quarta-feira, 6 de junho de 2012

QUANTAS VERDADES, OU...

Quantas mentiras, eis a questão deste Brasil que um dia foi de todos nós. 

Que existem muitas verdades num país onde o real é o que está nos autos? Na terra na qual o que conta são as versões do fato, pois os fatos são sempre inatingíveis? No país onde a verdade é tão variável quanto o clima? Aprendi como a verdade tinha a ver com força e poder quando, pequeno, me obrigavam a sair de casa de capa num dia ensolarado. Que ela seja dependente de quem fala - os muitos que gostam de mim falam a verdade, os poucos que não me amam mentem - eu pesquisei, escrevi e hoje lamento que nem a esquerda tenha acabado com essa indecente relatividade. Uma verdade de um lado e do outro dos Pirineus. Ou, como dizem os velhos ianques hoje quase todos esclerosados, uma verdade acima e outra abaixo do Rio Grande, onde começa a tal Latin America - antigo Terceiro Mundo, trocando de lugar com eles. Uma verdade masculina e outra feminina como me explicava um taxista. Nós, homens, éramos ardentes e infiéis; elas, leais por índole. Não tendo contato direto com a juventude, como eu, o sábio machista não percebia quanto sua tese poderia ser posta de cabeça para baixo. Os atributos humanos são móveis e, por isso, sujeitos de crenças inabaláveis. Pois só o incerto é alvo de certezas. Ninguém tem fé num ovo frito! Cremos em Cristo, não nos pregos que o supliciaram. Mas todos sentimos a sombra da superstição que é o apanágio dos livros sagrados diante de um fato incerto; ou de um evento insofismável, mas deformado pelo poder. Como decidir quando se trata de uma conversa entre um ex-presidente mandão, um ex-ministro da Justiça (que é cega) e da Defesa (que deve tudo ver) e um magistrado da mais alta corte de Justiça de um país - um juiz ciente de seu saber e das pompas do seu cargo? Num diálogo no mínimo complexo entre essas figuras - que dizem o certo por linhas tortas; ou o torto por linhas certas -, como não inventar algum tipo de convicção que ajude a suspender o juízo ou a enterrar a razão? Razão, aliás, que por sua vez, não existe neste nosso mundo submoderno onde nada - e só o nada - é plausível e real? * * * A verdade verdadeira só pode nascer por fé ou apoiada em critérios externos. Os meios de reprodução da vida seriam provas da verdade. Mas as coisas se complicaram porque tudo é possível por meio de montagens, de modo que se pode duvidar da prova fotográfica ou sônica. Um governador é filmado recebendo uma bolada; um sujeito é televisionado saindo com uma cesta de dólares de um elevador; uma senhora, esposa de um ilustre deputado, vai a um banco e é filmada pegando um dinheiro; ouvimos conversas fraternais entre um senador, um contraventor e seus associados; vemos fotos de um governador com um empresário com o qual se fizeram contratos de milhões. Em Júpiter e no Inferno, tudo isso seria um testemunho. Mas no Brasil do "tu é nosso e nós somo teu" - o velho Brasil do toma lá dá cá que transformou o governo numa casa-grande e a sociedade numa senzala -, isso é versão! A coisa mais inefável no Brasil de hoje é provar algo contra alguém que seja "nosso". Temos fé ao contrário: acreditamos que a verdade não existe e que os fatos são fabricações. Pergunta-se: a bomba atômica e a goiabada cascão existem? O homem foi mesmo à Lua? Existe morte? Tivemos escravidão? Falarei apenas sobre o homem na Lua. Sobre isso, ouvi do meu pai uma negação impetuosa: seria um truque dos americanos! Prova cabal: eles desceram na Lua e nela, conforme sabemos, não se desce, sobe-se. Ela está no céu, acima de todos nós! * * * * "Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um outro lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade." Essa meditação de Fernando Pessoa serve de epígrafe ao meu livro Carnavais, Malandros e Heróis (de 1979). Nele, eu argumento que o carnaval é uma expressão dessa sociedade nascida da duplicidade ética que, para o bem e para o mal, acasalou igualdade e hierarquia. Escrevi num momento em que as teorias somente contemplavam o falso e o verdadeiro, o conflito ou a paz, como queria Karl Popper e Karl Marx. Há um Brasil da casa e das amizades que não foi soterrado, como as ruínas de Roma, por um Brasil republicano, hoje, petista. Disseram que eu idealizava o Brasil tradicional. Eu pergunto: o Brasil de Lula e Dilma é tradicional ou moderno? Quem fala a verdade? O ex-presidente ou o magistrado do Supremo? Poderia haver uma verdade numa sociedade sem bom senso e sem um mínimo de decência? Essa decência das crianças que sabem quando os doces acabam, porque é no limite que se esconde a verdade? Por: Roberto DaMatta O Estado de S. Paulo

JUSTIÇA BRASILEIRA

“É um reflexo da situação da justiça brasileira”, diz Marco Villa sobre a aceitação da violência contra criminosos 

 Os brasileiros estão mais tolerantes ao uso da tortura para obtenção de provas contra criminosos. Uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) revelou que cerca de um terço da população aprova o uso da tortura e que grande parte da opinião pública é a favor do uso da violência policial em casos dos crimes de estupro, tráfico e seqüestro. Para o historiador e especialista do Instituto Millenium, Marco Antonio Villa, a ineficiência da justiça e a certeza da impunidade explicam o flerte com soluções antidemocráticas. “Temos um sistema que garante a impunidade e que tem péssimos códigos. As pessoas não encontram justiça no Brasil. É comum que responsáveis por crimes bárbaros sejam soltos depois de três ou quatro anos. Desesperadas, as pessoas começam a flertar com soluções bárbaras e pré-civilizatórias.” As pessoas não encontram justiça no Brasil A pesquisa Apenas 52,5% das pessoas consultadas em 2010 condenaram a prática. Em 1999, 71,2% dos entrevistados eram contra esse tipo de comportamento. Belém e Fortaleza são as capitais com maior nível de aceitação do uso da violência. O levantamento feito pela USP ouviu 4.025 pessoas a partir da faixa dos 16 anos em 11 capitais brasileiras, em 2010. Fonte: G1

segunda-feira, 4 de junho de 2012

LONGA NOITE


Todos parecem sentir que a casa está na mais perfeita ordem, e alguns até são loucos o bastante para acreditar que o grande sinal de saúde cultural do país são eles próprios. 

 Se há uma coisa que, quanto mais você perde, menos sente falta dela, é a inteligência. Uso a palavra não no sentido vulgar de habilidadezinhas mensuráveis, mas no de percepção da realidade. Quanto menos você percebe, menos percebe que não percebe. Quase que invariavelmente, a perda vem por isso acompanhada de um sentimento de plenitude, de segurança, quase de infalibilidade. É claro: quanto mais burro você fica, menos atina com as contradições e dificuldades, e tudo lhe parece explicável em meia dúzia de palavras. Se as palavras vêm com a chancela da intelligentzia falante, então, meu filho, nada mais no mundo pode se opor à força avassaladora dos chavões que, num estalar de dedos, respondem a todas as perguntas, dirimem todas as dúvidas e instalam, com soberana tranqüilidade, o império do consenso final. Refiro-me especialmente a expressões como “desigualdade social”, “diversidade”, “fundamentalismo”, “direitos”, “extremismo”, “intolerância”, “tortura”, “medieval”, “racismo”, “ditadura”, “crença religiosa” e similares. O leitor pode, se quiser, completar o repertório mediante breve consulta às seções de opinião da chamada “grande imprensa”. Na mais ousada das hipóteses, não passam de uns vinte ou trinta vocábulos. Existe algo, entre os céus e a terra, que esses termos não exprimam com perfeição, não expliquem nos seus mais mínimos detalhes, não transmutem em conclusões inabaláveis que só um louco ousaria contestar? Em torno deles gira a mente brasileira hoje em dia, incapaz de conceber o que quer que esteja para além do que esse exíguo vocabulário pode abranger. Que essas certezas sejam ostentadas por pessoas que ao mesmo tempo fazem profissão-de-fé relativista e até mesmo neguem peremptoriamente a existência de verdades objetivas, eis uma prova suplementar daquilo que eu vinha dizendo: quanto menos você entende, menos entende que não entende. Ao inverso da economia, onde vigora o princípio da escassez, na esfera da inteligência rege o princípio da abundância: quanto mais falta, mais dá a impressão de que sobra. A estupidez completa, se tão sublime ideal se pudesse atingir, corresponderia assim à plena auto-satisfação universal. O mais eloqüente indício é o fato de que, num país onde há trinta anos não se publica um romance, uma novela, uma peça de teatro que valha a pena ler, ninguém dê pela falta de uma coisa outrora tão abundante, tão rica nestas plagas, que era a – como se chamava mesmo? – “literatura”. Digo que essa entidade sumiu porque – creiam – não cesso de procurá-la. Vasculho catálogos de editoras, reviro a internet em busca de sites literários, leio dezenas de obras de ficção e poesias que seus autores têm o sadismo de me enviar, e no fim das contas encontrei o quê? Nada. Tudo é monstruosamente bobo, vazio, presunçoso e escrito em língua de orangotangos. No máximo aponta aqui e ali algum talento anêmico, que para vingar precisaria ainda de muita leitura, experiência da vida e uns bons tabefes. Mas, assim como não vejo nenhuma obra de literatura imaginativa que mereça atenção, muito menos deparo, nas resenhas de jornais e nas revistas “de cultura” que não cessam de aparecer, com alguém que se dê conta do descalabro, do supremo escândalo intelectual que é um país de quase duzentos milhões de habitantes, com uma universidade em cada esquina, sem nenhuma literatura superior. Ninguém se mostra assustado, ninguém reclama, ninguém diz um “ai”. Todos parecem sentir que a casa está na mais perfeita ordem, e alguns até são loucos o bastante para acreditar que o grande sinal de saúde cultural do país são eles próprios. Pois não houve até um ministro da Cultura que assegurou estar a nossa produção cultural atravessando um dos seus momentos mais brilhantes, mais criativos? Media, decerto, pelo número de shows de funk. Estão vendo como, no reino da inteligência, a escassez é abundância? Mas o pior não é a penúria quantitativa. Da Independência até os anos 70 do século XX, a história social e psicológica do Brasil aparecia, translúcida, na literatura nacional. Lendo os livros de Machado de Assis, Raul Pompéia, Lima Barreto, Antônio de Alcântara Machado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado, Marques Rebelo, José Geraldo Vieira, Ciro dos Anjos, Octávio de Faria, Anníbal M. Machado e tantos outros, obtínhamos a imagem vívida da experiência de ser brasileiro, refletida com toda a variedade das suas manifestações regionais e epocais e com toda a complexidade das relações entre alma e História, indivíduo e sociedade. A partir da década de 80, a literatura brasileira desaparece. A complexa e rica imagem da vida nacional que se via nas obras dos melhores escritores é então substituída por um sistema de estereótipos, vulgares e mecânicos até o desespero, infinitamente repetidos pela TV, pelo jornalismo, pelos livros didáticos e pelos discursos dos políticos. No mesmo período, o Brasil sofreu mudanças histórico-culturais avassaladoras, que, sem o testemunho da literatura, não podem se integrar no imaginário coletivo nem muito menos tornar-se objeto de reflexão. Foram trinta anos de metamorfoses vividas em estado de sono hipnótico, talvez irrecuperáveis para sempre. O tom de certeza definitiva com que qualquer bobagem politicamente correta se apresenta hoje como o nec plus ultra da inteligência humana jamais teria se tornado possível sem esse longo período de entorpecimento e de trevas, essa longa noite da inteligência, ao fim da qual estava perdida a simples capacidade de discernir entre o normal e o aberrante, o sensato e o absurdo, a obviedade gritante e o ilogismo impenetrável.Por: OLAVO DE CARVALHO | 04 JUNHO 2012 Publicado no Diário do Comércio.

CÃES JÁ VALEM MAIS QUE GENTE

Vivi em Paris de 1977 a 1981. Se houve algo que me chocou na França, foi o status do qual gozavam os cães. Cheguei até a mesmo a fazer um dossiê sobre o assunto, que deveria ter uns bons quatro ou cinco quilos. Uma pequena parte desse dossiê está transcrita em Ponche Verde. Do Le Monde, por exemplo, reproduzi uma reportagem sobre uma psicanalista de cães. A moça tinha seis anos de especialização na Inglaterra - onde a psicanálise canina está um século à frente em relação à França, dizia o jornal - e falava dos traumas que poderiam acometer os animaizinhos. Um dos graves problemas do cão parisiense era a crise de identidade, de tanto andar entre humanos o cão acabava esquecendo que era um cão, assim era bom que de vez em quando ele saísse com seus semelhantes. Um outro problema, e este dos mais graves, era o fato de que, sendo o cão muito sensível, seus problemas psíquicos muitas vezes não decorriam de seu próprio psiquismo, mas dos problemas vividos pelos proprietários. Se havia atritos no casal, estes eram imediatamente intuídos pelo cão, de modo que a psicanalista se via forçada a sugerir ao casal uma boa análise, pelo menos em nome da saúde psíquica do cão. Mas o recorte que mais me impressionou na época foi sobre o direito de visita a cães. Um marido, em instância de divórcio em Cretéil, Val-de-Marne, obteve de um juiz de paz um direito de visita a seu cãozinho, já que a mulher havia ficado com a guarda do animal. O casal só se entendia em dois pontos: a ruptura e a vontade de ver regularmente o bichinho. O juiz, após ter oficialmente constatado que havia convergência de pontos de vista por parte do marido e da mulher a respeito do animal, deu ao marido o direito de visitar seu cachorro dois fins-de-semana por mês e de guardá-lo durante boa parte das férias. Para mim, latino, era como se estivesse lendo alguma ficção de Swift ou Kafka. Nunca entendi - e até hoje não entendo - como pode um casal mobilizar a máquina judiciária para chegar a um acordo tão banal. Quarenta anos depois, a moda chegou até nós. Leio nos jornais que os conflitos de família na disputa pela guarda dos filhos ganharam uma nova dimensão. A paixão pelos bichos de estimação caminha rumo aos tribunais, com direito a projeto de lei que prevê, inclusive, a interferência de um juiz para arbitrar as decisões. "Pode soar como exagero àqueles que nunca compartilharam o apego por um animal. O tema, no entanto, é delicado e ganha grandes proporções em situações de divórcio. A decisão de quem ficará com os bichos de estimação pode se transformar em um doloroso dilema, quando ninguém quer se privar da convivência com o animal. Se aprovada, a lei que tramita na Câmara dos Deputados autorizará que um juiz determine quem vai ficar com os mascotes. Fatores como ambiente adequado, disponibilidade de tempo para cuidados, grau de afinidade e afetividade deverão ser determinantes para a decisão do magistrado". Os nobres deputados andam com falta de assunto. Num país em que os juízes são escassos, pretendem mobilizar a máquina judiciária para dirimir pendengas entre casais, que se sentem incapazes de tomar uma decisão tão banal, como dividir a guarda de um cachorro. Segundo o advogado especialista em Direito da Família Rolf Madaleno, é comum encontrar casos onde a disputa pela guarda dos animais vai parar na Justiça. Esses processos, no entanto, tratam o tema como secundário causando, muitas vezes, constrangimento entre os envolvidos. O tema, avalia, exige um olhar mais sensível. Sua opinião é compartilhada pela veterinária e doutora em psicologia Ceres Faraco. Ela diz que é possível entender reações extremas dos donos na iminência de perder o convívio com os animais. Os bichinhos são, hoje em dia, como membros da família, com papel tanto ou até mais importante que outros membros humanos, com um vínculo muito intenso. Ó tempora, ó mores! Cachorro já vale mais que gente. Obsoleto como sou, ainda prefiro os seres humanos. Por Janer Cristaldo

UMA SOCIEDADE DE PERDEDORES



Estamos caminhando para uma sociedade de perdedores, de maricas, de frangos, em suma, de pequenos indivíduos medíocres. Cento e doze anos após a morte de Nietzsche, o Brasil embarca numa cruzada moralizante de rebanho. É espantoso ver como andamos rapidamente para o matadouro da civilização. Caminhamos para a nossa morte, em silêncio. Meu tom apocalíptico pode parecer exagero, mas é necessário para demonstrar o quanto determinadas atitudes estão levando a humanidade ao seu crepúsculo. A nova lei do bullying é um exemplo disto. Sob a alcunha de "intimidação vexatória" o Brasil irá criminalizar o bullying. Aquele colega de sala de aula chato que todos nós temos ou tivemos, apaixonado por colocar apelidos e que, devido ao fato de ter menos vergonha ou ser mais efusivo, sempre ultrapassa um pouco os "limites", será criminalizado pelo simples fato de ser chato. Estamos decretando o fim do humor, da piada, da risada e da diversão que é capaz de mudar a nossa rotina. Obviamente que a lei não é tão simplista quanto o exemplo do colega praticante do bullying para com os gordos, portadores de óculos, fanhos etc. A lei proposta é clara em dizer que o crime é intimidar, constranger, ameaçar, assediar sexualmente, ofender, castigar, agredir ou segregar criança ou adolescente. A punição será de um a quatro anos, em caso de condenação. Aqui é preciso dar uma pausa, respirar e demonstrar a estupidez desta proposta de lei. A particularização das leis mais atrapalha do que auxilia. Uma proposta de simplificar o que seria de fato um crime é defini-lo como coação para com a vida e a propriedade de terceiros. Neste sentido, agressões físicas, assassinatos, roubos e furtos são crimes fáceis de identificar, pois a coação para com a vida e propriedade alheia é evidente. Como podemos identificar o crime de intimidação vexatória? Intimidar é obviamente uma agressão para com a integridade da pessoa, é levá-la pela força a agir ou deixar de agir de determinada forma. O mesmo ocorre com a ameaça e a agressão. É fácil identificar que estes três pontos possuem realmente um viés de coação para com a pessoa. Não é preciso esperar o disparo da arma para agir, a arma em punho e a clara intenção de atirar, isto é, a ameaça, é passível de reação perante o agressor. Entendo que os critérios que constituem a diferença entre uma mera ameaça trivial de uma ameaça real podem ser nebulosos, por isso o uso do exemplo da arma. O que não faz sentido é que já existem leis que criminalizam a agressão, a ameaça e a intimidação, não fazendo sentido mais particularizações. Não é preciso falar sobre o assédio sexual, que também já é crime e não precisava constar na lista da intimidação vexatória. Os problemas começam com a criminalização do constrangimento. Como mensuramos o constrangimento? Tudo o que constrange individualmente uma criança e adolescente deverá ser crime? Numa sociedade de adultos donos de si mesmo e não meros servos de vontades alheias faz-se tudo aquilo que não agrida terceiros. Apenas seres pequenos visam coibir, pela força da lei, que pessoas livres exerçam sua liberdade. O não constrangimento está muito mais relacionado à sensibilidade humana em não constranger do que em privação de determinada atitude em prol de um conceito subjetivo. Paralelo ao "crime" de constrangimento está o "crime" da ofensa. Pessoas fracas se sentem ofendidas. Esta lei me ofende por ser estúpida, mas não fico pedindo a prisão dos anencéfalos da comissão de justiça do senado por estar ofendido com tamanha burrice. Ofensas são combatidas ou são ignoradas num processo de abstração psicológica. Prender por ofensa é coisa digna de pessoas mentalmente infantilizadas, incapazes de superar um xingamento. O mundo adulto é repleto de ofensas, calúnias e difamações. Por este motivo ofendo todos os patéticos asseclas da criminalização destes atos. Outro ponto complexo é a definição de castigo. Como criminalizar um castigo? Castigar uma criança amarrando-a num poste, espancando-a com chicote ou cortando seu corpo são todos castigos de agressão física, obviamente atitudes condenáveis. Fico imaginando quantos processos idiotas de adolescentes chatos e pentelhos irão surgir contra as "punições" recebidas de seus pais. Os políticos desocupados (desculpem a redundância) ficam criando estes textos inúteis apenas para daqui algum tempo posarem de benfeitores de "leis da moda". É óbvio que entra em pauta a velha discussão sobre a palmada. Estou convicto que há maneiras mais eficazes de disciplinar um filho, como o uso de regras claras, objetivas e construídas de maneira participativa, com punições restritivas e diálogo acerca da ação e da punição. Entretanto, criminalizar um pai que faz o uso da palmada (que é algo bem diferente do agredir por agredir) é criminalizar a escolha disciplinar. Para os adeptos da discussão sobre diversidade cultural, que defendem que índios possam matar crianças defeituosas ou gêmeas, a palmada é uma construção cultural da tradição judaico-cristã. Neste aspecto, por mais idiota que seja usar a "varinha", não faz sentido criminalizar o castigo perpetuado pelos pais para fins disciplinares. Por último ficou a segregação. Eis outra palavra-coringa do modismo intelectual brasileiro, seguindo a estrada aberta pelo multiculturalismo. Segregar é separar, excluir, não querer manter contato. Agora, as crianças sem amigos podem acusar os colegas de segregação. Evitamos contato com diversos tipos de pessoas e por diversos motivos. Existem diversas pessoas que trabalham com moradores de rua, com sua alimentação, saúde, moradia, reintegração. Porém, há quem tenha, pelo motivo mais idiota que seja, certo nojo de estar perto de moradores de ruas. Ignorar crianças que moram nas ruas e evitá-las é um tipo de segregação. Não faz sentido criminalizar alguém que não deseja que certa pessoa participe de seu convívio pessoal. No fundo, o que esta proposta possui é a insanidade de juntar várias propostas isoladas como a criminalização da palmada e da separação de pessoas do seu convívio. Colocaram itens diversos e foram aplaudidos por pedagogos por criminalizarem o bullying. Os "profissionais" da educação demonstram ser incapazes de lidar com este fato escolar e ficaram felizes com a proposta de lei porque a responsabilidade do bom andamento do processo de ensino-aprendizagem se tornou uma questão jurídica. Não precisarão mais estudar e aprender a enfrentar situações, pois bastará acionar a justiça para que o problema seja resolvido. São os perdedores que se alegram quando outros retiram um pouco de seu fardo. Para completar a proposta, se o "criminoso" for menor de idade não será preso, mas cumprirá uma pena sócio-educativa. Se a prática de bullying ocorre com maior frequência entre crianças e adolescentes, a lei tem qual finalidade? Os professores já não tomam, ou pelo menos deveriam tomar, medidas educativas para lidar com a questão do bullying? Se o debate acerca da intimidação vexatória está presente nos ambientes escolares, com aprendizados sobre alteridade e diversidade cultural, a pena proposta é mais do mesmo. Sendo assim, o alvo desta proposta de lei é criminalizar adultos. Foca-se no bullying, mas indiretamente se criminaliza a palmada, por exemplo. Punirá, na verdade, os pais e os professores. O efeito jurídico será a possibilidade de enquadrá-los em mais delitos. Portanto, esta proteção das crianças e adolescentes tem como efeito criar uma geração de incapacitados em lidar com aqueles que não o aceitam. Serão mimados, não mais pelos pais frouxos, mas pelo estado e todo o poder coercitivo que possui para criminalizar e punir aqueles que os mimados não gostam. Ao invés de ensinar a grandeza do gostar de si e de aprender que no mundo há gente disposta a humilhar e diminuir terceiros e que é preciso estar blindado para combater este tipo de gente, estamos ensinando que ser perdedor e psicologicamente abalável é algo bom. O problema não está em aprender a lidar com os chatos, mas o problema é a existência dos chatos, que merecem cadeia. Neste tipo de inversão lógica é que avançamos para a ruína de nossa sociedade. Exaltamos a incapacidade de enfrentar o mundo, quando deveríamos fazer exatamente o oposto. 
Filipe Celeti é bacharel e licenciado em Filosofia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela mesma instituição.

MEU INFERNO MAIS ÍNTIMO


Um jovem rabino, angustiado com o destino da sua alma, conversava com seu mestre, mais velho e mais sábio, em algum lugar do Leste Europeu entre os séculos 18 e 19. Pergunta o mais jovem: "O senhor não teme que quando morrer será indagado por Deus do porquê de não ter conseguido ser um Moisés ou um Elias? Eu sempre temo esse dia". O mestre teria respondido algo assim: "Quando eu morrer e estiver na presença de Deus, não temo que Ele me pergunte pela razão de não ter conseguido ser um Moisés ou um Elias, temo que Ele me pergunte pela razão de eu não ter conseguido ser eu mesmo". Trata-se de um dos milhares de contos hassídicos, contos esses que compõem a sabedoria do hassidismo, cultura mística judaica que nasce, "oficialmente", com o Rabi Baal Shem Tov, que teria nascido por volta de 1700 na Polônia. A palavra "hassidismo" é muito próxima do conceito de "Hesed", piedade ou misericórdia, que descreve um dos traços do Altíssimo, Adonai ("Senhor", termo usado para se referir a Deus no judaísmo), o Deus israelita (que, aliás, é o mesmo que "encarnou" em Jesus, para os cristãos). Hassídicos eram conhecidos como "bêbados de Deus", enlouquecidos pela piedade divina (e pela vodca que bebiam em grandes quantidades para brindar a vida...) que escorre dos céus para aqueles que a veem. São muitas as angústias de quem acredita haver um encontro com Deus após a morte. Mas ninguém precisa acreditar em Deus ou num encontro como esse para entender a força de uma narrativa como esta: o primeiro encontro, em nossa vida, que pode vir a ser terrível, é consigo mesmo. Claro que se Deus existe, isso assume dimensões abissais. Para além do fato óbvio de que o conto fala do medo de não estarmos à altura da vontade de Deus, ele também fala do medo de não sermos seres morais e justos, como Moisés e Elias, exemplos de dois grandes "heróis" da Bíblia hebraica. Ser como Moisés e Elias significa termos um parâmetro moral exterior a nós mesmos que serviria como "régua". A resposta do sábio ancião ao jovem muda o eixo da indagação: Deus não está preocupado se você consegue seguir parâmetros morais exteriores, Deus está preocupado se você consegue ser você mesmo. Não se trata de pensar em bobagens do tipo "Deus quer que você seja feliz sendo você mesmo" como pensaria o "modo brega autoestima de ser", essa praga contemporânea. Trata-se de dizer que ser você mesmo é muito mais difícil do que seguir padrões exteriores porque nosso "eu" ou nossa "alma" é nosso maior desafio. Enfrentar-se a si mesmo, reconhecer suas mazelas, suas inseguranças e ainda assim assumir-se é atravessar um inferno de silêncio e solidão. Ninguém pode fazer isso por você, é mais fácil copiar modelos heroicos, por isso o sábio diz que Deus não quer cópias de Moisés e Elias, mas pessoas que O enfrentem cara a cara sendo quem são. Podemos imaginar Deus perguntando a você se teve coragem de ser você mesmo nos piores momentos em que ser você mesmo seria aterrorizante. Aí está o cerne da "moral da história" neste conto. Noutro conto, um justo que morre, chegando ao céu, ouve ruídos horrorosos vindo de uma sala fechada. Perguntando a Deus de onde vem aquele som ensurdecedor, Deus diz a ele que vá em frente e abra a porta do lugar de onde vem a gritaria. Pergunta o justo a Deus que lugar seria aquele. Deus responde: "O inferno". Ao abrir a porta, o justo ouve o que aqueles infelizes gritavam: "Eu, eu, eu...". Ao contrário do que dizia o velho Sartre, o inferno não são os outros, mas sim nós mesmos. Numa época como a nossa, obcecada por essa bobagem chamada autoestima, ocupada em fazer todo mundo se achar lindo e maravilhoso, a tendência do inferno é ficar superlotado, cheio de mentirosos praticantes do "marketing do eu". Casas, escritórios, academias de ginásticas, igrejas, salas de aula, todos tomados pelo ruído ensurdecedor do inferno que habita cada um de nós. O escritor católico George Bernanos (século 20) dizia que o maior obstáculo à esperança é nossa própria alma. Quem ainda não sabe disso, não sabe de nada.Por: Luis Felipe Pondé Folha de SP.

domingo, 3 de junho de 2012

HÁ ESCOLAS QUE SÃO GAIOLAS E HÁ ESCOLAS QUE SÃO ASAS.

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.
 
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.
 
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado. Por: Rubem Alves

ENQUANTO SE ESPERA, TUDO PODE ACONTECER

Nem tudo na vida pode acontecer exatamente como planejamos e no momento que desejamos. Algumas situações exigem esperar. Esperar o nascimento de um filho, a diplomação na faculdade, a recuperação de uma doença, a fruta amadurecer, o sinal de trânsito abrir, a fila do banco andar, o pagamento no final do mês, a raiva ceder, o perdão transcender, o amor aparecer... Nem todas as esperas são iguais e nem todos esperam da mesma forma. Algumas esperas podem ser programadas e não causam tanto incômodo, porém quando eventualmente surge algo fora da rotina ou planejamento, alguns conseguem lidar com a situação tranquilamente, enquanto outros são mais impacientes, se estressam, sofrem demasiadamente e chegam até a perder o controle emocional.  A insegurança provocada por um imprevisto e a sensação de perda do controle do futuro podem alterar a percepção do tempo real e causar a impressão de que tudo está acontecendo devagar ou rápido demais. A experiência de viver o presente é abreviada e não desfrutada em sua plenitude. Esta lente desfocada pode causar incômodos e problemas de relacionamento, pois enquanto se espera, tudo pode acontecer, tanto para o bem, como para o mal. Um momento de paciência pode evitar um grande desastre; um momento de impaciência pode arruinar toda uma vida. Enquanto esperam, pessoas costumam utilizar a imaginação. Pensam no motivo da demora, na possibilidade de desistirem do encontro, na repreensão que farão ao atrasado, na recuperação do tempo perdido, na desforra...Até que surja algum esclarecimento, tudo pode estar acontecendo, tanto dentro como fora da cabeça de quem espera, que não tendo por onde se orientar, fica adubando indefinidamente seus pensamentos. Qualquer explicação pode ser suficiente para acalmar os ânimos, porém atraso sem justificativa é extremamente ansiogênico. Esperas ansiosas podem gerar pensamentos e julgamentos falhos acerca do atraso, pois nestas situações o campo de visão de quem espera é limitado por observações, informações e experiências próprias contra um universo de possibilidades adicionais sequer imaginadas. Quem espera toma os limites de seu pequeno campo de visão como os limites do mundo, e se esta espera estiver sendo desagradável, tanto piores serão os pensamentos. Alem disto, ao tentar prever o que está se passando utiliza-se a imaginação como ferramenta. A imaginação é uma força poderosa que pode ultrapassar a razão e levar a ver verdades ou falsidades onde elas realmente não existam. Prever o futuro é um jogo arriscado, e as chances de perder são grandes. Precisamos ser pacientes com a demora, mas não ao ponto de perder o desejo; devemos ser ansiosos, mas não ao ponto de não sabermos esperar. O ato de esperar também pode ser produtivo. Este texto, por exemplo, foi escrito durante um período onde esperar talvez tenha sido a melhor, senão a única conduta possível. Esperar não é o ideal, mas às vezes é o que resta. Entretanto, assim como a impaciência pode ser danosa, o atraso também pode por tudo a perder. Por vezes o trem não passa duas vezes no mesmo lugar. Talvez este artigo não esteja tão bem elaborado e precisasse mais alguns dias para ser revisto e refinado, mas a hora de ser lido era agora. Sem mais demoras ou contratempos. O que vale a pena conquistar, tanto merece a pontualidade, como vale a espera. Se você não demorar demais, posso te esperar por toda a minha vida.Por: Ildo Meyer

sábado, 2 de junho de 2012

O CAFÉ E A LONGEVIDADE

O efeito protetor foi diretamente proporcional ao número de xícaras ingeridas diariamente.  

Antes do primeiro café da manhã, sou um arremedo de mim mesmo. Assim que acordo, sou capaz de executar tarefas mecânicas e de correr duas horas seguidas, mas qualquer esforço intelectual antes da xícara de café com leite é um fardo insuportável. Meu cérebro permanece em modo contemplativo até a cafeína cair na circulação. No meio da manhã, já em plena atividade, sinto uma necessidade louca de repetir a dose; pouco mais tarde, a vontade retorna, irresistível. Se não soubesse que a cafeína tem vida longa no organismo, a ponto de o cafezinho das cinco da tarde interferir no sono da noite, seria daqueles que só vão para a cama depois de tomar o último. Por culpa desse efeito estimulante, tomar café não faz parte do assim chamado estilo de vida saudável. Como a cafeína está ligada a aumentos do LDL (o "mau" colesterol) e a elevações transitórias da pressão arterial, sempre houve suspeita de que pudesse aumentar a incidência de doenças cardiovasculares, como os infartos e os derrames cerebrais. Os resultados dos estudos já realizados, no entanto, foram heterogêneos e inconsistentes com essa hipótese. Pelo contrário, alguns mostraram existir relação inversa entre o consumo de café e o aparecimento de doenças inflamatórias, diabetes, derrames, infartos e ferimentos acidentais. Mas, até aqui, nenhum inquérito populacional havia conseguido relacionar os níveis de consumo diário com a mortalidade. Para responder se quem toma café vive menos tempo, um grupo americano dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) acaba de publicar o estudo mais completo sobre o tema. Por meio de um questionário, foram incluídos na pesquisa 229.119 homens e 173.141 mulheres saudáveis de ambos os sexos, com idades entre 50 e 71 anos. A avaliação inicial compreendia 124 itens relacionados com o estilo de vida e a dieta: consumo de vegetais, frutas, gordura saturada, carne vermelha ou branca e o total de calorias ingeridas. Dos participantes, 79% tomavam café de coador, 19% café instantâneo, 1% expresso e 1% não especificou o modo de preparo. De acordo com o número de xícaras tomadas diariamente, o grupo foi dividido em dez categorias. Comparados com os que não tomavam café, entre os consumidores havia mais fumantes, mais gente que tomava três drinques ou mais por dia e ingeria quantidades maiores de carne vermelha. Também tendiam a apresentar nível educacional mais baixo, a praticar menos exercícios extenuantes e a comer menos frutas, vegetais e carne branca. Por outro lado, havia menos casos de diabetes entre eles. Durante os 14 anos de seguimento dessa população, foram a óbito 33.731 homens e 18.784 mulheres. De início, os dados pareciam mostrar que o consumo de café estaria associado ao aumento da mortalidade. Depois de eliminar fatores como cigarro (especialmente), sedentarismo e obesidade, entretanto, ficou claro haver uma relação inversa: quanto mais café, menor o número de mortes. Além de diminuir a mortalidade geral, tomar café reduziu a mortalidade por diabetes, doenças cardiorrespiratórias, derrames cerebrais, ferimentos, acidentes e infecções. As mortes por câncer não foram afetadas. O efeito protetor foi diretamente proporcional ao número de xícaras ingeridas diariamente. A diminuição mais acentuada da mortalidade aconteceu no grupo de seis xícaras ou mais por dia: redução de 10% nos homens e de 15% nas mulheres. Essa associação foi independente da preferência por café descafeinado ou não, sugerindo que a proteção não ocorre por conta da cafeína. Caro leitor, você deve estar cansado de ler artigos pseudocientíficos que apregoam as vantagens de determinados alimentos. A internet está abarrotada de sites e de mensagens que se propagam feito vírus, exaltando os benefícios do alho, do limão, da alface, do tomate orgânico, da berinjela, e por aí vai. O estudo que acabei de apresentar foi aceito para publicação na "The New England Journal of Medicine", a revista médica de maior circulação, porque é o mais completo já realizado sobre o assunto. Na manhã em que recebi a revista, fazia frio. Quando terminei a leitura do artigo, tomei o segundo café. Uma hora mais tarde, enquanto escrevia a coluna, tomei o terceiro. No final, o quarto, só para comemorar.Por: DRAUZIO VARELLA Folha de S. Paulo

sexta-feira, 1 de junho de 2012

AS PALAVRAS TEM PODER

Querido leitor, desejo sinceramente que você esteja bem e em paz! Nosso tema hoje é sobre o poder das palavras. E, para entrarmos no tema, vou relembrar uma lenda que gira em torno de um rei que atravessou marcante na história da Monarquia. Contam que certa vez, Luiz XIV, poderoso Rei da França, sonhou que havia perdido todos os dentes. Ele acordou assustado e mandou chamar um sábio para que interpretasse o ocorrido. “Que desgraça, senhor”, disse o sábio. Que continuou: “Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa Majestade”. Furioso, o monarca bradou: “Mas que insolente! Como se atreve a dizer tal coisa?” Assim, o rei chamou os guardas e mandou que lhe dessem 100 chicotadas. E ordenou, também, que chamassem outro sábio para que interpretasse o sonho. Outras pessoas de muita sabedoria, então, foram chamadas e todas, sem exceção, diziam a mesma coisa e recebiam 100 chicotadas como resultado da interpretação. Finalmente, um desses sábios foi além e saiu do lugar comum: “Senhor, uma grande felicidade vos está reservada. O sonho indica que o senhor irá viver mais que todos os vossos parentes”. Todos os demais sábios diziam que cada dente caído representava a perda de um parente e veio um que, não desdisse o que os outros falaram, mas disse que o rei iria viver mais que todos os parentes. Diante de tal notícia, o rei, sorridente, mandou dar 100 moedas de ouro a esse sábio. Ao deixar o palácio, um cortesão interpelou o sábio, perguntando como é possível fazer a mesma interpretação que os outros sábios, embora aqueles recebessem 100 chicotadas e ele 100 moedas de ouro? Calmo e de forma direta, como é de hábito, o sábio explicou: “Tudo depende da maneira como se diz as coisas”. É sabido que Luiz XIV teve um dos reinados mais longos da história. Reinou de 1643 a 1715, falecendo aos 77 anos, perfazendo um total de 72 anos de coroa, um recorde para a época. Ele, inclusive, foi sucedido por seu bisneto, uma vez que todos os filhos e netos haviam falecido antes dele. Exposta essa lenda, que tem muito de verdade, trago a reflexão para nossos dias. Talvez esse seja o nosso desafio para nossos relacionamentos, nossas lideranças: a maneira de dizer as coisas, porque as palavras, para muita gente, têm poder. E elas podem gerar felicidade ou desgraça, chicotadas ou moedas de ouro, paz ou guerra, aproximações ou separações. Não é só o que se diz, mas como se diz. A verdade deve sempre ser dita, mas a forma como é feita pode fazer toda a diferença. Que nosso verbo seja impecável, mas terno. Que ele contribua para um mundo melhor, uma existência mais harmoniosa e relacionamentos mais verdadeiros. É assim como o mundo me parece hoje. E para você, as palavras têm poder? Por: Beto Colombo