunidade cristã. Tal condenação não pode ser imposta a um Estado laico, como pretendem os papistas.

Pessoalmente, não preciso de Deus nem de recompensas transcendentais para ser honesto. E penso que não somos poucos os que assim pensamos.

Mas no Brasil a questão religiosa é complicada. A maioria é católica, porém, nada impede que freqüentem terrenos de candomblé ou até sigam as doutrinas espíritas de Kardec, que aliás, o Brasil é um dos únicos países que ainda levam à sério a "ciência-religião" deste francês. Na sua opinião por que há esse desespero em querer salvar a alma? Neste sentindo o ateu é mais tranqüilo, já que sabe que seu fim não é a eternidade proposta pelas religiões? 

O candomblé se deve à porção africana do Brasil. Há toda uma população que não se reconhece no deus e santos brancos europeus. Apela então às tradições animistas africanas. É uma religião de negros e pobres, mas que gera muito dinheiro e poder, particularmente na Bahia. Até um comunista empedernido como Jorge Amado achou melhor fazer o jogo dos orixás. Quanto ao espiritismo, foi uma fórmula encontrada por um setor das elites brasileiras para escapar ao catolicismo sem cair no animismo. O kardecismo tem suas origens no mesmerismo, doutrina proposta pelo austríaco Franz Anton Mesmer, para quem a alma humana ultrapassava os limites do corpo e atuava fora dele. Que o corpo humano emitia radiações, compostas de elementos materiais, que seriam os veículos transmissores da ação da alma e que continham forças vitais. Kardec - em verdade Denizard Rivail - aproveitou esses elementos, mesclou-os com uma teoria da reencarnação e estabeleceu bate-papos com os espíritos através de mesas girantes. Não sei se já observaste, mas muita gente que perde um filho ou pessoa próxima, logo é assediada pelos espíritas. Na ânsia de transcendência, de comunicação post-mortem, há pessoas que caem no engodo. É uma variante mais pragmática da vigarice da vida além-túmulo dos cristãos.

Kardec está sepultado no Père Lachaise, em Paris. Multidões de brasileiros visitam sua tumba. Se fores perguntar a um francês quem foi Kardec, ele não te dirá nada, pois nem sabe de quem se trata.

Eu não saberia dizer nem onde nem quando surge essa idéia estúpida de salvar a própria alma, aliás tão estúpida quando a idéia de alma. Isto é tarefa para historiadores, mas obviamente o cristianismo não é inocente neste imbroglio. Claro que o ateu é um homem mais tranqüilo, ele dispensa muletas espirituais. Mas atenção: há dois tipos de ateus. Há aquele que simplesmente não acredita em Deus nem na craca metafísica que vem junto com essa idéia, nem faz proselitismo. Existe ainda um outro, o ateu militante, aquele que procura adeptos para reforçar sua descrença. Este, na verdade, está doidinho para acreditar em deus. Mal um deus qualquer lhe pisca um olho numa esquina, ele adere de corpo e alma à nova crença.

Então Marx acertou em dizer que "a religião é o ópio do povo"? 

Ópio do povo e mais um pouco. Fonte de renda e poder para elites, atraso para o pensamento e para a ciência, um peso inútil para o indivíduo. No caso da Igreja Católica, é um tremendo fator de miséria para o Terceiro Mundo. O Vaticano tem assento na ONU e sempre se opõe às políticas de controle da natalidade. Fator de insalubridade, também. Toda vez que as autoridades falam em preservativos para conter a Aids, não falta padre ou bispo que se manifeste contra. O Congo, que tem uma população de 52% de católicos, está sendo arrasado pelo HIV, graças aos padres que se opõem ao preservativo. Estas políticas merecem um só adjetivo: criminosas.

Vamos falar de literatura. Na sua opinião, qual o valor dos livros na vida de uma pessoa? E quais livros uma pessoa jamais deveria deixar de ler? 

Sem livro, não há cultura. Vê os índios, por exemplo. Há tribos ágrafas no Brasil que continuam chafurdando no paleolítico, para alegria e sustento dos antropólogos. O livro, primeiramente, com Gutenberg, e depois a democratização do livro, com Aldus Manutius, foi uma poderosa ferramenta do desenvolvimento humano. O livro liberta, nos livra de idéias preconcebidas, de crendices e religiões. Ensina e humaniza. Tem mais: se não for instrumento de libertação, de informação e de degustação estética, para nada serve. Curiosamente, um dos primeiros livros que me ajudou a jogar fora idéias religiosas, foi a Bíblia. Não há fé que resista a uma leitura atenta da Bíblia. Lendo-a com atenção, vê-se que deus é uma criação humana, e seu conceito depende de época e geografia.

Mas o livro também tiraniza. Já deves ter notado o poder de que se imbui um desses pregadores de rua, ou mesmo de púlpito, ao brandir uma bíblia. Eles se apegam apenas a alguns aspectos da bíblia, os que mais convêm a seus dogmatismos, e ameaçam a clientela com inferno, fogo e sofrimento eterno. Não por acaso, o livro predileto deles é o Apocalipse. 

Quanto aos livros que uma pessoa jamais deixaria de ler, a pergunta é complicada. Eu diria que, ocidentais, todos temos de dar uma olhadela em Platão e seus Diálogos. O Quixote é outro grande livro, mas atenção: é preciso que o leitor goste da ironia literária, da Espanha e, principalmente, da antiga Espanha. Sem isto, o Quixote pode tornar-se uma leitura maçante. As Viagens de Gulliver, de Swift, este tremendo libelo contra as instituições humanas, é outro livro importante. 1984, de Orwell, é fundamental para conhecermos o debate do século passado. Para se ter uma idéia das instituições do Ocidente, eu sugeriria A Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges. Para bem entender os fundamentos de nossa cultura, importante ler A História das Origens do Cristianismo, de Ernest Renan. São sete volumes, mas é leitura que prende. Particularmente para quem gosta de viajar, é uma visita - ou revisita - a Jerusalém e Roma antigas.

Em matéria de poesia, penso que Fernando Pessoa é o grande poeta do século passado, apesar de a universidade tentar destruí-lo com suas análises teóricas. E sou apaixonado por José Hernández, este poeta maior da América Latina, tão pouco conhecido no Brasil. Martín Fierro é certamente o poema que mais adoro. A propósito, se alguém não o conhece, aqui está: http://www.literatura.org/Fierro. 

Mas isso são as minhas leituras. Um outro leitor certamente proporia outras. A leitura da Bíblia também é fundamental, não posso considerar culto quem não a tenha lido. Mas é preciso lê-la sem fé, sem idéias preconcebidas, ou então a leitura só serve para reforçar fanatismos.

A literatura e a intelectualidade já estiveram muito ligadas à boemia, principalmente nas décadas de 1920 e 1930, em que muitas obras "nasceram" em meio a conversas de bar. Você não acha que existe hoje uma certa predominância do meio acadêmico no processo de produção literária? O escritor Gore Vidal acha, por exemplo, que a literatura norte-americana praticamente transferiu-se para a universidade, confundindo-se com a crítica literária. Não há uma separação muito abissal entre o escritor que narra as coisas do cotidiano dos que fazem sua literatura com base na cultura adquirida na universidade? 

Considero a literatura como uma expressão da revolta. Ou a literatura contesta a própria época, ou é mero entretenimento. A universidade é uma instituição fortemente ancorada no stablishment. Quando a universidade adota uma obra, é porque essa obra já perdeu sua força de contestação.

O suporte da indústria do livro, hoje, é a universidade. Se um dia o livro foi um instrumento sem o qual a universidade não podia existir, hoje a universidade é um instrumento sem o qual a indústria do livro perde seu vigor. O que era fim, a aquisição de saber através da universidade, se tornou meio para sustentação de um comércio. E o que era meio, o livro como instrumento de deleite espiritual ou comunicação do saber, tornou-se fim, uma mercadoria como qualquer outra, para alegria de editores e massagens no ego de escritores com boas relações junto ao MEC e crítica acadêmica. Claro que estou falando da área humanística da universidade, e particularmente dos cursos de Letras. Na área científica e tecnológica encontramos mais seriedade.

A universidade está até mesmo determinando como deve ser feita a literatura. Há milhares de escritores escrevendo para agradar acadêmicos. Mais ainda: a universidade preserva em formol autores que há muito deveriam estar sepultados. Os acadêmicos criaram um mercado artificial, que chamo de indústria textil - textil assim mesmo, sem acento, a indústria do texto - e só assim certos defuntos ainda nos chateiam. Machado de Assis é um deles. Duvido que algum editor apostasse na publicação do Machado se este não fosse leitura obrigatória de vestibulares e ementas universitárias. Mas Machado até que tem algum valor, como referência histórica. Que mais não seja, como cronista de sua época. O pepino são as clarices lispector da vida, as lígias telles, os guimarães rosas. São elefantes brancos que estariam repousando em paz nos cemitérios de paquidermes, não fosse a venda forçada imposta pela universidade. Guimarães Rosa, por exemplo. Todo mundo cita e ninguém lê. Não fosse a pressão universitária, jamais seria reeditado. Além disso, em Grande Sertões, perdeu uma excelente oportunidade de escrever o grande romance homossexual brasileiro. Diadorim era mulher. A família está salva.

Certa vez, em uma palestra na PUC de Porto Alegre, afirmei mais ou menos isso. Após a palestra, uma professora me procurou. Disse-me sentir-se gratificada ao ouvir aquilo, pois ela não suportava a Clarice Lispector, seus alunos abominavam a Clarice Lispector e ela tinha de impor a Clarice Lispector a seus alunos. O que me espanta em tudo isto é que os universitários engulam calados estas imposições curriculares, sem nenhum protesto, nenhuma proposta de mudança de currículo. Há uma indústria estatal no país, títulos que são impostos à rede escolar por compadrismos dos autores ou herdeiros de autores junto ao MEC ou universidades. A audácia que se atribui aos jovens é mero chavão. Os jovens são covardes e, de um modo geral, engolem tudo que se lhes serve.

Denuncia-se muito a corrupção no governo neste país, mas ninguém ousa denunciar a corrupção no santo dos santos, a universidade. Lygia Fagundes Telles, por exemplo, que participou de uma comissão que escolheria 300 títulos a serem comprados pelo Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação, teve o desplante de sugerir um livro seu, Ciranda de Pedra para a lista dos trezentos. Do dia para a noite, sua cotação subiu nesta suspeita bolsa de valores. Segundo a revista Veja, seu passe foi comprado pela editora Rocco, para a publicação de doze livros, por 500 mil reais. Ora, isto é corrupção.


sexta-feira, 22 de junho de 2012

DEUS NÃO É CRISTÃO

Querido leitor, paz! Hoje vamos refletir sobre Deus e o cristianismo. O artigo de hoje vem sendo protelado há alguns meses. Parte de mim dizia para escrever e outra parte dizia para não escrever, mas, enfim, depois de uns bons meses, decido escrever. Como o leitor sabe, escrever diariamente sobre questões filosóficas, econômicas, teológicas, enfim, sobre questões gerais, sem dar um conselho, um direcionamento, tudo isso é uma tarefa desafiadora. E tenho tentado nesses quase dois anos do programa Como o Mundo me Parece. E, na grande maioria das vezes, conseguido lograr êxito. Eu acho. Tenho observado durante todo este tempo que quando toco no tema espiritualidade e acabo entrando na religiosidade, menciono, é claro, o mestre Jesus Cristo. Pouco ou quase nada de ponderações. Mas que em outras ocasiões, quando também menciono outros iluminados como Krishna, Maomé, Buda, dentre outros, aqui, somente aqui, quando não falo do cristianismo com exclusividade, recebo críticas pesadas. Confesso que isso me mexeu muito e procurei refletir sobre a questão sem fazer o mesmo jogo de alguns de meus interlocutores, que é jogar com o preconceito. Minha reflexão mais aguda continuou até a semana passada, quando acalmei minha alma ao me deparar com um livro esclarecedor cujo título é instigante: refiro-me ao livro “Deus não é Cristão”. Escrito pelo arcebispo da Igreja Anglicana da África do Sul, Desmond Tutu, o livro “Deus não é Cristão” é uma boa fonte aos homens de boa vontade, a perceber que Jesus é verbo, não substantivo. Desmond Tutu está longe de ser um líder cristão convencional, já que sua presença na mídia é constante, mas não dirigindo programas evangelísticos de TV ou vendendo bíblias e livros. Sua imagem e sua história estão ligadas as lutas pacíficas por igualdade social e racial, pela dignidade do ser humano, pela tolerância e, é claro, pela paz, causa que lhe valeu o Prêmio Nobel da Paz em 1984. Tutu não tem medo de gerar debates em torno de um tema tão delicado, pois, para ele, há uma insistência milenar do ser humano em se arvorar como “dono da verdade”. Quando escreve que Deus não é cristão, o arcebispo, que é cristão, faz questão de ressaltar que a obra não se trata de um livro contra o cristianismo, e sim, uma forma franca de demonstrar que é possível identificar manifestações da misericórdia e do amor divino em todo o mundo, em diversas religiões e líderes iluminados. Em outras palavras, Deus não é patrimônio único de cristãos, muçulmanos, budistas, judeus ou fiéis de quaisquer credos, mas uma realidade incontestável em toda atitude de graça. Mesmo que o filho não siga as orientações do pai e que até não reconheça o criador como pai, o filho vai ser sempre filho. Ou um é mais filho que o outro? Faço minhas as palavras de Desmond Tutu, como privatizar, como deixar exclusivo algo que é universal? Afinal de contas, boa parte da humanidade não tem Cristo como mestre e outra parte sequer ouviu falar na sua vida, nos seus milagres. Ao rezar “meu Deus”, talvez pudéssemos refletir mais profundamente sobre o “nosso Deus”, “o Pai nosso”, pois em sua causa ainda se faz guerras, matou-se milhões de pessoas e se justificou a exploração econômica como a escravidão quando se dizia que o negro não tinha alma. Deus não tem chancela, não tem agremiação, não tem país. Deus é a união de todos os “Eus”, por isso De Eus, por isso Deus. Que tenhamos sabedoria para respeitar as diferenças e que estas nos levem cada vez mais ao Pai, embora existam muitas moradas na sua Casa. É assim como o mundo me parece hoje. E você, o que pensa sobre a exclusividade de Deus? Por: Beto Colombo

quinta-feira, 21 de junho de 2012

EGOÍSTA

Se alguém lhe perguntasse se você é uma pessoa egoísta, qual seria sua resposta? Sim? Não? Depende? Depende do que? O egoísmo em nossa sociedade é visto como um defeito, uma marca que algumas pessoas têm. Não é bonito ser visto como egoísta, mas será que realmente sabemos o que é ser egoísta? Consultando a internet achei um conceito bem interessante, lá diz que o egoísta é uma pessoa que tem o hábito ou atitude de colocar-se sempre em primeiro lugar. O detalhe é que a definição diz que estas pessoas se colocam em detrimento dos outros, ou seja, não interessa o outro, mas apenas eu. E, para finalizar, a definição diz que o egoísmo é o contrário do altruísmo. Se pensarmos nesta palavra partindo de sua definição talvez possamos ter um entendimento diferente. A palavra egoísmo vem de duas palavras latinas “ego”, que quer dizer eu e “ismo”, que quer dizer prática de. Então, segundo essa definição a palavra egoísmo pode ser traduzida como a prática do eu. Assim, quando estou a pensar em mim estou a praticar eu, ou seja, exercitar meu eu. Mas cada um de nós tem uma quantidade imensa de conteúdos que podem ser exercitados dentro de si. Quando você sai pela manhã e vai caminhar, enquanto exercita o seu corpo, os benefícios que deseja para sua saúde podem ser considerados egoísmo? Quando você levanta cedo e só vai dormir tarde porque trabalha muito e quer ganhar bem, isso é egoísmo? Quando você se veste bem, cuida da aparência, lê bons livros e procura conhecer uma mulher bonita, inteligente que lhe faça feliz, isso é egoísmo? Quando entra num supermercado, compra bons produtos, procura o melhor para si, isso é egoísmo? Eu sei, alguns já estão de olho na palavra detrimento, dizendo que o egoísmo é pensar em mim em detrimento do outro. Há um santo que dizia em seu tempo: “Tudo que eu tenho a mais do que eu preciso, não é meu”. É inevitável que enquanto eu ganhe bem, alguém ganhe mal, enquanto eu coma bem, alguém esteja comendo mal. Não há como evitar a desigualdade, uns com mais e outros com menos. O egoísmo é ou pode ser entendido como uma forma de se colocar como prioridade, coisa que muitas pessoas o fazem. E quem coloca o outro como prioridade, porque este não é errado? Por que isso não é feio? No egoísmo ou exercício do eu, há uma parte da qual não se comenta. Pensem em pessoas que são muito boas, querem para si o melhor, mas estas pessoas acreditam que sua família faz parte delas. Nestes casos tudo o que elas conquistarem, provavelmente também será de sua família. É o caso do pai de família que é extremamente egoísta na empresa, porque ele é quatro. Quando ele pensa nele mesmo está pensando na esposa e mais dois filhos, o exercício do eu dele alimenta quatro pessoas. Quando alguém exercita o seu egoísmo, devemos observar melhor o que essa pessoa anda exercitando e ainda, quem é ela. O eu de algumas pessoas são os seus amigos, o eu pode ser sua família, o eu pode ser a sua empresa. Então, quando pensarmos em egoísmo, seria interessante pensar antes em quem sou eu e o que eu estou exercitando. Meu egoísmo pode alimentar muita gente. Rosemiro A. Sefstrom

quarta-feira, 20 de junho de 2012

OS DUELOS E O ABRAÇO

Querido leitor, aceite o meu caloroso abraço. Nossa reflexão hoje é sobre os duelos, o abraço e a gripe A. Ainda na idade média existia um costume entre os homens que era no mínimo curioso para os olhos de hoje, refiro-me aos duelos. Para que esses acontecessem, bastava que uma das partes se sentisse ameaçada ou até humilhada por outro que logo era desafiado a duelar. “Amanhã, às 10 horas na praça”, era a senha. “E você escolhe as armas”. No dia e hora marcados, além do desafiado e o desafiador, muitos curiosos iam para o local acompanhar, no dizer de Gabriel García Márquez, a crônica da morte anunciada. Mister se faz esclarecer que, mesmo sabendo que daquele confronto um sairia fatalmente ferido ou morto, era uma desonra não comparecer ou fugir. Importante colocar que neste tempo também era hábito corrente entre as pessoas o fraterno abraço. Afinal de contas, o que fazer nesta existência se nem abraçar se pode? Um pai abraçar um filho? Um namorado abraçar sua namorada? Um amigo abraçar outro amigo? Um conhecido abraçar outro conhecido? Abraço. Mas, voltemos ao duelo. Antes de cada uma das duplas duelarem mortalmente, elas eram aproximadas e era comum, por incrível que pareça, o abraço. Contudo, começou a ser corrente as punhaladas traiçoeiras de um membro e, então, abandonou-se o abraço e começou-se a usar o aperto de mão. O que é um aperto de mão, se não o abraço das mãos? Passou-se o tempo e aquela questão específica de não abraçar mais porque alguns poderiam “apunhalar” traiçoeiramente o outro, alastrou-se para toda a comunidade, foi para a sociedade em geral, atravessou muros, fronteiras e regiões e chegou a paragens que jamais duelou; sequer sabia que “abraço pode matar”. Pronto! Houve a fixação, a paralisação numa ideia equivocada, formando uma opinião distorcida. Resultado: o ser humano se afastou mais de si, da sua essência amorosa e foi ao encontro do cotidiano gélido e insosso. Como alguém pode viver sem abraço? Em consequência disso, os pais se afastaram dos filhos, os namorados ficaram mais longes uns dos outros, os amigos se contiveram, os conhecidos só abanaram as mãos de longe. Perdemos todos, pais, amantes, amigos e conhecidos. Perde a sociedade global que, afastada, fica mais deprimida, mais estressada, fica mais doente. Lembrando que isso é assim para mim. Hoje, não duelamos mais, pelo menos daquela forma de há séculos. O duelo hoje é branco, é velado, mas estamos entrando por um período assaz preocupante com a gripe A, ou gripe suína. Nos meios de comunicação, o que se vê é sugestão para não beijar, não se encostar e, se possível, andar de máscaras. Nas escolas, existem guardiões para evitar que as crianças troquem brinquedos, compartilhem lanches. Nas igrejas, o pedido é que evitem os cultos e missas, que não se cumprimentem e muito menos se abracem. Mais uma vez, como há séculos, estamos diante dos traiçoeiros como nos duelos. Hoje estamos diante de uma questão específica de um vírus de inverno e a prudência nos faz nos afastarmos como instinto de sobrevivência. Mas, espero que não repitamos o que ocorreu com os duelos e esqueçamos que o afastamento era por pouco tempo, afinal de contas, nossa gênese é morar juntos, é viver juntos, é estarmos juntos na mesma casa, na mesma cidade, no mesmo planeta. Olhando no olho, encontrando as mãos (sem luvas), beijando os rostos (sem máscaras) e nos abraçando (sem duelos). É assim como o mundo me parece hoje. E você, o que pensa sobre o abraço e a gripe?Por: Beto Colombo

terça-feira, 19 de junho de 2012

TESTEMUNHAS DE UM CRIME

Emma (nome fictício) tem 32 anos. Foi estudante de medicina, e os colegas dizem que era uma pessoa inteligente e agradável. O que os colegas não sabiam é que, desde a adolescência, Emma sofria de distúrbios alimentares graves, que a conduziram a uma anorexia severa. Agora, aos 32, Emma deixou de se alimentar e expressou seu desejo de morrer. Acabar com o tormento é para ela mais importante do que continuar com uma vida que, aos seus olhos, perdeu o valor. E os pais de Emma? Os pais concordam. Sim, eles gostariam que a filha tivesse uma vida normal, uma família, uma profissão, que morresse um dia, na velhice, rodeada por netos ou bisnetos. Mas a realidade é outra: a filha sofre há vários anos. De forma atroz. Respeitar seu desejo de morte é, talvez, o gesto mais caridoso daqueles que a amam. A história descrita não é invenção minha. Foi levada perante a Justiça inglesa recentemente -e o juiz responsável pelo caso, Peter Jackson, decidiu: Emma será alimentada à força, mesmo que isso signifique imobilização física e sedação. Hoje, Emma pode olhar para a sua vida e não encontrar qualquer valor ou propósito. Mas um dia, recuperada psicologicamente, a perspectiva de Emma pode ser outra. Claro que o juiz sabe que, mesmo com alimentação forçada, as hipóteses de sobrevivência de Emma são reduzidas: meses seguidos de quase jejum completo deixaram o seu organismo em estado deplorável. Mas é preciso não desistir, diz o juiz. Mesmo contra a vontade da própria moça, pois só a morte é irreversível. Eis a história que tem comovido e dividido a sociedade inglesa. Os argumentos de ambos os lados são conhecidos: há quem aplauda o juiz pela "decisão mais difícil de uma carreira" (palavras do próprio). E há quem condene a sua sentença abusiva: a autonomia do sujeito, em matéria médica, é soberana. Eu devo poder recusar os tratamentos que bem entender mesmo que isso resulte em minha morte. Entendo todos os argumentos. Teoricamente, e de acordo com as circunstâncias, sou capaz de simpatizar com ambos. Mas existe um terceiro elemento que paira sobre o caso e que, a meu ver, praticamente o decide. Esse terceiro elemento somos nós. Nós, testemunhas potenciais da autodestruição de um ser humano. Nós, testemunhas silenciosas dessa autodestruição. Anos atrás, o ensaísta e psiquiatra Anthony Daniels, nome verdadeiro do autor britânico Theodore Dalrymple, publicou na revista "The New Criterion" texto sobre as implicações éticas das diferentes formas de "morte assistida" ("Do We Own Our Lives?", fevereiro de 2009). Por diversas vezes já me referi a esse texto aqui. Retorno a ele sem hesitar. É um texto primoroso porque oferece uma comparação primorosa: se alguém decide saltar de uma ponte, o gesto é autônomo, pessoal -e, palavra decisiva, solitário. Nada a fazer, tudo a lamentar. Mas nenhuma pessoa saltará de uma ponte se eu estiver passando por ela e puder evitar o ato. Nesse momento agônico, a infeliz criatura pode espumar e espernear. Ou, inversamente, pode até dissertar com propriedade e inteligência sobre sua vida miserável, desprovida de rumo ou sentido. Nada disso me convence a largá-la. Qualquer um pode cometer violência sobre si próprio. Não existe qualquer legitimidade para que a violência de terceiros sobre eles próprios me seja imposta também. Como conclui Anthony Daniels no ensaio, a vida só nos pertence até certo ponto. Mas ela é também o resultado da teia de afetos, ligações e obrigações que estabelecemos uns com os outros. Emma, 32 anos, ex-estudante de medicina, podia ter seguido outro caminho. Podia ter procurado uma cabana no fim do mundo para se despedir do seu calvário. Longe dos nossos olhos -e, tristemente, com o conhecimento e a compreensão de seus pais. A partir do momento em que o seu caso é trazido perante a comunidade, ele deixa de ser apenas um caso pessoal e isolado. Passa a ser também a medida do que somos enquanto civilização. Se a Justiça inglesa tivesse permitido que um doente psiquiátrico morresse em seus braços, desconfio que seria a sociedade do país a precisar de tratamento intensivo.Por: João Pereira Coutinho, Folha de SP

FILMES DE PÁSCOA

Brandon é um viciado. Não em drogas, não em bebida, nem sequer em pastilhas socialmente aceitáveis. O negócio dele é sexo. 

O leitor sorriu com essa possibilidade: sexo é vício que não mata ninguém. E a ciência médica tem dúvidas sobre isso. "Dependência sexual" será uma compulsão patológica ou a melhor forma de aliviar a consciência da mulher traída? Deixemos de lado essas discussões. Voltemos a Brandon. No início de "Shame", filme de Steve McQueen, ele está deitado sobre uma cama. Tronco despido. Pele branca. Rosto pálido, magro, seco. Lençóis muito azuis. McQueen, o diretor, é também artista plástico. O plano não é inocente: uma evocação perfeita de um Cristo nas suas mortalhas, como os maneiristas o pintaram repetidamente. Aquele homem está morto. Difícil saber se haverá ressurreição. Existe uma sequência do filme que exprime esse óbito -e peço desculpa aos leitores por revelá-la aqui (os interessados podem sempre saltar alguns parágrafos): acontece quando Brandon, o supremo predador sexual, não consegue ter relações com uma colega de escritório. A sequência vale o filme porque é, no duplo sentido da expressão, um "turn off". Os dias de Brandon são o avesso desse fracasso: prostitutas, orgias, encontros casuais em bares -o homem é um garfo insaciável. Tão insaciável que a pornografia e a masturbação servem de aperitivo e sobremesa para os pratos principais. Só que Brandon falha naquele prato. A razão é tão simples e trágica que qualquer admiração adolescente por ele morre ali, na cama: a moça era a única mulher com quem Brandon tivera uma sombra de envolvimento emocional. Jantaram antes. Conversaram trivialidades. Beijaram-se, acariciaram-se. E, quando finalmente chegam aos finalmentes, há um olhar trocado entre os dois -um olhar de desejo, sim, mas sobretudo de vulnerabilidade- que acaba com o nosso garanhão. Ele se afasta, cobre o rosto e sente vergonha, a vergonha de que fala o título. Não a vergonha de ter brochado -Brandon encarrega-se, logo a seguir, de contratar uma profissional para mostrar que ainda é homem. Mas nós, testemunhas de tudo, sabemos que ele não é. E que a vergonha maior é esta mesma: a vergonha de ser incapaz de estabelecer com qualquer ser humano uma ligação substancial. Essa incapacidade será amplificada pela irmã de Brandon, que chega a Nova York e instala-se no seu apartamento por uns dias. Sissy é o avesso do irmão: envolve-se muito, sente muito, magoa-se muito. Brandon não gosta do estilo. Não por se preocupar com a irmã -isso é pedir muito para quem deixou atrofiar a linguagem básica da afeição. Mas porque a irmã devolve-lhe o reflexo da seu incomensurável vazio. "Você me encurrala", grita, na noite em que a expulsa do apartamento. Brandon precisa do seu espaço imaculadamente vazio. "Shame" é um dos filmes do ano. Porque há muitos anos o cinema não mostrava, de forma tão sem piedade e adulta, a intransponível solidão de um homem. 2. Michael Fassbender, em "Shame", é um prodígio de representação dramática que Hollywood, na sua temporada de prêmios, não foi capaz de suportar. Mas existe um lugar "ex aequo" para Michel Piccoli em "Habemus Papam". Sou espectador de Piccoli há vários anos e só ele me faria assistir a um filme de Manoel de Oliveira (no caso, "Vou Para Casa", em 2001). Em "Habemus Papam", Piccoli é o cardeal Melville, eleito papa no conclave, que, na hora de apresentação aos fiéis, é acometido por um pânico paralisante. Piccoli é magistral nessa combinação de medo, tristeza e doçura infantil. E o filme de Nanni Moretti, contrariamente ao que foi escrito na Europa, não é um ataque à igreja -ou, mais amplamente, ao cristianismo. Arrisco mesmo dizer que, ao filmar a fragilidade de um homem sobre quem os seus pares (ou o Espírito Santo?) colocaram tão ciclópica tarefa, Moretti realizou uma obra cristã por excelência. "Pai, por que me abandonaste?", teria suspirado Cristo nos momentos finais da sua agonia na cruz. Se ao filho de Deus foi permitido um tal momento de fraqueza, por que não a um mero filho de homens? Por: João Pereira Coutinho

segunda-feira, 18 de junho de 2012

RENASCIMENTO CULTURAL

A civilização continuará produzindo seres humanos que, em ambiente adequado, valorizarão o bem e o belo, o saber e a verdade. Com a sociedade se massificando cada vez mais e mantidas as hegemonias que se instalam no mundo da Educação e da Política, a elite cultural brasileira definhará em importância. 

 Eu sei, o conceito de cultura é mais abrangente que bolsa de mulher. Dentro dele há de tudo e quase tudo que não há, também cabe. Então tratemos de nos entender: 1º) por falta de outra palavra, "cultura" designa, aqui, o bem colhido por quem busca prazer e elevação do espírito no conhecimento e na Arte; e 2º) quando me refiro às vertentes do conhecimento estou falando, principalmente, de Filosofia, Política, Direito, História e Religião. As vertentes da Arte são muitas e proporcionam lazer e prazer. Embora os indivíduos recolham da cultura expressivos benefícios pessoais, mesmo quando individualmente construída ela é socialmente proveitosa. Tanto os que a produzem quanto os que a buscam são essenciais ao progresso das civilizações. Agora, leitor, dê uma olhada em seu entorno. Será impossível não perceber o quanto isso que escrevi vai na contramão do que se vê disponibilizado como se fosse bem cultural ao consumo da população. Felizmente, suponho que por uma questão de pudor, para que não se confunda uma coisa com a outra, música virou som. E, com exceções, sumiram os dois. Ficou o barulho. Pode a música, a boa música, sumir? Pode. A boa música pode. E os livros? Sumirão também? Intuo que vem aí uma geração para a qual livros – em papel ou virtuais - serão objetos de um tempo remoto, coisas da casa do vovô e da vovó. Ainda são vendidos, é verdade, mas não se pode dizer que por muito tempo, nem que parte significativa das vendas atuais expresse muito gosto pela Literatura (exceto se ampliarmos o conceito para abrigar obras de auto-ajuda, vampirismo, histórias sobre animais domésticos e assemelhadas). Filosofia? Dá uma canseira danada. História? Consulte o governo. Ou ele escolhe os livros ou nomeia uma comissão para contar, tim-tim por tim-tim, toda a verdade. De Política não se quer ouvir falar. Na comunicação de massa pela tevê, o que há 20 anos era visto como baixaria e causa de escândalo hoje se afigura como clássico, recatado e requintado. Resumindo, o padrão cultural do brasileiro despenca num escorregador recoberto pela mais sebosa vulgaridade. Não vou me aprofundar nisso para não ficar deprimido. Certas correntes antropológicas promovem verdadeiro terrapleno cultural. Não existe cultura melhor nem pior, superior ou inferior. Tudo é cultura e tudo é apreciável como símbolo de ideias e comportamentos coletivos. No entanto, a civilização continuará produzindo seres humanos que, em ambiente adequado, valorizarão o bem e o belo, o saber e a verdade. Com a sociedade se massificando cada vez mais e mantidas as hegemonias que se instalam no mundo da Educação e da Política, a elite cultural brasileira definhará em importância. Os espaços de decisão serão tomados por aqueles que estabelecerem mais proveitosa interlocução com a massa crescentemente ignara, presa fácil na malha da mediocridade a seu alcance, da mentira bem contada e da promessa sedutora. Precisaríamos muito de um renascimento cultural. Mas como produzi-lo? Onde quer que olhe, não vejo sinais disso. Quase tudo que leio expressa grosseiro menosprezo pela virtude, pelas coisas do espírito e pela elevação da mente humana aos níveis de competência que lhe foram disponibilizados pelo Criador. Sei, sei, só escrevo estas coisas horrorosas, escandalosas, porque sou um conservador, palavra que a novilíngua marxista conseguiu transformar em xingamento. É categoria que, no Brasil, se desdenha. E, neste caso, diferentemente do conhecido aforismo, quem desdenha não quer comparar. Eu escrevi com-pa-rar. Por: ESCRITO POR PERCIVAL PUGGINA | 18 JUNHO 2012 Publicado no jornal Zero Hora.

A PARANÓIA BULLYING

Entro em sala de aula várias vezes na semana. Daí vem muito do que penso acerca dos modismos perniciosos que assolam o mundo da educação. E daí também vem o fato de que, apesar de ser pessimista (nada tem de chique no pessimismo, apenas para quem não o conhece por dentro e o confunde com um estilo melancólico de se vestir), não desisto da vida e vou morar no bosque de "Walden" (ou algo semelhante), como fez o filósofo americano Thoreau no século 19. Hoje vou comentar um caso específico de moda que em breve provavelmente vai destruir qualquer liberdade e espontaneidade na sala de aula: a "paranoia bullying". Se atentarmos para o que o Ministério Público prepara como controle da vida escolar "interna", veremos, mais uma vez, a face do totalitarismo via hiperatividade do poder jurídico. Ao invés de atacar o que deve ser atacado (o lixo que é a escola no Brasil, porque o Estado arrecada impostos como um dragão faminto, mas não dá nada em troca), o Estado e seu braço armado, o governo socialista que temos há décadas, que adora papos-furados como cotas raciais e bijuterias semelhantes, invade o espaço institucional do cotidiano escolar com sua vocação maior e eterna: o controle absoluto da vida nos seus detalhes mais íntimos. E ninguém parece enxergar isso, muito menos a pedagogia e sua vocação, nos últimos anos, para livros bobos da moda e palestrantes de autoajuda. Quando ouço alguma "autoridade pública em bullying", sinto que estou diante de um inquisidor, que, como todos, sempre se acha representantes do "bem". Seria de bom uso dar aulas de história dos perfis psicológicos dos grandes inquisidores, como Torquemada e Bernard de Gui, para essas "autoridades públicas" em invasão da vida íntima das pessoas e das instituições. Eles descobririam sua ascendência direta do grande inquisidor de Dostoiévski ("Irmãos Karamazov"). Em breve, a melhor solução para o professor será a indiferença preventiva para com os alunos. Melhor uma aula burocrática e avaliações burocráticas do tipo "múltipla escolha" ou "diga se é falso ou verdadeiro", mesmo nas universidades, porque assim o aluno não poderá acusar o professor de "desumanidade" ao reprová-lo, ou pior, acusá-lo de bullying porque desconsiderou sua "cultura de ignorante", mas que "merece respeito assim como Shakespeare". Os "recursos" contra reprovação logo se transformarão em processos contra "bullying intelectual". E os fascistas do controle jurídico da vida terão orgasmos. Atitudes como estas destroem a autoridade da instituição, dos profissionais que nela trabalham e transformam todos em reféns da "máquina jurídica". O resultado é que família e escola perdem autonomia. O que este novo coronelismo não entende é que existe um risco inerente ao convívio escolar e que as autoridades imediatas, professores e coordenadores é que devem agir, e não polícia ou juízes. Na minha vida como aluno em universidade tive duas experiências com dois professores que hoje poderiam ser enquadradas facilmente neste papinho de "tratamento desumano", mas que foram essenciais na minha vida profissional e pessoal. A primeira, quando era um aluno da medicina na Universidade Federal da Bahia, ocorreu no dia em que perguntei a um professor como um paciente terminal via o fato de que ele ia em direção ao nada. Ele disse: "O senhor está na aula errada, deveria estar na aula de filosofia". Isso, numa faculdade de medicina, significa mais ou menos que você não tem a natureza forte o bastante para encarar a vida como ela é. A segunda, já na faculdade de filosofia da USP, aconteceu quando um professor me deu zero e disse para procurá-lo. Ao me ver, no meio da secretaria e na frente de vários funcionários e alunos, ele disparou: "Suas ideias são ótimas, seu português é um lixo". Em vez de preparar a polícia para prender bandidos que assaltam casas e restaurantes aos montes, o governo prefere brincar com essas bijuterias, fingindo que cumpre sua função de garantir a segurança pública. Será que isso é medo de enfrentar os criminosos de verdade? Por: Luiz Felipe Pondé, Folha de SP

SOBRE O ASSASSINATO

Na vida real, muitas mulheres que se sabem traídas têm vontade de matar. Algumas até matam 

 A imprensa tem sido amável e discreta, com Elize Matsunaga; reproduziu o diálogo entre ela e seu (ex?) marido do jeito que ela contou, claro, já que não havia ninguém presente, além dos dois. Ok, jornais e revistas devem ser imparciais, mas existe limite para tudo; em certos casos, até para a imparcialidade. Marcos Matsunaga estava traindo Elize? Estava, e se todas as mulheres tivessem o direito de matar os maridos que as traem, sobrariam poucos para contar a história. Ele ameaçou tirar a guarda da filha dela? Todos dizem isso na hora da separação. Foi encontrar a nova namorada no carro (dado por ele) de Elize? Razão para uma certa simpatia pela mulher traída: um absurdo ele usar o carro da própria mulher para sair com a outra. Ela estava visitando a família no Paraná, com a filha e a babá, enquanto ele a traía? Mais digna de simpatia ainda. Seu marido presenteou a nova namorada com um carro? Repetiu o que havia feito com Elize quando a conheceu, ainda casado. Na hora da briga ele a chamou de prostituta? É melhor mesmo que ninguém se lembre nem do que ouviu, nem do que falou nessa hora, tudo faz parte. Não costumam ser coisas amáveis, mas há muitos que esquecem e até fazem as pazes depois. Ele a agrediu fisicamente? Nenhuma novidade, também costuma acontecer. Na vida real, muitas mulheres que se sabem traídas -e sobretudo as que têm uma prova, como o vídeo feito pelo celular- têm vontade de matar. Algumas até matam, a maioria não, mas que muitas têm vontade, isso têm. As que matam costumam ser rápidas; mulher não gosta de ver sangue. Segundo os jornais, Elize vai ser acusada de assassinato e ocultação de cadáver; não por esquartejamento -esse detalhe não deve existir no Código Penal, como também não deve existir a antropofagia, coisas inadmissíveis na cabeça dos que fazem as leis. A morte de uma pessoa querida é sempre dolorosa; se for uma morte violenta, mais dolorosa ainda. Se seguida de esquartejamento, nem dá para imaginar o que deve ter sentindo a família de Marcos Matsunaga na hora do enterro. Não existem palavras para avaliar essa dor. A frieza de Elize é monstruosa. Eu teria medo de deixá-la sozinha com a própria filha, pois ela parece capaz de tudo, e não sei se existe um nome para definir uma doença tão, tão -nem sei o quê. Crimes como esse, confessados e comprovados, não merecem nem julgamento. Não gosto de pensar no que seus advogados vão dizer, na tentativa de absolvê-la; nessa hora, advogados são capazes de tudo. E choca ver que as pessoas não estão dando muita importância ao caso, e que estão tratando Elize como uma pessoa quase normal, com o respeito que se deve dar a qualquer ser humano; só que ela não é um ser humano, é um monstro, e monstros devem ser tratados como tal. Em outros tempos, certos crimes davam manchetes, e até nomes aos assassinos; quem já era nascido deve lembrar da "fera da Penha". Nem lembro mais quem ela matou, mas de como ela era chamada não esqueci. Por que será que um crime tão hediondo como o de Elize quase não mobiliza ninguém, nem numa conversa entre amigos? Está faltando a capacidade de se indignar, e isso é preocupante. Por: DANUZA LEÃO FOLHA DE SP - 17/06