quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

VOCÊ DEVERIA MUDAR!

No consultório de um filósofo de vez em quando aparecem pessoas que querem mudar, achando que o seu modo de viver é errado. Estas pessoas entendem que a maneira como vivem ou agem diante das situações da vida está errada e por isso precisam mudar. No entanto, não raras vezes, depois que o filósofo colhe os dados da historicidade da pessoa descobre que não há nada de errado. Na verdade o que acontece é que o pai, a mãe, o tio, um amigo, uma pessoa que a encontrou em um curso de final de semana, lhe disse que ela estava equivocada no seu jeito de ser. Ao ouvir a sentença do outro sobre seu jeito de ser, a pessoa entende que seria ideal mudar, pois ela não quer estar errada se há um jeito certo.

Em Filosofia Clínica, um dos princípios básicos é a singularidade, ou seja, para um filósofo clínico cada pessoa é única. Por isso, ao receber uma pessoa em seu consultório ele nada mais sabe do que aquilo que se apresenta em sua frente, se a pessoa é alta, baixa, magra, gorda, loira, morena, enfim. Esse entendimento faz com que o terapeuta filosófico olhe para cada pessoa como um fenômeno único, que jamais se repetirá, ou seja, é singular. Com base nesse princípio, quando ele ouve uma pessoa, entende que seu modo de ser é assim por uma série de razões, que muitas vezes a própria razão desconhece. 

Mas, para muitas pessoas acostumadas a verem a novela das sete, os filmes de Hollywod, A Fazenda, Big Brother, para estas existe um padrão social do qual todos são reféns e têm de se adaptar. Por isso escutam-se muitas vezes cursos e livros anunciando, por exemplo, “receita para uma mulher poderosa”, onde existe uma lista de predicados necessários a uma mulher para fazê-la poderosa. No entanto estes textos deixam de lado a singularidade, levam em conta um padrão, um modelo estereotipado de mulher poderosa. Imagine você, o que seria uma mulher poderosa: pode ser que seja uma mulher alta, curvilínea, imponente, sedutora, falante, expressiva, será que essa é uma mulher poderosa? Pode ser que seja apenas uma fachada escondendo uma mulher tímida que sofre muito pode ter de fazer de conta ser alguém que não é.

De acordo com a história de vida de cada pessoa pode-se ver que algumas mulheres são tímidas porque aprenderam que homens gostam de mulheres mais recatadas. E, do seu jeito aprenderam a lidar com sua timidez, dominam o lar, o marido e os filhos, mesmo com a timidez. É básico em Filosofia Clínica e até mesmo para a vida entender que, em cada contexto características peculiares podem ou não ser bem vindas. Imagine que essa mulher tímida, pouco expressiva, quase invisível se torne uma mulher poderosa, faça um curso que mude a sua vida. Agora ela é uma mulher poderosa, mas uma péssima mãe, deixa o marido de lado, perde os valores do casamento e assim por diante. O poder que ela acumulou de um lado, fez dela uma mulher fraca de outro, o que era para ser uma qualidade acabou por se mostrar seu mais novo defeito.

Mas, não se pode dizer que não se deve mudar, claro que se pode mudar, mas ao fazer isso, cuidar para que você se torne cada vez mais você mesmo. Para isso invista naquilo que é seu, que faz parte de você, deixe de pensar que o jeito do outro é o correto ou melhor. Quando alguém lhe recomendar que você deve mudar, antes de mais nada, veja se essa pessoa é um bom exemplo naquilo que diz. Mais ainda, veja se o seu estilo de vida combinaria com o dela ou se a sua história de vida é igual a dela. Provavelmente cada um tem sua história, seu jeito de ser, sua singularidade e se precisa mudar, não é para ser um marionete social.

Rosemiro A. Sefstrom

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A ADÚLTERA DE DEUS

O Deus de Israel sempre amou as adúlteras. Jesus também dispensou cuidados especiais para com elas, e para com as prostitutas, os ladrões e os desgraçados de todos os tipos. Deus parece não resistir à sinceridade do pecador, assim como a filosofia parece amar a verdade do melancólico.

Na Bíblia hebraica, Raquel, a segunda esposa de Jacó (depois chamado de Israel), por muitos anos uma mulher estéril e idólatra por raiva de Deus, enterrada fora do "cemitério da família" por ter sido uma vergonha para esta mesma família, será escolhida por Deus como consoladora do povo eleito no sofrimento.

Raquel é a "mater misericordiae" do judaísmo. Quando Israel sofre, é o nome dela que deve ser lembrado. Deus ama as infelizes e as elege como suas conselheiras. Qual o segredo da infelicidade?

Não se trata de brincadeiras teológicas "progressistas" que erram achando que ninguém é pecador. A pastoral de hoje, vide as igrejas que crescem por toda parte (o judaísmo não escapa tampouco desse vício), cada vez mais se assemelha a grandes workshops de autoajuda ou treinamentos motivacionais. Nada menos cristão do que um Jesus consultor de sucesso. Ninguém quer ser pecador, só santo.

Mas aí reside o erro para com a teologia cristã mais sofisticada: nela, o grande pecador é o mais próximo do santo. A beleza da antropologia do cristianismo está neste sofisticado e denso vínculo dramatúrgico: quando o corpo se põe de joelhos, pelo peso do pecado, o espírito se ergue. Não se trata de dolorismo, mas, sim, da mais fina psicologia moral.

A santidade reside mais na alma do pecador do que na autoestima do "santinho".

Aliás, devo dizer que minha crítica à religião é diametralmente oposta àquela de tradição epicurista ou marxista. Esta, grosso modo, critica a religião porque ela faz do homem um alienado covarde, e que se vende a Deus para ser um alienado feliz. Eu me alinho mais ao pensamento do teólogo Karl Barth (século 20), para quem a religião torna tudo um mistério maior e traz à tona um sofrimento maior, mas que, por isso mesmo, amplia a consciência de nossa condição humana. Sofro, por isso penso, e logo, existo.

Recuso as religiões institucionais não porque elas fazem do homem um medroso, alienando-o de sua felicidade e autonomia (como creem Epicuro e Marx), mas sim porque as religiões fazem do homem um feliz, alienando-o de sua própria agonia. Quando a religião vira marketing, é melhor caminhar só pelo vale das sombras.

Revi recentemente o maravilhoso "Fim de Caso" (filme de 1999, dirigido por Neil Jordan), com a deusa Julianne Moore e Ralph Fiennes. O filme é uma adaptação do romance de Graham Greene e narra a "sua conversão". Trata-se de um fino tratado de teologia, melhor do que grande parte dos livros que afirmam sê-lo.

No filme, a compreensão da íntima relação entre pecado e graça é avassaladora. Nada mais forte do que a graça para iluminar a agonia do pecador para si mesmo: o santo não é um santinho.

A personagem de Julianne Moore é uma adúltera, que ao longo do filme apresentará traços claros de santidade, chegando a realizar um milagre. A adúltera, infiel ao seu marido, destruidora da fé no casamento e no amor que organiza a vida e a sociedade, o tipo mais vil de mulher, é aquela que mais fundo toca Deus em sua paixão pela agonia humana. No cristianismo, Deus leva a agonia humana tão a sério que resolveu Ele mesmo passar por ela, na figura da Paixão de Cristo.

Um musical a estrear, baseado na obra de Victor Hugo (século 19), "Os Miseráveis", com Hugh Jackman no papel de Jean Valjean, fugitivo da cadeia, e Russell Crowe no papel de seu perseguidor implacável Jabert, traz uma das maiores cenas da teologia cristã já representada na arte. Jean Valjean, após ter roubado os castiçais da casa de um padre, e ser pego pela polícia, é perdoado pelo padre que confirma para a polícia a mentira contada por Valjean: "Sim, eu dei os castiçais para ele".

Este ato transforma Valjean. O encontro entre a misericórdia e o pecador é uma das maiores afirmações do sentido da vida. Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

NAMORE UM BARRIGUDINHO!


Tenho um conselho valioso para dar aqui: se você acabou de conhecer um rapaz, ficou com ele algumas vezes e já está começando a imaginar o dia do seu casamento e o nome dos seus filhos, pare agora e me escute! 

Na próxima vez que encontrá-lo, tente disfarçadamente descobrir como é sua barriga. 

Se for musculosa, torneada, estilo `tanquinho´, fuja! ... 

Comece a correr agora e só pare quando estiver a uma distância segura. É fria, vai por mim. Homem bom de verdade precisa, obrigatoriamente, ostentar uma barriguinha de chopp. Se não, não presta. 
Estou me referindo àqueles que, por não colocarem a beleza física acima de tudo (como fazem os malditos metrossexuais) , acabaram cultivando uma pancinha adorável. Esses, sim, são pra manter por perto. 

E eu digo por quê. 

Você nunca verá um homem barrigudinho tirando a camisa dentro de uma boate e dançando como um idiota, em cima do balcão. Se fizer isso, é pra fazer graça pra turma e provavelmente será engraçado, mesmo. Já os `tanquinhos´ farão isso esperando que todas as mulheres do recinto caiam de amores - e eu tenho dó das que caem. 

Quando sentam em um boteco, numa tarde de calor, adivinha o que os pançudos pedem pra beber? Cerveja! Ou coca-cola, tudo bem também. Mas você nunca os verá pedindo suco. Ou, pior ainda, um copo com gelo, pra beber a mistura patética de vodka com `clight´ que trouxe de casa. E você não será informada sobre quantas calorias tem no seu copo de cerveja, porque eles não sabem e nem se importam com essa informação. E no quesito comida, os homens com barriguinha também não deixam a desejar. Você nunca irá ouvir um ah, amor, `Quarteirão´ é gostoso, mas você podia provar uma `McSalad´ com água de coco. Nunca! 

Esses homens entendem que, se eles não estão em forma perfeita o tempo todo, você também não precisa estar. Mais uma vez, repito: não é pra chegar ao exagero total e mamar leite condensado na lata todo dia! Mas uma gordurinha aqui e ali não matará um relacionamento. Se ele souber cozinhar, então, bingo! Encontrou a sorte grande, amiga. Ele vai fazer pra você todas as delícias que sabe, e nunca torcerá o nariz quando você repetir o prato. Pelo contrário, ficará feliz. Outra coisa fundamental: Homens barrigudinhos são confortáveis! Experimente pegar a tábua de passar roupas e deitar em cima dela. Pois essa é a sensação de se deitar no peito de um musculoso besta. Terrível! Gostoso mesmo é se encaixar no ombro de um fofinho, isso que é conforto. E na hora de dormir de conchinha, então? Parece que a barriga se encaixa perfeitamente na nossa lombar, e fica sensacional. 

Homens com barriga não são metidos, nem prepotentes, nem donos do mundo. Eles sabem conquistar as mulheres por maneiras que excedem a barreira do físico. E eles aprenderam a conversar,a ser bem humorados, a usar o olhar e o sorriso pra conquistar. É por isso que eu digo que homens com barriguinha sabem fazer uma mulher feliz. CHEGA DE VIADAGEM! O mundo inteiro sabe que quem gosta de homem bonito são os viados. Mulher quer homem inteligente, carinhoso e boa praça. Chega de ter a consciência pesada após beber aquela cervejinha, ou aquele vinho, e comer aqueles petiscos.Passe a diante para todos os barrigudos e simpatizantes!
Por: CARLA MOURA PSICÓLOGA, ESPECIALISTA EM SEXOLOGIA)

domingo, 2 de dezembro de 2012

DECISÕES MORAIS

É uma da tarde, e você dirige uma caminhonete pelas ruas de São Paulo. De repente, você esbarra num carro parado; ao lado dele, dois motoqueiros; um dos dois enfia seu braço armado pelo vidro do motorista do carro; o assaltante ameaça e grita, ele pode atirar a qualquer momento, quer seja porque não estão lhe entregando o que ele pediu, quer seja porque não gostou do que lhe foi entregue, quer seja porque, simplesmente, ele está nervoso e a fim de matar.


Atrás de você e da cena do assalto, só buzinam os mais afastados, que não enxergam o que está acontecendo. Os mais próximos ficam paralisados, divididos entre o medo e a vergonha por não reagirem e por serem cidadãos de um lugar onde isso é possível e corriqueiro.

Você está na posição ideal para pisar fundo e atropelar os dois meliantes, antes que atirem ou que fujam, ganhando, mais uma vez, dos assaltados e de todos nós.

Você não vai acelerar. É por medo de que o assaltante evite seu carro e acerte você com um tiro? É por preguiça de se envolver com polícia e investigação? Ou receia que cúmplices e familiares dos criminosos se vinguem?

Tudo bem, imaginemos que seja noite funda: não há ninguém, só os assaltantes, os assaltados e você. Ninguém verá nada. Ainda assim, você não vai acelerar?

Talvez prevaleça em você a inibição que paralisa a muitos na hora de machucar um semelhante, mesmo odioso. Ou talvez você queira agir "segundo a lei". Mas você sabe que a lei contempla e admite a "legítima defesa de terceiro"? Tudo bem, sua única obrigação jurídica é acionar a autoridade competente: fique no seu carro e ligue para a PM, uma viatura chegará a tempo para interromper o assalto e proteger os assaltados -não é verdade?

Ok, você hesitou demais, um dos assaltados acaba de ser baleado. Juridicamente, você não tem responsabilidade por não ter agido. A lei não exige de ninguém que seja herói. Mas será que isso é verdade também da moral? Você vai dormir tranquilo?

Outro dilema. Agora, imagine que, exatamente na mesma cena, você seja o assaltado. A caminhonete do dilema anterior apareceu, atropelou os assaltantes e sumiu. O bandido para quem você entregou sua bolsa está no asfalto, numa poça de sangue. Você faz o quê? Chama uma ambulância e espera para dar depoimento? Ou recupera o que lhe foi roubado e vai embora?

Já escrevi aqui mais de uma vez: admiro a teoria dos estágios do pensamento moral, de Lawrence Kohlberg. Resumindo, com nosso exemplo: é inútil querer decidir se é mais moral jogar a caminhonete para cima dos ladrões ou se esconder atrás do volante.

O que importa é a razão de nossa escolha. Se decidirmos por medo da punição, por conformidade ou mesmo por respeito à lei, nossa conduta será moralmente medíocre. Se decidirmos segundo o que nos parece certo, em nosso foro íntimo, nossa conduta -seja ela qual for- será de uma qualidade moral superior.

Mais uma coisa: Kohlberg também mostrou que a gente não melhora moralmente à força de memorizar valores ou exemplos a seguir, mas destrinchando dilemas e ponderando como e por que agiríamos de uma maneira ou de outra.

Os dois dilemas que acabo de expor são extraídos de um filme excelente, que não me sai da cabeça, "Disparos", de Juliana Reis, em cartaz desde sexta passada.

"Disparos" acontece no Rio, embora seu roteiro seja, hoje, mais paulistano do que carioca. De qualquer forma, não perca o filme e não fuja do debate íntimo sobre o que você faria numa situação parecida (até porque as chances de viver uma situação parecida aumentam a cada dia).

O Senado acaba de incluir disciplinas de ética no currículo do ensino fundamental e médio. Espero que se evite a monumental estupidez de ensinar ética normativa, ou seja, de querer enfiar valores em nossas crianças -goela abaixo, como se fossem partículas consagradas.

Para crianças como para adultos, "aprender" ética significa aprimorar a disposição a pensar moralmente, ou seja, a capacidade de debater, em nosso foro íntimo, os enigmas complexos (e, muitas vezes, insolúveis) que a realidade nos apresenta. Como disse, essa disposição só melhora à força de encarar dilemas.

Sem esperar o mais que provável desastre do novo curso, podemos ir (e levar nossos adolescentes) ao cinema. "Disparos" é um filme perfeito para pesar a complexidade da vida urbana no Brasil, ou seja, para pensar o que significa sermos morais hoje, aqui, no lugar em que estamos vivendo. Por: Contardo Calligaris, Folha de SP

sábado, 1 de dezembro de 2012

A EUROPA DE STEINER

Estou sentado num café no centro de Lisboa. Sobre a mesa, os jornais do dia. Então um cavalheiro aproxima-se da minha mesa, olha para os jornais e pergunta: "São da casa?".


Eu sorrio, digo que não, que são meus, mas disponibilizo a prosa na mesma. O homem agradece, escolhe um deles, afasta-se e começa a leitura matinal. Então eu penso: isto é a Europa.

Penso eu e pensa George Steiner, em pequeno ensaio que recomendo. Intitula-se "A Ideia de Europa", foi uma conferência célebre proferida por Steiner no Instituto Nexus, da Holanda, e a ambição do autor era a de encontrar o patrimônio cultural que une os europeus.

Steiner é magistral, na forma e no conteúdo: não, aquilo que une os europeus não é a União Europeia, o euro e outras construções burocráticas presentemente em crise.

A ligação fundamental encontra-se, antes, na cultura, no pensamento e, enfim, numa certa forma de estar e de viver que, embora possa ser exportada para outras latitudes, tem um berço reconhecível.

Os cafés são um bom exemplo. As ilhas britânicas podem ter os seus pubs. As cidades americanas podem ter um bar em cada esquina. Mas os pubs e os bares não são os cafés de Lisboa, frequentados por Fernando Pessoa. Nem os cafés de Odessa, povoados pelos gângsteres de Isaac Babel.

Para Steiner, os cafés da Europa são lugares de encontro, ociosidade, debate e até produção intelectual. Como escreve o autor, podemos imaginar tudo num pub ou num bar. Não imaginamos a produção de uma obra filosófica; um debate político intenso; o nascimento de um novo movimento artístico; ou até, como agora, a simples partilha anônima dos jornais do dia para acompanhar o café da manhã.

A Europa são os seus cafés. E seria possível escrever uma história cultural do continente atribuindo a Karl Kraus, a Carnap ou a Musil o seu café particular, escreve Steiner.

Mas a ideia de Europa não se limita aos cafés. Nessa ideia, está também a dimensão humana e histórica dos lugares. A Europa não é percorrida por uma selva amazônica ou por um deserto do Saara. As suas distâncias não são geológicas ou continentais.

A Europa, desde sempre, foi um território pedestre, no sentido literal do termo: algo para ser descoberto a pé. As distâncias são humanamente modestas. E, em cada rua ou praça, não temos a classificação impessoal e numérica das grandes cidades americanas: Quinta Avenida, Sexta, Sétima, e por aí afora.

Temos marcas literárias, políticas, artísticas, de um continente saturado de passado. Steiner cita exemplos: rue Lafontaine, place Victor Hugo, Pont Henri IV. Os europeus convivem diariamente -melhor: caminham diariamente- pela evidência material e imaterial do que ficou para trás.

Por fim, não interessa se você nasceu em Lisboa, Paris ou Berlim. O europeu é sobretudo herdeiro de Atenas e Jerusalém: da cidade terrestre e da cidade celeste; da tensão permanente entre a razão e a fé; entre o espírito científico e as "intimações" da transcendência.

Foi desse diálogo, e até desse confronto, que nasceu o melhor das artes e das letras. Um patrimônio que sobrevive até hoje.

Claro que Steiner, o último grande humanista do nosso tempo, também sabe que a ideia de Europa não se limita a páginas nobres: a Europa foi igualmente o espaço de ódios viscerais e barbaridades sem perdão.

Como Steiner repetidamente escreve em várias das suas obras, o continente europeu foi aquele onde era possível escutar Schubert ao jantar e, na manhã seguinte, gasear judeus de consciência limpa.

Mas mesmo essa experiência negra conferiu aos europeus um "sentido de finitude" apurado. É essa consciência assombrada que distingue o homem europeu do otimismo fundacional que impera no Novo Mundo.

Moral da história?

Todos os dias, o leitor é confrontado com notícias apocalípticas sobre o futuro da União Europeia. E é possível que, lendo essas notícias, o leitor cometa o erro mais comum sobre a matéria: confundir a União Europeia com a Europa e os burocratas de Bruxelas com os europeus.

Nada mais falso. Ler George Steiner é reaprender que a ideia de Europa é anterior à União Europeia. E que, aconteça o que acontecer, essa ideia irá sobreviver a ela.
Por: João Pereira Coutinho, Folha de SP

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

ASTROTEOLOGIA: BREVE INTRODUÇÃO

Vivemos numa época peculiar, na qual o que antes era província da religião faz parte da ciência


Nós, humanos, somos seres limitados. Criativos e inovadores, conseguimos ampliar em muito a nossa compreensão do mundo por meio da aplicação diligente da razão e, complementarmente, das artes.

Isso porque, se a ciência e as artes têm algo em comum, é justamente a tentativa de estender nossa visão de mundo, de ampliar as fronteiras do conhecimento, revelando aspectos inusitados do real. Um teorema e um poema são reflexões do possível, seja o concreto ou o onírico. A imaginação lança mão de todos os recursos à sua disposição para dar sentido à existência.

Talvez seja por isso que o teólogo americano Reinhold Niebuhr escreveu que "o homem é o seu maior problema". Nossas filosofias, ciências e religiões são tentativas de compreender a existência apesar de nossa miopia, isto é, de nossas limitações sobre o que vemos e entendemos.

Nessa busca, não é coincidência que a crença religiosa funcione como uma bússola para tantas pessoas. Como explicar a origem do Universo? Ou da vida? Ou por que temos uma mente capaz de refletir sobre essas questões complexas?

Tais questões são, hoje, parte da pesquisa científica de ponta. Vivemos numa época peculiar, em que o que antes era província exclusiva da religião faz parte do discurso rotineiro da ciência. Porém, por não termos ainda respostas, essas questões continuam nos assombrando.

Talvez um dos dilemas da humanidade seja a angústia de poder contemplar o divino sem sê-lo. Temos a capacidade de imaginar a perfeição, a ausência de dor, a imortalidade; mas, tirando a ficção e a fé, não temos como transcender nossa realidade carnal, os limites temporais e espaciais. Ou será que temos?

Considerando que a ciência moderna tem apenas quatro séculos (marcando seu início com Kepler e Galileu), e percebendo o quanto já fizemos em tão curto prazo, imagine o que nos espera em mil anos?

Ou 10 mil anos, se, claro, não nos destruirmos antes disso. A ciência nos permite já uma manipulação dos genes de criaturas, a ponto de podermos modificar o que comemos e mesmo alcançar curas diversas.

Extrapolando a expansão tecnológica para o futuro, alguns afirmam que, em algumas décadas, chegaremos a um ponto em que nossa hibridização com máquinas será tão profunda que não poderemos mais nos dissociar delas. Caso essas previsões se concretizem -e, a meu ver, já estão ocorrendo-, seremos, como escrevi aqui recentemente, uma nova espécie, além do humano.

Agora imagine que, tal como nós, outras criaturas inteligentes em algum canto da galáxia descobriram a ciência. Só que o fizeram, digamos, 1 milhão de anos antes de nós, o que em termos cósmicos não é nada.

Essas criaturas teriam se transformado completamente ao se hibridizar com máquinas. Seriam, talvez, apenas informação, existindo em campos energéticos no espaço.

Teriam o poder de criar vida, escolhendo suas propriedades. Poderiam, por exemplo, ter nos criado, ou a alguns de nossos antepassados, como parte de um experimento. Poderiam, por exemplo, estar nos observando, como nós observamos animais no zoológico ou no laboratório. Essas entidades imateriais, mas existentes, seriam nossos criadores. Seriam eles deuses, mesmo se não sobrenaturais? Por: Marcelo Gleiser  Folha de SP

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

NUTRIÇÃO HUMANA SAUDÁVEL


SER ESPECIAL

Ir a Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?

AFINAL, QUAL a graça de ter muito dinheiro? Quanto mais coisas se tem, mais se quer ter e os desejos e anseios vão mudando -e aumentando- a cada dia, só que a coisa não é assim tão simples. Bom mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio.

Um homem que começa do nada, por exemplo: no início de sua vida, ter um apartamento era uma ambição quase impossível de alcançar; mas, agora, cheio de sucesso, se você falar que está pensando em comprar um com menos de 800 metros quadrados, piscina, sauna e churrasqueira, ele vai olhar para você com o maior desprezo -isso se olhar.

Vai longe o tempo do primeiro fusquinha comprado com o maior sacrifício; agora, se não for um importado, com televisão, bar e computador, não interessa -e só tem graça se for o único a ter o brinquedinho. Somos todos verdadeiras crianças, e só queremos ser únicos, especiais e raros; simples, não?

Queremos todas as brincadeirinhas eletrônicas, que acabaram de ser lançadas, mas qual a graça, se até o vizinho tiver as mesmas? O problema é: como se diferenciar do resto da humanidade, se todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais?

As viagens, por exemplo: já se foi o tempo em que ir a Paris era só para alguns; hoje, ninguém quer ouvir o relato da subida do Nilo, do passeio de balão pelo deserto ou ver as fotos da viagem -e se for o vídeo, pior ainda- de quem foi às muralhas da China. Ir a Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça? Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris, entrar nas perfumarias que dão 40% de desconto, com vendedoras falando português e onde você só encontra brasileiros -não é melhor ficar por aqui mesmo?

Viajar ficou banal e a pergunta é: o que se pode fazer de diferente, original, para deslumbrar os amigos e mostrar que se é um ser raro, com imaginação e criatividade, diferente do resto da humanidade?

Até outro dia causava um certo frisson ter um jatinho para viagens mais longas e um helicóptero para chegar a Petrópolis ou Angra sem passar pelo desconforto dos congestionamentos. Mas hoje esses pequenos objetos de desejo ficaram tão banais que só podem deslumbrar uma menina modesta que ainda não passou dos 18. A não ser, talvez, que o interior do jatinho seja feito de couro de cobra -talvez.

É claro que ficar rico deve ser muito bom, mas algumas coisas os ricos perdem quando chegam lá. Maracanã nunca mais, Carnaval também não, e ver os fogos do dia 31 na praia de Copacabana, nem pensar. Se todos têm acesso a esses prazeres, eles passam a não ter mais graça.

Seguindo esse raciocínio, subir o Champs Elysées numa linda tarde de primavera, junto a milhares de turistas tendo as mesmas visões de beleza, é de uma banalidade insuportável. Não importa estar no lugar mais bonito do mundo; o que interessa é saber que só poucos, como você, podem desfrutar do mesmo encantamento.

Quando se chega a esse ponto, a vida fica difícil. Ir para o Caribe não dá, porque as praias estão infestadas de turistas -assim como Nova York, Londres e Paris; e como no Nordeste só tem alemães e japoneses, chega-se à conclusão de que o mundo está ficando pequeno.

Para os muito exigentes, passa a existir uma única solução: trancar-se em casa com um livro, uma enorme caixa de chocolates -sem medo de engordar-, o ar-condicionado ligado, a televisão desligada, e sozinha.

E quer saber? Se o livro for mesmo bom, não tem nada melhor na vida.

Quase nada, digamos. Por: DANUZA LEÃO FOLHA DE SP - 25/11

terça-feira, 27 de novembro de 2012

PORQUE FIZ OS CURSOS QUE FIZ

Leitor quer saber se fiz curso de Filosofia e doutorado em Letras apenas para defender a tese de que os cursos de Filosofia e Letras são inúteis. Nada disso, meu caro. A conclusão é a posteriori. Antes de ter feito estes cursos, não tinha noção alguma de suas inutilidades.


Ocorre que, quando jovens, ao escolhermos uma universidade, não temos noção alguma do que vamos encontrar. Até pode ser que alguém nascido em família de acadêmicos possa ter uma idéia do que o espera. Não era meu caso. Eu era filho de camponeses e jamais tive quem me orientasse.

Quando você escolhe Medicina, já se imagina uma espécie de Dr. Kildare, aliviando o sofrimento dos enfermos. Entra na profissão e cai na dura realidade do pagamento ínfimo dos convênios. Tem de desdobrar-se em dois ou três empregos para levar o pão para a casa. Pode até ter sucesso na carreira e muitos chegam lá. Mas isto não é para todos. Escolhe Direito e se imagina um bem sucedido defensor dos fracos e oprimidos, usando sua tribuna para fazer justiça aos que dela necessitam. O Direito Penal sempre atrai os jovens idealistas. Quando você vai ver, se transformou em um burocrata encerrado em um escritório, analisando questões do Direito Tributário. Isso quando você não acaba dirigindo um táxi.

Em minha adolescência, li um livro de Will Durant, onde ele listava um mínimo de autores que um homem culto deveria conhecer. Começava com Platão e Aristóteles, passava por Agostinho e Tomás de Aquino, incluía Descartes, Rousseau, Montesquieu e por aí vai. Fui atrás desses autores todos. Eu vivia então em Dom Pedrito, onde havia apenas uma pequena livraria, que só tinha livros didáticos. Ainda pivete (teria uns quinze anos) viajei a Santa Maria, cidade universitária, onde havia uma sucursal da livraria Globo. Pedi para o balconista ir baixando os livros de minha listinha. Tive sorte. A editora Globo, nos anos 50 e 60, montou uma excelente coleção, a "Biblioteca dos Séculos", que continha boa parte dos livros fundamentais para um homem que se pretenda culto.

O que eu não sabia é que a Suma Teológica tinha dez volumes. Ainda bem que naquela época ainda não fora traduzida. Hoje tenho os dez volumes, em português e latim, quando quero rir um pouco volto à leitura do Boi Mudo. Não li todos os livros sugeridos por Durant, mas li muitos deles. Se hoje considero que nem todos eram fundamentais, foi bom lê-los para saber que não eram.

Daí meu apreço pela filosofia. Achei que se enveredasse por estes rumos, entenderia o homem e o mundo, em suma, a vida. Fiz vestibular também para direito. Primum vivere, deinde philosophare. Como considerava que a filosofia não me daria de comer, pensei em garantir-me com a advocacia.

Foi uma bela aventura intelectual começar com os gregos, socráticos e pré-socráticos. Os Diálogos de Platão me fascinaram, particularmente o Fédon e oCrátilo. Até hoje não esqueço – e seguidamente cito – as considerações do grego sobre as palavras. Crátilo considera que os nomes das coisas estão naturalmente relacionados com as coisas. As coisas nascem — ou são criadas, descobertas ou inventadas — e em seu ser habita, desde a origem, o inadequado nome que as assinala e distingue das demais. Já Hermógenes pensa que as palavras não são senão convenções estabelecidas pelos homens com o propósito de entender-se. As coisas aparecem ou se apresentam ao homem e este, defrontando-se com a coisa recém nascida, a batiza. O significado das coisas não é o manancial do bosque, mas o poço escavado pela mão do homem, diz Camilo José Cela, comentando Platão. O animal doméstico e familiar do qual há muitas espécies e todas ladram, poderia ter-se chamado lombriga, e o che muove il sole e l'altre stelle, de Dante, poderia chamar-se reumatismo, se assim os homens o quisessem.

No curso, fiz quatro anos de História da Filosofia. À medida que a filosofia avançava, tornava-se obscura e confusa, a ponto de confundir-se com a poesia. Foi quando perdi meu entusiasmo pela coisa. Abominei os filósofos contemporâneos. Terminei o curso por teimosia. 

Quanto ao Direito, lá pelo segundo ano já tive consciência de que não conseguiria advogar. Teria de usar terno e gravata e usar linguagem de arcano. Teria também de atualizar-me o tempo todo, dada a fúria legislativa do Brasil. Sem falar que um advogado não pode afastar-me muito de seu escritório. E eu queria viajar. Optei então pelo jornalismo. Terminei o curso também por teimosia. Quando criticasse o Direito, não queria ouvir objeções tipo “ele critica o Direito porque não conseguiu concluir o curso”.

Quanto ao doutorado em Letras, nada tinha a ver com doutorado. Era uma chance de curtir Paris e eu queria curtir Paris. Se o preço a pagar era um ensaio de algumas centenas de páginas, eu o pagava com prazer.

Ou seja, não fiz Filosofia ou Letras só para concluir que estes cursos eram inúteis. Minha vida aventurosa me levou a estas opções. E por que são inúteis? Porque tanto Filosofia como Letras você pode estudar no conforto de sua casa, sem ter de ouvir aulas monocórdias nem ler livros inúteis. Em um curso acadêmico, você será obrigado a ler disciplinas e obras que não interessam. Em Letras, por exemplo, terá de fazer cadeiras de Teoria Literária e Lingüística, puro lixo intelectual que só serve para dar emprego a professores de Teoria Literária e Lingüística. Se optar pelo autodidatismo, você pode se dar ao luxo de ler apenas o que lhe traz prazer.

Tenho um amigo, o Carlos Freire do Amaral, que hoje fala cerca de cem línguas. Deve ter estudado regularmente umas dez. As outras, ele as aprendeu por conta própria. No aprendizado de línguas, o mais difícil são as primeiras quinze línguas. Depois, como diria Heráclito, panta rei. Tudo flui.

Considero um absurdo, por exemplo, cursos universitários de espanhol para brasileiros. Quatro anos para aprender uma língua que se aprende em seis meses. Sem precisar professor algum. Pegue livros e jornais em espanhol, ouça música para adquirir a pronúncia e consulte uma gramática para pegar algumas regrinhas. Em quatro anos, pode-se aprender muito bem quatro ou cinco línguas. Jamais fiz curso de espanhol e devo ter traduzido uns quinze livros do espanhol.

Um outro leitor acha que estou sendo muito utilitarista, afinal nem só de pão vive o homem. Quanto à última premissa, de acordo. Que as pessoas estudem o que lhes dá mais prazer, seja sânscrito ou grego, seja metafísica ou matemática profunda. O que afirmo é que muitas áreas do conhecimento dispensam universidade. 

Admito até que alguém postule uma bolsa no estrangeiro para estudar coisas inúteis. Sempre voltará com um acervo útil: o conhecimento eficaz de uma outra língua e de uma outra cultura. Foi o que fiz. Minha tese é de utilidade ínfima, apenas esclarece um pouco uma obra literária. O mais importante foi conhecer Paris, França e Europa. E este é o legado mais importante de uma bolsa. Por: Janer Cristaldo